FRASES 2
Laerte Antonio
Muitas vezes morrer
é o que faz o lírio —
baixa aos ínferos de seus bulbos,
até que em outro verão —
calmo,
esquecido de si —
ressuscita,
como a dizer:
É bom voltar à ribalta.
LA 12/01
Enxergar o próximo
é enxergar a si mesmo.
E essa visão
muda o destino.
LA 12/01
Se deixas o gênio sair da garrafa,
vai ser difícil trazê-lo de volta.
A não ser que o desejes alforriar.
LA 12/01
Não deixe para rir muito depois...
LA 12/01
Gato comeu?
Então lambe (depressa!) o dedo.
LA 01/02
Quem seria tão sábio
que não teria vergonha
de se chamar assim?
LA 01/02
Se o mundo for mesmo acabar,
me chame, amada,
dez minutos antes,
que dez minutos dá tempo..
LA 01/02
Vão por aí?
Vou por aqui.
LA 01/02
Não sendo os meus,
os ovos que se quebrem.
LA 01/02
A vida é uma fatia
de marmelada.
LA 01/02
O amor, comadre,
é espeto.
LA 01/02
A mão que cuida
não colhe as rosas
( pelo menos as mais belas...).
LA 01/02
Sempre que a via
ordenhava a esperança.
LA 01/02
Fez a barba da xiranha,
mas deixou-lhe o bigode.
LA 01/02
Era uma flor,
talhada no granito.
LA 01/02
Andava tão necessitada,
que, por vezes, o ascensorista
precisava socorrê-la.
LA 01/02
Quando ela descuidava,
o marido lhe abria a bolsa.
Só telefones,
bilhetes, galanteios,
camisinhas, paninhos perfumados...
Dinheiro que era bom: nuncas.
LA 01/02
No consultório:
Levanta mais a perna, mais...
Um pouco mais, mais...
mai...sssssssssss
Olha, doutor,
será que não era melhor
a gente descer desta escada?...
LA 01/02
Paiê!
O diabo existe?
Pergunta pra tua avó.
LA 01/02
— Será qui Deus ixiste memo, cumpadre?!
— Memo não sei, mas mesmo existe.
Tentou dar a segunda,
e apanhou muito,
ouvindo palavrões altíssimos.
No outro dia, bem cedo,
a mulher do maquinista
( sua vizinha ) o chamou
pra dar um jeito no chuveiro.
LA 01/02
Adorava a quinta esposa:
surda-muda e paraplégica,
pagava duas enfermeiras
( por sinal, suas primas )
para se revesarem com ela
de hora e meia em hora e meia
em cuidados e desvelos.
LA 01/02
Por mais azul que o tempo esteja,
quando tu chegas, chove.
LA 02/02
Fazer amor é como
cortar a grama:
você faz ou corta,
mas logo cresce.
LA 02/02
Ladrão de pão,
dá até execução.
De milhão,
dá nada não.
LA 02/02
Melhor fazer que ver.
LA 02/02
Abre mais, comadre,
senão não entra.
A geladeira nova,
enfim, chegara.
LA 02/02
Frases ditas pela metade
alvoroçam ouvido
de parede-meia.
Exemplo:
Devagar, devagar —
põe só a metade, bem!
Situação:
Patroa, empregada, macarrão,
panela com água fervendo.
LA 02/02
O ver com o dizer
é uma coisa.
O ouvir sem o ver
é uma loucura.
Exemplo:
— Ai, bem! Ai, bem!...
— Vou te rachar no meio!...
....................................................
Alguém chamou a polícia.
Mas não era o caso...
LA 02/02
Mais vale a fé
que o pau do barco.
Mais o ritual
que a coisa.
Mais a possibilidade
que a posse.
Mais vale pensar que vale
que só valer.
LA 02/02
Mais vale a fé
que a pregação.
....................................
E vale muito o exemplo,
sobretudo se os ouvidos
forem de pedra
e os corações —
de aroeira encruada.
LA 02/02
Fariseu, fariseu,
o teu céu,
tua oração
valem bem menos
que uma pinga com limão.
Se bem que tem gente
que não troca.
LA 02/02
Em geral os governos
nos dão o que frei Leitão
( desde bem moço hortelão )
tem dado pra Joaninha
( dia sim, dia não )
fazer a sopa —
um bulbo tuberoso
e mais duas batatas.
LA 02/02
Como estou sem há muito tempo,
a tua dita cuja, ó minha amiga,
me fora mais que refrigério.
LA 02/02
Se me trouxeres o teu corpo,
cujá-lo-emos noite inteira.
LA 02/02
Nas noites frias ou com chuva,
feliz de quem dispõe, meu Deus,
de um forte abraço de xiranha.
LA 02/02
Escrever
é um modo de dizer
que alguma coisa não vai bem.
LA 02/02
Os gatos se amam com as unhas.
Os homens? Nem com isso.
LA 02/02
Engraçado,
o fazer desgasta
o próprio fazer.
LA 02/02
A beleza
é a maior fraude
para quem a procura.
LA 02/02
Usar o dinheiro é possuí-lo;
amá-lo é ser possuído.
De costas.
LA 02/02
O corno é o indivíduo
invejado de um lado
e revezado de outro.
A cornitude
é só um elogio
e um modo de variar.
LA 02/02
Seja a xiranha
daquele por quem lateja!
Que assim seja.
LA 02/02
O vizinho era louco por jaca.
A baixinha taluda da sorveteria
ia levar-lhe a fruta
toda santa tarde.
LA 02/02
Meu pai era um excelente homem.
Eu não. Apenas sou
muito pouco melhor que ele.
LA 02/02
Meus amigos me incentivam muito,
me animam sempre,
sim: me encorajam até
a não acreditar em nenhum deles.
LA 02/02
Não confunda
dois mais dois
com te vejo depois.
....................................
Esses testículos
não são de boi,
mas de bezerro.
LA 02 /02
A paz entre os homens
de
pen
de
de seu estado de guerra.
LA 02/02
Aquilo perde a graça
quando o cavalo come a rosa
e te deixa os espinhos.
LA 02/02
Às três da tarde,
o padeiro trazia o pão quentinho
à dona Grácia,
e entrava
pra tomar um cafezinho.
LA 02/02
O momento era duplamente delicado:
ou o funcionalismo
abria mão do aumento,
ou o governo não teria
como pagar a folha dos aposentados.
Traseiro gordo sem fundos?!
E pruquenão?
LA 02/02
Gostava tanto da esposa,
que só comia a empregada.
LA 02/02
Não adianta, meu velho.
Não adianta.
Melhor sem ela, André.
....................................................................
E esqueça a tal fragilidade de Gláucia...
Pra que serve um amigo, André?
Vai! Pega outro trem —
eu cuido dela.
LA 02/02
Que pena!
As penas
escondiam-lhe a bunda
( um terço dela!!!!)
na avenida...
Mas o marido
processou a escola.
LA 02/02
A comadre telefonou:
Ai, compadre, quando puder,
vem. Vem me tirar um bruta dum berne —
aqui em cima: entre a coxa e a ilharga...
...............................................Compadre?!
Mas não moras aviões e trens daqui?
É que vim, comadre, em perispírito....
O corpo chega amanhã.
E, compadre, esse tal perispírito
tem força pra tirar berne?
Tem sim, comadre: dei-lhe uma poção
de hectoplasma líquido —
de modo que o corpo astral fica tinindo...
Mas tira o berne, compadre,
e faz também outras coisas?
Claro que sim, Eudóxia. Claro.
Então, compadre, telefona
à tua outra parte: dispensa-a.
..................................................................
De fato, tirou-lhe o berne,
e encheu-lhe a xota
com produto de primeira —
metendo em cruz pra dar sorte. LA 02/02
Guerra é guerra, Zuleide!
Vai descendo as calcinhas.
Os sutiãs? Também.
Aliás, tudo-tudo, inclusive
a tua pele e pêlos
( palavras do jacaré
à já-coroa ).
LA 02/02
Por vezes um silêncio
com sabor de mais além...
Cheiro de flor da outra margem...
LA 02/02
Quando Rosa estava aqui
ao menos tinha seus espinhos.
LA 02/02
Antes mal acompanhado
do que com ela.
LA 02/02
Ouvindo o cão lá longe,
até parece
que não sou eu que sofro em seus latidos...
LA 02/02
Belo fora
saborear a beleza
sem jamais sabê-la bela.
LA 02/02
Páris, Páris!
Por que é que carregaste
o que era de Menelau?
......................................................
Menelau, Menelau!
Tudo que causa inveja
o nosso outro o quer para ele.
No fim,
nem a ele, nem a nós.
LA 02/02
Nosso mal é querer reter
o nosso que não temos.
LA 02/02
Todo escrever
é um ato de imaturidade
que adoramos cometer.
LA 02/02
A fome de afeto
vai da matéria quântica
às galáxias.
LA 02/02
O dia que soubermos
que Deus nos é,
não precisamos mais de nós
nem de Deus.
LA 02/02
Voltaremos pelo caminho da luz.
Nosso coração o sabe.
LA 02/02
Nossos genes divinos
lembram-se de soslaio
de Deus.
LA 02/02
Adoramos falar
do que não sabemos.
Julgamo-nos apenas o máximo.
LA 02/02
A flor dura um dia,
mas um dia eterno.
LA 02/02
O sopro só é possível
porque existe outro sopro.
LA 02/02
Não desespere,
antes espere —
o tempo é o mesmo.
LA 02/02
Foi para o fundo do poço?
Use a imaginação:
vire o poço
que você cai na luz.
LA 02/02
Está triste
porque queria ser amado,
mas não o amaram?
Então comece certo:
comece por amar-se.
LA 02/02
Nascer-morrer
são caminhos automáticos,
e telemáticos.
LA 02/02
Lá longe, duas saracuras
estão quebrando potes.
LA 02/02
Estar aqui-agora,
no infinito deste instante
envolve todo o Cosmo.
LA 02/02
Ao lado de as coisas serem
terrivelmente complexas,
vivê-las pode ser
singelamente simples.
LA 02/02
Desejar obsessivamente algo
é duvidar que se possa tê-lo.
LA 02/02
Rastejar por alguma coisa
não é um modo para consegui-la.
A própria vida
não gosta de rastejos...
Tanto é que procura sempre
a alternativa das asas...
LA 02/02
Ser forte não é garantia de vida,
como ser inteligente
não é passaporte para sair-se bem.
LA 02/02
Parece que a Graça existe,
e que estar sob ela
é só uma postura de espírito.
LA 02/02
Há hábitos que são algozes,
e os que são bons companheiros.
Mas o bom é sempre vê-los
como causadores de situações...
LA 02/02
Entre o ato e a atitude,
a solidão e a solitude
estão a consciência
e a inconsciência de lidar com as coisas.
LA 02/02
Vão saindo de mim
essas coisas-coesias, —
metapoeticamente.
LA 02/02
Pra quem escrevo?
Para o cupim
e pra mim.
Quem disse isso foi o Márcio.
Que Márcio?
O Márcio.
LA 02/02
A rosa é a rosa, o resto é flor. Assim
também, você é você, o mais: mulheres.
Uns gostam do jantar, já outros dos talheres...
E uns há que comem vidro, outros pudim.
A rosa é a rosa... a pedra tem um sim
pesado. Nem por isso desesperes —
ouvi-lo pode ser o aval do que fizeres,
contanto que comeces pelo fim...
A rosa é a rosa... e tu, se não souberes
despetalar com jeito as margaridas,
vais magoar com certeza os bem-me-queres...
A rosa é a rosa...As dálias doloridas
fazem amor com o vento sobre o muro...
E choram de saudades do futuro.
LA 02/02
Melhor que ver, por certo, é o fazer —
nem sempre à mão, mas mesmo assim melhor
que ver e (claro!) havendo ou não suor,
aliás: bem mais suado fora o ver...
O ver sem ter, por certo, faz verter
aquele suor pior, porque de cor, —
pois por não ser em sendo é ainda mor
que fingir ser não sendo e, entanto, ser!
Ouvir gemer e não poder reter
nas mãos senão do gozo a sua cor,
ah, isto ,sim, supõe duro gemer!
Ver derreter e não sorver! Que dor
fora mais pétrea, e que obelisco a arder
agüentara esse ver sem o fazer?
LA 02/02
A mágoa é a trilha sonora
da falta de perdão.
Tola ou perversamente,
podemos ir gostando dessa música...
LA 02/02
Falar compromete sempre.
LA 02/02
Guru em nossa língua
rima adequadamente.
LA 02/02
Que tenho contra gurus?
Nada, a não ser que vendem
coisas pensadas e sonhadas.
LA 02/02
Claro: enquanto o homem não pensa nem sonha,
há de ser pensado e sonhado.
LA 02/02
Perdoai as nossas ofensas
e dai-nos condições
de perdoar a quem nos ofende.
Se não nos derdes
tais condições,
a dita prece
nos vira maldição:
... “assim como nós perdoamos
a quem nos tem ofendido...”
LA 02/02
Sempre que nos elogiamos
ou blasonamos —
a palavra tola ou arrogante
tende a voltar-se contra nós.
LA 02/02
Apanhar vira hábito —
nos amarramos a quem nos bate.
LA 02/02
Em geral nos vendemos caro...
e nos deixamos comprar barato.
LA 02/02
Toda dependência nos será cobrada,
e nos envergonhará.
LA 02/02
O coração honesto
tem uma grande proteção —
ser honesto.
E em geral nem sabe que o é.
Os que bulirem com ele
serão de fato envergonhados
e confundidos.
LA 02/02
Aquele indivíduo banana,
que vê de lado,
ou finge não ver —
a vida tem ciúme
desse sujeito...
Quem o prejudica
não raro colhe a sua covardia
bem antes de saber porquê.
LA 02/02
Entre o santo e o sábio
não há nada,
embora um não exclua o outro.
LA 02/02
A tua depressão
é sentimento de perda.
Se olhares bem de frente
o que chamas tua perda,
verás que nem perdeste...
Vamos!
É hora de levantar.
Dá uma olhada em volta —
só há vida!
E é tempo de viver.
LA 02/02
Em maio é tempo de caqui.
Em fininício de ano,
tempo de uva e manga.
Já a esperança
a árvore da vida
a produz sempre.
LA 02/02
Na pré-história, sim, era bom —
eu lhe descia o cacete
e você adorava, lembra?
LA 02/02
Na Idade-Média fui um frei,
você uma camponesa,
lembra?
Enquanto queimavam gente,
nós dois incendiávamos a cama,
lembra?
LA 02/02
Já fui rei,
lá na minha arrogância.
Fui servo,
lá no meu misticismo.
Fui ladrão
de minha felicidade.
Fui leão,
igual a muitos.
Um dia acordei cachorro,
mas vivo.
LA 02/02
Minha mãe me dizia
que devagar se vai ao longe,
mas que de avião
se chega primeiro.
LA 02/02
De mini-saia,
passou cera no chão —
ajoelhada.
Depois subiu na escada,
limpou o lustre....
Ajeitou as cortinas...
Em seguida catou os cacos
do copo:
abaixada sem dobrar as pernas...
Logo mais, trocava a lâmpada:
pediu ( ao viúvo) lhe segurasse a escada...
À tarde subiu
na jabuticabeira:
mandou-lhe segurar a cesta...
Por fim tomou um banho,
com sabonete de vísceras de ninfas...
cheirando a ervas de verão...
Enfim sai: roupa só naqueles pontos...
E fina,
fina como papel de seda.
Falou-lhe (ao viúvo) um tchau cínico...
um até amanhã debochado...
e olhou para o centro maleável
do seu entre pernas —
e riu gloriosa:
estava granítico —
mais em pé
que coruja no cupim.
...................................................................
A voz grossa do marido,
a chamar lá no portão —
derrubou-lhe (ao viúvo) todo o império.
........................................................................
O pobre homem lembrou-se então da frase
que sempre nos socorre:
Amanhã há de ser um outro dia!
LA 02/02
Tranqüila,
como mulher de aviador,
a tarde desce...
O céu se faz cor de amora...
..........................................................
E os da ativa
se preparam para a vindima.
LA 02/02/
Só os dedos sabem
as botinas que têm.
LA 02/02
Dize-me a quem comes,
dir-te-ei quanto pagas.
LA 02/02
recebe uns paus a mais.
LA 02/02
Desconfiava da esposa
desde bem antes de casar.
Sabia que aquela árvore
tinha abelhas e mamangavas...
Tudo muito compreensível:
quanto mais doce o fruto...
Mas nunca-nunca,
nem com a ajuda de uma empresa,
conseguiu flagrar coisa alguma.
E as botinas do tempo
deram voltas pelo mundo,
muitas voltas.
..............................................................
No leito de morte
( era século XIX ),
pediu à mulher lhe dissesse
quem era o outro —
já que nunca ninguém o vira.
Está bem, querido. Escute:
Seu irmão gêmeo Marcos
não morreu no parto —
o médico parteiro
levou-o para si... e em seu lugar
deixou um natimorto...
Ahhhhhhhhhh!... agora sim, agora.....
E os nossos filhos, Vera?
São meus e de Marcos...
...................................................................
A Marcos quis como pai,
a você como amante —
e não sei qual dos dois, André,
foi mais amado... eu lhe ju...
.....................................................................
O enfermeiro, que ouvira tudo
( o velho já estava morto ),
perguntou:
E eu, minha amiga, fico onde?!
Você, meu caro, — lhe diz Vera —
enfie o dedo nalgum lugar
e assovie Danúbio Azul.
LA 02/02
— Sei não, Glorinha! Ela sempre
quis ser o que não é...
— Tem razão, Vera. Marilda
não pode estar com esse pinto todo!
LA 02/02
— Que barulho foi esse?
— É o vizinho chegando.
— Mas já não tinha chegado?!
— Não. Era o amigo dele saindo.
LA 02/02
— Engraçado,
sempre que o marido viaja,
além de falar sozinha,
a vizinha fica fanha!
— Também notei, André...
Deve ser pra mostrar para ladrão
que tem homem em casa.
LA 02/02
— Um mais uma?
— Um.
— Três mais uma?
— Três.
Era o marido libanês
ensinando lógica erótica
à jovem esposa.
LA 02/02
— Paiê!...
— Fala, Carlinhos.
— O que é cacete?
— Pau pra se bater em alguém.
— Bater?!
— Sim, bater!...
— Então não ouvi direito, pai.
Levantei pra beber água, e escutei
a mulher do casal do quarto 13
( aqueles que vieram de Santos...)
dizer ao homem:
“Desce a lenha, meu Juca, desce a lenha!
Descasca o teu cacete inteiro!
LA 02/02
Não muito raramente,
mulher de aviador
tem mais horas de vôo do que o marido.
Vox Populi
LA 02/02
Problema de mulher de padre:
perda da identidade.
Um viver sombras,
mas de caráter salvífico —
disse-me Ofélia —,
justificado para sempre.
LA 02/02
Mais perigoso que o inimigo
é o amigo inimigo.
LA 02/02
Mulher bonita
não compensa a mão de obra.
Muitos homens preferem vê-las
casadas com seus amigos.
LA 02/02
Uma das vantagens do divórcio:
levantar pelos dois lados da cama.
LA 02/02
Pintou, bordou, costurou...
Por vezes até chuleava.
LA 02/02
Quando a mulher o deixava sem
e ia fazer um check-up
de uma ou duas semanas
com o doutor que lhe endossava empréstimos,
ele zumbia mil mantras
pela boca, nariz e ouvidos...
Mas só se acalmava mesmo
quando a vizinha — também zen —
mantrizava com ele alguns ais
que atravessavam a madrugada.
LA 02/02
Mandava-lhe rosas
com os espinhos enrolados
por notas de cinqüenta:
“Para não machucar-te
as mãos de não-sei-que-diga, amor!”
Amou-o com paixão invejável,
até depois de vinte e sete anos —
quando a trocou por Ofélia,
bela e terrívelmente mais nova.
LA 02/02
O galo cantou três vezes.
Impossível não lembrar Pedro —
que só o negou três vezes.
Tive inveja de Pedro.
LA 02/02
O diabo do papagaio era mudo...
pendurado ali na porta do restaurante.
De repente, começou a chamar
um dos notáveis e donos da cidade
de “ladrão!”
Insistentemente de ladrão! ladrão! ladrão!
Causava risos e ternuras
da parte do homenageado, que tentava
até coçar-lhe a cabeça... (restaurante cheio)
mas em vão: Ladrão! Ladrão! Ladrão!
O mal-estar era grande.
O dono da lanchonete,
sem graça, procurava explicar
que o bicho era mudo...e de repente!....
De repente começou a nomear
o tal Fulano seguido de ladrão três vezes:
Ladrão! Ladrão! Ladrão!
( O dia que tiver saco, termino este texto...
ou melhor: termine-o você, leitor. )
as retrizes dos teus sonhos
nem te entorte os narizes.
LA 02/02
Meditou três dias e três noites.
Abriu os olhos, e disse aos discípulos
( que estavam esperando uma revelação):
Se a vida é foda, meus amados,
fodamos todos —
assiduamente.
Teve tantos seguidores,
que logo precisaram matá-lo —
não só para torná-lo sagrado
como para construir uma Empresa Misteriosa
em torno do seu nome.
LA 02/02
Ainda bem que no mundo,
sério mesmo, —só a morte.
LA 02/02
Quem sabe um dia o homem consegue
um jeito de morrer com humor.
LA 02/02
Aprende a voar, cara.
Aprende a voar, ou vais te arrastar
por esse chão cascudo...
LA 02/02
Aprende a rir, cara.
Aprende a rir, a gargalhar —
inclusive de ti mesmo,
mas sem cair da maroma...
LA 02/02
Rosinha era tão doce,
que sua mãe não vencia
espantar os marimbondos.
LA 02/02
E Ofélia, então?!
Ao balcão da lojinha,
sempre terrivelmente pontiaguda —
a espetar a gente
nas sovelas adoráveis
dos seus peitos!
LA 02/02
“Me dá cem paus, e comes.
Comes o que tens visto
molhada de piscina
e dos óleos com que me unges...”
LA 02/02
Segura, Rosinha, segura o muuuuuuuuuuro!...
Ou morreremos esmagaaaaaaaaaados...........................!
LA 02/02
Quando a via
sentia uma pontada —
a uns dois palmos do coração.
LA 02/02
Vais por aí?
Vou por aqui.
Havemos de nos encontrar
num ponto — entre lá e aqui —
bem no centro
da mão de Deus.
LA 02/02
Aos sábados,
quando o português chegava,
Joaninha já estava toda pronta,
esperando impaciente —
pegava-o de porradas,
e o mandava dormir
na casa da mãe dele.
LA 02/02
Por duas vezes, quase morreu sufocado
debaixo do airbeg da esposa.
O juiz lhes deu separação de camas,
e concessão para copularem de pé,
ou na posição de amansar burro brabo...
LA 02/02
Convidou-a para comer goiaba...
Disse-lhe que agora não —
tinha acabado de maquiar-se...
LA 02/02
Cá, bem ao pé do vosso ouvido:
uma penumbra bem dosada
é a melhor maquiagem.
LA 03/02
Perguntou-lhe se tinha gostado...
Disse-lhe que só uma prima
conseguira fazer lasanha assim —
em óleo de amêndoas
com a bacia a girar, a girar... até
arrebentar três jabuticabas
das mais graúdas...
LA 02/02
Amanhã te telefono à noite.
Quem sabe não dá pra gente
embutir nos desejos de ontem
os de hoje,
e recobrar o tempo perdido —
sem que Proust perceba nada?
LA 02/02
Ontem, domingo, jogamos
bilboquê até a tarde bocejar.
LA 02/02
Peguei no saco, ali: no meio da praça.
Ergui-o, tombei-o pelos lados,
apalpei os legumes roxos...
— Não tem cebola branca, senhor?
— Só da roxa, doutor,
mas fresquinhas-fresquinhas...
LA /02/02
Os últimos serão os últimos.
Os primeiros serão os primeiros.
De geração em geração.
LA 03/02
Mário falou-me
apetecidamente de você.
LA 03/02
A escola é necessária
pra se saber
que ela só faz reproduzir.
LA 03/02
A inteligência
é algo abominável.
Todos os seguimentos sociais
sempre a quiseram
matar a pau.
LA 03/02
— Babu, nada deu certo
na minha vida. Nada.
— Isso é tão fascinante
como se tudo
tivesse dado certo.
Ficara rico
vendendo bananas.
Eram bananas
fundidas em ouro.
LA 03/02
Conseguira uma fortuna,
trabalhando:
sua terceira enxadada
batera em cheio num baú...
LA 03/02
Sempre fora muito direita —
para escrever
e dar partida no carro.
LA 03/02
Seus peitos? Duas morangas.
Boas para fazer doce.
LA 03/02
Pobre filósofo!
Levou os males do mundo a sério...
e se deu muito mal.
A vida comeu-lhe o ânus.
LA 03/02
Rosinha gostava mesmo
era de Bruno, seu vizinho.
Este sempre a tratara
como mulher de seu melhor amigo:
fazia amor com ela
com enorme respeito.
LA 03/02
Não sei. Não lembro. Não vi.
Nem sei se me esqueci...
Não lembro.
LA 03/02
Odila era tão doce
que formigas de outras urbes
vinham lamber-lhe o mel.
LA 03/02
Amava-o muito,
mas não menos que Paulo,
seu professor de Inglês,
ou mesmo Samuel,
como também Miguel...
Joaquim nem tanto,
talvez igual a Ricardo,
quem sabe Estêvão,
Bartolo, Chico da farmácia...
mas nenhum desses amava
como a Danilo,
irmão de Saulo, este nem tanto...
Se bem que Lourenço...
LA 03/02
Ler-escrever, quase sempre
vêm embutidos.
Sim: há os que escrevem de raiva
por terem lido muito.
LA 03/02
Publicar? Sempre um ato
de imaturidade.
Se bem que muita maturidade
cheira a podre.
O melhor talvez fora
estar de vez...
e ensinar o cachorro
a latir em inglês.
— Mas que tem o cachorro?...
— Tudo, cara. O bicho é uma só carne
com nosso medo.
LA 03/02
Mal nasces,
já te dão o Script —
genes, meio, cultura, credo...
“Ismos-sim”, “ismos-não”,
“ias-não”, “ias-sim”...
Códigos, moral, ética...
Todo um teatro
para representar-reproduzir...
Viver, meu caro,
é algo determinado
ou rigido pela vontade:
ser em ser-se.
LA 03/02
Algo mais material
que uma mulher,
só um corpo — morto — boiando.
LA 03/02
Concordo com as senhoras:
fornicar
é a melhor coisa deste mundo.
LA 03/02
Rodou a bolsinha uma vez,
vira roda gigante.
LA 03/02
Deu uma vez fora do tálamo —
vai dar gostosamente sempre.
LA 03/02
Vida a dois?
O dedo ainda não sarou,
e lá vem outra martelada...
LA 03/02
Que poderei dizer a vida inteira,
senão: Deuspai! Deuspai! Deuspai!?...
LA 03/02
Se faz, fazendo.
Se vê, vendo.
Chega-se a amar amando.
Vai-se a Deus
sabendo-O em nós.
LA 03/02
Chorava na cama
de colchão bem grosso —
pra não molhar o chão.
LA 03/02
Prensou-a de encontro ao muro,
e ela gemia tanto,
que os vizinhos correram salvá-la...
e — pasmados — assistiram
ao mais chuvoso
temporal deste mundo.
LA 03/02
Acabou de dezembrar,
e aquela alegria em nós
— Emanuel —
tem cheiro e gosto de Natal.
LA 03/02
Não raro, fazemos desfazendo,
queremos desquerendo —
despenelopando...
à espera em nós
do herói, do outro
que nos vem vindo...
e que já somos.
LA 03/02
O mistério
é o combustível da pesquisa,
os meles da incansável busca.
LA 03/02
“Deus dos Exércitos,
envergonha e confunde
os que tramam contra mim,
querendo prejudicar-me.
Sim: Iavé permite
sejam envergonhados,
sejam confundidos
todos os meus inimigos!
Amém.”
LA 03/02
O fracasso desce aos pés
e se infiltra na terra.
O sucesso sobe à cabeça
e bate palmas para si mesmo.
LA 03/02
Escrever
é dizer para mim
que sou imaturo
e faço meus exercícios
para o futuro —
porque assim não me quero,
e em Deus me encontro
enquanto me espero.
LA 03/02
Um pouco de fracasso é bom —
para despenachar o orgulho.
LA 03/02
Quem teve a graça de ser exilado —
capitalizou.
LA 03/02
A vida é mais “a estrela”
que inteligência e trabalho.
Uma lógica sempre ilógica,
um querer sem querer.
LA 03/02
Quando o mundo acabar
vai ser bonito.
Juro: muito bonito.
Quero morrer distinto —
já que nada se leva,
nem o pinto,
essa alavanca
epistemo-antropológica.
LA 03/02
Melhor do que aquilo,
só marmelada com queijo
no café da manhã —
mesmo assim, só depois dos 90.
LA 03/02
Que fazer com uma xota?
Passar fome a vida inteira?
LA 03/02
Com uma só,
por certo vais engordar.
Com duas,
dá pra manter a cintura.
LA 03/02
— Não faço mais amor, Maria.
— E por que não?
— Doei para a escola de medicina.
— Mas até lá: fizeste,
fazes e milfarás...
— Raios que não! minha Maria:
Deixei-o lá esta manhã, —
negócio honesto:
pinto pra lá,
dinheiro pra cá.
Ou achas que sou homem de...
— Eras, Manoel, eras!
— O quêêêêêêêê!?
— Então não sabes, Manoel,
que o pinto faz o homem?!
LA 03/02
Xota nova,
no máximo, muxoxeia.
Xiranha madura
coaxa gostoso.
Batráquia velha —
que nem botina pelo brejo.
LA 03/02
Ao lado de mulher braba
ou debaixo da jaqueira —
ninguém se deita em paz.
LA 03/02
Os canalhas somos todos nós.
Uns porque o são,
outros porque não acabam com eles.
Somos todos canalhas.
LA 03/02
Aquilo era xiranha
de grande autonomia...
E seu motor dearranque, então!!?...
LA 03/02
Inesquecível a Ritinha!
De tal modo sincronizava
rotação com translação
que seu fungar era um pio
dentro de uma garrafa....
LA 03/02
O Otimismo
precisa de um motivo.
Já a esperança,
esta não nos deixa —
não-obstante os obstantes.
LA 03/02
Tolas.
Se soubésseis a força-amor
que teríeis,
sendo honestas com vós mesmas —
veríeis que a pena salva
quando a ave despenha do ninho.
LA 03/02