Isto, Isso E Aquiles
Laerte Antonio
Após As Pétalas...O verme, Rosa, não sabeda nossa origem divina, e nos come, come-nos sem mesuras nem talheres.
As estrelas que olharam para nossos pais só nos viram a nós... As que nos vêem por certo já têm olhos de outra cor.
Quem se esqueceu de ser feliz ( construir sua ôntica autonomia: não ser bobo de ninguém ) perdeu o trem e as botas, e se viu sobre um chão que não era de pétalas...
Quem deixou para depois viu que entre o “de” e o “pois” só há um espaço virtual — como aquele de quem foi pra Portugal e perdeu o lugar... Mas, mas...
Mas não faz mal... Ou faz? Sei não. Depende da digestão do domingo de quem faz o sermão já na segunda-feira...
Só um consolo, Rosa: após a pétalas, os espinhos ficam muito sem graça — tornam-se vilões solitários... LA 07/003
Geléia De Amora
Quando aprendermos a ser honestos junto àqueles com quem coabitamos, aí então, quem sabe, até podemos ser, se não felizes, ao menos aprendizes. Nesse atual ( e geral ) estado de malandragem — é cada um prum lado e o Diabo em todos e para todos.
É engraçado, bonito mesmo, veja: parece até que o mundo virou um Concurso de safadeza. Uma reciprocofagia. Sim: um comerem-se uns aos outros: Você bobeou, vem o cara ou a cara ( com pingolim ou xoxeda ) — e ó!... Te suja o sonho com geléia de amora. LA 07/003
Sim, É Preciso...
É preciso saber que o Amor está sempre à porta: “Eis que estou à porta... e bato...” Deus o deixou penteadinho, limpo-limpinho, feliz da vida e vestido de luz — bem ao lado de toda criatura. Nós podemos não vê-lo, como não vemos a história da vida bem escrita nos átomos da luz — mas ela está aqui, ali, além: bem juntinho do amor — a sua mais antiga testemunha.
Entre os fractais da neve com sua geometria multiversal — lá está ele: com seu jeito de primavera, nidificando sonhos com as fibras e frouxéis de seus gorjeios.
Sim, é preciso saber que o Amor perpassa, plenifica e transborda a criação: é o oxigênio das delícias de ser. Está em tudo, mas não invade — o Amor está sempre à porta... Só entra, se convidado. Convidado, tinge de céu as paredes da vida: transformando-as nas cores e sons que geometrizam o sonho de Deuspai — única fonte e realização. Convidado, entra e ceia conosco... e seu vinho se transforma em mais consciência — a vida renascida mais. LA 07/003 Celinha Filipini-CD
Teclas dedilhadasentre a realidade e o sonho — frutos maduros ( em alma ), pingos de estrelas inseminando chãos, prenhando escuros de uma luz niquelada aqui, dourada ali, irial no aquém-além... Sim: mãos que transubstanciam pobres metais em ouro, o escuro em luzes e faz a argila constelar-se... ( O universo se recria pelas portas dos fundos de haver quem o reconstrói: de haver os que nunca enterraram os seus talentos... No que fazemos está nossa falta de ser. Deus nos fez o mínimo possível [diz o conto] para que nos recriemos o máximo que pudermos.) Notas multiversais de um real em fractais — no sonho sempre-mais de horas sedas hiemais-vernais de nuncas eternizados por um fazer-recriar de mãos que sabem torná-los sempres... num universo que é amar entre os desvãos de sonhos inconhos... e sombraluz ( ferida? ) no glamour de ( haver ) quem afaga ( entre os próprios dedos ) a beleza-bailarina na força de transcender-se, na graça de ultrapassar-se a si mesma lá entre o branco e o negro de eterna recriação... O ser em degraus de ser-se. Um recontar universos em falas-sons de um jeito-brilho: estrela que se faz amar na aura-sonho de mãos a retecer a vida enquanto Ulisses ( em nós ) empreende o nostos — sua volta ( por planos e degraus em nós mesmos ), sua volta entre humano e sobre-humano. Estrela que se faz amar a percutir notas-galáxicas no dom de personar acalantos florais e transmutar rudes metais em ouro-luz de sensações ecoando em emoções e sentimentos... ............................................................................................ Estrela que se faz amar revelando a criatura, feita, sim, de barro — mas de um barro constelado: superando-se no que faz porque inseminada de infinito. Dedos que sopram entre o real e o sonho almas no material... almas que lhes passeiam entre o branco e o negro... enquanto ganham corpos de luz. LA 08/003 Musse De Amora
— Pois é, amorzão, na falta de amor, a gente saboreia musse de amora. E adora. Pior é lamber a seco como vaca buscando sal em cocho que não tem.
— Também acho, meu André: pior que nada é tudo que já não serve. 08/003
Moinho
A realidade, quando menor que o sonho, vira bicho raivoso.
O amor, se menor que o desamor, morre de frio e fome.
Melhor que o sonho é a realidade construída por ele.
Pior que o desamor só a vontade de amar que se percebe sem corpo...
O tempo é a dinâmica que filtra a realidade até o bagaço — que enfim deixa de ser laço do que criou — e se desfaz em sonho. Sim: um sonho sempre dentro de outro sonho, puxando um real após outro real: reais-realidades — segundo a sua imagem-semelhança ( do sonho, pois sim? ), do sonho a ontoviajar-se por veredas de ser. 08/003
Manacá
Quando ela passa meu corpo e alma viram um pé de manacá: todo olhos — vidrados e sem piscar. Um manacá que se finge possuído pelo vento e estica seus braços em flor para enlaçá-la... Como não pode, finge também que é o vento que lhe derruba lágrimas bran cas bran cas s s s s s s s s s s s s azuis azuis sssssssssssssssssss para ao menos segui-la com suas pétalas s s s s s s s s s s s s... agora, sim, pastoreadas pelo vento 08/003
Prosa E Reverso
Te cantarei em prosa e no reversolá do quadrado da hipotenusa de haver luas a andar sem saia e blusa lá pelas vinhas de um sonhar submerso...
Submerso nesse ardor que não recusa o amor a crepitar em glosa e verso no tapete voador desse disperso viajar em alma que, hoje, pouco se usa...
Te cantarei o charme despenteado, se não no Horto, à beira do Espraiado, nesse agosto que ulula com os ventos.
Te cantarei o impávido chulé que mesmo de sandália ( em sonhamentos ) me excita espirros como bom rapé. LA 08/003
Versão Falsa
Quando nos julgam, fazem, não raro, uma versão mais triste sobre nós. Em geral, as pessoas supõem saber quem somos. E com uma simplicidade tola de quem faz contas de mais e de menos — vão dizendo quem somos: Que nos conhecem e conhecem o que fazemos, num tom olímpico de quem quer ser os nossos deuses...
Certa vez, um escritor bem conhecido, já tinha publicado punhados de seus infanto-juvenis, adentrou uma das classes ( em que eu finalizava uma aula ) para falar com os jovens de sua obra. Ao me ver, gastou os pós e cremes de seu costume, e apontou-me para toda a classe, dizendo: “Este é o grande Fulano! Não menos maravilhoso professor que escritor. Conheço a sua poesia...” Entreguei-lhe a classe, pedi licença, e saí. Saí pensando: “Diabos, capetas e assemelhados, como é que ele conhece a minha poesia, se publiquei um infinitésimo dela — e nunca lhe mostrei a ele ( são inéditos! ) nem a ninguém o seu núcleo, os seus arquétipos?” Com aquela frase falsa, o tal escritor acabara de criar uma versão falsa do meu trabalho sério, longo e silencioso e solitário. Sim: muito triste quando alguém supõe conhecer a nós e o que fazemos. Uma baita leviandade, gerando um baita de um mal-estar. LA 08/003 Conexões
Quando ver é uma portapara algo mais, então nos embriagamos com essa conexão maior. Ao perder o caminho, o caminhante encontra outras coisas. Pode haver um ganho em toda perda — ou no vice-versa disso. O pão que o diabo amassou, quando não se tem outro padeiro, pode ser o melhor dos pães. Sim: uma fome dos diabos acaba levando a Deus. Nosso mal é pensarmos que o bem só tem uma face.
Quando ver é uma porta para algo mais, depressa percebemos que estamos a cavar na luz — e luz é ver, principalmente quando parte de dentro para fora... Sim, luz é conexões no momento em que sabemos que nós é que somos essas tais relações — capazes de recriar realidades com olhos de ver. LA 08/003
Um Sempre-Quase
Os deuses, Musa, têm ciúmes. Não diga a sua poesia a não ser em tom de silêncio: que só o humano possa ouvir. Porque a vida, minha Amiga, não é nada — nada que não seja tudo.
Deixemos que as abelhas toquem seus violinos em torno às flores alvamente cheirosas das laranjeiras — mais nada, mais nada a nos lembrar de tudo.
Os ventos sejam o rumo de tudo em nosso sonho quase nada. A vida? Um tudo-nada: um sempre-quase. Viver? Viver nem seja preciso quando a vida é bem mais que momentos de usura. LA 08/003
Difícil
Por vezes é bem difícil funcionar neste mundo. Querem que você não seja quem é, melhor: querem que você seja igual — igualzinho ao que renderia a quem lhe deseja essa igualdade. Sim, desejam-no diferente e igual aos que reivindicam tal diferença. ................................................................................. Ah! Este mundo é tão engraçado como papagaio tentando galar franga no quintal, pois que, aliás, depois se vê: não se tratava de franga — mas de frango já nas primeiras escaladas... e que acaba por inverter a situação. .....................................................................................
Por vezes é bem difícil funcionar neste mundo com o combustível que nos fazem beber. Com as buchadas de idéias que nos servem no almoço e janta... Com os sarapatéis político-religiosos — por sobremesa. Com a pinga com sucupira — para todos os males, menos os males do difícil: difícil de aceitar. LA 08/003
Nostalgia
Transeuntes, não mais que transeuntes, filhos do sopro da existência e da ânsia de viver — eis o que somos, minha Amiga.
Passamos como o vento e a relva — somos um conto recontado por nós mesmos. Um conto cujo tema é o agora, cujo cenário é o aqui: o aqui-agora refugindo pelos poros da vida... Seu suporte, sua beleza e verdade são o momento fluindo por nós dentro.
Passamos como as águas cantando entre as pedras da ribeira e como calha temos nossos dias.
Passamos levando em nossa carne o sorriso da rosa que dói em nós porque sabemos, sabemos que vem a tarde.
A vida é só o que temos, e o sonho, a fé, a esperança — nossos melhores companheiros.
O amor? O amor é a estrada que passa pelas varandas daquela Casa de que rolamos... mas trazemos dentro de nós. Sua lembrança é a dor que nos impele a empreender o nostos: a volta ao Lar. LA 08/003
Cartesianamente
Com uma chuva dessas, um friozinho afrodisíaco, este vento alcoviteiro dizendo coisas na veneziana — sejamos bem razoáveis, sejamos bem cartesianos, minha Amiga: Somos humanos — logo, adoramos trepar. LA 08/003
Achas Isto...
O nada, amada, não é tão nada — pois pode ser o início de outro tudo. Logo, se entre a gente restou nada, temos chance, muita chance — principalmente no fim do dia que envelhece criando a noite... Sim: a noite incucada de estrelas e martelinhos niquelados dando em nosso desejo sobre a cama — entre os grilos e a chuva fina, a chuva fina e fria no lá fora dos ventos despenteando a noite escura...
Achas isto nada, amada?! LA 08/003
A Serviço
Ouça o seu corpo, aprenda a conversar com ele — o seu corpo tem muito a lhe ensinar: seu Eu-Profundo aprende dele, pois ele desce e vem buscar o que nos falta — nossa falta de ser. Sim, nosso corpo é a sonda que vem buscar o que nos falta: descido aonde nosso Eu-Ente jamais poderá descer... Nosso corpo e nosso ego hão de estar a serviço do Rei. LA 08/003
Não Tão Altas...
Eras as uvas ( lembras? ), eu a raposa. Verdes maduras maduras verdes... Ou: cheirosas, mas verdes... maduras, mas azedas... Até que o Diabo do bom senso apareceu: “Ô cara! Se estão verdes, faz conserva pra comer com pinga. Se maduras: Amassa, homem! Amassa, come, faz geléia ou vinho. Mas come, cara, come de um lado e do outro do cacho, come de qualquer jeito: verdes, maduras, encruadas, passando, ou passas e até passadas... São uvas, cara! ....................................................................... Foi então que vi: não estavam tão altas. LA 08/003
Antiepitáfio
Quem gosta de terra é minhoca. Por mim, eu não seria bobo de estar neste lugar. Sim: eu lhes juro — jamais estive aqui. A sombra só existe quando estamos à luz, quando esta adentramos, não. Aqui só tem a casca de asas que se foram pouco antes... Como o trigo que levaram para o moinho, como as uvas cujo sumo já é vinho. LA 08/003
Ratos Alquímicos
Ratos gostam, adoram queijo suíço ( e assemelhados ). Aliás, queijo curado, defumado, zelado por mãos alpinas — a tornar as mãos de origem mais brancas do que a neve... ( Construíram lactodutos, lactodutos virtuais: os queijeiros recebem o leite e... )
Ratos vistosos, charmosos, de luxo: gestos nobres, trajando finos talhes, com ares importados e mimos cosmopolitas. Ratos degustadores da vida constelada: regada a conchavos, conchegos grupais — reciprocidades corporativas: relações liso-versáteis, engrenagens azeitadas sustendo o Circo. A vida regada, irrigada, chovida — mil e mil regalos: melhor bebida, melhor comida, crocantes fêmeas, anabolizados machos.
Ratos para sempre ratos — com genes a cirandar, a viajar genealogias e a cantar sua perversa canção...
Ratos que não roem a roupa do rei, mas a de todo o povo. Nem comem a comida do rei, mas a de toda a gente que trabalha sob taxas, angústias e impostos... e medos e enganos e medos e enganos...
Sim, ratos que gostam, adoram empilhar finos queijos em mãos alquímicas... aquelas cínicas, tão cínicas quanto eles que acenam para o povo esperanças de esperanças amanhecidas e requentadas: esperanças a lamber, lamber diuturnamente suas próprias feridas... ...................................................................... Sim, ratos que não roem roupas: roem os sonhos das pessoas — sonhos que eles matam no ninho... cujo materializar-se eles pilham-empilham. Sonhos que se vão tornando em frios, frígidos fantasmas a rolarem soltos no ar... Sonhos tornados calafrios... Sonhos brancos e balofos, tão brancos e balofos como a neve que eis... derrete-escorre como sorvete em mãos de criança... ....................................................................... O mais? Nem mais nem menos: aquele tradicional teatro de uma só peça em cartaz gerações após outras: Teatro de Impunidade LA 09/003
Com Que Direito?
Com que direito, ó mundo, tu me comeste o mel, só me deixaste os favos e me mandaste às favas? Com que direito?
Sobre a tua plataforma de canalhice, com que direito, ó mundo, pretendes ser feliz? LA 09/003
Sempre Nos Dás, Ó Vida...
Sempre nos dás, ó vida, sobre o beloda hora, a outra parte de gozá-lo: bem entre o róseo e o azul, o amarelo — seu veneno e o desejo de prová-lo...
O dom oposto tem o seu martelo na ingênua permissão de degustá-lo... A beleza a cortar-se no cutelo da incompletude a oferecer regalo...
Sempre nos dás o belo e a dor nos dedos de colhê-lo entre pétalas e espinhos... Dás-nos a paz e as rendas de seus medos.
Dás-nos o sonho e a louca realidade — em generosidades de mesquinhos dons da mentira a se tornar verdade. LA 09/003
Endireitando Veredas
Só depois de sonhado e re-sonhado, o real se traveste realizado — pastoreia, atual e nascituro, o passado e o presente com o futuro...
Futuro que é presente em seu avesso, avesso de um começo-recomeço que tem lá no passado redivivo o sentido de um sonho sensitivo...
E aí é que se encontram os afluentes desse tempo que gera delinqüentes pra devorar seus próprios frágeis filhos...
Dessa roda de tempos só saímos quando lá por nós mesmos resumimos num só caminho nossos vários trilhos. LA 09/003
Poder Do Mito
Para José de Nazaré( In mythum )
E aí, José? Querem te deletar, te botar na lixeira de nossos ciberdias? ................................................................
Enfim, ó veros céus! — o nosso Nazaré não foi e é ou é o que não foi?
Tinha pasto e tinha boi o nosso Foi-não-foi, ou só mirrada vaca de que ordenhava alvos mugidos para molhar o pão dos seus?
E aí, ó veros céus! — então não foi este que agora é o nosso Nazaré?
Acaso o mito é menos verdadeiro que quem o narra, ou seja: nô-lo planta no imaginário — que regamos e adubamos gerações após outras?
Se não foi, — tarde demais: pela força de negá-lo-afirmá-lo, acaba de virar mito o nosso Nazaré.
Foi!... Não foi!... Foi!... Não foi!... Foi!... Não foi!... ........................................................................................................ Podemos cassar a ave a que demos as penas? Mas como nos livrarmos da sombra do seu vôo, se agora é nossa alma?
Entre “foi” e “não foi”, claro que é — já virou nós o Nazaré.
PS: José de Nazaré é, ou teria sido ( daí a controvérsia ) o fundador de Casa Branca, SP. LA 09/003
Falta De Ser
Tudo é efêmero. Mas, quando o efêmero é divino, — há de ser sempre eterno. Divino pela verdade. Eterno pela beleza. Sim: o efêmero, sendo a porção do tempo que mais amamos, — é talvez saudade de nós mesmos no que nos há de faltar. Ah! A nossa falta, sempre a nossa falta de ser. E que fazer, se o sonho é sempre ser? LA 09/003 Ratos
Ratos gostam, adoram queijo suíço. Aliás: queijo curado e zelados por mãos invisíveis.
Ratos de gravata e terno cinza. Ratos degustadores da vida constelada: melhor uísque, melhor caviar, crocantes fêmeas.
Ratos que não roem a roupa do rei, mas a de todo o povo. Nem comem a comida do rei, mas a de toda a gente que trabalha, sob taxas, angústias e impostos.
Ratos gostam, adoram (em)pilhar queijos na Suíça. Sim, ratos não mais roem roupas: roem os sonhos das pessoas — sonhos que eles pilham e empilham na nívea terra que engole o sonho do povo que trabalha e espera. LA 09/003
A Não Ser...
Você pegando a realidadea unha com a esperança de férias e a fé jogando boliche lá onde amor é o anfitrião — arrotando cerveja e tomando alvos glóbulos para abrandar a depressão — você então que mais quer, senão não querer nada disso? Que mais quer a não ser nada que seja realmente nada? LA 09/003 Só No Desamor
Amor? Só no tatame. Arranja um cão que te ame, e dá graças a Deus — já que entre os teus é só porrada e mágoa represada. Amor? Só no desamor. O mais... Quem é que falou que tem mais? LA 09/003
Bem Fumegante
Tá tenso? Vá visitaros jardins suspensos da Babi. E aproveite — frite uns bolinhos com ela, e saboreie-os com cafezinho fresco, bem fumegante. Depois? Depois você vê se o mar está pra peixe... LA 09/003 Angústia
A angústiadá sentido e rumo. Sentido para quem vem do dia ter como fim a noite e a noite ter como fim a luz. A angústia é como a sombra e a luz — uma precisa da outra para ver que a vida são as duas. A angústia é sempre as vésperas de nos livrarmos dela. Não nos enganemos pensando um dia ficar sem ela. A angústia é um modo de pensar que sabemos porque a vida nos bate tanto. LA 09/003
Livre
Um dia lhe telefonou: Estou muito doente, preciso de sua mão. Dela ouviu: Procura um médico!... ............................................. Então peça ( lhe disse ) que me venha a minha filha... Dela ouviu: Você não tem filha, os loucos não têm ninguém.
Descobriu ( por si mesmo ) que era só, que o homem é só — mas não tão só que não possa enfeixar suas forças e somar-se ao momento — somar-se maior que o desamor dos outros... e, assim, ousar — ousar não precisar a não ser de nada: e, nada tendo, estar completo, completo de não desejar — livre do mundo, das pessoas, de si. LA 09/003
E Sei Por Quê!
Maior que as anotações de Freud, maior que todas as análises, maior do que os sapatos do arlequim — sempre foi, minha Rosa, ( e sei por quê! ) meu amor por você.
O que sentimos a dois, minha Rosa, é bem maior que todas as tolices que os donos das ciências têm balbuciado aos pobres ventos... Nosso Espraiado, Rosa, tem a música das esferas. Tem cantos, brisas, gorjeios e os ventos frescos e amigos que tangem liras, violinos lá no por dentro em nós... O nosso sonho, Rosa, tem a magia das coisas que não morrem nunca: igual àquelas plantas que vicejam entre as pedras à espera da primavera para explodir em flores e cores. LA 09/003
Tarde-Noite No Pinheiral
Tarde mulata, ardendo em primavera, desenha rendas sob a ramaria... O pinho vai goteando a sua cera sobre a alfombra amarela e bem macia.
Um bem-te-vi, ao longe, pia e espera... Repica o pio e canta, e outra vez pia... Longe, um pio de angústia reverbera na luz que migra no findar do dia...
No céu, sem mancha, a noite é toda olhos... Pelos pinhos, o vento, entre refolhos, sopra bem morno e roda os seus piões...
E todo o pinheiral prepara o tom... murmurando, ondulando em orações — eternamente entoando os tons do On-On-On-On-On-On... LA 09/003
As Tranças Não...
Quem sabe se eu viesse com o vento, não pegasses carona em eu querer-te... e iríamos num vôo que se converte em luz pela beleza do momento...
Quem sabe no momento de saber-te a outra parte em mim de um bom intento, não visses com o próprio sentimento que é tola dor esse virtual de ter-te...
Desse momento em diante, me abririas a janela do quarto... e jogarias, as tranças não, a senha a teu porteiro:
“Deixe mais um entrar, não tenha medo, mande-o esperar ( sentado ), caro Alfredo, — pois este é meu marido, e bom banqueiro.” LA 09/003
Fast Food love
Um amor pós-moderno e bom de amar: um relacionamento fast food... Nada de telefone ou outro grude que lhe deslustre o brilho de fungar.
Amor alternativo a transonhar o sonhado que quase desilude... Amor a prenunciar a desvirtude de uma virtude que eis... recobra o ar...
Vertical riso a aureolar bilau... Pés bem no chão: “bichô, bichô; pau, pau”. Engolido com o fogo do flambado.
Amor sem nenhum tempo de ser lido... Bebido antes de desarrolhado... Tão-já comido quanto descomido... LA 09/003
Rugindo
Se as Veras não forem veras, nem verões, ou ao menos sinceras ( ah, quem nos dera! ), a gente então espera, em tardes-solidões... Sim: espera pelas primas ( nem sempre veras ) em meio às heras dos casarões.
Em meio às heras ( sozinhidões ) dos casarões que nem são mais: senão quimeras em tons jamais, sonhos florais de primas veras ( e até sinceras ), lá nos porões de lembrá-las: rugindo como feras... LA 09/003
Façamos!
Após tantos purês, ainda nos toca virar batatas. Mas antes, meu amigo, ( e amiga, sim: e amiga ) — antes que tal fenômeno se dê, a gente faça chover muito! Ah! Muitas, muitas chuvas: brancas, negras e mulatas — com respingos apaches e temporais da China... Sim, muitas, muitas chuvas com o prensar de muitas uvas.
Tantos purês e batatadas, pra virarmos tubérculos! Pasmos e sujos, cobertos de chocolate... com um sorriso sem graça, de pedra.
Sim, façamos, façamos todos: e façamos com charme! Só depois, viremos batatas. LA 09/003
Até Que Um Dia...
Ele? Vidrado sempre. Ela não. Só o amava ( amava? ) de viés... Isto é: entre a pipoca, o milho e o cheiro de pamonha... ............................................................... Ele queria ( queria sempre ), ela fazia doce, em casa, e salgados para fora.
E assim... Assim foi e refoi, sem que ninguém soubesse se o berro ( sim: berro... Depois te conto... ) era de bode ou boi... ......................................................................... E assim foi ( eu dizia ) e refoi, até que um dia (!) ele abriu bem o olho, e viu!... .......................................................................... Viu o que mesmo? Viu que estava velho. LA 09/003
Depois De Depois
Lista comprida,a das nossas frustrações cá no país da esperança. Da esperança que aprendeu a lamber nossas feridas e a adiar para amanhã.
Esperança que sabe ser heroína sem nenhum caráter... Esperança amanhecida — pão de ontem: duro de roer. Sim: esperança de esperanças — sempre para amanhã e depois de amanhã, melhor: para depois de depois... num círculo de mesmices e semprices de empedrada eternidade.
Esperança padejada com o fermento do cinismo — e passada ( crocante, bem quentinha ) às mãos de santa Ingenuidade que a vai molhando na caneca das mentiras mecanicamente ordenhadas... Que a vai molhando nos mugidos da antemanhã para amanhã e depois... Sim: sempre na roda dos amanhãs, nas cavilosidades do futuro... Esperança clonada para lamber as feridas de nossa vida esperançada. LA 10/003
Manhã Chorona
Veja, se você telefonasse, eu abriria um túnel no vento e, com a chuva na face, eu chegava num momento ( com um jeito de picolé ), chegava até você.
Você veria: meu sorriso lhe diria ( com a minha alegria ) que não importa a chuva fria nem o mugido nevoento do vento — sim: você, convencida, veria, num gostoso sem porquê, que eu estar com você me é o melhor desta vida.
Mas não, você não telefona... E esta manhã chorona vai fria por mim lá dentro, fria e fina, beliscada pelo vento... Fria como alegria do avesso... E eu sabendo que podia ( desde o começo ) ter você como intento e terapia. LA 10/003
De Mais
Não tenho nada nem ninguémpor este mundo de assombrações terríveis. Sim, além da ilusão de ter um pouco do seu amor, não tenho nada, nem mão que me ofereça nenhum licor na caminhada.
Quando nos encontramos, no ar, num dos fios da grande teia — então tenho a ilusão de ter um pouco dessa iguaria de luxo comida pelos poros do sentir, lambida com a língua universal que nos encasula o sonho de não sermos tão sós.
Logo ao lado desse fio, procuramos paredes que nos vejam conversar as emoções da carne na alquimia dos hormônios — dos hormônios transerógenos dos delírios ancestrais.
Por vezes você fala naquele que a julga dele. No medo de sua mão matar-nos por nos darmos o prazer que de maneira alguma seria dele... Por comermos de parceria uma fatia do pão que a vida tem de mais, mas que, no caso, é uma receita de nós dois. LA 10/003
Terceirizações
Casaram apaixonados, mas logo terceirizaram o amor. Trocaram-se em X ( que nem pneus de carro ) com os vizinhos do sobrado. E não é que não deu certo? Quinze dias depois: quatro andarilhos — cada qual por um lado.
Aí foram instruídos por um jovem-sábio casal ( que não moravam sob mesmas telhas ) a fazerem sexo fast food — furunhamentos e sumimentos: comer e descomer e — na próxima refeição — mudar menu, acompanhante e restaurante. ............................................................................. Aí, sim, conseguiram não conseguir: nada surtiu efeito — coisíssima nenhuma deu certo. ................................................................................. Comemoraram a grande estilo. Sim, festejaram comendo amendoim. .................................................................................. Mas não desistiram — foram procurar Chinchaicum, filósofo-iluminado-zen, abeberado nos licores de Chimim, que após vinte e dois anos lhes revelou: “Podem partir, Irmãos, podem partir — deixem suas doações prometidas, e podem partir: nada mais há para aprenderem...” — Mas, Mestre, Santo Guru, ainda não aprendemos nada! — Por isso mesmo, Amados, — nada era tudo ( hi, hi, hi!...) o que deviam aprender. Estão prontos para a vida. Vão e passem para o mundo esse vinho do avesso mil vezes sacrossanto que de nós bebericaram ( hi, hi, hi!...). LA 10/003
Apenas Transeunte
Saída do vento, vestida de teu sonho roto — de que é que mais precisas, alma rebelde, além de seres transeunte?
Muitos de teus fantasmas já não mais te conhecem, nem aqueles diabos velhos, velhos e ridículos, que sempre te ameaçavam...
Os que esperam pelo fim do mundo devem estar com a cara de quem levantou a saia errada.... E toca arranjar sempre uma outra data... Muito sem-graça: seus espelhos os mostraram sem máscaras: o fim chegou-lhes, sim, lhes chegou a eles e não ao mundo, que prospera como o cão após a sarna.
Não poucos de seus amigos, rota princesa, se trumbicaram por aí — pilharam-empilharam demais da conta, inclusive adposidades, “oses”, “nóias”, e “ias”... Sim, não tiveram tempo de gozar o sonho roubado aos outros...
Dá graças a Deus, alma de vento, alma rebelde, alma andarilha. Alma gulosa de mentiras e vaidades. Gulosa das delícias dos enganos... Pelo menos não represaste a vida — deixaste-a fluir... Nem tuas mãos estão reféns de sangue... Nem da carniça coberta de jóias e panos raros... Nem já seguram o esterco deste mundo.
Saída do vento, vestida desse sonho podre, aonde vais assim, rota princesa, acaso vais dançar ao compasso das Sinfonias das Esferas? ........................................................................ Após o porre, minha amiga, segue em frente, e lembra sempre: És apenas transeunte dentro do Sonho que te sonha e quer-te um dia transcendida por ti mesma. LA 10/003
As Rosas São Eternas
Nosso Espraiado corre pontual: pouco, mas sempre. Corre tranqüilo, minha Rosa. Até aquela pinguela ( lembra? ) ainda existe ( em toda a sua adorável flexibilidade... ). Sempre refeita ( estico o olho e a vejo... ), pois dá o que lembrar... Há tantas décadas, já nos era uma máquina perfeita em alegres-aeróbios exercícios...
Por vezes eu a vejo, minha Amiga, na tenuta de um sorriso — congelo a imagem e a fico saboreando na memória... É por isso que as rosas são eternas e os espinhos apenas os seus servos.
Tudo se foi, minha Rosa, até os ventos já são outros... As tardes já não têm o gosto das amoras nem a boca suja de manga... Nem a camisa de bolinhas do arlequim já nos baralha os olhos de alegria... Tudo se foi, inclusive você, cara Menina... Sim: o que ainda teima são fiapos agarrados aos arbustos vergados sob um vento forte... .............................................................................. Mas quem pode roubar de nossa vida as delícias em flor da mocidade que saboreávamos no mesmo prato? LA 10/003
Amor Dos Bons
Amor assim barato, quase a preço de nada? Ah! Por essa bagatela só se ama no boato, ninguém mais se refestela. Por esse preço só couro de botina chutando o poste da esquina... ou camurça refugada.
Amor assim barato só no contrato de apaixonados ontens... Mas amor pós-moderno deixou de ser eterno.
Amor dos bons, coisa rica, botina de pelica — não é que custa caro, é pra quem pode ter o raro.
Saiba o senhor, doutor, também saiba a doutora que amor dos bons tem seu bom preço e virtual endereço. LA 10/003
Herança E Novo Rumo
De tudo o que nos pilharam o que é que mais nos dói? Certamente nossas perdas de induções culturais, inculcações ideológicas e biológicas — aquilo que a família, a sociedade e as leis nos disseram que era nosso... ................................................................... Os que conseguem sobreviver a tais logros sociais — esses conseguem transcender-se, reorganizar-se e restabelecer a rota sem capotar nessa traiçoeira, nessa terrível curva de ser-não-ser... Sim: restabelecer o rumo-sentido-finalidade que, através da vontade ( mais as três Pérolas do reino... ), agora imprimem à sua vida. A caminhada então é bem mais livre: entre sucumbir e vencer, pôde ser construída uma estrada interior de liberdade. Essa estrada ( de espelhos ) nos mostra quem diziam que éramos... e quem, agora, nos vemos na oficina de um hoje consciente de ser argila a remoldar-se e constelar-se. LA 10/003
Muitas Vezes Queremos...
Muitas vezes queremos que algo fosse —não aceitamos que não tenha sido... E nesse falso livro, nunca lido, folheamos uma história que dá coice...
É semelhante a disfarçar com a tosse algo que exagerou no sustenido... Ou que a gente pecou por não ter crido que aquilo era pecado: algo tão doce...
Queremos porque-sim: porque queremos que o não-sido nos fosse uma ventura maravilhosa e que jamais tivemos...
Que o não-sido nos fosse o acontecer de algo que, por não ser desde a procura, devesse acontecer sem nunca ser. LA 10/003
Há-Desavendo
“Eu nunca vou te esquecer...” Era isso que o amor tinha pra lhe dizer. Você ouviu, na hora não deu pra rir, nem xingar... e, amorável, o amor se foi. Sim, se foi para sempre — para sempre voltar. Para sempre voltar a fim de sempre poder ir.
Amor adora idas e vindas... Ou nunca terá sido amor. Amor adora brincar de não ser para ser disfarçadamente de verdade. E vive em cima do muro, sentado: com uma perna de cada lado — afagando vertigens com os dedões dos pés...
O curioso no amor é sempre ser o que não é. Ora amando-de-desamar, ora desamando-de-amar. E por ser como o tempo é que o amor é danado de bom: ora frio ora quente ora úmido ora aguado ou seco de doer...
Amor que esquece fácil, fácil se lembra. O melhor do amor, e aqui não paire dúvida nem disco voador: é o seu desamor, e não o seu chulé. Tenho dito? Não: tenho amado e desamado. LA 10/003 Rumo De Casa
Lá em não sermosé que nos dói o que nos falta. E é essa falta que temos de ir suprindo — até nos darmos ( por nossas mãos-de-Deus-em-nós ) a ôntica autonomia sendo identitário ser em sermos: senha sonhada e transonhada na palma da mão da vida — no sonho sempre ressoprado dentro do barro a constelar-se: a vida a essencializar degraus em nosso destino e rumo, rumo daquela Casa em nós. LA 10/03
Lenora Rediviva
Lenora, “nunca mais”? Ou sempre-sempre?... Quem poderá dizer, pobre Lenora, que a plumagem trevosa dessa hora não lhe permita a doce luz contemple?
Lenora, e nossos sonhos voando dentre a mocidade e o azul...? Onde, Lenora, foram parar tais sonhos cor de amora?... Ou “Nunca Mais” os grasna em negro ventre?
Sim: onde aquela treva crocitante encontrará repouso após o instante em que a esperança anula o “nunca mais”?
E quem não tremerá quando Lenora ressuscitar daquele escuro-outrora para o charme da luz sobre os vitrais? LA 10/003
Esquente Não
Não se incorpore,nem ore por breviário de guru ou vigário.
Suma, e apareça sempre outro: cresça. Cuidado com o amigo, idem com o inimigo.
Tudo o que é bom, amiga, não tem segunda via, nem a vida se rebobina. Aprendamos a extrair do umbigo orgasmos fungados com surdina — sem, pois, nenhum perigo nem suores de mais valia.
Ame, e faça sem medo: sem mais nenhum segredo. O mais são ululâncias de altas desimpotâncias. LA 10/003
Buchada Com Forró
E um bode tocará violinopara que a felicidade exista e o amor experimente, sim: deguste a desventura venturosa de saber que tem vivido incólume da realidade que tenta degolar seus sonhos ou mandá-los para a câmara de gás ( hoje: injeção letal ) — depois que um arlequim os faça rir: lembrar a sua infância e gargalhar.
Claro: um bode tocará violino até que lhe comam o bucho com cachaça acalentada com música de forró. Depois amor vai jogar bolinhas na corola dos lençóis. Mas, sim: ao outro dia enviará flores com um cartão lindíssimo — porque suas metáforas terão de dois a três sentidos, mas os três muito gentis.
Agora eu lhe agradeço por ter chegado até aqui... e antes que você vá por lá e eu por ali, acho bom lhe dizer que sim: que existem bodes que tocam violinos... e que o amor faz até curiosas traquinagens — muitas pessoas vivem juntas a vida inteira na ternura cinza tirante a bege de nunca se terem amado. Mas comem muita buchada, e tomam muita cachaça, e dançam muito forró — que a elite lhes prepara. LA 10/003
L2 E = --------- Q
Se ela tem um rostoque você não esquece, você vai ter que voltar lá e lhe dizer: Ou me ajuda a esquecer você ou me diz que seu me lembrar é bem mais que me lembrar... Então, sim: juntamos eu não poder esquecê-la com o seu mais que me lembrar — e teremos a equação:
L2 E = ---------, Q
onde: esquecer está para lembrar como lembrar para querer — se bem que em brincar de esquecer é que estão os méis de lembrar de esquecer. Sim, o coração tem equações que os matemáticos não resolvem. LA 10/003 Mais, Bem Mais Quilate
Reaja, cara, reaja. Sinta raiva, muita raiva — mas não se mate.
Sim, reaja, sinta raiva, tome mate — roa as unhas e pense que é chocolate, mas não se mate. Ou então tome seu mijo, seu mijo com solidão — mas matar-se, se mate não.
Sim, reaja, sinta raiva, chute o próprio tomate, ou a vagem, minha amiga, — mas matar-se, não se mate. Nada presta assim tão muito que lhe valha o matar-se.
Ah! Reaja, sinta raiva, tire as calças, pise em cima. Solte fogo pelos nove orifícios. Engula a seco ou com mate, — mas não se mate, que os amigos ririam e os inimigos fariam festa à bessa. Cê besta!...
Sim, reaja, sinta raiva, e arremate seus males com linha forte num coser de quem sabe que perder e ganhar são apenas ganhar-perder, perder-ganhar... Sim, cara, aprenda que ganhar e perder são dois grandes impostores culturais ( inculcados ) que têm o mesmo tamanho... O que a gente precisa é saber rir na hora certa, sim: gargalhar com precisão. Nada presta assim tão muito que a alguém lhe valha o matar-se.
Claro que o mundo bate, sim, ele bate. Engula a sua parte com Coca ou Mate, ou outro treco qualquer, mas não desate a vida do viver.
Reaja, cara, e dá com raiva na borda dessa xícara: tim-tim! Tome seu mate, mas matar-se, não se mate. A vida tem mais quilate do que o mundo nos late. LA 10/003
Apenas Além...
Vivendo e desaprendendo. Dialogando e se desentendendo. Conversando versões do avesso ( que tomou pouco sol e descorou bem menos... ). Morrevivendo a sorrir — e quanto mais, bem mais. Sim, porque as exceções são bem mais que exceções: são canções universais dizendo coisas num tom de flor e pedra.
Pra alguma coisa serve a má vontade — até para se travestir em cordialidade entre lobos & lobos ou lobos & cordeiros.
Pra alguma coisa serve a má vontade — aquela a cujos encontros a verdade não comparece, porque ninguém a convidou... e se se resvala nela, eis que vira pergunta, pergunta de seu Pilatos: “O que é a verdade?” — naquele tom relativizante de quem pretende estar além... Não além do bem e do mal: de modo algum. Apenas além de Deus e... do curso da vida. LA 10/003
O Que Fica
O que ficaé o que já não está — os tempos que mudaram ( e mudarão ) entre ficar e estar. O que fica é um olho que revê, um pensamento que redescobre, um vôo cuja sombra molha-se nas águas de haver um sonho no píncaro, bem lá no alto de já termos vivido nos penhascos cujas flores ( as que dizem nos amar ) adoram receber molhadas, molhadas de azuis abismos e possibilidades de quedas: sonhos estatelados sangrando na fronte, nos olhos, na boca...
O que fica é o que já não é — os tempos que mudaram ( e estão mudando na reciclagem de re-sonhá-los ) entre fazer-criar: a coisa sendo pensada sempre do outro lado de vê-la... e a vida com seus moldes — eternamente a remoldar-se: a vida com sua argila-ser no apaixonado empenho de constelar-se. LA 10/003 Sim: O Que Temos
Tempo engraçado. Café sem cafeína, cerveja sem álcool, creme sem colesterol, sexo sem genitálias ( na cibermaciez do espaço...). Amor todo embrulhado... sem uvas nem amoras.
Parece que a realidade se tornou tão nociva que prefere a metáfora: o espírito da coisa ao corpo que o carrega. Sim: a idéia à coisa. O vôo à ave ou suas penas... Tempo de prazer covarde.
Gordo/magro. Comer/não-comer. Pode-não-pode. Fome-zero (O): zero vazio — desfuncionalizado. Expectativas de vida. Aliás/aliás...
Um tempo mascarado: tempo-pré. Prazer a contrapelo — vinho tomado do avesso... Pão descomido antes de ser comido. Delícias de não provar. Felizes desventuras, ditosas infelicidades. Identidades fantasmas, fantasmas de realidade: realidade líquida...
Tempo de prazer constrangido. De verdades-mentiras ou mentiras-verdades torcendo pra não ser nada — contanto que verdadeiras...
Um tempo mascarado. Sim: com a máscara, o ser é esperança... Sem a máscara, é só o que é.
Um tempo doido, mas verdadeiro: pois é o que temos. LA 10/003
Deitaram Por Mim Dentro...
Deitaram por mim dentro joio e trigo, e verde e vasto me alastrei no vento... Vieram aves, granizo... e nem consigotransformar o que sinto em pensamento...
Cresceram juntos joio e trigo, trigo e joio, sim: cresceram mais que o intento de quem plantou quisera vê-los, digo: tê-los assim mimados pelo vento...
O vento que não sabe distinguir um de outro, nem o trilo da cintura da Glorinha peituda do Cleomir...
E se o vento não sabe quem plantou, como é que irei saber, ó criatura, — eu que nem nunca interessado estou? LA 10/003
Somos Poemas...
Somos poemas outra vez: tiziua compassar no arame do cercado o seu canto nervoso e saltitado — um canto que, talvez, ninguém nem viu...
Mas que é que importa se ninguém ouviu o que o bichinho nos deixou gravado no ar, em nós, no gesto perfilado do silêncio a guardar-lhe o último psiu...
Somos canção a ter no último verso a fraqueza que sonha com o inverso de si mesma e se torna fortaleza...
Somos contos que narram a certeza de que estamos bem rápido a passar por nosso dom: nosso fazer-criar. LA 10/003
Hás De Cruzar Sozinha...
Hás de cruzar sozinha a fria estradacom pinheiros arcados de nevasca... Sim: cruzarás passada por passada o frio da tua alma em cuja casca
abrigaste o sorrir que sobrenada emoções de um sentir sem uma lasca para a lareira... enquanto o vento masca a frágil relva num zurzir de espada...
Sim, pisarás o gelo que fizeste haver... até que, álgido, te creste o orgulho que semeava calafrios...
E pela via branca, a pés ciganos, encontrarás os filhos dos enganos que geraste com gestos os mais frios... LA 10/003
Como A Rosa...
Nosso amor, minha Amiga, será lindo para sempre — há de durar o sonho de uma rosa. Raro e precioso como a vida que aprendeu a contar... Feliz como nem ser preciso pensar nisso. Natural como respirar e ver. Alegre como um efeito dominó sem precisar de dominó nenhum. Encantado como a voz ecoando a si mesma. Sedutor como algo visto de muito longe... Como o mistério que nos dá provisões para suprir as nossas fomes. Abençoado como a gente crer em sê-lo. Belo como não precisar ser nada além do que é. Livre como quem mora em uma grei em que jamais se ouviu falar de liberdade... Saboroso como um licor que a gente cheira e beberica tentando virá-lo do outro lado... pra sentir, conhecer sua alma inteira no céu da boca... Infinito como não ter noção do tempo. E bom, bom como nem se lembrar de pensar em outro.
Nosso amor, minha Amiga, será lindo para sempre, e venturoso — como a rosa que não sabe. LA 10/003
“Coitado!”
Um dia a Bruta vem: deixa sem graçao rosto que, não tendo aonde se enfiar, finge serenamente nem notar os curiosos com olhos de cachaça...
“Era tão bom!”... “Que nada, uma desgraça de gênio!...” “Não concordo...” “Pra falar verdade: a esposa, sim, foi-lhe o pesar de uma vida entre o mérito e a chalaça...”
Entre tais arrazoados e delírios, a sala ganha um tom de saco cheio e arde em banho-maria a quatro círios...
E, assim, de arrazoado em arrazoado, o descujado goza, de permeio, de não ouvir que o chamam de “coitado!” LA 10/003
Disperso-Me...
Disperso-me no caos para ordenar-me: puxo farrapos do passado e os teço com outro tom e brilho, outro começo do que foi, com um pouco mais de charme...
Disperso-me por mim para encontrar-me de modo alternativo: um recomeço de um começo esquecido cujo preço pago em fótons de luz, mas sem alarme...
Disperso-me pra achar-me em diferentes... lá por degraus de mim, introvidentes, em criaturas-entes de mim mesmo.
Disperso-me pra ver-me além de mim... e refazer a estrada do meu esmo: o meu caminho, com sentido e fim. LA 10/003
Cascata
No final eu lhe digo, caro amigo, por que começo assim, tão desleixado, este antiassunto: bolo mal-assado que eis... já é deglutido pelo umbigo
de uma conversa com sabor de trigo, de trigo não: churrasco bem-passado, empurrado com suco, um tanto aguado, mostrando, em seu avesso, vitiligo...
Tudo isso mais as pernas da Meroca fazendo a festa pra dezenas de olhos, enquanto se ouve arrebentar pipoca...
Pernas são e serão divinos molhos pra alegrar o pão seco do viver... Perdão! Já não sei mais o que dizer. LA 10/003
Ousar
Ousar saber, querer, fazer, criar, (calar).
Ousar é atravessar sem rede... Ganhar-se em transcender-se
Não ousar é perder-se... É não ter dado o salto do eu pra Si LA 10/003
Sacada De Neônio
Querer o que você não quer fora quebrar na boca uvas verdes — sim, porque só se você quisesse vindimar com mãos de luar é que as uvas haveriam de estar doces e dar um saboroso vinho.
De que me adianta decifrar seus sonhos se não me incluo neles? Respirar sua beleza, se me é sempre virada do lado de seus espinhos?
Como posso regar minha esperança com o orvalho dos seus olhos se neles sempre faz um tempo longinquamente cor de feno e de uma estiagem que faz doer o horizonte?
Entre a sacada de neônio e a calçada de chão escuro, caem estrelas de um céu que seus olhos nunca viram — porque não são de ver com os olhos que só sabem ver de fora, só do lado de fora do coração. LA 10/003
Escrevivendo
Escreves para sonhar, e sonhas para viver, sim: viver o que o mundo sempre tentou te negar.
Sonado pelo Verbo, hás de subir pelos degraus da luz que é Deus em ti... Pelo Deus que te é subirás pela Árvore do teu ser: te colherás em entes outros por veredas de tempos de que nem mais sabias... Mas te verás em rastros teus na confluência de todos os agoras — filhos daqueles tempos em que te embrionaste em luz e azul...
Escrevivendo e sonhando, pela fé já terás chegado ao porto onde te espera o bem que tu sabias te viria das mãos de Deus: pela calha do teu amá-Lo. Bendito aquele que troca a possibilidade pelo crer que é possível... Este viverá o seu sonho como quem respira e vê. LA 10/003
Do Avesso E Do Direito
Amor e desamor formam o avesso e o direito do nosso estar no mundo.
Inacabados e incompletos, buscamos um sentido para a nossa existência — demarcada por angústias, medos: eternas lutas e fantasmas que, mal pisamos o mundo, já começam a nos correr atrás...
Amor e desamor têm o combustível exato para botar o mundo do avesso e do direito e do direito e do avesso. Simplificando: botar o mundo em chamas. LA 10/003
Será Que...
Se por dentro do meu sonhoeu chegasse até ela, debaixo dessa chuva fria — será que me abriria a porta empurrando a folhagem morta?
Será que me tiraria desta friagem sombria e me daria um poucochinho de lã do seu afeto nesta fria manhã sem sol, sem pássaro nem inseto?
Telefono e telefono, ninguém atende. Por isso é que pergunto ao vento se esse meu sonhamento encontraria abrigo ou ao menos o sorriso amigo e o calor de suas mãos ( talvez sozinhas ) — mãos que já conversaram com as minhas. LA 11/003
Bobismo
Ser bobo é coisa triste, mas fazer-se de bobo deve ser a maior delícia — com direito a pré-e-pós-bobagens com fatias de asneiras, veleidades crocantes e patês de ingenuidades.
Tal bobismo e autobobismo é algo tão velho-novo assim como botar chifres ou portá-los risonhamente — validade a toda a prova, ou melhor: atemporal.
Ser bobo é coisa triste, mas fazer-se de bobo sempre foi grande negócio ( e também grande tesão... ), além de escudo e proteção — livra-nos do tirano ( do feroz arrogante ) e ainda o faz gargalhar ( sem que o saiba ) do avesso: isto é, de si mesmo. Pois é. LA 11/003
Pindaíba
Ando numa pindaíba afetiva, que aceito espinhos por rosas... Ah, se você, minha Rosa, não me negasse colher umas duas ou três pétalas... eu — correndo — as colheria.
Ando numa pindaíba de consolos, minha amiga, que, — não sendo socorrido —, só trepando em macauveira... Muito espinho pra nenhuma bromélia, não é mesmo?
Sem nenhuma chantagem, minha cara, — é que ando lambendo embira... Nenhum chilique ou tremelique... e isso faz liques e meliques... Sim, faz tempo de doer. Uma dor aqui em riba... Ou você vem e me tira dessa fome-pindaíba, ou me morro de não ter... Só duas ou três pétalas, vá! minha Rosa. Que falta isso faria para quem tem toda inteira uma baita de uma roseira? LA 11/003
Confluências
Insubstancial e onipresente é o sonho da rosa a perfumar o tempo, o tempo que a sustenta eternamente em confluências desse mesmo sonhamento...
O tempo em seu eterno movimento, puxando o fio do ontem ao presente e este construindo a estrada à sua frente — rodas por dentro de si mesmas, como o vento...
O tempo perfumado de existência e o ser a lhe emprestar a sua essência — o Ser e o Tempo se contando história...
E a Rosa despetala seus lavores sobre o Espaço, apoiado na memória do Tempo em suas sagas interiores. LA 11/003
Fim De Tarde
Triste como bailarina obesa, a tarde empalidece, o olho arregalado e pasmo... A realidade parece congelar-se na bandeja de prata escura do instante: sorriso de luz agoniando entre sombras... Um vento de bafo quente enrodilha, abraça, cava veredas no ar... ................................................................................... Uma calma esgarçando-se... Nenhum cicio ou trilo ou ruído: um silêncio assustado desdizendo iluminuras no horizonte... O olho da paisagem se fechando se fechando se fechan... deixando fora de sua pálpebra as linhas entrecruzadas do neônio... LA 11/003
Natural-Normal
Falar mal da coisa, falar e refalar mal da coisa a cada dia — vai tornando-a natural, normal, vai tornando-a interativa, coexistente e aceitável: algo que deve com/viver.
Os espaços acima da prateleira social conhecem de sobejo essa estratégia: falar de um mal como quem quer extirpá-lo... falar mal ( de modo abstrato: geral ) dos que ocupam nichos elitizantes, divas aras, — apontar as desigualdades é dizer, ou melhor, dizer lá no sub... de quem as sofre que espere só um pouco: as coisas já estão mudando... Aliás, um “bom programa humorístico” fazendo esse serviço é o que há de mais eficaz — o riso descentraliza a pessoa, fá-la perder a guarda... E tudo vai virando sim-não ou coisa-nada... e o objeto do riso, natural-normal: um sem-razão saboroso, com dia e hora marcados... É a elite a serviço da elite.
E assim vira coisa tranqüila, vira coisa-mais-que-normal o topo jogar cascas de batata montanha abaixo...
Enquanto isto, nas fraldas da montanha, há uma disputa encarniçada pra ver quem pega mais rebotalhos de batatas... ........................................................... Ao vencedor — as cascas mais grossas. LA 11/003
A Passos Apressados
Veja: o vento arrancou punhados e punhados de folhas — deixou as árvores crispadas. A paisagem é sombria e fria, quebradiça, e o sol hoje não rompeu.
A única luz que tenho é a de lembrar você — e que faço virar lume a me aquecer a alma e as mãos.
Não fosse a luz do seu sorriso a caminhar comigo ( lá em lembrar você ), agora só teria esse gorgolejar do riacho e essa bruma envolvendo a ele e a mim.
Sim, não tivesse o sol de lembrar o seu rosto e o som de prata fina de sua voz — eu só teria o vento, só o vento enquanto sigo... E veja como é forte, como é frio o vento pelo meu rosto, por minhas mãos sem luvas, pelo apressado dos meus passos a me levar a sua casa, onde talvez você me diga: “Nossa! Como estão frias suas mãos... Sente aqui. Antes de tudo, vamos fazer um cafezinho, bem fumegante e forte. Para esquentar a alma? Não! Esta sabemos esquentar... Para esquentar as nossas mãos. Para aquecer sua visita.” LA 11/003
De Eu A Nós
A arte é um modo de você dizer que atravessou a ponte de si mesmo e ultrapassou-se, transcendeu: a si, seu meio e vive em toda parte — agora a via-andante de si mesmo: o sonho aberto em flor pela ( palavra? ), pelas veredas ( do livro? ), pelos corrimãos da luz a nos levar por estações lá no por dentro ( em nós ) de palmilhar a estrada em nós que aponta para aquela Casa, aquela Casa em nós aonde havemos de chegar — chegar por uma nave-sonho-nós que já partiu na frente e já chegou: e é porto em águas de nós-outros — nostos chegado em terras lá em nós, sonho-sonhando o sonho que nos sonha em Sonho-Pai-e-Mãe em nós... ............................................................................................ O sonho que borbulha no contar e recontar dessa aventura-sempre de compreender e de explicar no fogo reaceso e repassado: tão-logo repassado, — reaceso, e alimentado pelas provisões de existir o mistério.
Sim: a arte é um modo de já ter chegado a não se precisar chegar a parte alguma... Um salto de eu a nós. Um modo de saber que o sonho foi na frente e constrói no aqui-agora. LA 11/003
E Foi Assim...
Uma vez me disseram que era assim, assim que deveríamos viver — que o viver era assim como o alfenim: bater as claras é que o faz crescer...
Uma vez me ensinaram que era assim, assim que deveríamos fazer — que a colherinha de comer pudim há de unir niquelado com prazer...
De tanto me ensinar em como era, acabei não lembrando de lembrar em lembrar que já era primavera...
E foi assim, quase do meio ao fim, que já fui aprendendo a musicar os flatos e os sapatos do arlequim. LA 11/003
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