OCIO EM FLOR Laerte Antonio
Mugidos De Outono
Se o mugir rubro da rosa lhe espinhar a mão, Carmela, — conte para seu pai, que ele processa a florista por agressão, perdas e danos morais, e manda ordenhar a rosa e fazer doce de pétalas pra sobremesa do Outono — que comeu todas as folhas e ficou empanzinado de metanos e neblinas.
Se o mugir pontiagudo do Outono lhe machucar o charme, Carmela, conte para o padre, que de chifres ele entende — até abriu uma fábrica de berrantes bordados em ouro e prata.
Agora, minha Carmela, se a diaba daquela rosa quiser competir com você, que tire a esperança da chuva — diga a ela que quem muge, uiva, ulula ao meu ouvido — é você.
Charme Da Luz
Deus fez o amor e permitiu ao Diabo cultivasse minhocas para o amor pescar. Pescar peixes que há e peixes que não há. Não houvesse peixes e minhocas, o amor seria só divino — jamais o levaria o Diabo. Mas que graça teria neste mundo em que as sombras são o charme da luz?
De Cócoras
Ficar de cócoras —protege e escuda.
Pensar de cócoras — produz idéias afins.
Dormir de cócoras — só se recostado ao sonho, pra não cair.
Fazer amor de cócoras — menos uma questão de encaixe que fricotes de aves galando...
De cócoras — pode-se levantar pó...
Filosofar de cócoras — gera idéias analóides.
Xingar ou rir de cócoras — libera gases.
Conversar ( com o patrão ) de cócoras — é um modo de se proteger.
Defecar de cócoras — só para os raros.
Rezar de cócoras — padre não deixa.
E A Glorinha...
— E a Glorinha, André? — Boa. Em paz. Obrigado. Entrou no meu coração, pediu licença — trancou a porta. Acho que nos queremos porque nossos pontos-de-vista nunca transaram. Só mesmo o básico —fundamentalmente: os nossos lados fundiários é que prosperam — e a que não faltam chuvas. Pro resto nem ligamos se encaixa ou não encaixa.
O importante num casal ( diz a minha Glória ) é o diálogo entre os pontos nevrálgicos. Eu sei lá! Não entendo. Mas ela sempre diz que o entendimento é o fim de todo amor.
A Balconista
Tinha seios tão fartos e empinados, que — quando inspirada — trazia de três a quatro pães-bengala ( sempre bem embrulhadinhos ) atravessados sobre o busto.
Velhinhos, moços e moleques entravam em fila — faziam questão em serem servidos por ela. As moças, senhoras e matronas mudaram ( é claro ) de padaria. Se bem que não demorou tiveram de voltar — todas as panificadoras foram fechando.
O dono da padaria — deslumbrado — casou com ela. .................................................................................. E não é que depois de exatos três meses o homem morreu? A vida é mesmo uma pinguela ensaboada.
Amigos e fregueses, exegetas de mistérios, sem muito custo descobriram a causa — excesso de pão e leite.
Vocação Grimpante
Menino, foi alpinista das boçorocas. Moço, unhou os seus alpes de um sonhar arrivista ( melhor a guerra que a conquista ). Hoje? Hoje é feminista — adora escalar mulheres sem mesuras nem talheres.
Guerra É Guerra
Bochechundas. Vós desfrutais de lugar privilegiado na cabeça do momento. Em tempo algum vossa importâcia, ó fofas, foi tão proeminente. Numa batalha de séculos, saístes de debaixo dos lençóis para o sol e a brisa, ou melhor: para os olhos. E o ar que respiramos ( não menos que deliciosamente ) foi se tornando calipígio... Calidopígio.
Parabéns, bundas guerreiras. Os tímidos ( e os moralistas ) gostaram — transam quietinhos no mental.
Radical “Ard”
Primavera-verão. Desliza a vida por tobogãs de sol e azul. O dia arde entre saias bordadas de pernas. Entre corolas cheias de vinho-seios e ondulações facundas...
A vida belisca, mordisca a vida.
Por Telefone
Quem não tem molho-humor pra engolir sapos e rãs, saborear enganos condimentados com sais de riso e pó de chifres — melhor pegar o ônibus, trem, avião ou o lombo do diabo e ir para um lugar qualquer onde a vida não exista.
Os delicados, minha amiga, são o escabelo do chulé deste mundo. ............................................................... Um abraço. Te espero para um papo e café ou qualquer outra coisa — contanto que relaxe tudo e o mais.
Canção De Persuasão
Não faça doce, Rosinha Deixe de doce, mulher, Chega pra cá, amorico,
—
Paisagem
Moles, mornas, macias, majestosas,
Impávidas, impondo-se imperiosas,
Ora magras, minguadas, macilentas,
baila-bailando em báquico baal — ,
Canção Para Josefina
Tem dias, Zefa, que é melhor morrer. Mas como não adiantaria — a gente volta até com alegria para a mania de viver.
Que ao menos a alma, Zefa, esteja sempre de pé. Quando estiver escuro — possamos enxergar com os olhos da fé. Se o amor é pobre — tenhamos paciência com nosso coração. Se tem mentido a esperança — nem por isso neguemos a verdade.
Tem dias, Zefa, que é noite em alma — noite chorando chuva fria... Mas de repente, sem que se saiba, Zefa, o galo canta um novo dia.
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