NA HASTE DO HOJE

 

Textos 2

 

                                                               Laerte Antonio

 

 

 

Humanosas

 

As pétalas nos têm contado

aquelas mesmas histórias

que contamos a elas.

 

Sim, entre rosas e pessoas

a grande diferença

é não havê-la.

 

( O vento nos conhece bem,

a nós e a elas.

Bisbilha assíduo —

chorando pétalas,

soprando o pó...)

 

Realidades desfolháveis,

flatuosas

caracterizam os dois lados —

seres humanos e rosas.

 

Conosco

aprenderam a falar.

Com elas inventamos

delicadezas-sonhos.

 

Claro que sim: as rosas contam

o que ouviram de nós.

Se nem sempre o que dizem

é verdade,

é porque se parecem

demais com a gente.

LA 11/002

 

 

 

 

Árvore Da Vida

 

Demais complexa,

a vida humana

comporta multidimensões.

Por maior que seja o cientista,

há dimensões da realidade

que o especular racional

jamais pode alcançar.

O intelecto sucumbe

e se pueriza

quando entra no campo

paralógico e multiversal

da religião.

Aí se é guiado pela mão do Verbo,

ou não se é.

Aí se tem o Espírito,

ou a palavra é morta.

Aí se tem o mistério

como fonte de provisões —

ou se tem nada.

Aí se vive

de fé em fé,

de esperança em esperança,

de transcender em transcender —

ou não se vive.

Aí trocamos “sermos”

por Deus nos ser —

ou não se é.

Enxertamos nossa vontade

na Dele —

ou estaremos de costas —

permanecemos zambujeiros.

Até que rebente em nós

aquele ramo de Jessé —

então, sim, aberta em flor,

a vida será trigo e vinho

naquela ceia

em alma-coração —

lá em varandas de Deuspai.

LA 11/002

 

 

 

 

Falta

 

Não é bem o coração que dói,

mas o lugar onde ele não está —

um buraco onde ele falta,

pois, não estando, dói. E muito.

Talvez seu duplo etéreo é que doa...

Dói porque ainda é em outro estado-ser.

 

Lá no extremo do meu riso

tento pôr tudo no lugar —

ao menos ajeitar ser-não-ser

no seu nenhum lugar ( ou todo ),

isto é: na ubiqüidade

de todos os cás-e-lás-estarmos

sobre horizontes que imaginamos

com barridos de elefantes pelo verde

ou penhascos com rosas ( aquelas das amadas... )

a se dobrarem, desfolharem com o vento

na madrugada com estrelas sonsas

indo dormir, e acenando para moças

bateando elétricas

com as mãos nos quadris, e bêbadas

ou drogadas, a reluzir seus piercings na língua,

queixo, clitóris e nos lábios

da boca e xota uivando excessos...

A carne toda uivando, vomitando excessos.

 

Algo nos falta dolorosamente.

LA 11/002

 

 

 

 

China

 

Nem Marx,

nem Mao.

Chega de pau

no lombo.

Agora é pau

no corpo todo.

Na alma toda.

É pau global:

vão dançar

a Ciranda.

Até o panda.

Sim: debaixo

de pau.

LA 11/002

 

 

 

 

Nem Sei...

 

Nem sei se fora bom pensar em ti

com essa chuva fina em tarde escura...

Já cantou a doutora saracura,

e piou sabichão o bem-te-vi...

 

Nem sei se fora bom comer pequi

com esse arroz soltinho de mistura...

Há que morder a fruta com ternura

ou estrepa até a boca do Saci.

 

Não sei se posso misturar goiaba

a um tempo com caqui, jabuticaba...

Manga com leite, mãe, já não faz mal...

 

Não sei se posso reunir Teresa

com Joana e Joaquina à minha mesa —

sem que nada aconteça de (a)normal...

LA 11/002

 

 

 

 

Companheiros

 

Salvar o riso, o velho companheiro,

guardar a fé, atalhos de chegar...

e resguardar o amor, mantê-lo inteiro

junto ao humor, que vai nos ensinar

 

a ver a frustração como um guerreiro

que sabe não ter tempo pra chorar...

mas defender-se, e já ser mais certeiro —

sem pensar em perder nem em ganhar...

 

Sim: lidar com os limites e as derrotas

é preciso aprender... Andar de botas

pela maroma bamba que balança...

 

A fé, o amor, o riso: um bando amigo,

que deve andar com um dom bem mais antigo —

devem seguir ao lado da esperança.

LA 11/002

 

 

 

 

Um Pouco Mais

 

A ventura começa

quando o filme termina.

E vamos para casa

esperando ( breve ) assistir

a outro, sempre a mais outro —

pra que, talvez, com seus finais,

possamos construir

uma felicidade

que dure um pouco mais —

e não derreta no palito...

LA 11/002

 

 

 

 

Sacis

 

Pensar, ou ser pensado.

Sonhar, ou ser sonhado.

Enquanto o mundo nos pensar-sonhar —

seremos como o Saci,

um Saci interior:

viveremos aos pulos...

sem podermos caminhar.

“Nossos” pensamentos

não serão nossos.

“Nossos” sonhos

não serão nossos.

Nem nossos nem de Deus —

mas dos homens

que tangem a boiada.

..........................................................

Não raro somos reféns

de nós mesmos.

LA 11/002

 

 

 

 

Sete Tercetos

 

O que não soube fazer

de seu saber uma festa —

de que lhe adiantou saber?

 

Quem não soube fazer

de seu fazer alegria —

de que lhe valeu fazer?

 

Quem desprezou de Eros

o que ele pode ofertar —

onde encontrou melhor?

 

Quem não pôde inventar

a sua felicidade —

a encontraria na inveja?

 

Quem trocou sua loucura

pelo medo dos “normais”—

o que ganhou além de nada?

 

A quem nega a si mesmo

o direito de acovardar-se —

bastam-lhe as palmas dos astutos?

 

Quem teve medo de sonhar

e esforçar-se por vivê-lo —

o que é que lhe restou?

LA 11/002

 

 

 

 

Sociais Quiasmas

 

Pela caatinga a fora. Quebradiços

gravetos estalejam sob os pés.

A paisagem, cactácea, feito ouriços,

enche os olhos de um ver que é de viés...

 

Rachados, como torta, chãos cediços

se estendem como fossem rodapés...

Nenhum verde, nenhuma folha ou viço

descansa o olhar. Fornalha em aridez.

 

Fantasmas e fantasmas nos caminhos,

levando água ou montando alguns burrinhos —

fantasmas de carne e osso, mas fantasmas...

 

Uma gente vivendo seus heroísmos

de miséria: desvida em escravismos

bem planejados em sociais quiasmas...

LA 11/002

 

 

 

 

Sim: Ele Sabe O Caminho

 

Sim, Senhor:

o saber é uma fruta

com bastante sabor.

Não dá mesmo

pra não comê-la —

e sempre que a comemos

ficamos com ciência

de tê-la comido

e a metabolizado

em consciência:

nem mais nem menos

que o essencializar da vida

em novas gamas

de ser em ser-se —

de transcendência em transcendência

dentro da humana transessência.

 

Sim: Senhor:

caídos,

construímos a volta

em Tu nos seres.

E o nosso coração

sabe o caminho —

pelo cheiro do Teu pão

e o buquê Teu vinho.

LA 11/002

 

 

 

 

O Suporte Do Ser

 

O presente é um suporte

( um lugar impossível ) —

oficina-experimentação:

um tempo a fecundar

o focar da jornada.

Nele, aproveitam-se as bases

do passado —

a idéia do para frente

e do como.

No amanhã-esperança

mora o futuro e sua argila,

que é sonho-inseminação.

 

O hoje é o tempo

que o Senhor fez.

O ontem e o amanhã

são metabolizações

do ser em ser-se.

 

O hoje são mãos

entre a fé e a ousadia —

a vida essencializada

em direção ao sonho-mais.

LA 11/002

 

 

 

    

Do Lado De Ninguém

 

Vamos por aqui, minha Rosa,

pela “paidéia” —

pelo geral e pela liberdade

de a gente se soltar de todos os cipós.

O neutro ( aqui-agora ) é visto

com o rabo do olho.

Querem-nos colados,

amarrados a isto ou àquilo.

Coisa triste, Rosinha,

querem-nos pau ou pedra ou espuma...

Querem-nos de um lado

ou de outro.

Pela margem espiral, — não!

Quem não vai por aqui

ou por ali —

é fraco, é frouxo, é leviano —

sem caráter.

Não confiável.

E geladeira nele! Senão, fogueira!

Ou cassação de cidadania: louco.

( Quando querem anular o outro,

chamam ao homem de louco,

à mulher chamam de puta.

E isso ainda funciona!...

Desde à época de Cristo:

“Ai de quem chamar raca a seu irmão!” )

 

Nós vamos por aqui, minha Rosa,

numa soltura pai-d’égua —

pelo geral e pela liberdade

de nem pensarmos em liberdade —

quanto menos em amarras

ou em bandos imorais...

Sim: pensamentos impingidos

em grupo, grei ou bando

são coisas bem enfermas.

 

A sociedade anda invivível.

Fiquemos longe, minha Rosa.

Longe, do lado de ninguém

e de margem nenhuma —

mas no centro do mundo

e girando em espiral...

 

Sigamos covardes e vagabundos

e como grilos que se prezam:

cantando ou não —

mas na moita.      

LA 11/002

 

 

 

 

Refratários

 

Nascemos refratários?

Somos feitos assim

ou que diabos-frustrações

é que nos levam a sê-lo?

Sei não, seu moço,

se nem Deus se preocupa com isso

por que haveríamos nós?...

 

Meu Deus, que coisa boa,

que delícia sorrateira

me fora não sentir este tédio —

para o qual não tens remédio,

senão mo terias dado,

ou não, meu Pai?

 

Tenho um lugar cativo —

bem em cima do muro,

quando não:

bem no meio do rio

a rodopiar —

assim não tenho margem.

 

( Bobo da corte, tenho a honra

de distrair a princesa

quando o marido lhe vai pra guerra. )

 

Invento minha alegria

a cada dia,

de noite a desinvento —

pra tê-la sempre fresquinha.

 

Sim: para tê-la sempre fresquinha

enquanto a minha Penélope

( não a que fora de Ulisses ) —

minha Penélope não vem

pra fazermos chover nossa amizade.

LA 11/002

 

 

 

 

Por Um Social Vivível

 

Ensinaremos os sentidos a pensar

e a sentir os pensamentos

que hão de, juntos, pensar-sentir

e — sentidos-pensados —

transformarem-se em coisas

de razão-sentimento,

ou seja: de humanidade,

jamais de coisas-números...

 

Sejamos irrazoáveis,

e até irrefletidos —

para lograrmos o sabor

da razão que se descobre

e se frui pelo avesso

de haver um uni e um pluri

nesse verso universo

de gamas multiversais:

o aqui-urgência de venturas

gozadas sobre a plataforma

do sonho —

sempre à beira-esperança

do amor e seus fiéis enganos —

lá no real dos chafarizes

que dessedentam

e molham de alegria

os pés da infância.

 

Os sentidos aprendam

a viver lendo e dizendo.

A extrair da desolação

temas e motivos de viver —

enquanto nos reeducamos

para o social vivível,

que hoje é apenas esperança.

LA 10/002

 

  

 

 

Você Vê, Não Vê...

 

Você vê:

nos esforçamos,

fizemos tudo direitinho,

deu tudo certo.

Só não fomos felizes.

Mas por que é que o deveríamos,

se só quasíssimamente

alguém o é?

 

Você vê:

mesmo tentando ver

a gente sempre vê pouco —

caolho e por espelho.

Mas se víssemos mais,

mais um pouco que o visto,

esse ver não fora louco,

louco e maluco?

 

Você não vê —

e quem sabe o não visto

( com seus olhos azuis-fidalgos )

mostre sempre bom tempo.

E lá bem entre o sim-ventura

( a negar-se ) e a loucura

( lúcida de doer ) —

saberemos ser felizes

sem o termos de ser.

LA 11/002

 

 

 

 

Escrevivendo

 

Ler e viver: ler e escrever —

e de tal modo uma só coisa,

que o sujeito ( insujeitável )

seja o indivíduo ( indiviso )

em seu dom de suplantar-se

pela verboterapia:

superado por ser em ser-se —

como pela para/translógica

de quem se sabe escrevivendo:

em seu dizer multiversal —

que se chama poesia.

 

O importante é viver

a verdadeira vida —

vivê-la lendo e escrevivendo

em diuturno ler-escrever:

escrevilendo, levidizendo —

até que a solidão floresça

as bromélias que saibam sonhar

coisas que a vida nem sabe que tem.

Morrevivendo

em constante nascemorrer —

e que isso não seja triste,

mas apenas transformador —

remoalhos de um sonhar

a metabolizar-se

na leveza de ser

num transpessoa personada

pelo próprio verbalizar-se.

LA 11/002

 

 

 

 

Sociotédio

 

Sociedade,

bolha de enfado.

E Deus está?

Claro que sim:

virou Tédio —

pois fez do povo

a sua voz.

 

E o coração?

O coração sabe o caminho

de voltar para casa

( um caminho de soslaio ) —

ou seja: pela intuição

e a vontade

de seguir com Aquele

que nos é.

 

A sociedade?

Faz tempo está invivível.

Se o homem não se esgueirar

por dentro de si mesmo,

não achará as varandas —

onde a Vida nos espera

bem antes que o mundo fosse.

 

A sociedade?

Faz muito tempo é só tédio.

Mas Deus,

não pode Ele ser-lhe o remédio?

Claro que sim: sobretudo

para aqueles que crêem

que isso é bem possível —

e se deixem que Ele os seja.

LA 11/002

 

 

 

 

Uvulite

 

Falava tanto,

que lhe inchava a úvula.

Seu médico ( e vizinho )

tomava  ( com alívio )

uma medida “perioral”:

três voltas de esparadrapo

por boca e nuca.

Só tirava o expediente

para fazer as refeições

e tomar sua mamadeira

( que, segundo a esposa,

ainda saboreava

uma inteirinha por semana... )

Por vezes ( ainda segundo ela )

tentava outra, mas o bico

escapava da boca...

e ele — classicamente —

virava para o canto

e pegava no sono.

 

Findo o inchaço ( da úvula, lembra? )

e retirado o tapa-boca,

sua úvula ( peça anatômica

sinônima de “campainha” )

recomeçava

a tapar seus ouvidos

ante o bimbalhar

e o tilintar da voz de Tácito

( sim: chamava-se Tácito ) —

a implodir a sua casa

e um terço do quarteirão.

LA 11/002

 

 

 

 

Débora

 

Débora era linda, galáctica

de vidrar vísceras e glândulas.

Mas com os pertos do seu gênio —

nem se tivesse a venúsia

e toda a sua pérgula

em refolhos celestes

e plumas de diamantes... Nem!

Nem se tivesse as colinas

mais que divinas... aliás...

Nem...

 

Débora mudava em feriado

as segundas-feiras por onde andasse...

Mas tinha uns saltos tão temperamentais,

que por pouco, quase nada,

punham-se a fazer rendas...

Uns joelhos tão rápidos

que os “uis” e os “ais”

se lhes antecediam...

 

Débora transformava em flores

as pedras que pisasse...

Mas fazia virar pedras

as flores de que não gostasse...

 

Débora sabia fazer chover

mais facilmente que os dezembros...

Mas quando resolvia secar

levantava mais pó,

mais folhas-poeira que agosto...

Fazia estalar intenções,

pururucar desejos...

Mas, contrariada, emprestava asas

a tudo o que lhe viesse às mãos...

E gostava da frase ( que escandia

com a ponta do pé a subir-descer ):

Na-da-nin-guém-é-per-fei-to...

 

André

sabia ser feliz com Débora

( a frase é dele ).

E dizia ( baixinho,

lá em seus pensamentos )

que ela era tão real

como devia ser...

Isto é: tal qual a realidade,

Débora não existia

naquilo em que a  sonhamos...

Sim, era como a vida:

o que é e o que não é.

E explicava:

Quase sendo, no que não é;

quase não sendo, no que é.

........................................................................

André tornara-se exímio

api...

( como não tinha emprego,

nem se morria para tê-lo,

dizia-se apicultor... ),

sim: tornara-se exímio

em cuidar da colméia

que tinha em casa.

Mandara às favas os melindres...

as línguas más, as calúnias...

e à hora e minuto e segundo

certos ( de um certo intuitivo,

aliás, quase metafísico... ),

com precisão e calma

de astronauta,

e aquela paciência zen

de quem voeja pelo Nirvana...

é que então extraía favos

dentre os ferrões:

um mel de tal qualidade,

que dava inveja aos mestres

que chegam a tirar com os olhos

as sombras da nudez...

e, com a ponta dos dedos,

vão descascando a luz

e esticando festões

das cores do arco-íris...

Ah! Dava tanta inveja,

e a tal ponto, que a vidente da esquina

dizia — sempre em transe —

que da aura do seu cavanhaque

( de André, pois sim? )

e do etéreo de suas mãos

lhe marejavam méis

de deixar seu anjo da guarda

com vontade de ser gente:

doido pra ser apicultor...

e ( claro! ) jeitoso,

jeitoso como André.

LA 11/002

 

 

 

 

Pelo Caminho Do Avesso

 

No centro da infelicidade,

entre as ruas da necrópole

( na capital solidão )

de toda multidão —

a gente inventa, Rosa, José, Joaquim,

a gente inventa

a ventura,

a vida,

a suficiência

de uma mão com a outra

falarem-se de apoio-força —

do não faltarem-se.

Da arte de viver

no encalço da poesia —

no gozo da beleza

sobre o suporte do disforme.

Da verdade da mentira,

da mentira que gera o vero

que Vera sempre desprezou,

mas com que Beatriz

aprendeu a ser feliz.

 

Ilhas? Se precisar, invente.

Serenidade? Imagine,

e terá.

Plante flores e dias tranqüilos

nesse inferno social.

Leia-escreva: viva a bem-aventurança,

mesmo sem esperança.

Viva escrevivendo

ou sei lá que fazendo

sem fazer.

Sem realização,

sinta a satisfação,

o ser mais, o bastar-se —

o transonho gerado

na triste pequenez.

Na vontade, aliado

com a Providência —

o caminho entendido

como nexo-sentido-finalidade.

Assim trabalharemos a solidariedade

sobre o dizer factual de todos os totalitarismos

que decretaram que a vida é supérflua.

.................................................................................

Iremos pelo caminho do avesso,

e pelos buracos de verme —

assim jamais nos encontraremos com os asseclas

do Caído.

.........................................................................................................

Ah, não se esqueçam das máscaras,

sim: vamos precisar das máscaras...

LA 11/002

 

 

 

 

Antes Assim

 

Entre a ordem e o caos,

ficamos — bobalhões —

dando aulas de entendidos.

 

Sim, porque o caos pode ser ordem

e a ordem caos...

Uma ordem caótica,

um ordenado caos.

( E isso independente de Confúcio

ter visto que casar era um luxo...)

Pois é.

 

Somos todos muito chatos —

professorais:

queremos que cada coisa

seja cada coisa,

e queremos porque-sim,

e não queremos porque-não.

Mas as coisas

não podem ter suas “outras” —

como nós os nossos “outros”?

Certamente que sei lá...

Aliás, se soubesse,

não estaria me dizendo essas coisas,

mas suas “outras” ( delas ) —

senão mais intrigantes,

bem mais extravagantes.

......................................................................

E vamos lá,

que a vida não continua.

Isto é assim porque não é assado,

tampouco cru.

Fosse assado, comê-lo-íamos.

Fosse cru, deixá-lo-íamos

para o bico do urubu.

Já — sendo assim —

misturamos com gergelim

e fazemos uma poçoca

de amendoim.

O mais é riso clarinho

( de crianças, é claro ) —

provocado pelos flatos do arlequim.

Antes assim.

LA 11/002

 

 

 

 

Pedido

 

Quando botarem fogo em Tróia,

me chame, minha mãe.

No mais, me deixe. Deixe dormir

dormir dormir dormir dormir

sonhando que sou um deus

fazendo um outro deus

dentrinho da deusa Vênus...

Mas quando Tróia arder,

me chame, minha mãe,

me acorde bem depressa.

Quero ir ao encontro de Helena,

uma das filhas de Zêuxis —

para amá-la entre as chamas:

amá-la amá-la amá-la amá-la amá-la...

até sentir o cheiro das uvas

das telas de seu pai.

 

Amar Helena, minha mãe.

Amá-la amá-la amá-la amá-la amá-la amá-la...

vindima após vindima —

amar-lhe as uvas todas,

as rosas todas,

o trigo e o vinho,

a beleza e a verdade do seu corpo.

LA 11/002

 

 

 

 

Papo Com Minha Rosa

 

O destino é um senhor bifronte,

que só conheces de ouvir falar.

Se te pões nos seus braços, te danas.

Antes ires pelos teus passos

( guiada pelo Espírito de Deus ),

pelos teus olhos —

que te entregares à abulia, minha Rosa,

te desfolhares a dizer que o vento

cumpriu o seu destino...

Se o destino existe,

existem igualmente a Providência

e a Vontade.

Procura adequar sempre essas duas

à tua vida,

e o mais — não te preocupes —

já estará feito.

..............................................................................

Se inspirada pelo Espírito,

hás de aprender a lidar

com a Providência e a vontade,

com a fé e a esperança —

e caminharás mais rápido

do que todo o Oriente...

Não há ninguém mais fácil

nem mais profundo que Jesus,

o Cristo.

 

O Verbo Santo de Deus

não é um caso à parte —

mas as Partes e o Todo.

LA 11/002

 

 

 

 

O Que Temos

 

A palavra é o que temos.

Se a negociamos...

vamos ficar sem nada —

embora com as mãos e os olhos

cheios de coisas.

 

Sem a palavra ( que trabalha o ser ),

o humano vira bicho-vegetal —

coisa malsida:

ser que não é.

 

Sem a palavra,

como é que Deus podia

nos ser?

 

Como é que essa coisa inútil

chamada poesia

poderia ser deveras

a busca do que nos falta?

 

Sem a palavra,

ser em ser-se se solveria

em barro desconstelado.

E aí o homem ( pobre homem! )

não mais seria.

LA 11/002

 

 

 

 

“Des”...

 

Não sou cidadão sequer

de minha pequena urbe —

quanto mais cidadão do mundo.

 

Sou do tamanho ( isto, sim, )

de minha capacidade —

melhor: do meu ser moral.

 

Minhas leituras do mundo,

meu contá-lo e recontá-lo

para mim e o sulfite

em meu ler-escrever diuturno —

meu viver interpretando:

isto, sim, me dá o tamanho

do que sou e do que posso —

e que só eu e meu nariz

sabemos.

 

Sou mais descidadão

( a gozar os privilégios

de sua descidadania )

que outra coisa qualquer —

que me permitem ser...

 

Vítima eu? Não. Sou como você —

vítima-vitimante

de um sistema drogado,

e em perene auto-engano.

 

Cidadão? Cidadania?

Não, senhor, somos “des”...

E desde sempre.

LA 11/002

 

 

 

 

O Não Saber Da Rosa...

 

Entre o trigo espalhou-se muito joio,

pela vinha trançou a uva-brava.

Calou-se a voz que há pouco descantava...

Caminha o povo e o gado ao mesmo aboio...

 

A esperança escorreu em meio à lava

de ambições que passavam em comboio...

A paz, um cão sardento que ladrava,

não encontrou nos povos seu apoio.

 

O amor faltou com a palavra e o gesto:

deixou falado, escrito e manifesto

que era só um produto de mercado.

 

Era um tempo infeliz e truculento...

Era a tarde de um sonho desfolhado —

o não saber da rosa em meio ao vento...

LA 11/002

 

 

 

 

Respirar: Oxigenar

 

Pensar, imaginar:

costurar sonhos-coisas,

vazios-cheios,

retecer

fabulações-realidades,

coser-a-descoser-se

analisando o analisar

em cotidiano fiar-desfiar

de fazer-des/refazer-criar —

isto, sim, faz respirar

a inteligência.

........................................................

Ler-escrever:

escreviver.

Chafarizar

água-oxigênio —

não só nas bocas com sede,

como nos pés das crianças —

a água da vida.

LA 11/002

 

 

 

 

Branco Mugir

 

Teu feno em remoalhos eu mastigo

com visões, linda vaca, de profeta:

espero redobrar em cada teta

o teu branco mugir em balde antigo...

 

O teu branco espumar também consigo

bem bonachão, e sem fazer careta...

Teu ordenhar, com Coca, — a vaca-preta,

será industrializado em gesto amigo.

 

Não só fenos, amiga, mas os montes

e a graça relinchante de horizontes —

também deglutiremos com o olhar...

 

Teu leite jorrará como se fosse

já transformado no mais puro doce...

e o teu mugido há de fazer sonhar.

LA 11/002

 

 

           

 

Sonho-Ser-Se

 

A vida mesma é um truque de mãos hábeis,

feita dos sais do sonho de Alguém nela

construindo passagens-passarela

de ser para mais ser: em folhas lábeis

 

de uma árvore ( em nós ) de ramos gráceis

frutificando em espirais na tela

de a vermos com os olhos de aquarela

em sombras-luz de enlaces-desenlaces...

 

A vida se alimenta interminável

das provisões assíduas do mistério

que a quer em trama cósmico-sociável...

 

A vida é o mestre e exerce o magistério

em seu próprio narrar-se intraduzível —

que é sonho-ser-se à beira do indizível.

LA 11/002

 

 

 

 

Bom É Lembrar Dezembros...

 

Bom é lembrar dezembros: chuva e vento...

Tardes chorosas... Bem lá longe os sinos...

A adolescência ardendo em sonhamento,

olhos buscando piscos alcalinos...

 

Sempre presente o bem-te-vi: seus trinos

bravos e fortes na haste do momento...

Cheiro de pão assando, e outros divinos

comes beliscam ainda o pensamento...

 

E os grilos com seu canto niquelado?!...

A voz de bom moleque do Espraiado...

A “árvore” sendo armada e muita pinha...

 

A moçada sentada pela escada...

Jogos, flertes, risada mais risada...

O olhar sempre bonito de Rosinha.

LA 11/002

 

 

 

 

Linda Inês

 

Normal, normais. Que mais? Mais todo o resto.

Linda Inês, não aquela, mas a minha

talentosa e magnífica vizinha, —

amiga quer no papo, quer no gesto.

 

Toca piano tão bem, que até detesto...

Declama tão divina, que espezinha...

Olha tão dentro d’alma, que me espinha...

Tudo o que é nela bem merece arresto...

 

Só não me caso com a linda Inês

por não ser das arábias... ( e sarado! ).

Por isso nos gostamos de viés...

 

Normal, normais. Não mais. Que mais preciso

além de ti e da flauta do Espraiado?

Não mais que isto, Inês: menos juízo.

LA 11/002

 

 

 

 

Cantemos!

 

A carne moça canta, minha Rosa.

A velha tem gemidos.

E coisas há que hão de ser feitas

com maestria e competência —

com olhos e mãos de sonho:

assim como  faz a rosa

que nem sabe da tarde.

 

O Hoje é o grande dia:

a melhor hora,

o melhor momento.

Nele podemos.

Saber e ousar —

eis a moeda que ele nos exige.

Sim: o Hoje é onde Deus sonha.

Não nos assuste a tarde.

 

Vivamos, minha Rosa!

Vivamos e cantemos!

........................................................Depois,

lembremos!

LA 11/002

 

 

 

 

Novembro/27/002

 

Saudades das carochinhas,

das histórias amarelas,

das almas a arrastar chinelos

pela casa e varandas

dos meus avós.

 

Saudades da tia “Fina” —

imaginosa e aloprada:

nuinha debaixo de lençóis,

fingindo-se assombração

pelo quintal e “jardim” —

ululando sons do outro mundo...

 

Saudades das macarronadas

de domingo —

os tios bebendo vinho

e fumando charutos,

contando casos-aventuras

da cidade de São Paulo ( ! ) —

contos alucinados

rolando sobre nós-formiginhas...

 

Saudades da minha avó ( Anita ),

do meu tio “Coque” , Cesário,

( que morreu hoje,

me contaram por telefone ) —

desses dois que me foram

as pessoas mais humanas

de toda a minha família.

 

Saudades daquela gente

curiosa: junto-isolada...

daquelas felicidades

tão infelizes,

mas mesmo assim felicidades.

...............................................................

Meu Deus, tudo acabou.

LA 11/002

 

 

 

 

Na Farmácia

 

Em seus refolhos róseo-negros,

a morena ficou chacoalhada,

mas não deixou cair

nenhuma jabuticaba...

Apenas duas ou três folhas.

Sim, pra degustar essa fruta

só subindo no pé.

E o pé tem dono,

e fica num pomar,

e ...

 

O farmacêutico

mais uma vez sentiu

que as coisas são bem complexas...

e que o desejo

precisa de escolaridade.

LA 11/002

 

 

 

 

Tudo Sob Controle?

 

Chega de parlórios-compromissos.

Precisamos ser omissos.

Para o nosso próprio bem —

omissos.

Quem sabe então não nos desprogramamos

e começamos a incorporar

os primeiros gestos humanos

na nossa desumanidade?

 

Compromissos-ouriços.

Chouriços-compromissos.

Compromissos sem viços.

Não, senhor, não isso.

Mas, sim, a liberdade

de nada disso

pelo omisso.

 

Tudo sob controle?

Claro que sim:

tudo no chão.

 

Deixar de fazer

pode ser fazer melhor.

Deixar de ser

pode até ser bem mais.

Sim, num gesto a serviço

de algo maior:

ante a programacão

córnea e profética —

a gente deve ser omisso!

LA 11/002

 

 

 

 

Lá Do Arco Da Velha

 

Os dezembros com os ventos borrifavam

lá do teto e beirais de telha-vã.

Carunchos da madeira salpicavam

lá do alto entre fantasmas-picumã...

 

As goteiras ( sem fim ) cantarolavam...

Pardais caçoavam logo de manhã...

Minha mãe, minhas tias costuravam...

( Minha prima trocando o sutiã... )

 

Dálias batendo palmas às janelas...

Muitas: vermelhas, brancas, amarelas...

No canteiro insistia o bem-me-quer...

 

Os moleques brincavam nos seus cantos,

as meninas cantavam acalantos...

Todos querendo ouvir conversas de mulher...

LA 11/002

 

 

 

 

Cafonice

 

    Em nossa casa não —

te juro: nós não tínhamos

pingüim nenhum sobre a geladeira.

    Vocês não tinham geladeira?

    Tínhamos, mas ficava num nicho

tão apertado, que em cima dela

não cabia nem o sonho

de um belo pingüim

sobre a dita não cujada.

    Belo?! Belo pingüim?!

    Sim, se a geladeira é o que importa,

um pingüim sobre ela

seria uma bela cafonice.

 

Sabe como é, meu caro:

O tamanho do cacete

não garante a vitória,

nem as fungadas mais felizes.

LA 11/002

 

 

 

 

Fio Escarlate

 

Sigo, e não sigo só.

Levo em mim o que levam

o homem de hoje e o de outros tempos —

sim: o tempo é o fio escarlate

que nos cose num sonho só —

e vai fazendo a bainha

na branca toalha de linho

da manhã daquela esperança

em que havemos de nos ver

um só em muitos,

um só em diferentes —

já que nos somos Nele:

no Sonho-Quem que nos gerou

bem antes de haver o mundo.

 

Sigo, e não sigo só.

Já caminhei bastante

pra saber que o que me falta

( afora gamas e nuanças )

nos falta a todos nós —

por isso é que podemos

ser um em diferentes,

e — diferentes — nos ajudarmos

a achar o norte do ser —

o timbre da nossa nota...

para a grande Sinfonia

em que Deus nos ouve e nos é.

 

Impossível seguir só

depois que vemos

que amor, fé, esperança

são os nossos companheiros

por um só caminho humano —

onde a alegria é um chafariz,

que nos dessedenta,

vem do Senhor e é força:

a água da vida

flui, salta, esguicha

de nós para os outros,

dos outros para nós.

 

Quem diz estar sozinho,

só diz que se perdeu no bosque

( talvez para organizar-se...

ultrapassar-se, transcender-se

e — do silêncio —

ouvir a canção que fala

que o homem é um marinheiro

que só volta para casa

nas canções que se misturam

com as de todos os países —

e que é ouvida pelos seus. )

Sim, diz que se perdeu no bosque —

que se perdeu do outro,

mas sabe que o outro está logo aí:

é só achá-lo —

bem lá dentro de si.

LA 11/002

 

 

 

 

Fabulações

 

Mentimos tanto

para nós e para os outros —

que aquilo que sabíamos verdade

já pouco nos importa...

E quando importa —

agora nem sabemos onde está,

nem já para que serve.

De sorte que, aos poucos,

nem mais vamos precisando da verdade —

vivemos uma coisa

já nem falsa nem verdadeira —

apenas um estado-coisa

que, agora, é aquilo que usamos,

aquilo com que lidamos —

já incorporado ao viver,

que não se sabe mais que viver —

um viver a que chamamos

de simples e normal:

fabulado e mudado como o vento

que não sabe de onde vem

nem para onde vai:

vento correndo atrás de vento

num remoinho de auto-engano...

E eis-nos feitos reféns

de nosso próprio fabular.

LA 12/002

 

 

 

 

Aleluiemos!

 

Tem uma hora

que o papo entorta.

Nem Deus,

nem o Diabo

já o indireita.

 

Quando se chega a isso,

minha Rosa,

qualquer conversa

é requentada.

E mais:

faz desfolhar...

 

Mas aleluia,

minha cara!

Antes não-aturado, e vivo,

que amado, e morto.

 

Despetalemos

e aleluiemos

nossos ardores,

minha não-rosa:

ex-bem-me-quer...

Sim, desfolhemos

nossos amores

sobre nós — vivos!

Melhor: tesoviventes.

LA 12/002

 

 

 

 

Abluição

 

Bom que as mágoas se morram afogadas

dentre a águas de vária clepsidra,

já livres dos tentáculos da Hidra

que só as pega quando recordamos...

 

Recordações sem o travor da cidra —

em lembranças lavadas-relavadas

pelos ganges em sujas enxurradas,

buscando sempre a vida renascida...

 

Sim: pelo recordar nos abluímos

de nosso fazer sujo, mentar limos

a fluir entre o que fomos e seremos...

 

Sim: pelo recordar purificamos

toda a água que sujamos e esquecemos...

e somente — ao bebê-la — nos lembramos...

LA 12/002

 

 

 

 

O Tempo É A Nave

 

Temos de nos trabalhar no tempo.

Irmo-nos superando

nos vários “eus”

que pontilham a nossa trajetória

em busca sempre

de uma possível síntese —

uma organização em nós

desses “vários” temporais —

entes-alpondras

que nos trouxeram até hoje:

redimidos ou não

por aquele que atua

no aqui-agora da existência em nós —

um feixe de “eus” em si-nós:

sim, por nós redimidos,

ou por nós condenados...

no mesmo processo crístico

do Verbo de Deus no homem.

..............................................................................

Sim: o tempo é a dinâmica —

o desempedrescer da criatura

conferindo-lhe movimento-direção —

a cinética-copião

de seu ser em ser-se

no caminho de volta

pelas varandas dos fundos

da casa de Deuspai ( em nós ).

O tempo é a nave

que desempedra as águas de chegarmos.

LA 12/002

 

 

 

 

Cem Anos De Os Sertões

 

Um estilo paranóico...

Um livro-dólmen,

Os Sertões.

Ostenta um verbo que tromba

com a realidade,

se retorce,

é endireitado a martelo —

e vira um jeito três-em-um

de dizer.

Dizer de pedra,

de couro,

de aço ( pontudo ).

 

O livro

tem um encanto pesado,

cor de chumbo.

Um corpo suado de esforço...

Um tom grandioso:

de apocalipse.

 

( É escrito por um homem

doido de ciúme de si mesmo...

que sabe que não sabe amar —

nem é amado. Mais: sabia,

ou melhor, pré-sabia

que tudo isso era trágico...)

 

Cada capítulo deixa

um pós-sabor amarrado

entre o patético e o mágico:

alma de pedra em flor...

Jeito de espinho entre espinhos.

Ríctus seco-quebradiço:

punhado de seixos a rolar

lá pelo humano sem alma...

 

É um livro tão sério,

tão nevoso,

que foi enfermando o autor

( em seu buscar os fatos ) —

a ponto de escondê-lo

( a ele, o autor )

bem detrás da doença

para se privar de ter de assistir

ao massacre final e descrevê-lo...

 

O que energiza o livro

frase por frase

e o faz admirável

é o seu clangor perene

entre o cerne verbal

e o grandioso turvado

de fantasmático.

 

Os Sertões é uma verdade

do avesso esquerdo...

e uma ousadia

do seu lado direito.

Imposssível esquecer

o gigantismo narcísico

do seu verbo.

Lê-lo é marcar-se para sempre.

LA 12/002

 

 

 

 

Refiat Mundus!

 

A partir desse nada

que nos resta,

fora mister criar

alguma coisa —

urgentemente antes

que nem esse nada reste.

Criar um mundo

com menos fome

e sede de justiça.

Um mundo que tenha o sentido

e a justiça

que todos saibam quais são.

Um mundo

cujo senso de valor

seja não precisar tê-lo.

Um mundo, não que renasça

das próprias cinzas —

mas do nada desta hora,

do nada deste ex-mundo —

suportado apenas

por vazios de realidades:

globalidade de injustiça.

Sim: um mundo que exista

e, em decorrência,

também exista o homem —

seu recriador e esperança.

LA 12/002

 

 

 

 

Tentações

 

À hora e tempo,

tenta-te.

Se não te tentas,

como é que podes ousar?

Se não ousas,

não tens a mão de modelar

a argila do teu sonho.

 

À hora e tempo,

tenta-te.

Sê o objeto do objeto

do teu intento —

que há de romper a casca

do teu querer.

 

Sim: tenta-te, e ousa,

até ouvires

bem dentre as tuas mãos

teu propósito vagir

molhadinho do plasma

do teu desejo.

Se um pardal

ou águia,

não te quebrantes nem exaltes:

é o que pudeste.

 

Dá um tempo. Relaxa.

E te prepara

( sem alarde nem demonstrá-lo )

para outras autotentações.

Quem sabe um dia não te tentas

a fazer nada —

e nesse nada descubras

tudo aquilo que te faltava?

LA 12/002

 

 

 

 

Texto-Resposta

(Menos Um Amigo)

 

O seu livro?

Ah, sim, claro.

Li os primeiros 12 textos

e os três últimos,

mas gostei mesmo do restante

( cerca de 4 dezenas ) —

que não li.

A julgar

pelos primeiros: 12+3,

adorei as tais 4 dezenas —

são o melhor do seu livro.

Sem, dúvida: o melhor.

Não só por não tê-los ( textos ) lido,

mas por ouvir do silêncio

coisas que eles nem sonhariam

em me dizer...

.........................................................................

Um livro deve percutir

não apenas algumas notas

do humano em nós,

como principalmente nos fazer

dançar

ao som daquela música

( que há de fazer brotar )

lá do fundo de nós mesmos.

Sim: fazer dançar a carne, a alma, o espírito.

Aliás, um livro deve fazer levitar

o  pétreo da nossa alma.

Implodir o rochoso do nosso ser.

Ser companheiro de caminhada

pelas ruas do mundo.

Ser aquele rio que dá a volta

por todas as aldeias

e costura com água todas as pessoas umas às outras...

Ser viagens e viagens numa cadeira.

Ser o humor vômico.

O riso profilático,

e curativo.

A gargalhada ( inclusive a silenciosa )

que protesta mostrando ao tirano

que a gente está vendo está vendo está vendo...

Há de saber falar da vida,

da rosa, da rocha, do sonho e da morte.

Deve saber ser criança,

ser jovem, ser maduro e ter as mãos pintadas...

 

O livro que não orvalha a rosa

                    que tem o nome e a cor do nosso sonho

                   (  só conhecida pelo intuí-la de soslaio

e amá-la com o melhor sorriso

lá em alma-coração ) —

é outra coisa diversa, não um livro,

coisas que se escreveram

com a enfermidade da alma —

um calhamaço que não aprendeu

a comungar com o quase incomungável

dos nossos brejos ecoados de estrelas

e nossos píncaros desenganados de alturas e solidões...

 

Sim: um livro tem, no mínimo, de ser humano,

com passadas para o sobre-humano —

fazendo ouvir os murmúrios daquele rio

( em nós )

que banha a cidade de Deus

( também em nós ).

Um livro tem que ser doida, loucamente um livro.

LA 12/002

 

 

 

 

Nem Por Isso!

 

Eram tempos atocaiados.

Os bonés é que mandavam —

mas debaixo do colete...

 

Naquele tempo soletrávamos

felicidade —

sem nem pensar na palavra.

Sem pensar no bem,

no mal.

No pobre,

no rico.

Nem no Saci.

 

Mas nem por isso!

A gente trabalhava duro,

estudava,

não faltava ao trabalho.

O mais era uma vida nossa:

as atividades sociais

eram fazer com a mão direita

o que não vê a esquerda...

A gente se ralava,

e trabalhava,

e estudava,

e construía a nossa casa.

 

Mas nem por isso!

Viver era tão bom

( e fácil )

como coçar o nariz...

Você se lembra, Rosa?

E a gente tão feliz

( sem pensar nisso )

igual aquele grilo

de Fénelon:

nenhuma coita,

sempre na moita,

e numa vida corajosa:

aliás, feliz

atrás do riso e aroma

da melissa e do anis...

Você se lembra, Rosa,

como a gente se desfolhava?

LA 12/002

 

 
 
 
Uma Noite

 

Uma noite, não mais, mal-estrelada...

Uma noite usurária até no vento...

Uma noite negando sonhamento,

moeda a rodopiar, jamais achada...

 

Uma noite, não mais, de mão fechada,

pouca em si mesma, como pensamento

truncado por astuto fingimento,

coisa pensada e logo deplumada...

 

Uma noite, uma só: nenhum escopo

senão não tê-los. Noite despenteada

a beber no gargalo, nenhum copo...

 

Uma noite, uma única, e mais nada,

foi que ela lhe estendeu o belo corpo —

e ele sorveu os méis da madrugada.

LA 12/002

 

 

 

 

Ou Quaisquer Outras Vaidades...

 

Saudades

de quando a caravana

passava —

os cães ladravam,

a gente se sentia consolado

e pensava que era alguma coisa

a mais que aqueles cães...

Deus nos perdoe a mocidade!

 

Sem dúvida, pensávamos

que éramos alguma coisa a mais.

Mas não: aqueles tempos

passaram,

e atrás deles outros e outros e outros...

tempos.

As caravanas,

são elas que já não passam.

Os cães? Andam entediados.

Entediados como aquele rei

que mandou matar os seus “bobos”...

e ficou rodeado de ninguéns...

até que sua mãe o envenenou

( lembras? ).

Se não lembras, não te preocupes:

é bem provável

que esse rei nem existiu...

 

O homem é movido a vaidades,

ou a bobagens. Faz tempo, eu sei.

Até Salomão brincou de saber disso:

falou sedutoramente sobre a vaidade,

gemendo dores existenciais...

fingindo que não estava se deliciando...

E isto, isto é que é o certo — diz meu vizinho,

o Teodoro. Quem foge à regra,

é visto como quê?

É chamado de quê?

De louco, Cacilda! De louco

e seus sinônimos e cognatos.

Mesmo porque: “Mais vale

um cachorro vivo que um leão morto”,

diz aquele mesmo sábio,

com dores de infinito.

Se um gajão desses disse isso,

que não diria um dentre aqueles bilhões

com sua fome e falta de tudo?

Sim: o que é que lhe responderia

um desses “cães” famintos

que o mundo é mestre em fabricar?

..........................................................................

É aí que padre Inácio intervém:

“Calma, André: Deus nos tem dado

o melhor desta terra...

Pensar que não o merecemos,

arrazoemos:

é, no mínimo, blasfêmia, homem!...”

Claro, padre: comamos o que é nosso.

 

Saudades

daqueles que já não somos,

nem sabíamos que éramos...

Saudades?

Sim, saudades

ou quaisquer outras vaidades

sentimentais.

LA 12/002

 
 
 
 
“Natal Sem Fome”

 

Olha, Senhor,

como a gente dá um jeito:

Natal taí —

“Natal sem fome”.

 

Durante o ano, Senhor,

a fome pode até matar,

mas — no Teu dia —, não!

A gente não deixa não.

No Teu dia, todos comem!

 

Durante o ano

a gente desce o pau:

ganha-barganha-pilha-empilha-pi...

até às telhas.

Esquece amigos,

mãe e pai, vizinhos...

Esquece irmãos:

de fé, de carne, de brisa...

Sabes como é —

a gente nem tem tempo...

Mas quando vai chegando

o Teu dia, Senhor, —

a gente até que amolece,

deixa pra lá...

Põe uma pedra em cima...

Telefona, e até vai lá...

Sabes como é:

coração onde Tu moras —

fecha, mas volta a abrir.

 

Notas, Senhor,

o cheiro, o gosto de tuia

no ar, nos corações?

Natal taí —

“Natal sem fome”.

Em outros dias, Senhor,

essa ( em Teu dia ) excomungada

( a fome, meu Pai, a fome ) pode,

pode até existir...

( ou tem, tem de existir... )

Sabes como é:

o mundo... com ele ninguém pode.

Mas no Teu dia,

ah, nesse dia não!

A gente dá um jeito.

No Teu dia, todos comem!

( E é bom pra gente, Pai:

além da caridade,

come-se em paz —

com a consciência lavada:

sabendo que — no Teu dia —

estômago nenhum

faz barulho.)

LA 12/002

 

 

 

 

Gaiolas Sociais      

 

    Você não sabe o que está perdendo....

    Perdendo nada, moço.

Quem nunca teve a oportunidade,

não pode estar perdendo

ou ter perdido nada.

 

Pertenço àqueles, moço,

àquelas pobres criaturas

( xite o autodó! )

que sabem quanto custa

ousar romper gaiolas sociais —

e ir buscar ( um pouco )

do que lhes falta...

 

A infância e a mocidade

são a força maior da vida —

porque unem ingenuidade,

arroubo, vigor e não-saber...

Graças a tais companheiros —

nosso querer se galvaniza

e podemos ousar ( com a libido

atrás, à frente, aos flancos, abaixo e acima...

 

Jamais devemos recriminar

nenhum desses eus-fase

de nossa vida:

todos eles nos trouxeram até aqui —

às suas costas e custas.

Só nós sabemos o que foi preciso romper,

e a crueza da nossa luta —

só nós sabemos nosso tamanho:

a nossa força-coração.

Sim: porque nosso saber de lado

( nossa lógica intuitiva )

nos tem deveras ensinado

que só pelo não-saber

o homem tem espaço

em sua alma-coração

para a verdade que lhe falta:

e sua marca d’água —

o seu beijo de fogo

com seu gosto de infinito.

 

Somos daqueles

a quem negaram

sol e justiça —

e a vida toda

tentaram nos enterrar vivos.

 

Sim: disfarçamos uma fome e sede

por toda a nossa vida:

jamais tivemos como aplacá-las.

 

Vontades da vida vista lá de cima...

Da carne crua, cosida e mal-passada...

De tudo o que um homem teria direito —

fazendo-se de conta

que os Direitos existissem:

vontades do que  racionalizávamos.

Foda-se o mundo e seus donos!

É tudo muita covardia.

LA 12/002

 

 

 

 

A Glosa Que Não Fiz...

 

Longos bloqueios, lanhos, cicatrizes...

Como cuidá-los, mas de tal maneira

que espirrem do outro lado da peneira

feito água de bidê de meretrizes?

 

Como esquecê-los sem a sonhadeira

bromélia de alvas flores tão nutrizes...

e as chuvas femininas: chafarizes

regando nosso sonho a vida inteira?

 

A glosa que não fiz daquela rosa

que plantei no mental de haver o encanto

de desfolhá-la em graça venturosa —

 

faço, agora, pra ti, minha comparsa,

que prensas minhas uvas no acalanto

do teu batear felicidade esparsa...

LA 12/002

 
 
 
 
“Os Murais”

 

Quando os cachorros são muitos,

em cima do muro

é o melhor lugar.

Depois a gente pula

pra este

ou para o outro lado.

O mais que importa

é estar-se vivo —

vivo e bastante bem.

( Mas caluda! Ninguém saiba.

Isso durma em silêncio

entre os milhares de milhares

que adotaram

o sistema mural. )

A maioria dos homens,

seja quem for,

detesta, abomina “os murais”.

Desejam que os “amigos”

abracem suas loucuras

e safadezas.

LA 12/002

 

 

 

 

Para Frente

 

Melhor hoje

que ontem.

Melhor, por certo,

amanhã —

filho do hoje.

 

Sim: viver

será melhor

quando através de viveres

de um viver sempre maior —

maior-melhor.

 

Para frente

é o norte

do ser, da vida.

Sim: lá no para frente

de um chegar-em-nós.

 

Ontem já foi amanhã,

que já foi hoje —

aliás, a rosa

só a colhemos sobre a haste

do hoje.

 

Entre melhor e pior,

não hesites —

o norte é para frente.

LA 12/002

 

 

 

 

Uma Bela Invenção

 

Bela como mini-saia

na perna exata,

eis a manhã:

orvalho e ouro —

abrindo em flor

nas mãos da vida.

 

Os restos de ontem,

seus porres, finais de festa —

reciclados em novo show:

oceanos de luz e azul...

 

O sono,

trégua da vida,

nos remoçou a esperança:

a seiva a equilibrar-se na haste

de um novo dia.

 

O que os homens farão dele

é coisa de cada um —

pesando no coletivo

de suas ações reflexas:

com o tom e o sentido

toando ou destoado

sobre o sentido

da falta de sentido —

coisas jogadas no lixo.

Nexo e finalidade

só intuídos e vividos

por uma parcela

minimíssima.

Nossa hora tem nas mãos

um mapa redesenhado

por mãos de pistoleiros.

 

Mr. 45 prepara

a destruição do Iraque

para os dias amenos

( meteorologicamente )

entre janeiro-fevereiro.

Nos quatro cantos do mundo

soa o aboiado —

tangendo

para o abatedouro central.

 

Sem dúvida, a mini-saia

foi uma bela invenção.

LA 12/002

 

 

 

 

Vida Exige Assim

 

Nos anos de insensatez

temos força para fazer

o que hoje não faríamos.

E a vida conta com isso.

 

O desejo mais a cultura,

os arroubos mais a libido,

os sonhos mais a realidade:

as sempre latejantes

pulsões —

nos dão forças para fazer

o que, depois, não faríamos.

E a vida quer que seja assim.

 

Não faríamos,

não pela sensatez,

mas por já não ser tempo

de fazer.

E a vida nos agradece

por temo-lo feito antes —

já que agora não teríamos

vida-tempo pra fazê-lo.

 

Sim: há um tempo para

e um tempo para-não:

sendo que os dois

são igualmente importantes.

Aliás, ao tempo é a extensão

da mão do ser.

 

Há uma intenção, uma consciência

em todo o Cosmo.

Qualquer não reconhecimento disso

é mero adiamento

LA 12/02.

 

 

 

 

No Gargalo

 

O encanto de ver rosas entreabertas

e faces orvalhadas de prazer...

Todo o inverno privado de cobertas,

e o amor sem flama: um frio de doer.

 

O relógio a marcar horas incertas

( decerto lá em nosso pouco ser... ).

Difícil é encontrar portas abertas

em tempos maus de álgido descrer.

 

O vento nem diz nada nesta hora.

Se dissesse ninguém ia escutá-lo...

A rosa se maquia com a aurora...

 

Bom seria fugirmos a cavalo...

Colhermos no horizonte toda a amora

e bebermos seu vinho no gargalo...

LA 12/002

 

 

 

 

Norte Do Ser

 

Tivéssemos ao menos um cavalo,

a gente fugiria para o norte...

Não que lá houvesse algo que conforte,

mas porque o norte acolhe o imaginá-lo...

 

Os bárbaros vêm vindo, mas o norte

do ser eles não sabem nem pensá-lo...

É para lá que vão, em firme embalo,

os que aprenderam a escapar da morte...

 

Tivéssemos ao menos um cavalo

( lá por nós dentro ), a gente chegaria

ao norte, àquele norte de sonhá-lo...

 

Os bárbaros vêm vindo: o ruído é forte...

Os bárbaros vêm vindo, mas o norte

do ser eles não sabem nem pensá-lo...

LA 12/002

 

 

 

 

Linda Inês

 

Linda Inês, não a pobre da vizinha

que me sorri cansada desta vida —

um sorriso de dália dolorida

amada por um vento que a espezinha...

 

Linda Inês, mas que nunca foi rainha,

nem da jabuticaba, nem da cidra...

e não menos, no entanto, apetecida

que uma bandeja farta na mesinha...

 

Linda Inês, não aquela coroada

depois de morta, mas minha empregada

que — pelos dons — já passa a ser patroa...

 

Minha Inês, minha prancha e vã canoa

por esse mar de negras tempestades...

Minha nega a inventar felicidades.

LA 12/002

 

 

 

 

Alma De Bicho Existe

 

Um beijo cacofônico na boca

de Gilda lhe sorveu todo o batom,

e a velha mesa, em mármore, na copa,

rangeu inteira em quebradiço som...

 

“O que é que é isso aí?!” ( passando roupa

no corredor ) — a mãe pergunta, em tom

onisciente, aos noivos que, com pouca

voz, respondem: O gato! O nosso Tom...

 

— É ele, mãe! Pulou da cristaleira

pra mesa... Sim: é o nosso siamês —

o bicho fez tremer a mesa inteira...

 

— Que bom, Gilda, me sinto menos triste:

isso prova que alma de bicho existe —

o nosso Tom morreu há mais de um mês.

LA 12/002

 

 

 

 

Sim: Uma Noite Lúcida

 

Acontece que esta noite

não pode ser só mais uma —

há de ser outra noite:

em tudo tão diferente

que por tanta diferença

tanto assim seja igual

àquele sonho que sonha

o coração:

ser um menino tão bom

que agradeça a Papai-Noel

os brinquedos que jamais lhe trouxe.

Sim, nunca, mas nem por isso

sorria e brincava menos

que qualquer outro moleque.

Um menino tão bom,

que nem precise da bondade

para ser bom.

Tão amável, que nem se arraste

por ser amado,

mas ame —

principalmente sem nenhum motivo.

 

Sim: uma noite lúcida,

que gere todas as noites

e tais noites gerem os dias.

Uma noite que constele

a carne e o sonho,

lembrando ao homem

que tem um compromisso com a vida —

fazer desse pó de estrelas

que somos

a alegria de uma solidariedade

que nos ajude

a transcender a pequenez e os tempos maus —

e lucidamente nos seja

a verdade e o caminho e a vida.

LA 12/002

 

 

 

 

Modo-Processo

 

Pega a prancheta,

a caneta

ou a tela ou a pauta —

e dentre a moita do instante,

fica esperando,

atento olhando

com todos os sentidos:

logo uma estrela cai...

ou um relâmpago

corta o teu céu lá em ti,

acompanhado ou não

de um estalo e alguns riscos

de coriscos ariscos...

Ou pio ou voz ou som,

imagem, cena, incidente —

qualquer coisa que percuta

( lá em ti ) a primeira nota

e mais uma e outra e outra...

e as costures num colar,

ou punhados de pérolas-notas

cujo brilho reverbere

num sentido musical —

que se abra em flor num concerto

geometrizado

por teu sentir-sonhá-lo

a dar-lhe forma e cor e nexo

em que o percebas constelar

a tua argila-aparelhagem

moldando e remoldando

teu conceber-recriar

bocados de realidade —

agora já cativos

de um tempo-espaço-massa,

isto é: tornado teu fazer-criar —

no sulfite ou tela ou pauta...

do que foste buscar ( lá em ti,

dentre a moita do instante,

sempre em lúcida espera,

com teu dom à milanesa

com pó de estrelas...)

e em tua forja o transformaste

( no ateliê de ti mesmo )

em algo à tua imagem-semelhança —

ou seja: em arte.

LA 12/002