LICOR DE JENIPAPO
Laerte Antonio
Textos 2
Era linda
e pra lá de boazuda.
O marido se matava —
fazia a festa,
soltava os fogos
e corria atrás do eco.
LA 04/006
Rosa não sejas,
nem crisântemo.
Mas um suave bem-me-quer.
Pra que mais,
quando mais é bem menos?
LA 04/006
Pó e vento é o que somos, minha nega.
E para a gente não voar,
é bom
de quando em quando
fazer chover,
minha nega,
fazer chover.
LA 04/006
Só tenho inveja, minha nega,
daquele grilo
de Fénelon —
ante o fulgor
de frágeis borboletas,
vibrava o canto
cor de estrela
atrás da moita —
feliz da vida!
LA 04/006
Me dá um beijo cor de amora,
te dou três jabuticabas.
Depois te dou mais três,
mas aí quero um abraço.
Em seguida, te dou mais três
e me deixas catar
carrapatinhos virtuais...
Depois, trago uma cesta...
— E te dou...
— Não dá nada. Chupamos juntos
a cesta.
Depois, sim, como sobremesa,
me ajudas,
me ajudas a estalar
três das bem graúdas.
LA 04/006
Vem um tempo
em que a mulher vira vinho.
Vinho guardado
em tonéis de madeira nobre,
em garrafas preciosas.
Vinho de um maduro
rorejado de silêncios
e palpebrado de estrelas.
Então,
é preciso pintar
urgente
algumas telas,
fazer alguns poemas,
bafejados desse ébrio
enlevo,
dessa beleza murmurante,
momento eterno
na mulher.
LA 04/006
Pra quem gosta de apocalipses,
os dias estão propícios —
um prato cheio de bombas.
A cúpula do Ocidente contra ( por enquanto ) retalhos
do Oriente.
Que vença ( haverá vencedores? ) o menos pior.
[ Há os que preferem coçar os mimos
e viver na sua moita
como um grilo.
Tá tudo muito bom
( pra eles ),
vão cricrilando
enquanto podem...
Só não lhes peçam
que levem alguém e sua empresa a sério.]
Aquele homem com cara e corpo de tábua
arranhada pelo tempo,
aquele homem quer ordenhar
muitas, mas muitas vacas
de leite preto.
Quanto ao tal Sir,
lá dos lados do Tâmisa
( o homem já é Sir? ),
há de ser muito prudente
( desta vez )
não entrando nessa fria,
sim, nesse fogo-frigorífico.
Os homens-bombas
estão prontos pra ir pros ares
e pro céu
( viver por cá já não dá ).
O problema é o depois do grande bum:
tudo vira um tremendo cu-de-boi,
isto é, de dinossauro:
um flatuar de guerrilhas
e contra-revoluções —
a triturar civis
( os civis pobres )
com as suas crianças.
LA 04/006
Laurineide tinha umas pernas
de arrancar indivíduos para fora do bar.
Mas nem ligava se fazia ou não
omeletes com os saltos.
Gostava mesmo era do padre Sandro
com quem fugira e se casara —
não se importando que o agora marido
também adorava que lhe pregassem pregos
no outro lado da parede.
LA 04/006
Viviam na horizontal.
Só levantavam
pra comer outras coisas,
e voltavam depressa.
LA 04/006
Não faças hoje
o que podes deixar para amanhã.
LA 04/006
Tem gente que ficou milionário
engraxando sapatos
ou vendendo bananas na cestinha.
Isto é que é exaltar o trabalho
que nos prestam!
LA 04/006
Tempos debochados.
2+2= a ninguém sabe.
LA 04/006
Marcos Pontes foi pro espaço —
tá feita a ponte:
nosso ir para o espaço
já não é só virtual.
LA 04/006
Uma coceira anal
não pode ser acudida
na rua.
Qual a graça disso?
Nenhuma.
Nem se pode dizer que é coisa séria,
mas que é chato, é chato.
LA 04/006
O bem-te-vi dedou,
mas o político safado
nem ligou.
Dedurações de pássaro
passam
como outras quaisquer.
LA 04/006
Os homens criam bandidos,
depois os executam
com câmeras e vídeos.
LA 04/006
A única coisa
( sim: cacofônica )
que tem o pobre é a vida
que o mundo quer tirar.
LA 04/006
Passou mel nas palavras
e devorou a empregada
com avental e tudo.
LA 04/006
Era feia de cara,
mas a bunda balanceava
e alinhava tudo.
LA 04/006
O vizinho pegou o leiteiro
com gracinhas com a esposa —
ordenhou-lhe o nariz.
LA 04/006
Não tenhamos medo.
De modo algum tenhamos!
Pois se tivermos
só mais um pouco,
a gente morre de pavor.
LA 04/006
Temos mais de nossos pais
do que já nos fizeram crer.
Um pouco o mundo
explica,
outro pouco
nosso ir vivendo
nos mostra.
LA 04/006
Uma loucura ecumênica
de vez em quando pega os homens.
Aí é que se vêem
os tais espiritualistas
sem espírito.
LA 04/006
Dona Malvina
Lá perto da Estação Velha
morava uma senhora bem vestida,
dentes cuidadíssimos,
sorriso de quem sabe que pode...
anéis, colares, pulseiras reluzentes...
olhos que viam lá dentro,
pele bem alva,
mãos de mandarim,
cabelos impecáveis,
ares de quem nunca trabalhou,
a não ser com as palavras
que ela sabia condimentar
com finas especiarias,
de sorte que ouvi-las
era concordar
e cooperar com a bela,
misteriosa falante.
Chamava-se Malvina,
Dona Malvina.
Benzia,
adivinhava,
predizia,
fazia trabalhos
pra desviar
quebranto, invejas, malfeitos,
pra maridos voltar,
esposas deixar amantes
e voltar para o lar
( perdoadas ),
fazia filhas desencalhar,
filhos arranjar empregos de verdade,
darem mesadas para os pais,
tinha poder pra perdoar
pecados de amor,
adiava ou afastava a morte,
nem sempre, é claro: sina, carma...
aí não dava... podia até, sim,
retardá-los bastante,
contanto que lhe pagassem a viagem
e os petrechos ( muito caros, é verdade, mas... ), mais
hotéis ( eram trabalhos à beira-mar ),
de vinte a trinta dias: era um mister suado, demorado...
mais a gratificação aos ajudantes
recrutados por ali mesmo e, claro —
também as viagens de trem, ônibus, metrô,
helicópteros ( para fazer os despachos em alto-mar... )
e outras, mais outras necessidades
que por ventura surgissem...
Ah! Ela não gostava de dizer...
mas Dona Malvina vendia também
( não para qualquer um: só para aqueles
a quem o Espírito de Deus apontasse ) —
vendia também terrenos no Céu.
Tinha um mapa com posições,
vizinhanças, panoramas ,
relacionamentos idiossincráticos
( diga-se baixinho: com privilégios e mordomias... ).
Pagamento de uma só maneira:
um terço do contracheque
pingado todo mês,
ou palavra, sob pena de maldição, empenhada
em moeda sonante todo mês.
Dona Malvina não andava a pé,
apenas de táxi, o melhor da cidade,
e viajava muito, para fazer o bem, dizia
a xamânica senhora,
tida por muitos e muitos
como uma santa ou deusa.
LA 04/006
O amor é um sentimento ou ato
sempre recidivo,
por amor de si mesmo.
LA 04/006
Pedra que não rola
não serve para os sísifos:
não tem alma.
LA 04/006
Na descida
até as pedras vão bem.
LA 04/006
Cheiro de xota entre os dedos
tem cheiro de xota entre os dedos.
Antes, é uma delícia.
Depois, apenas um cheiro,
atípico.
Mas muito, muito macio.
LA 04/006
Quem planta vento colhe tempestade,
quem planta flores colhe primavera.
Já quem não planta
ao menos tem a planta
dos pés.
LA 04/006
Cobra criada é no pau.
Mulher bonita e ‘chegada’
é na cama.
Uai!
LA 04/006
Se pensas muito, não casas.
Se casas,
ah, vais ter o que pensar!
Por outro lado, casando,
te livras
daquela vozinha sádica
( ou masoquista? ),
azucrinante
que ia ficar te dizendo:
Podias ter sido feliz.... Podias...
LA 04/006
Não, Susana, não chores por mim,
se eu for pro Alabama,
vou comendo amendoim.
E vou pensando no teu jeito,
minha nega,
de descascar bananas
só de olhar pra elas.
LA 04/006
Susana, minha nega,
quando quiseres,
troco o meu bandolim
por quatrocentos gramas
do teu amor.
E o meu cavalo
por tuas pernas.
LA 04/006
Lírios, Susana,
bonitos como você,
que é também lírio —
Lírio da Graça, Susana?
Não chore, minha nega,
nunca chore por mim —
vou tomar uma brama
coçando o pingolim.
LA 04/006
Viveram numa felicidade
sempre tão remendada,
que nem dava
para saber a cor.
LA 04/006
Benhêêêê!...
Vai ver se tô na esquina.
A mulher foi,
mas não voltou.
LA 04/006
Sempre que ela economizava no sexo,
ele assoviava tão alto,
que a vizinhança já sabia...
E Teresinha,
que morava no bangalô,
chamava-o para dar uma pintada
na cozinha.
LA 04/006
Disse à esposa que se um dia
ela o traísse, ele a matava.
Respondeu-lhe:
Só porque daria prazer
também a outro, André?
LA 04/006
Bons tempos
só aqueles que ainda vão nascer
das cinzas de todos os tempos.
LA 04/006
Rosas não,
nem crisântemos,
minha nega,
mas o teu bem-me-quer.
Este me basta
como ao grilo
lhe basta a moita.
LA 04/006
Xiranha que muxoxeia
e que depois assovia
em seu verter —
é um bom investimento:
está no auge de sua glória.
LA 04/006
— Como vai?
— Firme.
— Firme?!
— Sim, como osso de molusco,
como prego na areia.
E você, André?
— Como sabão na pedra.
LA 04/006
— Tem xiranhado?
— Só pra irrigar a próstata.
LA 04/006
Dependendo da ave,
dá pra comer com pena e tudo.
LA 04/006
Já viu onça?
Já.
Borrou?
Não. Vi pela telinha.
LA 04/006
Já comeu minha senhora?
Não. Nunca tive essa honra.
LA 04/006
Melhor que uma mulher?
Só uma inflável.
LA 04/006
Belos os teus quadros!
Tua mulher ficou divina
naqueles nus.
Não são meus, quem os pintou
foi o amante dela.
LA 04/006
Já comeu ao molho pardo?
Galinha minha, sim.
LA 04/006
Quando moço, tinha estômago —
adorava sarapatel.
LA 04/006
Num ponto invejo os políticos:
à semelhança de certos pássaros —
podem comer no ar...
Sim, porque mais viajam
que respiram.
LA 04/006
Comer de graça,
só as sobras do mercado.
LA 04/006
Por vezes me espanto de pensar
na maestria que devem,
precisam ter certas mulheres
de certos homens —
deve ser uma desgraça
fazer-lhes papel de sombra
e alter-ego,
simular aquiescências
e ares de tudo-bem...
Deve ser quase insuportável
ser esposa
de uma avis rara
com esse penacho todo.
Claro, a recíproca
também é verdadeira.
LA 04/006
Todo colonizado
é um ressentido.
LA 04/006
— Manoeeeeeeeeeel!.... Ô Manoel!...
— Podes dizer, Joaquim.
— Dá um pulinho cá embaixo.
Pulou do sétimo andar.
LA 04/006
Em geral quem apanha muito
aprende a rir.
LA 04/006
Em geral quem bate muito
quer bater mais.
LA 04/006
Em geral quem aprende a rir
também aprende a bater.
LA 04/006
O riso é mais terapêutico
que qualquer “ismo” ou “ia”
da ciência dos homens.
LA 04/006
Em muitos dos nossos empreendimentos
o riso é o único saldo
positivo.
LA 04/006
As coisas são como são.
Querê-las outras
é ser esmagado
pela pedra de Sísifo.
LA 04/006
Deixar pra rir por último
é vingança.
Rir agora
é desabafo e terapia —
bem mais saudável.
LA 04/006
As coisas acabam logo,
por isso é bom vivê-las
com um sentimento de verdade.
LA 04/006
Há coisas que não existem
e no entanto
é urgente inventá-las.
Assim se criaram os deuses
que constelam o universo
e trabalham sob a batuta
de Alguém que estamos recriando
e em Que havemos de nos tornar.
Alguém que sempre nos foi.
LA 04/006
O dia em que nos provarem
que somos o que pensamos ser,
por certo nos diremos uns aos outros
que somos tardos
em aprender —
e que nos ensinaram
a não acreditar em nós.
LA 04/006
De tudo quanto e quem fomos
nas diferentes idades —
tudo está bem guardado
em múltiplas dimensões:
temos chips genoespirituais
que nos guardam em micronegativos
dentro do átomo-semente —
que carregamos por nós vários
em nosso ir e vir por nós e a vida.
LA 04/006
O nosso coração nos trai
porque ama as delícias do engano,
as venturas infelizes:
suas doces desventuras.
O coração
ama trair a si mesmo.
E as nossas racionalidades
são como Sísifo
numa luta constante
de suplantarmos a nós mesmos.
LA 04/06
Observarmos os próprios pensamentos,
sem medo de nos vermos,
mostra-nos o lugar que ocupamos
entre os homens
e em-nós-no-cosmo.
LA 04/006
Esse embrião, essa larva
há de chegar-se a Deus sê-lo?
Sei lá! Saber isso
ou não saber
fora igualmente enfado.
LA 04/006
Cabeça constelada
e pés de barro —
senão, quem te suportaria,
ó homem?!
LA 04/006
Criamos os Deuses
para podermos ser
iguais a Eles.
LA 04/006
Sem modelo
não teríamos caminho
nem subiríamos lá por nós dentro.
Sim, não teríamos caminho
nem verdade
nem vida:
a vida-mais
no sonho-mais
da criatura.
Nosso modelo é Cristo.
LA 04/006
Amo a Cristo
que por mim pagou
um grande preço
e igual a mim se fez —
para caber em mim
e eu Nele.
E só me pede
olhos de ver
e coração de amar.
Sim, com Ele
sinto-me livre
de mim
e do mundo.
LA 04/006
Lá fora o vento bale
como ovelha perdida
de seu pastor.
A noite é densa,
mas sei que a luz virá —
e isto faz toda a diferença.
LA 04/006
Feliz o coração
que se moldou em vaso
para a Rosa de Sarom!
LA 04/006
Por vezes ouço-vejo aquele Homem,
sozinho,
orando entre oliveiras...
Seu suor é gelado
e vermelho,
sua angústia é indizível —
vivendo Seu terrível
momento cósmico.
LA 04/006
Quem vai lá entre as vinhas,
vestida de luar,
descalça,
com a frescura e o orvalho
das rosas de Sarom?
Quem vai lá pelas vinhas,
bela como um sonho
de Deuspai,
alma de brisa,
linda e formosa,
a suspirar por Seu amado?
Ó alma, alma, alma!
Transforma o teu sonhar
na estrada
( lá dentro de ti mesma ),
na estrada que te leva
às varandas de Aba-Pai —
e já terás chegado.
LA 04/006
Ouça o vento, minha amiga,
ouça o vento!
O safado
tá mordiscando as rosas...
As rosas, Maria, as rosas,
as rubras rosas
que se parecem com você.
LA 04/006
— E agora, minha nega,
que veio a noite
e veio a chuva
forte, fortíssima...
E veio o vento
desnovelando desconsolo...
E agora, minha nega,
vais ter coragem
de me mandar pegar estrada?!
— Não, meu amor,
de jeito nenhum lhe faço isso!...
Peço para minha mãe
lhe ajeitar o sofá —
ali, meu bem, você terá sonhos lindos...
LA 04/006
Cuidado com a gripe aviária,
essa não tem pena.
LA 04/006
— Marli já veio?
— Ainda não, por quê?
— Tenho uma tarefa sexual com ela.
— Sexual?! Tarefa?!
— Sim, temos de separar
pintainhos-machos
de pintainhos-fêmeas
lá na granja.
LA 04/006
— Já viu a vassoura da bruxa?
— A vassoura não,
mas lhe vi outras piaçavas —
tenro-ruivas...
— Então nunca viajou
em noites de lua cheia?
— Claro que sim, a gente
viaja debaixo da mangueira
enrolados num cobertor ( antialérgico ).
LA 04/006
— E as tais vassouras motorizadas?
São boas mesmo?
— Dizem que levam três...
— Mas três não é demais?
— Às vezes, sim, mas isso é só
pra competir com motobói:
Olha a motopiaçava,
a motobruxa!
Três lugares! Três lugares!
É condução machófila —
só leva homens.
Horário: da meia-noite às cinco.
É pra tomar uns goles de lua
com quinino de estrelas
e respingos de piaçava...
Você escolhe a bruxa:
cor, idade, etc.e as coisas da tal...
Tem bruxa virgem,
amaciada
e arada.
Todas boas no câmbio
e nas manobras —
umas cobras!
LA 04/006
Tome cuidado, Marli,
com o bem-te-vi —
que o bicho entrega.
LA 04/006
Morreu daquilo.
— De tanto?
— De tanto!
...............................
— Que inveja!
LA 04/006
— Você dobra essa língua e...
— Nem precisa, não é tão grande.
LA 04/006
Se você se imagina um labirinto,
realmente você o é,
e vai brincando nele
até perder-se.
Nossa mente vive do plasma
do nosso sentir-pensar —
ela é uma criança
que constrói conforme os modelos
do que pensamos.
Para redirecioná-la
basta vê-la: observá-la
com os olhos do espírito —
que é o pai
dessa criança.
LA 04/006
Abaixa a saia,
Laurinda,
senão o bem-te-vi te deda.
Vai lá pra baixo,
lá perto do Guará...
Ali, sim: só tem quero-quero.
LA 04/006
Vim, vi, dei no pé.
Ainda bem que Roma
era só minha muié,
que tava com o Mané,
o Mané Hematoma —
tão forte o bicho é.
LA 04/006
Amava-a mesmo entre ASPAS.
LA 04/006
Repastava-lhe a esposa
e ainda o olhava feio.
Queixou-se aos amigos
no Bar do Orfeu.
Um dos amigos
( desses bem casados )
ponderou ao grupo
num tom bebum:
Comer tá certo,
mas encarar!?...
Foi uma risada ardida,
desceu-lhe lá no fundo, e cortou.
..............................................................
Às 8h30 da noite
( uma hora e meia atrasado ),
ao pisar o primeiro degrau
da porta lateral do hospital,
o médico de plantão
esbarra com o queixoso —
mas já tendo ( ao lado esquerdo )
embutida uma lâmina
com cabo e tudo.
LA 04/006
Carregava três ciber-xiranhas na pasta.
A esposa lhe pergunta:
Benzinhôôôôôôôô!... É pra usar
nas horas vagas?
Não, Amorzão, é pra vender
para os amigos insatisfeitos.
Ah, Booooonnnn!... meu nego.
Faturando heim, danadinho?!
LA 04/006
Sexo-Vida-Morte-Sagrado
operam
como um só núcleo:
pulsões libido-santidade
em treva-luz.
LA 04/006
Doeram-me os espinhos
das rosas que não lhe mandei.
As que mandei
jamais me machucaram.
Rosas, rosas... não sei o grau,
mas sei que você tem
um forte parentesco
com elas.
Rosas, rosas... que quando perto
de você
ficam tão pobres, tão humildes...
Mas quando as pega —
se orvalham com o seu charme,
se humanizam com seu sorriso...
E no vaso à medida
que vão se desfolhando,
escrevem sobre a mesa dois RR —
o de Rainha
e o de Regina:
que são uma só coisa,
isto é, rosa.
Rosas, rosas — que se parecem,
sim, se parecem com você:
suaves nas pétalas,
terríveis nos espinhos.
LA 04/006
— Beeeenhêêêêê!... Se me der um beijo,
te dou metade de um dente
de dinossauro patagônico,
que meu tio, paleontólogo, me deu.
Topa, amorzão?
— Topar, topo, mas gostaria
que fosse o dente inteiro...
— Mas vai ter,
você vai ter o dente inteiro:
primeiro uma metade por um beijo,
depois a outra por algo outro.
— Ta feito, minha nega?
— Feito não tá,
mas a gente vai fazendo...
E olha aqui, ó:
só desta vez, tá ouvindo?!
Já tô cansada de ficar negociando
com você dia sim, dia não.
LA 04/006
Cuidado, minha amiga,
que a gripe aviária depena.
LA 04/006
Será que Bush ataca esse Outro?
Vontade tem,
mas dessa vez vai pensar —
pois pode desencadear
uma baita rabanada
de dinossauro.
LA 04/006
Desta vez Blair não entra?
Nem precisa —
tá bem cotado
tanto lá, como cá.
Arranjará
uma saída ensaboada.
LA 04/006
A guerra do Iraque
saiu pela culatra —
mas só atingiu caras-laranjas,
Bush-Blair tem a sua ( ainda )
preservada. Sim, dois em um:
uma só cara.
LA 04/006
O tempo passa,
e nos amassa, amada,
nos amassa
e faz a vida passa.
Mas tá bom, tá muito bem.
Passemos zen.
LA 04/006
Quando ela vinha
com os peitos desarranjados,
e a maquiagem desfeita,
o esposo se apressava
em ajudá-la a se recompor:
Você correu, meu bem?
Caiu? Tomou vento e chuva?
Agora deita aqui no sofá —
vou preparar aquele chá
com bolachas Champanhe.
Depois lhe faço uma massagem.
E ela ria com a empregada,
as duas riam baixinho
com o rosto nas mãos.
LA 04/006
— O que acha das mulheres
siliconadas?
— Acho que agora ficou
bem mais fácil de se achar
as coisas.
LA 04/006
— E você, o que acha do silicone?
— Não consigo achar,
minha mulher
não quis pôr.
LA 04/006
— E o senhor, que acha do silicone?
— Acho que nem todo homem
tem mãos tão grandes,
nem o dedo.
LA 04/006
— E você, garotão, que acha do silicone?
— Bem, minha irmã pôs...
— E então?
— Ela ficou
em cima
e
embaixo
soprando fogueira de São João.
LA 04/006
O silicone tem fome
de muitas mãos e bocas —
tanta, que às vezes soterra.
Tem cara que morre de prazer,
já muitos morrem sufocados.
Mas só de ter mudado a paisagem,
quebrado o tédio,
valeu, valeu a pena —
pois se as coisas eram pequenas,
veja agora:
maior o título que o poema.
LA 04/006
Só sei que são peitões
maravilhosos —
quando elas andam apressadas,
parecem que estão pescando traíras.
Quanto aos atrases,
parece que um gnomo
está fazendo embaixada
com duas bolas.
LA 04/006
Já Sili, Sili pôs cones
frente e verso,
alto e baixo,
fora e dentro.
Sim, Sili conou
até a xota —
que agora, mesmo vazia,
parece estar sempre
de boca cheia.
LA 04/006
Por picos e vales,
picas e vulvas
a gente tem caminhado.
Quanto a chegar,
isto é de cada um —
já que existe o zé-arbítrio
com seu sorriso terrível
( sim: terrivelmente múltiplo... )
dentro de cada pessoa.
E tudo é bem mais sério
que a seriedade venal dos homens.
LA 04/006
Os bárbaros vêm vindo.
Podes ouvi-los,
em suas máquinas civilizadas?
Seus olhares são lâminas,
seu coração, — lanças de vidro.
Os bárbaros vêm vindo.
Podes ouvi-los
em seus berros insanos:
Hasta La Vista, Baby!,
enquanto explodem tudo?
Os bárbaros estão vindo,
estão sempre vindo.
Sim, os bárbaros
são a condição humana.
LA 04/006
Pensemas e risias,
sérios e seriemas
em antitemas
a desmanchar nos dias
suas areias poemas.
Com pena ou sem?
Isso depende
( entende? )
da intimidade
da saudade
em jeito zen.
LA 04/006
É isso aí, meu velho!
É fó com PH
( maiúsculos ).
Mas não entregues, ô tchê!,
jamais entregues o ouro
à depressão!
Te agüenta, que na vida
passa o bem, passa o mal
e no fim eles trocam
de máscaras.
Te agüenta, —
dias melhores violão.
LA 04/006
Enquanto eu a esperava
meu velho Ômega
lambia seus rubis —
como a criança o faz
com seu precioso doce.
LA 04/006
Aos primeiros sinais de coriza,
procura uma exímia china,
e deixa-a cuidar de ti
em prosa e verso.
LA 04/006
Às vezes bate
aquele se sentir só,
só
como botão na varanda
de sua casa.
LA 04/006
Esperar por ela
era tão bom
como já tê-la nos braços.
LA 04/006
Ela tinha muito espinho,
mas quando dava uma rosa
a gente esquecia a dor.
LA 04/006
Nosso maior ladrão
é a nossa covardia.
LA 04/006
O outro não quer
vê-lo feliz.
Só porque ele não o é.
LA 04/006
Covardia, na hora certa,
dá lucro.
O difícil
é manejar esse momento.
LA 04/006
Despirmo-nos
das loucuras culturais
é tão difícil
quanto subirmos por nós dentro
em degraus de renascer...
LA 04/006
Os olhos são tais quais
o modo
de eles verem as coisas.
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Os olhos dizem, sim,
ao que pensa o coração —
dizem-no por espelho
em enigma.
LA 04/006
Acredite na cigana
quando lhe disser
que não está podendo ver...
porque há muita bruma...
não está podendo ver...
Quando a bruma
se desfizer —
não acredite nela.
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— Que vestido mais lindo!
— É pra você!..., amor.
LA 04/006
— Já viu almas do outro mundo?
— Almas não, só outros mundos.
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— É bela de endoidar!
— E endoida mesmo, André.
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A sola dos sapatos
nunca se lembra
por onde eles andaram.
LA 04/006
Quando perdemos,
bradamos contra a vida,
os homens e o destino...
Quando ganhamos,
achamos
que merecíamos ganhar.
LA 04/006
Eta, nóis!
Temos até a dança da pizza.
É que adoramos pizzas
e as degustamos
com recheios especiais,
isto é, deliciosamente
especiais: sim, recheios outros,
ué!
Se não comêssemos pizzas
por certo teríamos
de nos canibalizar...
E além do mais a pizza
evita aquela rima...
o que poderia
ser descômodo a muitos.
Nóis, heim?! ......................................Eta, nóis!
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Quando vemos que o tempo
nos vai tirando máscara por máscara,
então pensamos:
Haverá uma face?
LA 04/006
As folhas bocejam de outono.
O vento passa assoviando
pelos ramos desnudos,
com saudade talvez
do corpo macio das amadas...
Sim, daquele corpo agora morto,
esquálido, amarelo —
pranteado por gnomos
que o sabem ressuscitado
logo ali, na primavera.
LA 04/006
Na minha idade
o futuro é hoje
e o amanhã é passado.
Meu escroto explodiu faz tempo
( e não era escroto-bomba... )
de ouvir a voz sem-vergonha
dos que põem um viver mais digno
do ser humano
sempre no inalcansável —
num futuro sonhado por canalhas,
porque estratégia ultrapassada
para amarrar e amansar
os que vivem de esperança.
LA 04/006
Hoje é o dia que o Senhor fez,
alegremo-nos e exultemo-nos nele.
Isto está escrito onde mesmo?...
LA 04/006
A tríplice canalhice
é jogar
com a esperança,
com a fé
e com o amor —
jogo podre de sujo
para amansar
e amordaçar.
Note que esses Três
são o que há de mais precioso
no ser humano
e, no entanto, são usados
contra a própria pessoa
que os ama, procura e preza.
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A frase dos infelizes:
Amanhã será um outro dia!
LA 04/006
O homem
é terrivelmente inventivo.
Quantas vezes
a gente sabe ser feliz
dentro da própria desventura!
LA 04/006
Mais importante
que a obsessão de ser feliz
é a estratégia
para não sucumbir
ante a derrota.
Pegar pedra por pedra
do que restou
e saber que só nos falta
outra argamassa.
LA 04/006
Se vitória é tão bom,
por que a derrota
há de ser tão amarga,
já que esses dois impostores
trabalham em conchavo
para a nossa própria transcendência?
LA 04/006
Bom nos será
aprender a ganhar
e aprender a perder.
Afinal a vida
não é uma sucessão
de ganhos-perdas
ou perdas-ganhos?
De “sins” e “nãos”,
“sins-nãos” e “nãos-sins”?
Não é a vida
esse dar de mão fechada,
esse negar de mão aberta —
com a criatura de permeio
entre ser e não ser?
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Um bom consolo
é saber que as desventuras
como as venturas
tem um lado que as compensa:
o seu pouco durar.
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Se as rosas durassem tanto
quanto os espinhos,
por certo
não as amaríamos tanto.
LA 04/006
Sim, o que é breve
em geral é muito belo —
não teve tempo
de fazer-se enfadonho.
LA 04/006
A saudade de uma pessoa
é mais o modo de a lembrarmos...
ou de nos amarmos nela.
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O bom da vida
é que nem dá tempo...
LA 04/006
Fazer o bem
seria a única coisa sensata,
se não soubéssemos disso.
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Planta rosas,
colherás rosas —
não-obstante os espinhos.
Ou serias capaz
de plantá-las sem estes?
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Julgar o outro
é estarmos no outro.
LA 04/006
A condição humana
há de ser recondicionada.
E de fato está sendo.
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Diz-me quão fraco és,
e poderei falar
de tua fortaleza.
LA 04/006
Os opostos em seus fractais
trazem bem de permeio
a verdade em si mesma
e a mentira em mudanças.
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A consciência do que se faz
está na consciência do que se faz.
LA 04/006
Você não é daqueles
que tudo o que não entendem
julgam bobagem?!
Nem eu.
LA 04/006
O malandro será malandro
enquanto o honesto o suportar.
LA 04/006
Se sendo o que o homem é
já nem se pode com ele,
imagine o que não seria
se ele tivesse algum poder
além do seu dinheiro!
LA 04/006
É tudo muito bem feito.
A criatura pode
o quanto pode amar.
LA 04/006
Poder é luz própria
lá em ser-se.
O mais é equívoco.
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Eros e santidade
têm muito que se explicar.
LA 04/006
Entre o eu e o tu
está o nos devermos
a moeda do Reino —
Amor.
LA 04/006
Esse grânulo pensante
entre as galáxias
chama-se homem.
Mísero, sim, mas ele
merece todo o meu respeito —
inventou a esperança.
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O homem é do tamanho
do altruísmo de que é capaz —
sem o saber.
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“Eu mereço!”
Mas quem não o mereceria?!...
Já não está na hora
de esquecermos o preço
e fazer sobre ele
tola filosofia,
ridícula poesia?
Já não está na hora
de esquecermos o preço
do que não poderíamos comprar?
LA 04/006
Já não está na hora de olharmos
toda essa sabedoria
como quem pode construir
uma transvia
de um saber
por dentro de mais-luz?
Enquanto não soubermos
que somos capazes disso —
não o seremos.
LA 04/006
Por vezes nem notamos
a nossa pretensão
de jogar xadrez
com o Cosmos.
LA 04/006
Se ainda nem querem que vejamos
vida após o casamento,
muito menos gostariam
viéssemos a nos saber
uma centelha-Deus
a caminho de O ser!
LA 04/006
Dois mais dois
podem ser quatro ou mil,
que me importa?
Só me preocupo
quando os somo
em ser.
LA 04/006
Caiu no conto do bispo...
Esse você não conhece.
Qualquer dia lhe conto
com todos os pespontos.
Só lhe adianto que tal conto
( do bispo ) é mais hierárquico —
mais safado
que o do vigário. Aliás,
o do vigário é pixote.
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Pensar em você, minha nega,
por vezes é bem melhor
do que estar com você.
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Em sonho, minha nega,
tivemos um tal orgasmo,
que morremos afogados...
Depois te conto.
LA 04/006
Senta. Te faço um chá de hortelã,
depois te levo pra cama,
te tiro aqueles carrapatinhos
bem miudinhos,
que nem existem...
mas que dão uma trabalheiiiiiiiira!...
LA 04/006
O pessegueiro floriu
e me lembrou você —
um pessegueiro-fêmea
( diria meu amigo André ),
todo nuinho:
só com a lingerie
de um sublime cor-de-rosa.
LA 04/006
Ontem,
quando você passou,
fui entortando o pescoço
até você entrar no carro
do doutor meia-foda,
o que deixa as pernas em casa...
Desejei-lhes um bom jantar —
porque almoçar, já tínhamos
( você e eu )
e até com sobremesa, lembra?
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Não, nem todos são mansos.
Fazem dos galhos
lindas lanças,
punhais,
facas,
pedaços de metal:
os genes culturais
pesam bem mais que pedras.
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E vem um tempo em que o tempo se cansou.
E o que resta é não fazer —
saborear de memória
com colherinhas niqueladas.
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Joaninha, Joaninha,
não passe pela pinguela,
que a sua virgindade
cai n’água,
e padre Gláucio
não olha mais para você.
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Logo-logo
vamos ver pores-do-sol
lá na casa do mestre Pedro.
Além de dar assentos
e bom papo,
dá também boa pipoca
com cafezinho fresco.
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Quando você não vem,
conto carneiros pulando a cerca
da minha vizinha Zélia...
Mas não é a mesma coisa —
viro pro canto e não durmo.
LA 04/006