REMOALHOS (Textos 2) Laerte Antonio
Remoalho: bolo de alimentos que os ruminantes fazem retornar à boca para ser remoído ( Aurélio
Canção Final
Sorria, meu amor, sorria, que o mundo vai acabar e não devemos, amada, nenhum medo aparentar. Ao contrário, minha amiga, devemos cantarolar tal como duas crianças que não sabiam que o mundo pudesse um dia findar. Sorria, meu amor, sorria: já não há nada a temer — o mundo só vai acabar. Sorria, vai ser bonito ver tudo se espatifar. Vamos comprar um sorvete e lambê-lo devagar — pode até ser que o mundo finde antes de ele acabar. Sorria, meu amor, sorria, que a doce possibilidade de o mundo poder findar já nos liberta do medo de viver sem esperar. LA 99/02
Contexto Orbital
Há um fundo musical, uma trilha sonora por detrás do que leio: dedos-notas a percutir em mim o óvulo do sonho do meu fazer-criar — outros assuntos-notas sobre que apóio meu escrever, em que uma música ( que nunca ouvi ) vai brotando do poscênio da minha escrita... Ler-escrever tem notas de muitos musicais no contexto orbital de universal sinfonia. Mas não leve, não leve a mal — foi só uma euforia. LA 99/02
Fala Uma Coisa...
Fala uma coisa, amor, de não entristecer ou de apenas lembrar que podemos esquecer. Fala uma coisa, amada, que seja bela como a estrada que sustenta os nossos sonhos pelos pés. Fala uma coisa fresca feito a madrugada com uma brisa de viés. Fala uma coisa, amiga, que não seja nova ou antiga, que não dependa da história nem de perda ou de glória — de algo que nem precisa de algo para ser algo: de algo que quando se engana nem lembre falha humana. Fala uma coisa, amor, boa como ter mãe que nos ajude a construir uma tranqüila infância. LA 99/02
Tenta De Novo
Se tudo desafinou, tenta de novo ou busca um outro tom — mas tenta, tenta de novo.
Não tenhas medo se tudo desafinar — e vier a vaia e o vexame. Ser vaiado ou vexado é estar na estrada do desafio — ter no mínimo aceitado os venceres e os perderes da jornada. Aprender a lidar com as perdas como lidamos com os ganhos.
Se tudo desafinou, que bom! Busca em ti um tom, um ritmo maior e diferente. Um novo alento dedilhado pela vida em teu ser profundo. LA 99/02
Estradeiros
Buscar o tom perdido na harmonia e afinar-se outra vez com toda a orquestra, principalmente quando essa orquestra é aquela da nossa vida ligada a muitas outras. Perder-buscar esse tom para as nossas passadas interiores é uma das nossas tarefas de estradeiros antigos. LA 99/02
Consciência Da Consciência
Bater os pés como escolar querendo que o rio passe nos fundos da nossa casa — porque gostamos de pescar... Não soam mais que ridículas pretensões como estas? Sim, soam mais que ridículas... No entanto, as pretendemos sempre sem ao menos nos vermos pretendê-las. Assim que vamos começando a ter aparelhagem para nos ver ridículos — iniciamos por desenvolver a consciência da consciência: nascemos em “novo eu” ( aquele que enfrentou mil desafios para poder despontar ) e tem olhos de ver ( e respeitar ) o nosso “antigo eu” que bem ou mal nos carregou até aqui. A consciência da consciência é o salto que se espera da consciência — aqui começa o outro... e o outro é conhecer. LA 99/02
Autoconsciência
Essa consciência da consciência em várias gamas espirais não é senão o fio do inconsciente ( o real de lá pra cá ) que vai sendo trazido para fora pela consciência. Vamos virando todo o funil do avesso. Sem a moral do Processo isso é loucura e perdição — duplamente loucura e perdição.
Isto de que hoje muitos riem é algo por que um dia vão passar — falo de transformação, de emergência espiritual. Folo dessa aparelhagem que há de ligar-nos a canais, interligar-nos a ramais plugados com a Fonte. LA 99/02
Sinais Dos Tempos
Gulatria. Uma insatisfação habitual gerando uma ambição sem margens ao encalço de objetivos irracionais. Grave falta de consciência — de si, do meio, do outro. Predisposição à violência. Banalização da vida. Alienação social. Apassivação do indivíduo — em seu pensar e sonhar. Perda das forças morais e dos valores espirituais. Vida interior autodevoradora. Os gulatras se perderam e querem perder o mundo. O homem devora o homem. Esta, a marca, os sinais dos tempos, — dos tempos de todos os tempos. LA 99/02
Sombra Do Vôo
Seja sempre maior o que nos une que aquilo em que nos diferimos. Seja a vida menos luta, mais aventura e jogo fascinante — uma contínua barganha em que gostosamente ensinemos-aprendamos o ofício de viver. E conhecendo a nós e as coisas deixemos para trás o velho homem ( aquele em nós que nos amarra e pune ) em favor de uma consciência que saiba transcender-se e interpor-se tal como a sombra do vôo em relação ao chão e à ave. LA 99/02
Crises De Percurso
É durante uma tempestade, uma crise de ser que podemos encontrar as raízes dos aspectos destrutivos ou autodestrutivos da nossa natureza humana, e superá-los — trazendo-os completamente para a nossa consciência. Uma vez entendida a causa do problema, ele é lançado no fluxo de consciência ( do interior para o exterior ) — na água viva do ser, e a cura se processa.
A raiz de todo mal é quase sempre interior — precisamos de ajuda para vê-la. Então podemos arrancá-la e atirá-la na correnteza que a levará para a praia... Afeto e discernimento são os dois ingredientes que mais ajudam numa crise de percurso. LA 99/02
Forças De Evolução
Não está só no homem. Assim como existe no Instinto, o Espírito de Solidariedade permeia toda a Criação. Tal Espírito pode agir de pessoa para pessoa, de nação para nação, ou de plano para plano — nas interdimensões de ser. Quando o livre arbítrio da criatura a conduz em grupo, em raça a um curso de autodestruição — Forças de Evolução disparam seu mecanismo de solidariedade, ou melhor: de socorro, ajuda-resolução desse Impasse. Tem sido assim através das várias Raças de Humanidade. O Homem vai... e se perde até certo ponto... O Desígnio de Vida,que permeia tudo, — Esse, nada, ninguém toca. LA 99/02
Diante Do(s) Holocausto(s)
Posso amar ou tolerar o homem. Levá-lo muito a sério, ou nele acreditar, — não posso. Se não o soubesse uma criatura a transcender-se — não poderia amá-lo ( nem a mim ). A criatura desligada ( da Fonte ) é a coisa mais temível do universo. A vida sem amor cheira a gordura animal — queimando. Se podemos valer alguma coisa, essa valia só pode estar na solidariedade: no viver e ajudar a viver. LA 99/02
Afagos De Unhas
O amor só fala mal porque deseja mais amor. Se não for insaciável nem falar mal — não é amor.
E entre tantos bem-me-queres e tanto me queres mal — haja força, haja fôlego pra tanto amor, amada. LA 99/02
Tentativas
O artista não precisa fazer muito — só o máximo em cada tentativa de superar-se. E após cada tentativa saber apenas que o resultado dela foi só mais um tentar. O verdadeiro artista sabe-se arteiro — criança-marmanjo-adulto. E não se leva a sério a ponto de embaçar o ver a si e o mundo. LA 99/02
N’Ele Em Nós
Se a maioria soubesse para onde vai, a estrada estaria pronta. Como não sabe, cabe a cada um construí-la lá em si. O caminho de todos não vai dar em lugar nenhum, a não ser aonde todos pensam que vão. O Caminho e a Vida são um desafio e um chamado — e está n'Ele em nós. LA 99/02
Então Vai
Queres ir? Então vai... Senão vais pensar sempre que devias ter ido. Vai, e um dia verás que o ir só faz chegar quando chegar é um porto em nós entre o partir e o sabermos que não pode haver distância entre o sonho e o sonhado. LA 99/02
Lillian Witte Fibe
Seu jeito oblíquo de dizer nos cai tão direitinho. Sua simplicidade matreira é o açúcar para os limões da notícia. Seu sorriso de menina exilada da infância gera empatia existencial e o cheiro daquele pão feito em casa. Seus comentários fingem dificuldades para saber explicar — e pela simpatia decodifica. Com você, Witte Fibe, a gente aprende gostosamente que as coisas “são assim” de um “outro jeito”... E aprendemos a tirar mel das pedras e doçuras do absinto: as notícias azedas ( em seu narrá-las ) têm o perfume humano de que poderiam ser outras. Com você, Witte Fibe, as meias-noites têm mais conchego. Seu sorriso e seu boa-noite foram tombados pelo nosso coração. LA 99/02
1.7
Meus amigos me ensinaram a não levá-los a sério. E em mim também aprendi a não depositar fortunas... Sério, só terremoto. Assim mesmo só acima de 1.7 — quando rabana como crocodilo.
Comamos-descomamos. Bebamos-vertamos. E cocemo-nos, amada, que o resto é quase nada. LA 99/02
Pois É
Pois é. Você não conseguiu, nem eu. Por mais que tenhamos feito, não conseguimos aplacar a insatisfação — esse desassossego. O tempo tem nos machucado e já estamos cansados do nosso pacto social com a bobeira. Bobos do mundo, dos próprios sonhos e de nós mesmos.
Pois é. Nada fizemos a não ser nos deixar fazer de bobos. A não ser termos a coragem de nos vermos a nós e as coisas com terrível serenidade — e o humor, o riso, a ironia transformados em remédio.
Pois é. Nada fizemos a não ser nos fazermos de bobos. Não temos outra saída a não ser a de tentar fazer de nossas derrotas nossa vitória. E vamos lá! Que Deus não faz ao homem o que é trabalho do homem: a vida precisa das mãos do ser. LA 99/02
Entre Não Ser E Ser
Me vou rolo-rolando, rolo-narrando por esses poemas-rio sem nascente nem foz — pelas águas em mim sem fim que sabem morar no mar.
Me vou conto-fluindo por palavras que nascem de um tempo de dizer as coisas que se vão levando por si mesmas.
E há contos de saudade de coisas que nem foram, de sonhos que serão lá no futuro de não sei com alevinos de presente.
E há contos de nós todos bailando como ninféias num sentimento-Um que a vida me segreda entre não ser e ser.
É um trabalho solitário este a que me proponho: encontrar-me com você entre o murmúrio das águas de meus poemas-rio. LA 99/02
Meditação
Um ver-sentir-pensar sem margens, e saber, nesse estado, que a criatura está no Criador — como a árvore está na semente, e se sentir abrir dentro do amor, dentro do seio dessa terra cósmica... e crescer pela graça do infinito dentro do infinitésimo a sonhar-se: respirar fundo essa verdade em alma-coração — saber-se uma centelha dentro do Sol, um pisco dentro de todas as estrelas, um espelho de vida a recriar-se. LA 99/02
Trans
Uma modalidade translógica de conhecimento — esta a meta. Saber a que porto dirigir-se torna todos os portos favoráveis. Entre o pessoal e o transpessoal há uma escada que sobe e desce entre os anjos, os santos, as almas, os seres de várias gamas e a presença de Deus — sabida com o coração. Vida-transição-vida. Quando as pedras falarem nos contarão o que as rosas já não têm voz para contar. LA 99/02
Sobriedade
O homem deve ser o dono, o senhor dos seus sonhos — saber a hora de incubá-los, de soprá-los na forma... e o momento de reciclá-los em outras coisas-sonhos.
Incentivar o coração a construir uma casa de sonhos é ajudá-lo a fazer de si um espelho auto-enganador — água espelhando estrelas... que o sol vem desencantar — mas que ele, auto-seduzido, continua saboreando: sempre à espera da noite para perder-se novamente em sua casa de sonhos — a sua adega de embriaguez celestial.
A saúde na jornada é a sobriedade de espírito — com o discreto perfume da verdade e da beleza. LA 99/02
Visita
Por vezes somos visitados por Deus em forma de alegria — sentimo-nos Um com toda a Criação. Uma beleza celestial pinta seus quadros na sala do coração. LA 99/02
Retalhos
A navalha afiada ( narcísica ) da razão apenas corta e recorta, apenas talha e retalha — sem saber o que fazer com tais recortes e retalhos...
Quando a razão se esquece de sentir, de intuir ou transcender-se — fica sozinha: só razão — um pedacinho só do homem. LA 99/02
Discernimento
Sempre uma geração passa à outra seus recibos de tolices, misérias e loucuras ao lado de seus frutos e transcendências. Tanto do lado positivo quanto do negativo todos os homens são “bons mestres” — tudo vai depender do nosso discernimento: “Examinai todas as coisas e retende o que é bom”, — eis o conselho inspirado do mais zeloso dos cristãos. LA 99/02
Velhos Pistoleiros
Os marginais do sistema, opositores da dominação — os velhos “pistoleiros”, em geral são procurados pelos seus ex-alunos, amigos e curiosos — que vêm ( competir com eles ), roubar-lhes algum segredo, ver-lhes a decadência... ( e/ou que fazem no momento ) e sempre que possível — matá-los pelas costas. Mas aleluia! Aos marginais do sistema cabe viver em saboroso desassossego. LA 99/02
Donos
Os donos da verdade? Deixemo-los curtir sua loucura sagrada, bebendo o leite divino de sua paranóia.
As suas línguas bífidas, seus olhares venenosos são o crachá das suas intenções.
Podemos conhecê-los pela sua monolítica intolerância. LA 99/02
Quem É Que...
Quem é que nunca teve aquela ingenuidade vizinha da tolice — só percebida pelo rabo do olho do conhecer-se? LA 99/02
Fico, Ficas, Ficamos
Que saboroso, amada, é esse neo-amar. Aquele paleodever é que era de fazer chorar.
Te quero, você me quer — e já podemos ficar. E de ficar em ficar ficamos mais convencidos de que o bom do amor é amar sem precisar ter nada havido... Não é, amada?
Com esse neo-sentimento, tudo, amor, fica mais belo: já podemos ler o livro bem antes de estar no prelo.
Amar ficou neoliberal ( longe do paleomoralismo ) — ficou entre a democracia e o falecido comunismo.
Te quero, você me quer, sou homem, você mulher — mas nem precisávamos ser beija-flor com bem-me-quer. LA 99/02
Que Agora O Mais...
Temos a nossa pacotilha. Calma, minha alma, que, agora, o mais é viajar. LA 99/02
Amor De Escambo
Corpolatria ululante. Amor de escambo. ( Com bossa nova ou mambo? ) Amor, amor de escambo. ( Na cama ou dançando tango? ) Amor sujo, ó pura amante. Amor que a boca mancha, Amanda. Amor chupando manga, Sandra. Amor de escambo, não sambo — almoço e janto com morangos, mas com você, Luanda: com você, sim, escambo. Corpolatria uivando. LA 99/02
Medo
O medo, sempre o medo. Ora o medo disto e daquilo, ora o medo de tudo — inclusive o de ter medo. O medo de morrer e o de depois de morrer. O medo de viver. O medo de não morrer... O medo de não viver... Medo de amar, não amar e aquele de não ser amado. Medo do mundo, do outro e até o medo de si mesmo. Medo do “sim”, medo do “não”. O medo de dar certo ou dar errado. O medo de estar só e o de estar acompanhado. Medo de Deus e do Diabo. O medo e a angústia de ter medo. Maior que a solidão é o medo — um medo até de não ter medo. Um morrer antes de morrer: morrer de medo. Medo de... Desaforo, meu Deus, tanto medo por quase nada. LA 99/02
Sempre Assim
Que tristeza que é o “sempre assim”, que não se percebe “assim”. Que coisa horrível são os homens tragicamente normais. LA 99/02
Amizade Octogonal
Fizera vasectomia e não contara à esposa. ........................................... A mulher engravida do oitavo filho.
O consorte vai ao médico que lhe mudara o encanamento e, infinitamente calmo, ( era faquir ) quis saber se fora “barberagem” ou fora corneação. — Como assim, homem de Deus? — o médico lhe pergunta. O homem lhe explica: Se a coisa vem do senhor ou do meu vizinho e amigo que dá carona a minha esposa ( trabalham na mesma escola ) já faz mais de vinte anos.
O médico o examina e lhe afirma que filho — dali pra frente só “in-vitro”.
Manso como uma pomba, diz à mulher que pati, patê, patá... fora bem operado e patu, patô, pató... desconfiava do seu amigo pati, patu, patê, patô, patá... E ela lhe responde tranqüila( praticava ioga tântrica ) que só se fosse por telepatia, porque budi, budô, budê, budá, budu...
O marido ferido conseguiu com a mulher do fulano suspeito ( que trabalhava num laboratório cujo médico-dono era seu amante ) proceder ao exame de DNA — não só do último filho como também dos outros sete.
Quando foi buscar o resultado notou que a vizinha analista e seu esculápio-amante ostentavam um sorriso mais terrível que o de Gioconda...
Foi para casa, tomou um copo de café bem forte, sentou-se na velha poltrona — abriu o envelope e viu: Se o desgraçado do amigo era um telefilhopata, isto ele não sabia, mas que tinha feito os seus oitos filhos — ah, isto tinha! LA 99/02
Coisas Soltas
Acreditar é bom, nos situa lá em nosso mundo em nós. Eu, quando o tempo escurece, venta muito, troveja e o chão se molha de escorrer — acredito que choveu. LA 99/02
Infelizes e mentirosos são os bocejos que o tempo imprime nos casais. LA 99/02
Um amigo é bom. Dois bota o escroto em perigo. Três não há cristão que agüente. LA 99/02
Nunca teve uma amiga para quem não olhasse torto e de quem não adorasse as tortuosidades. LA 99/02
Rico casa porque bebeu. Pobre, porque vê no casamento algum licor que não bebeu na infância. LA 99/02
Homem e mulher se dão quando esse dar-se é trabalho. E entram num acordo apenas quando cada um deles pensa que ficou com a maior parte. LA 99/02
Longe de mim o pessimismo! Que ganharia com isso? Quando não acredito, invento minhas crenças — assim, jamais descri da beleza das mulheres. LA 99/02
O Herói De Mil Faces
O amor é um velho de mil faces, contando histórias que aprendera das cavernas e palácios, dos monges e camponesas, dos marujos e das tias...
O mundo inteiro adora ouvi-lo — principalmente aqueles que disfarçam senti-lo.
O amor é um jovem que fabrica lindas máscaras de cera que em vindo o sol do meio-dia e a tarde cheia de mormaço — vão derretendo e demudando fisionomias e intenções...
O mundo inteiro adora usá-las — principalmente aquela gente que sempre afirma detestá-las. LA 99/02
Com Mil Razões
Deixo-me ir trilhas adentro pelas pegadas de te lembrar ( noites e sóis, astros de dentro de um sonho azul, ou rosa aflita lá entre a tarde e um forte vento... ).
Deixo-me ir por trilhas, rastros de tua voz até chegar àquela sala com pão e vinho, chamas ao lado e as ilusões brindando, alegres, coisas e sonhos que nem seriam... porém já sendo ( e ainda e sempre ). Sempre brindando fiéis, alegres — as ilusões: rindo, cantando e planejando, sempre brindando com esses dois por nós falando, em nós sonhando com mil razões de corações. LA 99/02
Amor
Do amor nunca se sabe. Como nunca se sabe do juiz, do tempo, da boca do gerente financeiro, dos fundilhos da criança, do sermão do pastor, do sorriso do patrão, do elogio do amigo, da visita do genro, dos agrados do filho, do presente da empregada...
O amor anda no arame do paradoxo — o mais certo do amor é sua assídua incerteza. O seu melhor bocado, — o não durar. O mais sério de si, — a mentira. Suas delícias, — o engano. Seu charme, — a traição. Sua beleza, — durar pouco. Sua verdade, — a que as pedras contam pro mar. Sua ventura, — as macias penumbras. Seu maior tédio, — a dedicação. O amor é o ser humano visto por dentro em seus degraus de tempo.
O amor é bom quando existe e não sabe. E é feliz quando não sabe que não é.
O amor é engraçado: se tem não gosta, se gosta não tem. Se interessa, não dura. Quando dura, não serve.
Por isso tudo o amor é belo. De uma beleza que temos a pretensão de conhecer.
O amor é um boneco de neve dentro do nosso coração — à espera de se tornar um lago e fluir para outros corações.
Lá no fundo, o amor é bom. Apenas não é melhor porque às vezes se esquece de amar. LA 98/12
Passos
O homem, por dentro, caminha muito devagar. Por fora, dá a impressão de estar voando. Há um descompasso entre fazer e ser nas mãos do homem. Sempre que as pernas exteriores não acompanham as de dentro — o homem tem de parar para acertar seu passo coletivo, o que em geral ele tem feito pela tragédia. Desde sua infância o homem vive às voltas com o seu caminhar — esquece que seus passos são ecos de outros passos. LA 99/02
Multiconsciencialmente
Há um sentir-pensar de multidão, de bando ou de cardume — consciência-monobloco. E, assim, em família, em casal, em pessoa — consciências dentro de consciências, neuromental-eletromagnetizadas por si, em si e de per si: consciências que se sabem e consciências sem se saberem.
A qualidade e a dimensão da liberdade humana depende desses graus de como e quanto se souber ou não uma consciência dentro e fora de consciências. LA 99/02
Desejo Inconsútil
Aberta em flor tua presença em mim — flor mordiscada de chuva e vento, pendendo do lado esquerdo da varanda de lembrar-te. Flor machucada de vida, chorando o inefável de não poder extasiar-se num dos ângulos obtusos do desejo inconsútil de esfolhar-se até as últimas pétalas — esfolhadas em múltiplos orgasmos. LA 99/02
Porões E Quintais
Dentro e fora dos porões, bem ao lado de dálias doloridas — vozes gritam matriarcais: salvando a rosa de primas enrubescidas... Jabuticabeiras vestidas de branco, cheirosas e visitadas de abelhas, ouvem o respirar apressado da carne túmida dos púberes. ................................................................... Prístino vento despetala rubro rosas, dálias, gerânios, bem-me-queres... lambendo os corrimãos entre os degraus roídos pelo tempo. LA 99/02
O Pé E O Passo
Andando na verdade, topas com a beleza. No êxtase da beleza vês que o sonho é verdade.
( A verdade seria um ter achado — um momentâneo deliciar-se. Já a beleza seria a empatia [ o pé e o passo ] bem entre o ver e o visto.)
Andando na beleza, topas com a verdade. No vinho da verdade — o buquê da beleza. LA 99/02
Cantada Em Lá Maior
Topas fazer amor debaixo da pitangueira? Se não topas, diz não, e agradece o convite. Eu, por mim, te espero lá. LA 99/02
Desfile
Os homens se molharam quando a “escola” ( com arte! ) esfregou pígios e míjios na cara da avenida. LA 99/02
Charmosamente
Serei o cônjuge ideal, amor: meus olhos não verão nada. Nem meus ouvidos ouvirão. A minha boca não dirá. Nem desconfiarei de coisa alguma. Esconderei o olhar por detrás dos jornais. Não presumirei tolices. Cochilarei nas horas indiscretas. Desprezarei quaisquer suposições. Não estarei quando for bom não estar. Conjeturas? Nem pensar — contra-argumentarei inamovível, com álibi infalível. Se me disserem que é quarta-feira, e me afirmares que é domingo — preparo-me para ir à missa e volto xingando o padre ( se for o caso ), que não cumpriu com seu dever... enquanto arranjo filosóficos, poéticos argumentos para dizer que cabe em qualquer dia a alegria niquelada dos domingos. ............................................................................... Direi num tom religioso-metafísico que para o ser humano — em abertura espiritual — não pode haver crime acima do perdão. E prometo que assim viverei: charmosamente bobo por todos os dias da minha vida. LA 99/02
Vontade E Destino
Não poucas vezes é mais forte o destino que a vontade do homem pela sua jornada de suplantar-se.
Ciência e religião têm-se esforçado para aclarar ao homem o que ( nele ) é destino, o que ( nele ) é vontade — enquanto os sábios lhe revelam que ( incorporada àqueles dois ) caminha soberana a Grande Finalidade. LA 99/02
... Se Entendendo...
Senta aqui, minha marmanja. Meu coração tem uma coisa pra te dizer. Bastante canja, chenelo aerodinâmico, bocejos cor-de-rosa, azul espreguiçar — isto o que espero da vida. De ti, minha marmanja, espero alguma ternura e muita tecnologia de cintura ( sei que não é nada canja... ). Se topas, minha moleca, vem: me ajuda a fazer a janta, ou vai lavar esta cueca. LA 99/02
Sanchos E Quixotes
Os Quixotes e os Sanchos mostram ao mundo inteiro que eles têm o que todos hipocritamente pensam que não têm — até que ( escondidamente ) em seu coração cada um vá se envergonhando e comecem a mudar — olhando por uma fresta de si mesmo.
Os Sanchos e os Quixotes correm nas veias morais e no caráter mimético de homens de todas as épocas.
Os Sanchos e os Quixotes são aqueles que se nos mostram ( lá em nós ) Sanchos e Quixotes. São aqueles de quem rimos, mas aqueles que somos. LA 99/02
Troca De Lado
Se não trocarmos de lado como compreendermos as coisas? Tão fácil criamos “realidades” ( pelo ver ) que acreditamos no que vemos. Só quando olhamos por um outro lado é que sabemos que a “realidade” criada pelo(s) nosso(s) ponto(s) de vista ( e defendida com chumbo grosso ) não era nada “daquilo”... Trocamos de ângulo, vemos outra coisa — e compreendemos. De ver e de rever é que a visão cria o mundo e a revisão o recria. LA 99/02
Micromaquinaria
A nanotecnologia, amor, vai puxar as orelhas de moléculas e até de átomos. Vai até melhorar a qualidade do nosso desempenho e orgasmo, querida. Como nanófilo, amada, vou pôr os nanozinhos para catar em mim aqueles carrapatinhos microscópicos que habitam a miami beach do meu escroto. Uma massagem nanológica em nossas coceirálias, em vívido funcionamento, — também deve ajudar bastante, não é mesmo, amor? Aleluia, querida! Está falado: esta nova ciência — para nós — terá funções fálico-vagínicas: implicitíssimas — atravessaremos paredes com os nossos corpos-mentais, amada, e — charmosamente invisíveis — nos treparemos até ao céu em nós. LA 99/02
O Fio E A Trama
Para cada um dos sonhos há uma pedra que o sustém. Sonho de lá, pedra de cá — neste aquiverso é o lugar da corporificação do nosso lado abstrato. Para cá vimos para aprendermos a lidar com as interdimensões em nós — interligados que estamos com toda a realidade. O fio ( em nós ) invisível é trazido para fora enquanto vai costurando nosso fazer e nossas experiências em reiterada tessitura de uma infindável malha de consciência — virtualizações da criatura aprendendo a trabalhar consigo mesma e com o mundo. O ser a trabalhar a sua essência — pela metabolização da energia que respira. LA 99/02
Coisa-Pedra
Enquanto não soubermos transubstantivar o amor, amada, é irmos degustando-o assim cru e sempre mal digerido — travestido em rio poluído sem nenhuma visão ( ainda ) de sua terceira margem — aquela que não sendo direita nem esquerda há de nos libertar do leito — o sonho coisificado, a mágoa feita pedra e calha para o amargo. LA 99/02
Rotatória
Seres-coisas que saem, seres-coisas que chegam — automaticamente saem e chegam, neste porto em nós em viagem.
Sabes que horas são no relógio da vida? Ou onde estamos em relação ao coração de Deus? Sequer para onde estamos indo? Não sabes? Não faz mal. Nem só de saber vive o homem. Vou voltar para a festa... Após a última dança — recolho-me. LA 99/02
Condão
Ressuscitamos contos adormecidos, insuflando-lhes na boca novos ósculos de sonhos. Damos-lhes outras temporalidades, outros nervos, almas, corpos a fim de transitarem conosco — serem nossos companheiros por esta longa estrada que nossos pés inventam.
Ressuscitar dos mortos é prístino condão da arte — sua oxigenização pelas águas do inconsciente.
Ressuscitar dos mortos para adiar a morte. LA 99/02
Depressão De Amor
Amor quebrou a rabeca na cabeça do óbvio, e foi jogar peteca. Amor estava revoltado — em crise de transição: um tanto desacomodado lá em alma-coração. Amor estava deslocado, por isso foi jogar peteca — descalço, só de cueca. Amor estava arrasado. Foi quando conheceu Amora... Ah, esta, sim, lhe esticou tanto os sentidos para fora, que de tanto desfrutá-la ficou roxo, cor de aurora — mas logo recobrou a fala, a voz, o canto, a cantada... Comprou Amor uma guitarra, jogou de novo o pé na estrada e anda rolando aquela farra. LA 99/02
Senão...
O amor é bom quando só dura enquanto ama. No mais, Teresa: uma andrajosa loucura.
O amor tem lá sua beleza, enquanto inventa uma ternura que se dissolve em gentileza.
O amor é bom quando se ama sem penhorar a cama. LA 99/02
Gulas Pastos
Velhos burgueses, por que execrar-vos, se já não sois? Se já passastes e bem piores são os que estão? Piores? Digamos: cães maiores — mais treinados, mais vorazes. Com mestrado em feitorias, doutorado em despotismos.
Burgueses, o lado bom da vida é tudo ser um cochilo: enquanto a moça afaga a rosa, o rapaz coça os mimos e os velhos seguem gemendo ( ou contando bravatas ) — tudo passa depressinha, e tão depressa — que já não sois, burgueses, mais do que o esterco do capim que o chão ( vosso ) torna em pasto sob o focinho dos bois ( vossos ).
Ah, burgueses, foi bom, muito bom ver-vos passar. Enquanto dáveis as cartas muitos esperávamos o dia em que devolvêsseis à vida o que é da vida. Ficai em paz, se é que a construístes para vós.
Sei que virão outros ( e até piores ) mas todos eles serão pasto de sua própria gula: sua maldade e ignorância serão lembradas e execradas.
A vós, ó donos, ó notáveis — as nossas gargalhadas. LA 99/02
Mel E...
Abelha, em serviço, não tem tempo para nada, senão para fazer seu mel. Poeta, com caneta e sulfite, tem todo o tempo água viva que corre nele como um rio. Abelha faz mel. Poeta faz o sonho parir à beira-rio e o entrega nos braços do tempo que o lava com jeito de mãe e lhe diz que procure ( quando for hora ) o senhor Proust para que o ajude a ver que não há tempo nenhum perdido — se o atual estiver sendo metabolizado em consciência — e ligado em essência com a Fonte.
Abelha faz mel. O homem faz merda. Principalmente se for um bicho arrogante, charmosamente bobo — que “pega” de todos, empilha para si e para Ego, seu senhor — sempre a serviço de si mesmo para si próprio. LA 99/02
Ficar-Partir
Se nunca mais voltarmos a nos ver, não vai deixar a rosa de florir nem o dia deixar de amanhecer. Meu cão não fará greve em seu latir.
Nem meu melhor amigo vai saber. ( Só conheço um alguém que vai sentir.) Nem minha mãe irá se surpreender... E o mundo, o mundo inteiro nem vai rir.
Se nunca mais voltarmos a nos ver, a vida vai deixar acontecer... e Deus, Deus vai deixar-nos decidir...
Só nosso coração pode doer. Ele, sim, poderá se ressentir desse ir ou não ir, ficar-partir... LA 99/02
Cinismo
Nesta hora de cinismo agudo, teúdo e manteúdo — no entre nações, no entre pessoas, no entre cachorros... Nesta hora em que o cinismo concentra fortunas, reparte misérias, fabrica trapaças — que fazer, ó Calíope, já que a Ciência não pode? Que fazer, meus heróis? Meus anti-heróis? Meus irmãos, que fazer? Que fazer, santos homens? Bandidos, que fazer? Que fazer, ó normais? Teóricos, concretas, que fazer? Que fazer, ó vocês, que cultivam respostas para todas as coisas?
Ó tu, ó nós, ó sábios de todas as sabenças, haverá uma saída — que não a de transitivar o humano nesta hora intransitiva? LA 99/02
A Nave
Sem a substância do imaginar, como construir a nave em nós ( e vice-versa ) para os outros e as coisas? Como ver que o visto é o ver em revisões? Como contar sabendo recontado não somente o que conto como também o que me foi contado?
O imaginar vai trazendo do nada coletivo ( o nada também tem dono ) “coisas” de que depois nos cobram um senso, um rumo ( fora e dentro ).
O imaginar é sociogênico: nasce de depreender relações, de vasculhar universalidades... O imaginar se transforma na coisa que imagina — sendo que o imaginador a é, bem antes dela. Uma espécie de seu deus.
Sem a substância do imaginar, a nave não se constrói, e sem ela — como viajar-nos por nós e pelas coisas? E como recriar a realidade por nossa vida inteira? LA 99/02
Caça Aos Morcegos
Fiap-fiap-fiap-fiap-fiap-fiap-fiap ... André, com um caniço, fustigava o ar no quintal — estava caçando morcegos.
A vizinha, curiosa e sorridente, lhe pergunta o que fazia. Debruçado no muro, e cavalheiro, pede-lhe que pule do seu lado ( e o ajude ) e a ensina a vibrar o caniço... Ficaram até às três da manhã vibrando a vara ( por sorte mataram três ), — até o marido chamá-la para dormir.
Na outra noite, às nove, telefonou a André perguntando se iriam caçar. Respondeu-lhe que decerto: havia morcegos demais e era mister vibrar a vara — o que era bom para os dois: após se aliviarem de seus bichos, haveriam de se sentir mais leves, langues-lassos-relaxados. E assim foi: despertares divinos, anoiteceres ansiosos. Sim, toda santa noite, por charme, prazer ou vício — se dedicavam cada vez mais entusiasmados a fazer vibrar a vara na deliciosa caça aos morcegos: fiaaaaaaaaap fiaaaaaaaap fiaaaaaaaap fiaaaa... LA 99/02
Quase Inexistente
Há os que aportam entre o existente e a dois degraus de já quase não se estar... Aí trabalham, amam e morrem — mas como garimpeiros do que os homens desprezam, como lapidadores de coisas esquecidas, construindo no seu imaginar a oficina cúmplice do seu viver. E a vida inteira constroem e reciclam as coisas, a si mesmos, o que sonham em trânsito permanente de si para os outros, dos outros para o mundo e para si: sempre em saltos-transcendências — maneira de se sentirem água viva...
Esses tais, em suas casas-naves ( entre o partir e o cais ) — têm uma vida quase inexistente... São os mineiros da vida. LA 99/02
Penas Limpas
Jamais desvalorizo a minha dor com lágrimas, sequer reprovações. Tudo o que me acontece, se profundamente entendido, me ajuda a sofrer o mal até que me seja bem.
Turvar com mágoas, manchar com imprecações — apequena, amesquinha: joga água no fogo que iria separar o ouro da ganga. Ouro? Digamos, então, prata...
Jamais me desvalorizo com autodó: preciso das minhas asas ( não-molhadas... ) para poder atravessar-me e prosseguir minha viagem. LA 99/02
Lindos Fricotes
Nossa amizade foi sempre cheia de licenças poéticas e das metáforas da justificação. Só poderia ser mesmo uma amizade de mer... pois quem é que ousaria tocá-la com colher?
Ah, minha desamada, que saudades que não tenho daqueles lindos fricotes jamais terem sido nada.
Quem sabe Proust, com algum reajuste, não lhe ensina a recobrar o que não soube se dar?
Saudades do seu tornozelo esquerdo. LA 99/02
Via Piranhas
A guerra, amada, tem o seu lado bom — cria empregos, corta supérfluos, evita a explosão demográfica, põe a população em saltitante estado de medo — resignando-a como a um santo que se quer despojar do mundo. Além de fazer uma triagem ( via piranhas ) com boiadas e boiadas e boiadas... Além do seu lado belo: a beleza de se ver o massacre via-satélites — sentadinhos em poltronas e comendo pipocas. A guerra, amada, é coisa linda, e nem precisa de motivos: qualquer um serve — um dos melhores é a falta de motivos. Não é o que vemos todo dia? LA 99/02
O Mundo Mágico De Um Gajo
Deixou as barbas de molho por tanto e tanto tempo, que quando se lembrou delas piranhas a tinham comido. Extraiu disso um aprendizado que passou para a pobre mulher: ''Sabe, Eudócia, aprendi que os inimigos do homem agem até por dentro das metáforas...” A mulher lhe atirou dois palavrões e o mandou ir buscar quinhentos gramas de lingüiça para a janta. LA 99/02
Invidia
Mais que a embalagem deveria valer o conteúdo, mas a inveja desmente este enunciado. Hoje, o que os olhos vêem é o que conta — já que o ver do momento é um ver de superfície: ver hedonista que só vai até enquanto o objeto está na luz... O homem parece estar perdendo o seu ver criativo ( sua porção de luz própria ) — aquele que recria a realidade porque deseja ver-se ( a si mesmo ) outro. O mundo é como o vemos. E como o vemos somos nós por dentro. LA 99/02
Entre Um Bolinho E Outro
Uma loucura falsa, sem brilho interior — a dos que se fingem loucos. Um fogo de folhas secas — pouca chama, muita fumaça.
A amizade pretensiosa, mas medíocre, cansa a alma.
Se não for pretensiosa, tudo bem. É uma delícia comer bolinhos-de-chuva com cafezinho fresco.
Doidice que se preza tem luz própria. LA 99/02
Quem vê cara não vê o que o espera. LA 99/02
Iron Lady
Era de ferro a dama. Porém, foi se esquecendo de usar algum azeite para poder abrir-fechar, dobrar-se, desdobrar-se, agachar-levantar-se, cair, rolar, reerguer-se — e sorrir sem ranger.
A dama, que não soube fazer assim, logo virou um punhado de pó de ferro que o parlamento inglês jogou no Tâmisa. LA 99/02
Os Fundilhos Do Momento
No momento, o humano está em banho-maria. Se esquentar, — evapora. Se desligar, — congela. As mãos do Capetalismo é que controlam o fogo.
No entanto, viver é possível. Será sempre possível — principalmente para os loucos. LA 99/02
Eleição
Elegeu a ficção por lhe ser mais verdadeira. Por ver nela o terceiro lado da vida: aquele a que confluem os arroios do tempo e formam o grande rio Agora-Sempre, que rola sob os pés de toda criatura — e liga tudo a tudo. O rio que finge ser o que realmente é: a realidade a remoldar-se em infinitos moldes — tão facilmente quanto respiramos.
Elegeu a ficção por lhe ser mais verdadeira. Nem por isso deixou de dar ao mundo o que é do mundo. LA 99/02
Mural
Ouviu umas pedrinhas no telhado. Saltou da cama ao muro: era a vizinha. Trazia sobre o corpo uma calcinha e um penhoar de luar, bem decotado.
— Meu marido ressona transportado... E eu a remoer a noite, tão sozinha... Pensei: vou ver se André está acordado para passear com ele pela vinha...
— Que bom, amor, nós sempre continuamos, sobre este muro, o que jamais findamos — por isso mesmo lindo quanto infindo.
— Ajuda, amor: faz escadinha... Estou subindo... Ai, devagar! Assim... assim... eu te seguro... Vamos fazer tremer o puto deste muro! LA 99/02
Pela Fresta Do Muro
Em geral os covardes têm voz e timbre sonoros, dicção eufórica e arrojos de animal no cio.
Os covardes vivem sempre empurrando os outros a fazerem aquilo a que jamais se atreveriam.
Citando frases lustrosas de poetas e filósofos enfermos incentivam o mergulho, o pulo, a escalada, a travessia, as aventuras desgrenhadas, o risco, o jogo, as paixões — e tudo mais o que jamais fariam.
Incentivam, e ficam vendo ( por uma fresta do muro ) se o leão deixa que lhe trancem a juba... LA 99/02
Bom Proveito!
Calma. Vocês terão a vida inteira para manipular, para guerrear e dominar.
A vida inteira para serem os donos, os notáveis: dar as cartas — ter a voz e o comando.
Resta saber o que vocês farão com todos esses “brinquedos” que fizeram da vida... no tratar como a esterco a tanta e tanta gente.
Os “briquedos” são seus: são coisas que vocês fizeram — são coisas suas. A vida não é de ninguém que seja homem.
Bom proveito, senhores! LA 99/02
Lucifazer-Se
Muitas vezes subimos, subimos, subimos... mas a vida chocalha a árvore. Subimos outra vez, e pumba! Outra e outra, e pumba! pumba! Aprendemos que o ir faz voltar, que o subir faz descer ( ou cair ). Compreendemos que tudo isso é a vida: ganho-perda, perda-ganho. Estar aqui ou lá é só uma questão de estar aqui ou lá: isto pode importar apenas para o ser — a vida não se importa. A vida serve. A vida apenas serve. A vida serve enquanto o ser não a desserve... ( No caso há um desvio para acertar os comboios... ) A vida é consciência-desígnio, o ser, — consciência-arbítrio — consciência a ser-se, a demandar um rumo-em-si pelo caminho da luz: essa mesma cuja semente sonha em campos do devir. Subir-descer, ir-e-vir, chegar-voltar — o ser se desloca em si, como se desloca fora — mas chegar é transcender-se: chegar-se em degraus de consciência — levar-se por si mesmo em essência: transição-vida-transição — o ser vai-se tecendo as vestes de lucifazer-se com divinos fios de luz LA 99/02
Depois De Ler Um Livro
A vida nos exige uma coerência subjetiva — indo de nós para os outros e voltando a filtrar-se em nós.
O só compromisso com a verdade ( o ser e o seu destino ) — faz o homem respirá-la. Sem esse sentimento a vida se divorcia da beleza — se desvia daquele fulcro que sustém seu valer-a-pena. Viver assim é estar desenganado, ter-se perdido da Intrínseca Finalidade. LA 99/02
Amor De Vento
Deponhamos as armas, amor. Se já nem mais te quero nem tu já és o mesmo — por que continuarmos a derrubar os muros já todos derrubados?
De vento sou, de vento és. De vento são nossos moinhos. De muito vento os nossos sonhos. Cheias de vento, amor, nossas cabeças.
Amor, amor, já não te cansas de quebrar tantas lanças com defuntos e fantasmas? De queimar tantas velas contigo e com os amadores?
Amor, amor, que bom já não exista o que eu pensava de ti! Que bom, amor, já nem saibas de ti nem dos amantes.
Já que somos de vento, amor, de fortes ventos feitos — vamos nos dar o braço e sentando num espinho, mandarmo-nos pro espaço, que também é de vento. LA 99/02
Quem Não Consegue, Amor?
Sem teus serviços, amor, sem tua generosidade, teu jogo de cintura, sem as cantadas cálidas do teu sorriso, sem tuas meigas canalhices, teus jeitosos surrupios, teus charmosos calotes, sem as tuas mentiras cheirando a perfume vencido, sem teus flertes habilidosos, sem tuas delicadezas com o sexo oposto, sem teus olhos sem-vergonha, sem tuas trepadas extras, sem teus incestos, sem teus depoimentos falsos com testemunhas compradas, sem teus processos, sem tuas insinuações de bicho mal-amado, sem teu trabalho assíduo para pôr o moral do outro em dúvida, bem como a sua sanidade... sem teus roubos e desfalques e calotes ( ah, teus calotes, amor! ), sem o teu narcisismo servindo em finas bandejas tuas carnes malpassadas, sem tua estupidez, sem a tua frieza, a tua indiferença, sem teu falar mal do outro ( para o sexo oposto), sem teus flatos tão discretos, sem teus doces adultérios, sem teu fazer diuturnamente de besta, sem a inveja e a competição e a lavagem cerebral que promoves nos filhos e a culpa que transferes para o teu cônjuge, sem teus fiadores assíduos ( sempre do outro sexo ), sem roubares a própria casa para dar a parentes e outras gentes, sem o veneno do teu vinho — quem é que não consegue, amor, ser feliz sem tudo isso? LA 99/02
Títeres
Já não é hora, amor, de renasceres com a criatura de tuas próprias mazelas, de teu ridículo descrédito? De trocares a adstringência pelo maduro da vida? De converteres em dia a tua longa noite disfarçada de luas e estrelas? De deixares de chamar teus crimes ( teus desacertos psicogenéticos ) de cálidas paixões? Já não é hora, amor, de acertar o relógio com o brilho do meio-dia e aprender o caminho da luz? O caminho de volta pela porta da frente da casa. Já não é hora, amor, de seres o cocheiro dessa carruagem em que viajas bêbado e inconsciente? Já não é hora de dares o salto do amor-doença para o amor-consciência — e assim os homens irem se libertando de serem títeres teus lá em si mesmos? LA 99/02
Do Diário De André
Quando bem menino, e que minha mãe não estava por perto ( na sua fábrica de costura ) eu espiava as empregadas — subindo e descendo a grande escada... Uma delas até me dava medo, um medo terrivelmente bom: tinha uma vassoura de piaçava entre as pernas... com cerdas lindas... cor de fogo e ... quando andava fazia caretas... Por vezes eu tremia inteiro — sentia uns fricotes gostosos pela barriga acima, pela barriga abaixo. Quando me trancava no banheiro pensava no que Virgínia havia feito com aquele frasco de perfume... Sempre que ela me via sem-graça — esticava um sorriso onisciente... e me espetava com um olhar sem-vergonha... Olha, meu Deus, que vi, vi muita coisa na vida, mas nenhuma tão curiosa, tão sublimística igual à de Virgínia. ......................................................................................... A tosse de meu pai às vezes me fazia procurar agulhas, alfinetes, grampinhos, tarraxinhas de brinco, pulgas, coisas microscópicas entre os vãos, pelas tábuas da escada... .............................................................................................. Mas o povo está certo: o que é bom dura pouco. Logo me puseram numa escola interna. E me recordo de que por muito tempo prestei homenagens assíduas ao que vira naquela generosa escada. LA 99/02
É Assim Mesmo
Se o amor não tem te procurado, não entres em crise, que o amor tem trazido à cabeça muitos problemas — inclusive apêndices mirabolantes e artefatos de românticos antiquários... Esse senhor, a quem chamamos de amor, tem deveras deformado o bolso e a cabeça do mundo ( mundo a que, aliás, foi ele próprio, sim, foi amor quem deu feiçoes ). Uma das muitas coisas boas desse arrivista é o doce de cidra com queijo fresco que ele jamais tem nem sabe fazer — mas faz vontade contando-nos histórias de suas bondosas avós e mamães... O irresistível do amor é que ele precisa driblar, forjar, mentir, lograr, trair para continuar em cima de seu burro ou limusine. Mesmo assim, se o amor te procurar, jamais lhe digas não: atende-o pela noite e antes de amanhecer já não estejas. Manda-lhe rosas, versos, tâmaras, passas e cerejas, licor de jenipapo — e mantenha azeitada a conivência. Trata o amor por antítese, que ele adora. Enquanto não o levares a sério, ele irá sendo lindo. Quem chora por amor é porque não aprendeu a brincar. Amor é como jabuticaba: quanto mais se chupa mais se quer — o problema são os caroços que se engolem... O amor é tão divino, que diabo nenhum resiste. O amor é tão diabólico, que todos os deuses foram cornos — exemplarmente cornos. A quem a vida dá um amor torto, bobo dele se vai querê-lo direito — aí é que o direito vira esquerdo. Amor é assim mesmo. Cada um com o seu e todos com cada um. Que guarde bem sua medalha quem nunca foi feito de besta. LA 99/02
Acertos E Erros
Aprendemos mais com os acertos ou com os erros? Até aprendermos, erramos mais que acertamos. Nossos mestres, portanto, são os nossos primeiros e nossos últimos erros. Os erros são desafio, são amor-próprio — torna-se questão de honra superá-los. Torna-se satisfação, prazer, orgulho, compensação, reconhecimento, fama e prestígio... suplantá-los. Por isso, tornam-se nossos professores particulares, nossos guarda-costas. Os erros vão se transformando em pais superados em relação aos acertos. Quando isso acontece em todos os setores da vida humana — temos alguém privilegiado. Os opostos são a maior ajuda da nossa aprendizagem. No final, os erros terão sido maneiras de acertar. LA 99/02
Moldes
Moldes e moldes e moldes num fervilhar de formas que um rio vai preenchendo e corporificando pelas sombras das margens — realidade-sendo e transitando por si mesma.
Moldes e moldes e moldes, todos eles preenchidos pelo sonho que traz em si a essência a ser trabalhada pelo ser através da estrada que ele abre por si dentro e pelos finitos do infinito — pelos unos dos versos em seu chegar-se-partir.
Moldes e moldes e moldes — casulos de tempo e ser por onde o sonho de Deus ilumina o recriarem-se das criaturas: o tamisar-se da vida através das finas sedas do silêncio de saber-se mais — bem maior que o auto-engano permite que nos vejamos. LA 99/02
Mordomo
Se te avassalas, a outro superestimas e, assim, te decepcionas.
“Super” é um tanto muito ( ao menos por enquanto ) a quem não deu o salto de si, do humano que é, lá para o seu mais humano...
Ao que parece, o que somos é pouco: a vida nos quer mais. Daí ter contratado seu mordomo, o Viver, para nos conduzir ao que nos falta. LA 99/02
Cá Pra Nóis...
A nossa pobre lógica é só uma maneira de nos situarmos em nosso tolo realismo que a vida não parece conhecer.
A beleza de tudo é exatamente tudo não lecionar nenhuma lógica.
Muitas vezes inventar pode ser mais verdadeiro que a realidade. Não tenhas medo de sonhar, trabalhar — e sobretudo inventar a tua felicidade. LA 99/02
O Duende E A Pedra
Só a ficção é real, porque sabe fingir que pode se apoiar na realidade. O mais são cristalizações de tempo.
A verdade é termos o faro que a percebe atrás de sua sombra.
O sonho é a mão de Deus que faz segundo a obra e a fé.
Já para a poesia, para a filosofia o verbo é ser — que nem é verbo, mas uma espécie de duende de pedra. LA 99/02
Trabalho-Experiência
Essa simplicidade a que só se chega com o não saber do que sabemos — é antes um cuspir as sementes da maturidade.
Essa simplicidade ( que diz sem parecer dizer ), além de trabalho-experiência, além de evolução — é o simples sempre aparente: uma tormenta de fundo com calma de superfície. LA 99/02
Consolo
O medo de fazer-dizer nos amarra à derrota, conserva-nos mortais. E a nossa única vingança sobre a derrota é vencer pelo caminho estreito: o só consolo do inconsolável — na escalada do impossível que o querer-ousadia vai aos poucos transformando em possibilidade e vitória de ser. LA 99/03
No Prelo
Nós, homens e mulheres, e nosso amor sempre no prelo — grandiosamente belo, e lindo-infindo, porque não lido nem vivido. No prelo. LA 99/03
Poema Lavado
Se tens sido mais infeliz que feliz, não te assustes não, meu velho, que estás dentro da mais normal normalidade. A vida não faz concessões. E se vivemos para nos reconstruir — muito natural tenhamos mais trabalho que lazer... Mas é bom ter o cuidado de não dizer “não” ao que apenas começamos a construir — o nosso estarmos bem em nós. O mais é uma luta brava, e a maior delas é a de nos transcendermos, ou irmos nos transcendendo de nossas irrealidades para o sonho de Deus em nós. LA 99/03
Cardiomania
Disse ao meu coração que era chegada a hora de deixar de ser babaca. Não sei se ele me compreendeu, ou se só concordou. Como dizem, nunca se sabe. O coração, por mais que pense, tem a mania de sentir. LA 99/03
Órbitas De Barro
Precisamos tomar nas mãos a caveira dos que nos precederam, e retirar-lhe a terra de onde se prolongam os nossos olhos. Saber que como eles também teremos enxergado bem pouco aos olhos que virão. Saber que o nosso ver cria e recria realidades que muitas vezes nos prendem em tempo e espaço outros também criados por nós: por nosso ver consciência, tresmalhado do Desígnio-Finalidade a que nos chama com voz sutil ( mas incessante ) o Espírito de vida. LA 99/03
Para Todos
É possível ( a quem queira ) ajudar a diminuir a infelicidade — pelo amor, pela solidariedade, pela arte, pelo “sim” e pelo “não” — na hora certa. LA 99/03
Beluga
Meu amor, minha beluga, ajuda aqui neste mar. O mar é bravo, beluga, tenho medo de afogar.
Ajuda, amiga beluga, este menino do mar... Toda a pessoa, “beluga”, é uma criança ao singrar.
Com teu afeto, beluga, fica mais manso este mar. Ter-te na mente ou ao lado assopra o meu navegar. LA 99/03
Penúltima Saída
Ou transcendemos a estupidez do real, ou morreremos estupidificados.
Acredito no amor, no crer das mãos, na boa-vondade, na arte como penúltima saída... A última dá para os lados do nada. LA 99/033
Força Humana
Os grandes sentimentos fazem sempre do homem senhor da realidade e facilitam transmudá-la. Os grandes sentimentos são a síntese de toda a força humana a percutir aquela nota no âmago do ser — seu sonho, seu grande sonho que se torna em verdade. LA 99/03
Cuidado
Cuidado com a mulata, que ela mata — mata, esquarteja, mói. Seu amor vale prata ou ouro em pó. Mas a mulata mata. Ao que lhe desata a alça do desejo, não por pejo, mas por molejo — é que a mulata mata. Aproveitem que a mulata, despida, desliza pela avenida, suada de libido e remelexo atrevido — esfregando suas plumas ( rebolando lentamente ) na cara e na careta de toda gente. Cuidado, que a mulata desbarata, mata e mói — mas não dói. LA 99/03
Invenção
Se a mulher existisse, até que os homens poderiam “reclamar” de não terem encontrado a alta quantia de sonhos que nela depositaram.
Se igualmente existisse o homem, talvez surtisse efeito falarem tão mal dele as mulheres — decepcionadas por apenas haverem encontrado o cavalo do príncipe...
( Não mencionemos o fato aos não iniciados, mas a mulher e o homem não existem. ) Existe o ser humano, desiludido de si — inventando uma extensão-felicidade de si para si mesmo. LA 99/03
Deixas
Uns deixam isso, outros aquilo. Pedaços da mão, da alma, do espírito. Gestos do coração e a linguagem dos pés.
Muitos e muitos só-apenas deixam saudades. LA 99/03
Precisão
Certamente não é de inteligência o de que o homem precisa. Mas de algo que não se aprende no banco das escolas nem nas fórmulas da ciência. Precisa de algo que ele tem na raiz do próprio coração — Misericórdia.
A inteligência é o vinho, a misericórdia, — o pão. Sem esses dois não haverá banquete. LA 99/03
Enfoques
Na mocidade, com a cabeça entre temporais e céus esfuziantes, o amor é épico — maior que a vida, desbravador de mundos.
Na meia-idade, com a cabeça entre a família e a dominação social, o amor é belo — do tamanho do sonho do que cremos com as mãos.
No caminho do fim, com as mãos em beirais de pluma e pés já sujos de terra, o amor é ponte — de nós-sonhos que vêm e pessoas que vamos. LA 99/03
Diálogo Íntimo
“Se já não temos tempo de não sermos bobos no passado, façamo-lo no hoje” — imaginei meu coração dizendo-me isso num cardiodesabafo.
Ao que lhe respondi: Assim é que se diz, meu velho! Nunca se deve dar o ventrículo a torcer. LA 99/03
Rosas Que Eu Não Lhe Prometera
Quero escrever um poema que seja claro como o meio-dia para quando você o ler deliciar-se à sua sombra.
Um poema que fale de tal modo do amor, que quando o ler, rápido sinta que amor assim nunca ninguém já amou, e fique com vontade, não de amar, mas de saber se valeria a pena.
Um poema que fale da beleza de nem precisar havê-la — já que ela de fato não existe naquilo em que mais nos deslumbra.
Um poema, enfim, que diga ( bem lá detrás das palavras ) que as rosas orvalhadas de vermelho não chorem sobre o ombro do ontem por não as ter mandado a você — uma vez que eu nunca soube se você tem ou não um vaso lá em seu coração. LA 99/03
Cada Uma!
Minha alma me disse ( sem nenhuma pieguice ) que no céu os poetas e os bobos não pagam ingresso. — Por que os poetas e os bobo? — quis saber, revoltado.
Porque os bobos são bobos. Poetas e bobos são recompensados quando desta para melhor.
— Melhor?! E quem não crê que isso é melhor?
— Melhor seria crer que sim. Uma, que não custa nada... e outra, que nunca se sabe... LA 99/03
Jeito
Entre o princípio e o fim, entre o sentir e a razão o amor gosta porque-sim e não gosta porque-não.
Não é que o amor é mau, Maricota, — é que ele se esquece à toa. Vive errando de porta e do nome da pessoa.
Num jeito quase sem jeito o amor se ajeita. E se ajeita de tal jeito que ninguém nem suspeita. LA 99/03
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