HOJE É O QUE TEMOS
Laerte Antonio
Textos 03
A velhinha era safada.
Sim, daquelas tais —
guerra é guerra!
LA 01/007
Fez um elogio pra esposa:
Ah, meu bem, não consigo
olhar pra outra mulher
sem me lembrar de você!
LA 01/007
Nada contra.
A mulher que finge orgasmos
é muito generosa —
já que há muitas e muitas
que nem isso fazem.
LA 01/007
Pela amostra da Globo,
Carnaval, este ano,
vai ter bundas menos carnudas —
no ponto,
isto é:
aquelas que cabem nas mãos.
LA 01/007
Passou pela Daspu
e trouxe uns paninhos invisíveis
pra cobrir o jardim
de sua nega.
LA 01/007
Tio Freud me contou
que a mulherada quer
dominar umas às outras
pra ficar
com tudo o que é homem —
e ter orgasmos com gosto
de chicle de bolas
e chiliques de princesas.
LA 01/007
176 balas perdidas em 2006
no Rio
atingiram homens, mulheres
e crianças.
176 as que contaram,
as outras ninguém sabe,
ninguém viu.
LA 01/007
Educação neste país
é algo tão pouco e porco,
que o povo deveria
exigir dos manda-impostos
uma atitude do avesso e contrário
do que ulula a realidade.
LA 01/007
A saúde deste país
está igualmente
tão pouca e porca,
que o povo deveria
exigir dos barbacenas
mais e mais em tudo
e em todos os quesitos
estatutários.
LA 01/007
Cada povo tem o governo que merece
ou cada povo tem do governo
o que este lhe oferece?
LA 01/007
E viva o desexercício
da nossa cidadania!
Um dia a gente chega lá...
Lá é bom,
agradável aos políticos —
porque é um lugar-tempo
que não existe.
A gente chega lá.
LA 01/007
André me disse
que fez doutorado de seus erros
na Universidade da Vida,
e que valeu —
hoje acerta como errava
e erra como acertava...
Mas com os erros
começou a aprender
que assim tem dois mestres —
o que pensava ser acerto
e o que julgava ser erro.
Resultado:
duplo aprendizado —
seu aprender ganhou novos ângulos.
LA 01/007
Os bancos
são como as bacantes gregas —
serviam como a deuses,
mas apenas os que tinham
saquitéis reluzentes.
LA 01/007
De repente,
bem mais que de repente,
foi implacável
a esposa do André:
Ou eu,
ou minha irmã,
ou a empregada, meu querido!
Lhe dou exatos três minutos
para a escolha.
Silêncio...
Estresse...
Angústia...
Calmo. Senhor de si,
André escolheu a sogra —
que sempre morou na casa.
LA 01/007
— Conhece Laura?
— A gente se molhou bastante.
LA 01/007
— E aquela Marilda?...
— Não dá mais.
— Casou?
— Morreu.
LA 01/007
— E Zenilda?
— Em plena rotação
e translação.
LA 01/007
Era bela e sensual.
O chefe cobria-a de elogios,
presentes e licenças...
anos e anos a fio.
Comentava-se na empresa
que se tratava
de chiliques petrarquianos.
Já com o jardineiro
sempre foi generosa —
orvalhadamente hormonal
com tórridos fins de semana.
LA 01/007
Sim:
prudência, canja de galinha
e algum no bolso
não fazem mal pra ninguém —
desde que a galinha
não tenha o vírus
da gripe aviária...
e o tal dinheiro
não esteja com a série
registrada na polícia.
LA 01/007
Se a voz do povo fosse a voz de Deus,
seríamos no mínimo
um outro povo.
LA 01/007
Quanto maior a árvore,
maior o tombo —
e muita lenha
pra qualquer caminhãozinho.
LA 01/007
Em vez do amigo vir à sua casa,
vá à dele,
que ele pára de vistá-lo.
LA 01/007
Amigo é bom
pra beber,
jogar,
falar bobagens,
ir pescar,
avaliar ( não: já não o fazem ).
Daí para trazê-lo a tua casa,
ô cara!
a diferença é a mesma
entre ver bicho na telinha
e na floresta.
LA 01/007
— O luluzinho da madame
nem precisa ser bonito
quando as pernas dela são adoráveis,
não é mesmo, padre?
— Desculpe, André, eu tô pensando aqui
em como vou fazer a Festa do Desterro...
LA 01/007
Médicos (desta vez chineses )
trocam peças novas por velhas
nos hospitais —
pra ganhar uns trocados
e favores.
Se você é pobre,
tome cuidado
com suas peças.
Sucateiam você e fazem
sucatas de luxo andar.
LA 01/007
Por vezes sinto saudade
do que eu gostaria de ter vivido
e só o fiz em sonhos.
Mas se pude viver em sonhos
o que a vida me negou na sua sala,
de jeito algum deixei de viver
o que a vida me negou —
apenas vivi além:
o sonho-mais da vida,
fora do seu salão de festa.
LA 01/007
Rosa era graça entreaberta,
luz fresca a pintar o ar de azul.
Gesto de colibri
sorvendo o ouro da manhã.
Jeito de brisa
correndo sobre as águas...
Rosa era isto: Rosa.
Tão frágil, tão menina,
tão crocante na haste da vida...
Eu menino a abraçava
com infinita ternura,
beijava-a leve leve...
Não podia desfolhá-la
porque não era minha
nem de ninguém:
sim, Rosa era só uma rosa.
Um dia me descuidei
e veio o ventomoço
e a levou —
deixou sobre a grama
a sua maquiagem,
chorou-se toda-inteira
e se foi para sempre —
sua alma se foi com moçovento
pra tão longe e sempre
que Deus nunca que contou
pra ninguém.
LA 01/007
Urubu,
bicho feio de perto,
de longe vira príncipe
com o maior manto azul do mundo
nas costas.
LA 01/007
Quem não chora não mama.
Conforme a teta
não dá mesmo coragem de chorar.
LA 01/007
A imposta majestade
fez muitos reis.
Pobre da gente pobre
que os teve!
LA 01/007
Entre a chibata e a lei
está o lombo do pobre.
LA 01/007
Esquartejar um homem,
espetar sua cabeça num poste
e espalhar seus pedaços pela estrada —
não é isto praticar o terrorismo,
um terrorismo desbragado e tão hediondo?
Pois é.
O terrorismo tem a idade do homem.
LA 01/007
Marina era fresca como as manhãs de maio.
Uma loucura de simetria.
Uma bromélia carnudinha,
paparicada
por colibris e borboletas...
Seus peitinhos bicavam o vestido.
Quando mudei do Largo
ela devia ter uns onze anos.
Nunca mais a vi. Mas a sua figura
ficou esvoaçando-me,
sim, para sempre esvoaçando-me.
LA 01/007
Rosa,
uma lembrança quentinha,
um jardim, um sorriso.
Rosa ficou em mim pra sempre —
uma pétala caindo...
LA 01/007
Há Quanto Tempo...
Há quanto tempo entre a palavra
e o que preciso dizer! —
muito mais para mim
que pra você,
que nem me lê.
Há quanto tempo aqui
no haver esta sala
mando e-mails pra mim
para o outro lado das águas
sobre as quais eu caminho!
Há quanto tempo cheguei
em pensamento
e aqui me espero
numa nave que traga
o meu corpo e bagagem!
Há quanto tempo me encontro
entre essa luz que ora me encanta
e com certeza me vem
dos sonhos que o universo
já viveu faz bem mais tempo!
LA 01/007
Entre a palavra e o outro
os cactos podem florescer
e a solidão
apaga o seu rastro sobre a areia
LA 01/007
Seu rabo de cavalo
chicoteava-lhe o pescoço
enquanto ela corria
( colibri-potra-andorinha-brisa )
entre o verde relinchante dos pinheiros...
LA 01/007
A caminho
do cemitério de elefantes,
me esforço com alegria
por ir abrindo mão do mundo,
me livrando dos seus visgos-enganos
e finalmente de mim —
isso enquanto aprendo a rir.
A rir,
não de mim nem de ninguém:
um rir intrasitivo.
LA 01/007
— O mundo vai acabar.
— Ah, é?
— Pastor falou que tá no fim finzinho.
— Ah, é?
— Pastor jurou que não demora.
— Ah, é?
— Vai acabar por causa da pouca vergonha.
— Ah, é?
— Também por causa da maldade
e da injustiça.
— Ah, é?
— Pastor asseverou que Deus
leva com Ele os bons,
joga no fogo os maus.
— Ah, é?
— Pastor deu graças pelo fim do mundo,
assim a gente vai tudo pro céu.
— Ah, é?
LA 01/007
A sociedade que se nivela por baixo
torna-se, a curto prazo, marginal —
com príncipes a lhe jogar barro
na cara
com seus fonfonzinhos de ouro e prata,
cheios de xotas de diamantes.
LA 01/007
O Estado brasileiro não cabe no seu PIB.
Tão culpando a Previdência! Faz tempo.
Manjou o bicho que vai sair desse mato?...
LA 01/007
Não basta ter duas pernas
e um jardinzinho ao meio,
é preciso que os fluidos
se engrenem.
LA 01/007
A empregada tinha um piercing,
mas tão engraçadinho,
que seu patrão ( viúvo )
brincava com a língua
o dia inteiro.
LA 01/007
Era tanto pedigree,
que seus dedos e furos inflamavam
se as jóias e assemelhados
não fossem de real grife.
Um dia, por uma fatalidade —
dessas que descem do além,
num de seus giros pelo mundo,
foi estuprada
por um marujo bêbado
e fedido como um gambá.
E ( pasmem! ) deu-se o milagre:
daí por diante
nunca mais em sua vida
em circunstância e forma alguma
lhe inflamou coisa nenhuma.
Sim: uma espécie de vacina.
LA 01/007
Terra e céu, terra e céu...
terra e céu, terra e céu... —
o cara viajava eternamente,
ia e vinha aero/dinamica/mente
agarrado em cada lado
das ancas
macias, brancas
da namorada
ajoelhada sobre o verde
enluarado
do campinho de futebol.
Viajavam pensando
que não havia ninguém
do outro lado
fazendo a mesma coisa —
devagar, devagarinho.
LA 01/007
Com a literatura e poesia
consegui manter-me vivo
nos dias maus
e atravessar o escuro
de alguns túneis da minha vida.
Lendo e escrevendo,
livrei-me de muitas armadilhas
do mundo
e de mim mesmo.
Pude mudar, pela vontade,
muita coisa do meu destino.
Pude livrar-me
de ser pensado e sonhado
pelo mundo.
Além do que, aliás,
ler-escrever
sempre me deu muita alegria,
que é força.
LA 01/007
Cascas Vazias
Quando menino
olhava demoradamente
as cascas vazias de cigarras
agarradas às árvores do quintal.
Aquilo nelas que cantava
e que fazia amor devagarinho...
já não estava.
Eram bonitas ( eu pensava ),
tão bonitas...
E, olhando suas cascas rachadas nas costas,
eu me perguntava encantado
e doendo lá em mim:
Seu canto
e as suas asas bordadas
para onde eles foram?
Aí ( dentro desse silêncio )
eu sentia a poesia
que há na vida por existir a morte
e que há na morte
por existir a vida.
E eu percebia de lado
que vida e morte
é um mais além
em forma de brinquedo
( que foi dado a nós-crianças ):
sim, as duas um só brinquedo,
uma só brincadeira
( cósmica )
de mostra-esconde, mostra-esconde...
Brincadeira que dói e encanta,
e tanto,
que a gente tem que brincar
( isto é: cantar-chorar )
do melhor jeito que puder —
mesmo porque estamos reféns
desse auto-engano —
longe daquele doce canto:
a deliciosa inconsciência
das cigarras.
LA 01/007
— Tem visto a Inês, Marli?
— Não, e já faz tempo.
— Então não soube do escândalo, menina?!
— Não. Pode contar.
— A Inês deu a maior sova na Odila
( a Odila do Décio, o fazendeiro... )
porque esta, na saída da pizzaria,
beijou o namorado dela
no rosto e na boca.
Um Deus nos acuda.
Foi punhados de cabelos de cá,
chutes e dentadas
de lá,
unhas cortantes dos dois lados,
até que a Inês meteu a boca
num dos peitos da Odila — e... mastigou!
Meniiiiina! um caso pra Pitanguy...
.........................................................................
— É, Marilda... o que é que nós não fazemos
por um pinto de grife!?
LA 01/007
Pra fazer bem uma coisa,
comece com o pé direito
( ou com o esquerdo ),
contanto que não escorregue —
que pise direito.
LA 01/007
Naquela noite fria,
transida de chuva fina,
me acheguei tímido
à tua casinhola...
e tu me agasalhaste,
minha nega,
a noite inteira!
Quem dá ao desabrigado
dá a si mesma.
LA 01/007
Toda confeccionada em couro de anta
( um assunto para o IBAMA ),
a MOS-PPE
( Mochila-Sutiã
Para Peitos Exuberantes ),
já sucesso em meio mundo,
é produzida — para nosso orgulho —
pelos índios ( prata da casa )
da tribo dos Quelomamá.
LA 01/007
O poeta é uma espécie
de intérprete público
da realidade.
Quando diz “eu”,
está dizendo “nós”.
O poeta é o espelho
do leitor.
Por isso mesmo é que certa
categoria de homens
tem mais é que detestar
a poesia.
LA 01/007
Quando vejo na coisa a coisa,
é porque a poesia em mim
anda doente.
Então, como o cachorro,
me aquieto... deitado,
deitado lá em mim
até sarar
pelo jejum das coisas.
Depois volto a escrever —
depois que as coisas
não se parecem mais com elas mesmas...
Torno a ver a alma das coisas
por um ver de lado o que está de frente...
ou por detrás o que está de lado —
por um saber que sobe aos ombros do saber...
Aí sei que estou poesia,
isto é, que vejo as coisas
em seu vôo no espaço-tempo.
LA 01/007
Futilidade angustiante,
essa que devora a sociedade
que a busca afugentar
com veleidades maiores.
Nosso início de século
ou milênio
parece que perdeu a aparelhagem
( interior ) que lhe dava rumo.
Nosso relacionamento perde
a cada dia o encanto
de conhecer o outro —
o sentido de caminharmos juntos.
Chegou ( para muitos ) o tempo
de os homens não adorarem,
nem no monte nem no templo,
mas no coração,
porque Deus é espírito e verdade
e assim importa
que Ele seja adorado:
em espírito e verdade.
Na sociedade dos poetas mortos
fugiremos por nós dentro
e nos refugiamos na noite
sob pontes e bosques
para lermos ( escondidos ) uns aos outros
o sentido,
a lucidez que há em sermos loucos.
LA 01/007
Belo, magnífico sentir e ver
aqueles dois homens a caminhar
com Cristo já ressuscitado
( sem que eles soubessem
nem o reconhecessem )
pela estrada de Emaús.
Seus olhos, desenganados,
só O viram,
sim, só O reconheceram
pelo modo
de Ele partir o pão...
....................................................
Comeram juntos maravilhados,
e logo que Ele se vai,
um dos homens diz ao outro:
Enquanto Ele nos falava pelo caminho
ensinando-nos a respeito da Escritura
sentíamos arder o nosso peito...
LA 01/007
Rosa era linda,
fofa,
esplêndida —
de uma ternura ciclâmen
que fazia arrulhar endorfinas
e patinar neurônios...
Sim, Rosa era um queimor:
cabeça, tronco, membros
e mucosas.
Os dedos floresciam
só de vê-la ou imaginá-la,
e quando dedilhada sobre os lençóis
virava um mundo de pétalas,
sim, pétalas que murmuravam
em rotação, translação e elipses
e suspiravam coisas
de bichinhos virtuais.
Rosa tinha o cheiro morno
daquelas vinhas
de Cânticos dos Cânticos.
Sim, Rosa era um jardim inteiro
tão belo quanto sempre chovido.
LA 01/007
Tive muitos amigos
que me diziam estar em busca
da perfeição.
Que molecagem!
Nenhum deles percebia
que, se um dia a atingisse,
estaria roubado —
sem futuro,
melhor: sem ter aonde chegar.
O homem não precisa de perfeição,
mas de acordar de si mesmo.
Sim, na parábola do Éden
acordou para fora de si...
Agora há de fazê-lo
para dentro de Deus nele.
LA 01/007
— Eu sempre te tratei como irmã,
Marina,
sempre te respeitei,
sempre...
— Pois não devia...
não devia, André.
Tudo tem sua hora —
depois evapora.
LA 01/007
Na mocidade,
tive um amigo zen —
calmo, tranqüilo, atlético.
Sobretudo sereno.
Tipo capaz de perdoar sorrindo
um crocodilo,
uma onça, a um bandido
que lhe triturasse a irmãzinha,
ou o pai
ou a mãe.
O perdão,
a serenidade,
o autodomínio em pessoa.
Lembro que certa noite
teve uma dor aguda
e no outro dia
lhe estavam tirando o apêndice...
Deu um show,
precisaram amarrá-lo
para a anestesia
sob berros de “não quero morrer,
não quero morrer, não quero...
..........................................................”
Logo veio pra casa,
e não menos que logo
estava bom: reassumira
seu jeito zen.
LA 01/007
Auto-Homenagem
Hoje, levantei-me pródigo —
prestei-me uma auto-homenagem:
agraciei-me com o título
de Barrão do Espraiado.
( Olhem: é barrão com dois “rr”,
e não barão. Isto em virtude
de ter havido aqui muito barro...)
Por se tratar de um título
nobili... isto é, plebiárquico,
presumo casa-branquense algum
ficará com inveja
e por isso não se oporá.
Assinado:
Laerte Antônio,
Barrão do Espraiado
LA 28/01/007
Hoje é o que temos.
Hoje é o dia
que o Senhor fez —
de Suas mãos
o colhemos.
Alegremo-nos nele.
Sim, a alegria
nos seja o nexo,
o sentido da vida.
A alegria,
que não precisa
de motivo —
porque é graça,
é ser a ser-se
em sonho-mais —
é aquele além
lá entre o bem
e o mal:
aquele mais
no Sonho-Quem
em nós.
Hoje é o que temos.
Agindo nele,
remoldamos o passado
e plasmamos o futuro —
pelo querer,
pelo ousar
no hoje-agora.
A palavra no hoje
redime o ontem
e favorece
o agora e o amanhã.
No que é bom para nós
e ruim pra ninguém —
vivamos, saboreemos nosso dia!
LA 01/007
Se digo,
sobrevivo,
não ao tempo —
mas a mim mesmo
pelo tempo.
Se digo,
me sobrevivo
pela palavra
a organizar-me
o caos em cosmos,
o andar por sobre as águas
enquanto ajudo o amor a pescar
peixes que há
e os que não há.
Dizer
para sobreviver
ao desamor do amor —
a sua flor mais bela
e ciosamente cultivada.
A seus assíduos enganos,
tão belos,
tão belos quanto humanos.
E pé na estrada,
que os bárbaros vêm vindo,
os bárbaros vêm vindo!
Agora precisamos,
não de dizer, mas correr:
correr para sobreviver.
LA 01/007
Mais profecias
e mais apocalipses.
Falta de papá e água.
Seca e fome
para bilhões,
em decorrência
daquele tal de efeito estufa,
que vai bronzear ainda mais
aqueles bumbunzinhos,
deixando-os parecidos
com uvas azulonas...
E crocantes,
crocantes como pão francês.
E saborosos,
saborosos como ravióli.
Sim, como vocês já sabiam,
todas as coisas
têm o seu lado bom —
é só virá-las.
LA 30/01/007
O tal de efeito estufa
( segundo ambientalistas )
ajuntará mais brasas sobre a China,
a Europa e os Estados Unidos.
Engraçado, né? —
os três comandantes do momento.
Faz pensar.
LA 30/01/007
Não é só Madonna que capitaliza
nome e fama
a usar Jesus
como pano de fundo —
mas todos aqueles que não têm talento
para chegar à fama sem escândalos.
LA 01/007
Se um dia fores a Londres, minha rica,
não deixes de visitar-me
lá no ‘Pepino Erótico’ —
te espero insalivado.
LA 01/007
Pra você, minha Rosa,
não mando flores,
mas vasos.
LA 02/007
Quanto a você, Esmeralda,
lhe apresento o jovem Aurélio,
que é ourives.
LA 02/007
A solidão
é boa enquanto ateliê —
deserto que batiza a fogo.
LA 02/007
Bandidinhos de leite,
novos-novinhos
( um deles até de menor )
arrastaram um menino
( preso ao cinto de segurança )
por quilômetros e quilômetros
dentro da cidade do Rio.
Segundo testemunha,
um deles,
após o crime de lesa-humanidade,
ao ver a vítima em frangalhos,
usou seu fino humor:
“Parece Judas malhado...”
É!...
Pois é!...
É!...
LA 09/007
Se maldade não tem idade,
a punição correta
também não deve ter.
O momento que vivemos
é uma situação de exceção.
A exclusão social
está colhendo o que plantou.
De um lado,
os mamíferos de luxo —
a concentração da riqueza.
Do outro lado,
os empurrados para o lixo —
a repartição da miséria.
Ladrões e criminosos de grife
não são punidos nunca —
nas leis que eles-mesmos fazem
deixam brechas, túneis e portas
tal como em suas mansões...
E o pior: tais bandidos e bandidas
lecionam em tempo integral
a impunidade
e — com o farto material didático
de seus exemplos de vida —
hoje dão testemunho ( mais do que nunca )
de que o crime é o melhor negócio.
Sim, testemunham para aqueles
a quem negaram escola
e um lugar na vida
que o crime, o roubo, a perversidade compensam.
Aliás, tais mamíferos de luxo
e filhinhos da mamãe
ensinam aos pobres e miseráveis
os requintes da perversidade.
E são bons mestres —
seus alunos aprendem rápido
e por espelho sem nenhum enigma.
LA 09/ 02/007
Parece que no momento
cada bandido se esforça
por ser um mais cru
que o outro
na prática de seus hediondos.
LA 02/007
Já que são os filhos do povo
que matam os filhos do povo,
essa história de idade penal
bem que mereceria um referendo —
sim, um manifestar-se pelo voto.
Mas isso não bastaria —
é preciso mudar o modelo,
o modelo de sociedade.
LA 02/007
Recentemente, uma astronauta,
engenheira de vôo
( da NASA ),
raptou sua colega,
também astronauta,
para matá-la —
já que ambas disputavam
o mesmo homem:
o astronauta chefe da equipe.
Engraçado...
minha cachorra
também detesta cachorras
que lhe venham paquerar
seus machinhos.
LA 02/007
— Quem é o homem —
uma espécie de lobisomem
ou de lobo do homem?
— Não sei, padre, não sei,
mas isso é bem antigo:
“Homo lupus hominis.”
— E também em espécie, caro André:
“Sacerdos lupus sacerdotis”.
LA 02/007
Um escriba
é o que liba
o vinho diário
de sua vinha
de palavras.
O escriba é alguém
que sempre-sempre
vai existir —
graças à sede
desse licor,
licor cósmico
do Verbo.
LA 02/007
O sono,
essa trégua da vida,
está a me empurrar
para a cama.
Boa-noite.
LA 02/007
Trabalhar,
estudar,
disciplinar-se,
organizar-se,
persistir —
isto é para bobos?
A sociedade
faz parecer que sim.
LA 02/007
O mundo? Sifu o mundo!
com seu jeitão furibundo.
LA 02/007
Rio de Janeiro
é mais, bem mais que um sonho.
O avesso desse sonho
são os seus arredores.
Essa dicotomia
( hilária até )
gerou uma loucura.
Uma loucura vívida,
demais da conta vívida.
LA 02/007
Sexo é bom,
mas... sexo é por demais bom.
LA 02/007
Melhor que sexo,
só mais sexo.
Melhor que isso,
só um pouquinho mais.
LA 02/007
O maior perigo do homem
será sempre o seu pinto.
LA 02/007
A subjetividade,
como o Universo,
está em expansão.
Tentar segurá-la
é abraçar-se com explosões.
LA 02/007
Em aparência
tudo pode estagnar-se,
menos a consciência.
E podemos notar
entre os desvãos do tempo
( viver é bom por isso )
a consciência coletiva
mudando...
Sim: podemos vê-la mudando.
E não há armas nucleares
nem odres tão reforçados
que segurem esse vinho novo.
Isso é reconfortante
e faz toda a diferença —
ou seja, podemos até crer
que o ser humano tem jeito.
LA 02/007
O Sonhável
é aquela parte possível
e impossível das coisas —
faz haver a esperança.
LA 02/007
Sentir pena de si mesmo
é limitar-se —
pedir ao inimigo
que ore por você.
LA 02/007
Agora,
só pensava em mulheres.
Também fizera todo o seminário
( até às portas da ordenação )
pensando ter dado um nó górdio
no desejo.
LA 02/007
Dos bichos à nossa volta
em geral nos livramos.
Dos que trazemos em nós dentro
só nos livramos
com ajuda e discernimento.
LA 02/007
Sabermo-nos doentes
é o primeiro passo para a cura.
Cura que será proporcional
à nossa maior ou menor presteza
em buscarmos ajuda.
LA 02/007
Quase sempre evitamos
um cara a cara com nós mesmos —
porque isso dói.
Mas uma hora temos de fazê-lo
pra transformarmos o auto-estorvo
em realização.
LA 02/007
A Palavra lava,
flui como a água viva
por alma-coração
e irriga e cura
toda a angustura
que nos usura
o ver amplo e sem ângulos —
o viver que preenche
nossa falta de ser.
LA 02/007
Fez tanto doce,
que o pretendente
de há muitos anos
enveredou-se para outra
mais bonita e mais moça.
Quando soube, ligou brava:
“Homem não presta meeeeeeessssssmo!!!...
Você já me esqueceu, André?!
Teve a coragem
de me esquecer?!!”
E ouviu:
“Esqueci não, Fulana,
esqueci não. Quando Esmeralda
me torce com aquela chave inglesa...
vezenquando ainda lembro de você”.
LA 02/007
É isso aí, minha nega.
Nada como o amor
quentinho,
crocante —
servido fumegando.
O mais...
não liga não,
é pão amanhecido
com água.
LA 02/007
Forquilha tem que ser ajeitada,
senão machuca o pé.
Quem já chupou jabuticaba sabe.
LA 02/007
Era tão sério,
que fazia os tolos rirem.
Tolos?!
Sim: perdiam seu tempo rindo —
que é uma maneira
de aplaudir do avesso.
LA 02/007
Por vezes somos tão egoístas
que nos sentimos um monte
( de merda não ): um Everest.
Mas logo vamos murchando,
vem a outra parte: um abismo
em que nos despenhamos
lá por dentro de nós.
Sim, o ego faz flutuar,
mas também é martelo.
LA 02/007
Ela amava os versos do poeta.
O diabo é que queria
tê-los em casa
juntos com ele.
Queria lê-los
enquanto o poeta a lesse.
Resultado: foi sarau
aqui,
sarau ali —
a dar com pau.
LA 02/007
Quando o padeiro vinha
com sua buzina crocante,
dourada,
quentinha —
Rosinha esperava por ele
( que entrava esguio como um corisco )
já com o café fumegante,
enquanto a sua irmã,
junto à Kombi,
atendia bem devagar
à freguesia em longa fila.
LA 02/007
Só pagamos impostos
porque são impostos.
E as taxas?!
As taxas nos machucam
como se fossem tachas.
Ai, dos descalços!
LA 02/007
Há os que pagam o pato.
Outros o pato e o vinho,
mas repartem o motel.
LA 02/007
Conforme o meio
paga-se o pathos
sem pena.
LA 02/007
Remédio para cornitude
é riso e humor.
E, claro, não levá-la mais a sério
é a doce,
pacífica,
adorável vingança.
LA 02/007
Mulher ( normal ) que se preza
dá bronca.
Dá resposta à altura.
Dá satisfação
ou satisfações.
Dá beliscão.
Dá pontapé.
Dá alegria.
Dá bode.
Dá briga.
Dá mordidas.
Dá força.
Dá porrada.
Dá beijinhos.
Dá espetáculo.
Dá dó.
Dá medo.
Dá bola.
Dá prazer.
Dá o que sonhar.
Dá carinho.
Dá crédito.
Dá amasso.
Dá chamego.
Dá exemplo.
Dá de beber.
Dá de comer.
Dá de mamar.
Dá chance.
Dá barraco.
Dá âmimo.
Dá tristeza.
Dá tragédia.
Dá o que pensar.
Dá bolo.
Dá o que fazer.
Dá testemunho.
Dá com gosto.
Dá motivos.
Dá nó.
Dá castigo.
Dá cadeia.
Dá trabalho.
Dá a entender.
Dá demão.
Dá desfalque.
Dá show.
Dá o que falar.
E, finalmente,
( o que você estava esperando ):
dá e dá e dá que dá...
Sim, sobretudo, —
dá a boceta.
LA 02/007
No dia dos namorados,
mandou à sua ex
uma carta malcriada
com a foto de uma enorme mão
com o dedo do meio erguido....
e a coroa de um abacaxi.
A irmã da ofendida
( campeã de karatê diversas vezes )
foi visitá-lo...
Dali a meia hora
o médico de plantão
teve de operá-lo
para extrair-lhe lá debaixo
a tal coroa
de abacaxi
mais um sapato
de bico muito fino.
LA 02/007
Fez regime,
emagreceu.
Mas a balança
continuou
marcando o peso antigo.
Chamaram o jesuíta,
o tal de parapsicólogo,
que, num zupt!,
deu na cabeça do mistério
( com seu sotaque charmoso
da língua de Calderón dela Barca ):
“El peso de la consciencia!”
Falou e disse. E ponto,
ponto final.
Aí, alguém da platéia,
mais sensato,
pediu que pesassem
separadamente
o indivíduo
e a cadeira-de-rodas.
Fim do mistério:
haviam colocado chumbo
no fundo da cadeira.
LA 02/007
A mulher queria cortar
o pingolim do marido.
— Coitado, Eulália! Coitado!
Mas por que, minha amiga?
Juras que não mais te apetece?...
— Não é isso não, Hortênsia,
é que o safado
tem trabalhado demais pra fora.
— Mas só por isso, Eulália?!
— Não, Hortênsia,
o problema é econômico —
Joãozinho gasta mais da metade do que ganha
com suas fungadas avulsas.
— Ah, bom! Ah, bom, Eulália!
Isto é mesmo muito grave
e contra o PIB —
concordo:
é investimento delinqüente
mexer em xotas alienígenas.
Mas daí para cortar, minha amiga,
isso não!
Dá um nó, beliscões,
joelhaços, mordidas,
remédios pra derrubar...
mas cortar, Eulália, isso não!
Aliás, vamos e venhamos —
cá pra nós e bem baixinho:
não é esse o nosso bem maior?
LA 02/007
Democracia
é como o amor —
uma bosta.
Mas a melhor que há.
LA 02/007
André nunca foi dado a conjunções carnais
fora do tálamo.
Mas sua prima ( convenhamos! )
é ( muito mal comparando )
duas colunas de um éden
que Adão nenhum deixaria
para a terra comer.
LA 02/007
Na mocidade
achamos eternos nossos sonhos
e os vivemos como se fossem:
muita paixão em tudo o que empreendemos,
principalmente no amor.
Um sentimento de podermos tudo.
E isso nos faz realmente fortes
e invencíveis ( secretamente lá em nós ).
Sim, sonhamos, ousamos, realizamos.
Fazemos das dificuldades
maneiras de nos suplantarmos.
Estamos em busca daquilo que nos falta...
claro que não vamos achá-lo nunca,
pois que a nossa falta é falta de ser.
A vida no-lo vai mostrar mais tarde...
Isto é, se trabalharmos muito ( em nós ) para isso.
De sorte que a mocidade
é o fruto que comemos na madureza
da nossa vida.
LA 02/007
Quando se viram,
foi aquela fusão.
E a partir daí
não fizeram mais nada —
só amor.
Chamaram padre,
pastor,
espírita,
xamã,
feiticeiro,
bruxa...
Não adiantou —
só faziam amor.
Fizeram novena,
procissão,
jejum,
ofertas,
promessas...
Não adiantou —
só faziam amor.
Aplicaram-lhes duchas:
frias,
geladas,
quentes...
Não adiantou —
só faziam amor.
Chamaram bispos,
exorcistas,
pais-de-santo,
ateus,
parapsicólogos,
bruxos...
Não adiantou —
só faziam amor.
Foram buscar suas mães,
seus pais,
seus irmãos,
seus primos,
seus amigos...
Não adiantou –
só faziam amor.
Chamaram o papa.
Papa não veio.
Chamaram o Dalai Lama.
Dalai não veio.
Chamaram 007,
e o cara: nem te ligo.
Chamaram Madona,
que também não veio não.
Mas aí ( pasmem! ), aí sim,
adiantou —
pararam de fazer amor.
Perguntados por que desta vez pararam,
responderam que o desprezo é muito duro —
por isso o amor acabou.
E como eram cientistas
conseguiram sintetizar
pílulas de desprezo —
para os que aspiram à castidade
e aos sexistas compulsivos.
O que lhes rendeu
o Nobel de antidependência
do vício de furibundezas,
isto é, de compulsão furibunda.
LA 02/007
O melhor do amor
é a sua febre.
Quando esta passa
toma-se um belo banho
e sai-se em busca de ar fresco.
LA 02/007
O melhor da mulher
é ser mulher.
Quando perde esse dom —
só praticando rapel.
LA 02/007
Aquelas inglesas sardentas
são muito boas de escalar...
O mais difícil é descer.
LA 02/007
Conheci uma espanhola
que no meio da função
estalava a castanhola
e gemia uma canção.
LA 02/007
Sim: as feias que nos desculpem,
ou saibam compensar —
as que são feias de frente
que sejam belas por trás.
LA 02/007
Mais uma vez carnaval.
Um luxo,
que explode em luxos.
Uma só massa
( de consciência? )
que se masturba
devagarinho,
devagarinho
esticando, esticando orgasmos
LA 02/007
Mais uma vez carnaval.
A carne floresce e canta
e cobre-se do pólen
de feminezas.
A carne canta.
LA 02/007
Opiniões,
que nem pinhões —
você os cozinha e come
e logo mais descome.
LA 02/007
Religiões,
que nem mamões —
você os descasca e come
e logo mais descome.
E assim vai
de fome em fome.
LA 02/007
Noites de gala
e galação —
se bem que não é só isso
o carnaval, mas também:
noites de gala
e galação.
LA 02/007
A mulher é aquela parte
do gênero humano
que deixa os homens atontados
e as mulheres espantadas.
LA 02/007
O amor encanta,
ataranta
e acalanta.
Depois espanta.
LA 02/007
Quarta-feira de cinzas
às 12h30
o Brasil pára 10 minutos —
lembrando o assassinato
hediondo-pavoroso
do menino
Hélio Fernandes Vieites.
..........................................
Não, o País não parou.
Faltou quorum.
Não valeu a intenção.
LA 19/02/007
Bendito o amor
que quase não existe,
mas mesmo não existindo
se torna a melhor parte
do que não temos.
LA 02/007
O carnaval brasileiro
é uma loucura
de criatividade
e beleza.
É a primeira coisa séria
que temos,
a segunda é o futebol.
LA 02/007
Juliana Paes no sambódromo
estremeceu geral —
entre plumas em que predominava
o azul,
ao vergar-se até embaixo,
ante os jurados,
descobre a retaguarda... isto é, abençoa
para sempre
( enquanto houver retinas e memórias )
os olhos masculinos
com seus cósmicos pígios.
Sim: valeu a pena ter olhos.
LA 02/007
Sabe-se de sobejo
porque as mulheres se detestam.
Só não se sabe
por que é que também não gostam dos homens.
LA 02/007
Você diz que é filho
de não sei quem
e que sofreu bastante,
foi humilhado
e fubecado.
Eu também, meu caro,
sou filho de não sei quem,
sofri bastante,
fui humilhado
e fubecado.
Não seria sensato
( e saudável ), meu caro,
deixarmos pra lá
o que não prestou,
vencermos o ressentimento
e construirmos uma outra história?
É só o que nos resta, cara.
O mais é doença sem vacina —
papo de egos leprosos
lá nas cavernas da rejeição.
LA 02/007
Que pena!
O decote já não existe.
Está na raça humana
o prazer de predizer.
LA 02/007
Saudade dos tempos
que a mulherada
deixava adivinhar!
LA 02/007
Eu tive a felicidade
de ser feliz
dentro da infelicidade —
de ter sido um moleque
com o coração valente.
Sou forte
porque fui um menino forte.
E isso é graça.
E essa graça me basta.
LA 02/007
Hoje é o que temos, minha nega.
Ontem é banana podre,
amanhã banana verde.
Hoje é o tempo maduro.
LA 02/007
Confia em Deus, minha amiga.
Confia em ti.
Trabalha e estuda.
Sê paciente contigo.
Saboreia o teu hoje.
O mais
escorre como a chuva
pelas calhas dos teus dias.
LA 02/007
Se a nossa infância e juventude
fossem tratadas com o mesmo empenho
com que tratam o nosso carnaval,
certamente nossa terra
seria tão respeitável quanto feliz.
LA 02/007
Aprendemos muito tarde.
Mas isso é bom —
não temos tempo
para desforras.
LA 02/007
Precisamos sincronizar
nossa vida exterior
com a interior ligada
ao Espírito de Deus,
aí vemos que Ele nos é
e que as nossas passadas
têm o endereço da empatia
com o que é bom para todos.
LA 02/007
Logo logo, minha nega,
havemos de fazer amor
só de pensar em fazermos amor.
Claro que isso também
chamarão de adultério,
mas ninguém mais
se sentirá corno/a.
E o coito será tão antigo
como andar a pé.
LA 02/007
Não, o mundo não pára.
Que me perdoem os egoístas,
e os amantes —
o mundo conta a nossa história
e continua
dando as suas muitas voltas.
LA 02/007
O possível
e o virtual
é o nosso novo mundo.
Outros ângulos de ver
geram o ver-em-revisões —
a transformação do entendimento
pelo não nos conformarmos
com a realidade,
mas com o nosso sonhá-la sempre outra:
o ver-intuir em mutações.
LA 02/007
As delícias do social
são sempre proporcionais
ao nosso compará-las
com nossa solidão.
O que inventamos
entre e como pessoas
nos dá a bela sensação
de que somos felizes —
não importa se deveras o somos
ou não.
Se entre mim e o outro
os desvãos se preenchem,
isso é mais que bastante
para saborear o que nos falta.
O melhor das coisas
é o seu ser possível
ao menos enquanto sonho.
LA 02/007
Era magra, tão magra,
que na primeira noite
o marido nem a viu.
Na segunda, já a percebeu...
Na terceira, conseguiu.
Sim, o gajo a rachou ao meio.
LA 02/007
O bom dos nossos inimigos
é que eles não se revelam,
assim nem sabemos que os temos.
LA 02/007
O bom do desamor
é que ele já foi amor
e, lá no fundo,
continua à disposição.
LA 02/007
Tony Blair retirou hoje
parte de suas tropas do Iraque.
O homem da terra de Jack, o Estripador,
já viu que não tem tanta tripa assim
para ensacar tanta lingüiça
com carne inglesa.
Os invasores ( faz tempo ) vêem
que sua guerra
tem a culatra de vidro.
LA 21/02/007
Cada parafuso
com sua porca,
cada porca
no seu chiqueiro.
LA 02/007
Nada como um dia atrás do outro:
assim vão fazendo troca-troca
à luz do sol e das estrelas.
Quanto aos da extremidade
que não desanimem —
terão o seu quinhão
quando a ciranda se fechar.
LA 02/007
O amor é hoje insumo
irrelevante.
Nós, os bípedes implumes,
finalmente aprendemos
que o sexo é bem melhor.
LA 02/007
Quando o carnaval
“acaba”,
temos os infinitos
do futebol —
assim continuamos a ser sérios.
LA 02/007
Agora temos santo,
prata da casa —
Frei Galvão. Alguém que entenda
nossos tiques e chiliques.
Assim o brasileiro
pode pedir que seja campeã
sua escola de samba
ou campeão
o time por que torce
ou que vá pro paredão
do Big Brother Brasil
essa ou aquela pessoa.
Eta, nóis! que agora temos
até santo de casa
para sérios pedidos.
LA 02/007
Aqui, abaixo do Equador,
o tempo é um sorriso zen.
Aqui,
ninguém se preocupa
com Saúde,
Educação
nem Previdência.
Aqui, abaixo do Equador,
o tempo
coça o saco e boceja.
LA 02/007
Os dois enfeites da vida —
me diz Habib
com seu riso tilintante —
são os filhos e o dinheiro.
LA 02/007
O tesão do homem cai
quando há uma inflação
de peitos e de bundas.
LA 02/007
Se a mulher não deixa um pouco
pra adivinhar,
tudo o que mostra
a gente já sabia,
isto é: tem um sabor de tédio.
LA 02/007
Quando menino, me lembro
que André, também menino,
queria que eu o ajudasse
a dar um pau no Papai Noel...
Sim, uma sova no “bom velhinho”
( de cabo de vassoura )
por não nos dar coisa alguma
ao passo que outras crianças
exibiam presentes do gorducho
no dia vinte e cinco
do último mês do ano.
Quando crescemos
lembramos várias vezes
daquele nosso plano...
E ríamos, ríamos bastante —
não daqueles dois meninos,
mas da sociedade humana.
LA 02/007
Ou desentortas os teus grilos,
ou eles continuarão te espetando
dentro da tua noite.
Há pessoas
que não amanhecem nunca,
isto é, nem sabem que a manhã existe.
LA 02/007
Bem-te-vi cantou-dedou,
dedou-cantou,
esgoelou,
mas foi rebate falso —
não tinha visto nada não.
LA 02/007
O tempo
tem suas extremidades.
Quem se apressa come cru,
quem demora come azedo.
LA 02/007
A vida é uma pitanga,
senão passada,
passando.
Por isso mesmo
deve ter um sentido urgente.
LA 02/007
Perdoa ( agora ) a ti mesmo
e aos teus inimigos.
Perdoa agora, que depois
já não tens lábios nem língua.
LA 02/007
Aproveita a coceira.
E coça coça coça coça coça...
Depois do comichão,
aí então te lembras
de teres te coçado —
saboreando de memória.
LA 02/007
Goza o teu dia
do jeito que puderes.
Não precisas ter dinheiro,
nem status,
nem muitas bobagens
para gozar o teu dia.
Goza-o pelo gozo
de estar vivendo
e poder rir,
poder chorar —
poder dizer “oi!”
ao que passa,
abençoar
e lapidar os teus momentos.
LA 02/007
Dá graças pela graça
de poderes
ser um cachorro vivo
ao lado
de tantos leões mortos.
LA 02/007
Dá graças por não teres
a não ser o suficiente.
Senão serias
mais um milionário bobo —
desses que pagam
trinta milhões de dólares
pra ficarem uns minutos
em órbita
para terem depois o que contar
aos mamíferos de luxo
pelos salões do mundo.
LA 02/007
Dá graças por haver a Graça,
e faz de tudo pra viver
sob as suas enormes asas.
LA 02/007
A melhor pele é a nossa.
Se invejamos
é só por não saber
que somos bobos
por gastar esse tempo
com coisas que igualmente
não prestam.
LA 02/007
Muitas vezes queremos
o tal do reconhecimento.
Aí então está na hora
de assentarmos de frente
com a nossa pessoa
e lhe dizer umas verdades...
Mais ou menos assim:
Escuta aqui, seu olhif ad atup,
ajev es arudam!
LA 02/007
Vaidades e vaidades,
só vaidades.
Mas o que há melhor que elas?
LA 02/007
Mulheres e mulheres.
Que perigo vale mais a pena?
Que delícia contém mais calorias?
LA 02/007
Hoje acordei tranqüilo
como um bicho
que não sabe que vai morrer.
LA 02/007
Os tempos estão maduros.
Não é preciso nem ventos
pra derrubá-los.
LA 03/007
A arrecadação tributária
atinge em 2006
38,8% do PIB —
com os barbacenas
Tiradentes nenhum pode.
LA 03/007
Ela cobrava em dólar,
mas era compreensiva —
fazia fiado.
LA 03/007
Já Marilda,
que era mais cara,
fazia em duas,
até em três vezes.
LA 03/007
O padre a visitava
quando o marido não estava.
O cara era evangélico.
LA 03/007
Depois da tempestade, Noé,
vem o enxurro.
Por isso, homem de Deus,
quem não tem arca
sifu
ou vai pra ilha Buubu.
LA 03/007
Pois é.
Às vezes nem é,
mas nem por isso
a gente deixa de correr
de fantasmas que não são.
LA 03/007
Pois é, seu Mané,
é sempre muito favo
pra pouco mé.
LA 03/007
Gosto muito de ler
filosofia zen —
sempre aquele sorriso
que diz exatamente
o que cada um de nós
quer ouvir.
LA 03/007
Tudo o que não tem sentido
é muito lindo,
tanto é que logo procuramos
lhe arranjar um.
LA 03/007
André sempre me dizia:
Admire as belas,
mas case com uma feia
ajeitada.
LA 03/007
De fato,
se é belo o que tens,
hão de querer roubá-lo
ou enchê-lo de porra.
LA 03/007
Era tão ajeitadinha
que a natureza
já a fizera
com um travesseirinho
atrás.
LA 03/007
O padre estava tão cheio
de vê-la assim tão safadinha
e ao mesmo tempo apavorada
com a labaredas do inferno,
que sempre a tranqüilizava:
Não precisas vir todo dia, Ofélia.
Deixa ajuntar um bom punhado
e de dez em dez dias tu me vens,
me dizes quantas...
e te absolvo.
LA 03/007
O cara era nervosinho
e faixa-preta.
Revoltado como frade
despejado do convento.
A gente falava com ele
pisando em ovos de colibri.
Fazer o quê,
quando fazer
só daria prejuízo?
LA 03/007
Jacaré é bicho brabo,
mas bota ovo.
LA 03/007
A mula pode ser bonita,
mas, mancou,
o preço é outro.
LA 03/007
Bem pior que não ter os dentes
é não ter o que mastigar.
LA 03/007
Sempre há um modo de dizer
que não ofende.
Um olhar nos olhos
sem perfurá-los.
Sim, o modo
muda as coisas.
LA 03/007
Ela é bonita. Seria até charmosa,
não fosse aquele sorriso
de asa quebrada —
parecendo olhar a vida
com nojo.
LA 03/007
A gente nunca sabe...
Mas, se soubesse,
talvez fosse pior que não saber.
LA 03/007
Dava em avulso,
mas sempre,
sempre com muito respeito:
punha a aliança
bem lá no fundo da bolsa.
LA 03/007
Pular cerca
é uma atividade em extinção.
A coisa, compadre,
quando fica normal,
ninguém mais nota.
LA 03/007
O riso, compadre,
é a única tábua
nessa Barca Furada.
LA 03/007
Você, que é forasteiro,
veja lá, não confunda —
usar uma bomba chinesa
com
bombar com uma chinesa.
LA 03/007
Não, senhora, não consta
nos autos de cavalaria
que cavaleiro algum
trepasse de loriga.
LA 03/007
Quando estava de bom humor
dava até pro marido.
LA 03/007
— Tudo em excesso faz mal.
— Até juízo, pai?!
— Principalmente.
LA 05/007
Se você visita o amigo/a
que não vê faz um tempão,
logo nota que essa amizade
é luz de estrela já morta.
LA 03/007
Quando menino,
subia nas grandes árvores —
bem lá em cima, perto de suas folhas...
Lembro-me que muitas vezes
descer era bem mais difícil.
LA 03/007
Corujas e morcegos
gostam de igrejas velhas.
Já os homens e as mulheres
acham um saco
tanto as velhas quanto as novas.
LA 03/007
A arte é a mentira
mais verdadeira.
Mas é preciso
sabê-la contar.
LA 03/007
A vida bate na gente
com a grossura da vara
que se escolhe.
LA 03/007
Sonhou tão alto,
que seus filhotes
tinham medo
de descer...
LA 03/007
Quando a gente se entender, Eulália,
aí, sim: tudo estará perdido.
LA 03/007
Sim, somos todos iguais
em nossas diferenças.
E muito diferentes
em nossas igualdades.
LA 03/007
Somos uns bostas,
mas escondemos isso
uns dos outros.
Ainda bem!
Caso contrário,
ia feder demais.
LA 03/007
Dize-me com quem andas
e te digo o que comes.
LA 03/007
Dize-me o que comes,
te digo quanto pagas.
LA 03/007
Os filhos não nos ouvem.
Mas, e nós...
ouvíamos?
LA 03/007
Melhor que ontem
é hoje.
Melhor que hoje
é a esperança
fazendo seu turismo
no amanhã.
LA 03/007
Quem ama, ama —
não reclama.
LA 03/007
Mulher de bigode,
só se for bem bonita.
LA 03/007
Dize-me sem dizer
e te cala dizendo,
que te entendo...
E o que nem é
acaba sendo.
LA 03/007
Melhor é ter nenhum
quando o um que temos
não vale meio.
LA 03/007
Cachorro que enjeita osso,
lingüiça nele!
LA 03/007
Com mulher que faz em avulso,
André,
é preciso muita paciência...
e muita, muita compreensão.
Mas tem jeito —
é rezar pra São Cornélio
para tirar-lhe —
a ela o vezo,
já ao marido
os galhos.
LA 03/007
Cuscus com mamão?
Bom, muito bom.
Cuscus com manga?
Melhor ainda.
Com xandanga?
Excelente.
Quem duvidar
que experimente,
e acrescente
café fresquinho.
LA 03/007
Ergue a tanga,
minha nega,
ergue a tanga —
que o rio a molha,
que o rio a molha,
minha nega.
LA 03/007
A argamassa do edifício humano
é sangue.
Todas as conquistas,
as mudanças,
as transcendências —
são de sangue.
Mesmo as do espírito
exigiu
sacrifício de sangue,
cujo emblema é o Cordeiro.
LA 03/007
Cai na real
e segura no sonho —
entre um e outro
mora o possível,
que é trabalhado pela fé —
lá onde o homem sonha,
Deus consente
e o silêncio,
o silêncio se vai moldando
em algo raro e palpável.
LA 03/007
Março-07.
Mulheres, hoje é o seu dia!
Largai as vossas brasas!
Fagulhai!
Carpe diem, mulherada!
Hoje, amanhã, depois —
carpe diem.
Sim, carpe diem sempre —
e sempre com não menos
que um homem entre as pernas.
LA 03/007
A Inquisição confundia
o homem que pensava
com espiga bem granada.
LA 03/007
Antes assim do que assado,
pois ser queimado
não é brincadeira não.
LA 03/007
Antes um marimbondo na mão
que uma cobra no bolso.
LA 03/007
Requebra, minha nega,
requebra,
antes que tuas cadeiras
virem mesa.
LA 03/007
O fim de uma guerra
é o começo de outra.
LA 03/007
A mentira
é o produto normal
de toda indústria humana.
LA 03/007
O homem nasce,
vive e morre
corrupto.
Claro: não falo
de ti que me lês —
mas de mim e dos outros.
LA 03/007
Eta, nóis!
Senhor Bush
hoje
nos visitou.
Tomara que isso
gere dólares,
muitos.
Assim, nem tudo
terá sido desagradável.
Eta, nóis! Isto é —
Etanol.
LA 08/03/007
Manhêêêêêêêê!...
O Paulinho
passou a mão na minha bunnnda...
LA 03/007
Se não está bom assim,
espere um pouco,
só um pouco,
que a coisa muda.
Se está bom ou muito bom,
saiba também que ( não demora )
a coisa muda.
Enfim, saibamos que
mudar
compensa o incompensado.
LA 03/007
Queria ter o gostinho
de enterrar a esposa.
Mas não: foi ela
quem o enterrou em dúvidas
e dívidas.
LA 03/007
Falar de si
é sempre uma armadilha.
O cara capricha tanto,
que os doze trabalhos de Hércules
viram porra de grilo.
E a gente fica envergonhado —
um excremento de corruíra.
Mas!... Quando vai ver a obra
do artista —
vê que o melhor que o cara fez
foi seus traços biográficos.
LA 03/007
Ou o Brasil preserva as saúvas,
ou ficará sem jardineiros.
Tempos atrás a frase era:
Ou o Brasil acaba com as saúvas,
ou as saúvas com o Brasil.
Mas... se mal não diga,
minhas roseiras
não apreciam as saúvas...
São como sogra e nora —
a distância ou convivência
faz toda a diferença.
LA 03/007
Fingir que é bom isto ou aquilo
é que vai tornar bom isto ou aquilo —
até enquanto for bom...
depois, fingimos outras coisas,
isto é, outros “dons” noutras coisas.
LA 03/007
Se o homem é o que pensa,
regulando o meu pensar,
posso viver outras gamas
de ser.
Minha consciência é algo físico —
é ela que me dá forma,
e não eu a ela.
É ela que me abre a estrada,
e não eu a ela.
Sim, a minha consciência
é transformada
pelas gamas
do meu pensar.
LA 03/007
O socorro foi do jeito que deu,
foi do jeito que foi...
O melhor é não fazer nada
quando não se sabe fazer.
LA 03/007
Cruza os teus braços, minha nega,
que nesse caso é lucro.
Muitas vezes não fazer
é bem mais que fazer.
LA 03/007
As canções choram a dor
do que o homem não viveu
e a alegria
do que pretende viver.
Por isso,
lá no fundo, bem no fundo,
todas as canções são tristes.
LA 03/007
Pensar é um modo
de reciclar-se.
LA 03/007
O meu cavalo só falava aramaico,
mas o de Josefa sabia traduzir —
de sorte que pudemos
viver um grande amor.
LA 03/007
As coisas mais loucas deste mundo
são mesmo as coisas mais loucas deste mundo,
e as mais invejadas.
LA 03/007
Quando a morte se aproxima,
o rei inveja os seus súditos.
LA 03/007
Vaidades das vaidades!
Que delícia não deviam ser
as vaidades de Salomão!
LA 03/007
Triste o Big Brother Brasil
( uma tristeza por espelho ) —
vemos o grau ultraprecário
do relacionamento humano,
isto é: vemo-nos.
LA 03/007
O mundo, amiga,
nos fode,
e sem trilha sonora.
A defensiva —
pra homens e mulheres,
é ir lá na Daspu
e comprar cuecas e calcinhas
feitas de cota-de-malha...
Sim, não bobeiem não,
vão até lá —
usem cota-de-malha.
LA 03/007
Tive muitos amigos
espiritualistas.
Todos dotados
de dons oniscientes.
Quando nos reuníamos
( modéstia à parte )
éramos cada um
mais iluminado que os outros.
Só hoje,
passados anos e anos,
é que vejo boquiaberto:
a gente conseguia
ser espiritualista
sem nenhum,
nenhum espírito!
LA 03/007
Ela tinha umas pernas
de arrepiar as tripas.
Até o marido
de vez em quando
chupava jabuticaba.
LA 03/007
Era uma vez
um gato siamês
de um paciente chinês
que só miava em francês.
Mas de que é que adiantava,
se a gata da vizinha brava
( sim, a mulher não gostava
do chinês que a adorava... )
só miava em javanês?
Mas isso tinha —
comentava a vizinha,
seu lado bom:
bichana e bichanão
derrubavam tijolos
sem aqueles gritos tolos...
Arranhos sem miação.
Mas o mais engraçado
é que a vizinha de um lado,
e do outro o chinês,
ambos de olho fincado
nessa sem-vergonhação
muda, mas nada cortês,
os dois vizinhos se entreolhavam
e um mais feliz
que o outro murmuravam
orgasmos pelo nariz.
LA 03/007
A maldade e a ignorância
são os mais antigos
e os mais terríveis
dos males.
Seus portadores
são pessoas ou grupos
amarrados nas trevas
de si mesmos.
LA 03/007
O anel que tu me deste
já andara em outros dedos.
O amor que tu me tinhas
era pouco e por tabela.
Mas mesmo assim ( quem sou eu?! )
sou grato a Deus e à vida
por ter cuidado um bom tempo
do teu jardim.
LA 03/007
Quando um dia disse à esposa
que seu amor lhe era morto,
duas lágrimas lhe desceram
discretamente
pelo rosto...
e um sorriso doce e honesto
lhe cobriu o semblante
da mais pura alegria.
LA 03/007
Marilda me disse
que o ponto-g na mulher
está no seu dar com gosto.
LA 03/007
Meu amigo moralista
tinha uma cara de onanista
imaginando coisas
para acabar.
LA 03/007
Se Shakespeare vivesse hoje
não iria escrever tragédias,
ou melhor: nem saberia
o que escrever.
LA 03/007
Por que escrevemos?
Acho que pra não morrer.
LA 03/007
Quem nos lê?
Primeiramente nós mesmos.
Depois, nós mesmos.
Em seguida, nós mesmos.
E por fim ( quando há um fim
no entremeio ),
alguns outros.
LA 03/007
Sim, o principal beneficiado
com o que escrevemos
será sempre nós mesmos.
LA 03/007
Quem assiste a futebol
quer ver gols.
Já quem assiste a um desfile
de lingerie
quer ver bolas
pelo gramado.
LA 03/007
É gols ou gois?
Os dois.
Mas como o povo
é quem manda,
é “gols”,
bárbaros “gols”.
O que importa, minha nega,
é a bola batendo
no rendado da rede.
LA 03/007
O homem vê
o que quer ver.
O homem ouve
o que procura ouvir.
O homem pensa
os remoalhos de seu meio.
O homem sonha
as pulsões entre o corpo
e o prazer:
realidade e fantasia
no desejo e ousadia
de transcender-se.
O homem é
o seu imaginar.
LA 03/007
Hoje é o que temos,
minha nega.
O ontem
é só o estaleiro
onde construímos a nave
que já partiu
e navega no amanhã —
o hoje adiado.
LA 03/007
Sim, façamos, façamos amor,
minha nega,
até o desejo bocejar
e virar para o canto.
Logo em seguida, façamos
o que adoramos fazer —
façamos nada.
LA 03/007
Deus te abençoe, minha amiga,
e seja pródigo contigo —
nunca te falte um homem
no meio de tuas pernas.
LA 03/007
Hoje colhes mais um maio
no agosto dos teus anos.
A vida te seja farta,
minha amiga,
e te conserve irrigadas
as delícias do teu jardim.
LA 03/007
Mando-te flores.
Estas, eu as colhi
entre malvas e avencas
de te lembrar.
LA 03/007
Não foi, não foi esta a vida
que pedi para Deus.
Mas antes esta que nenhuma.
Sim, Deus me livre de nenhuma
do que esta.
LA 03/007
Quando o amor acaba
aí começa a sensatez,
nada sensata, aliás,
mas bem melhor que o amor.
LA 03/007
Nem o cearense sabe
por que nasce sem pescoço.
Mas, brincadeira à parte,
uma amiga me disse
que o que lhe falta em cima
foi-lhe compensado embaixo.
Quem quiser que verifique.
LA 03/007
Era bonita quanto safada,
isto é, a gente percebia
que a safadeza
lhe era a lingerie
do porte esguio e bonito.
Já o olhar sem-vergonha
era o orgulho do marido,
que nunca fez questão
de reparti-lo com ninguém.
LA 03/007
E vamos que vamos!
Antes ir que ser levado.
LA 03/007
Antes dar, minha senhora,
antes dar que ser roubada.
LA 03/007
— Passa-me o relógio!
— Leva o relógio, que pediste,
e a aliança como brinde.
LA 03/007
Vai Poder!
Quando a roseira se enche de olhos-rosas,
o mal-me-quer começa a caluniá-la,
mas nem por isso o pessegueiro cala
seu cor-de-rosa em flor a fazer glosas
com o fito de humilhá-la e desfolhá-la
achando ter as flores mais formosas...
Vai poder com essas “nóias” invejosas
lá em delírios de salões de gala!
Vai poder com os chiliques dessas flores(!)
no seu pódio de nada... entre esplendores
de coriscos no escuro a enraizar...
Vai poder, minha amiga, com essa gente(!)
antes que o outono amareladamente
lhes faça a vaidade rodopiar...
LA 03/007
Os três textos a seguir foram clipsados
como dedicatória de um livro meu a três
profissionais da medicina, três criaturas
muito especiais.
Para A Doutora Florence
Conhecê-la,
cara doutora,
é admirá-la
lá em humano.
Pela pessoa,
pela profissional
que é —
paladina da beleza
a esgrimir contra a dor
( que é contra a dignidade
e a estética ) —
você merece o nome
Flor(ence)
que alguém especial
lhe deu.
Aliás, o seu nome como um todo:
Florence Marin Ortega
tem uma fonética sinfônica —
um toque de violino e violoncelo...
Obrigado por me ter livrado
de um bicho que me estava roendo.
Deixo-lhe um dos meus livros.
Quem sabe numa de suas noites brancas
você não o folheie ao acaso
e encontre até um ou outro texto
que lhe ajude a sorrir,
ou a indignar-se...
quem sabe um verso ou outro
que lhe faça companhia
lá em seus passos interiores?
O Senhor a abençoe e guarde.
Um abraço com muita gratidão
e com grande respeito
por sua pessoa.
Laerte,
março/2007
Para o Doutor Luciano
Sua habilidade e maestria
me livraram de um bicho
que me estava roendo.
Deixo-lhe um dos meus livros
( uma forma talvez de eu me sentir por perto
daquele a quem fui pedir ajuda ).
Sei que não tem muito tempo
a não ser para a literatura científica.
Mesmo assim, lá vez por outra
( quem sabe ) não corra os olhos por um desses textos
e então encontre uma linha ou duas
em que você se veja
no por dentro e por fora
das andanças do ser humano
empreendendo a travessia
dessa ponte chamada mundo
numa louca aventura
lá por universos de nós mesmos?
Sou-lhe grato. Muito grato.
Cada vez que olhasse, mesmo de soslaio,
para este pobre livro
( enfiado num dos cantos
de sua estante )
gostaria que se lembrasse
de que você é um paladino
da vida em harmonia,
isto é, da beleza-verdade
ou verdade-beleza —
e que isto fosse um dos motivos
de ter força e alegria
de prosseguir.
O Senhor o abençoe e guarde!
Um abraço com muita gratidão
e com grande respeito
por sua pessoa.
Laerte,
março/2007
Para a Enfermeira Marília
Você e o doutor Luciano
me livraram de um bicho
que me estava roendo.
Deixo-lhe um dos meus livros.
Tomara que você encontre nessas páginas
algumas linhas que façam coro
com os seus sonhos e esperanças —
alguns versos que lhe digam
que você é alguém muito especial,
pois que optou por estar
a serviço da vida.
Obrigado, Marília.
O Senhor a abençoe e guarde!
Um abraço com muita gratidão.
Laerte,
março/2007
Se me morro por ti,
nem perdes tempo
de me enterrar.
Por isso não me morro
nem me vivo —
só sobrevivo ao teu charme,
e ( claro! ):sem que saibas.
LA 03/007
O amor é truculento
de nascença.
Não o fosse,
qual fora a graça?
LA 03/007
O melhor do amor
é ser ridículo.
E isso lhe garante
sua longa existência.
LA 03/007
Tinha uma coisa,
um delicioso quê,
que — só muito depois —
o cara sabia o quê.
LA 03/007
Tinha aquela mania
de deusa mitológica —
dava pra todo o Olimpo.
La 03/007
Era tão sensual
que os homens não resistiam —
primeiro a comiam,
depois a cantavam.
LA 03/007
Melhor que vê-la
é não vê-la.
Assim ( dizia André )
não se passa vontade.
LA 03/007
Depois da plástica,
a frágil moça viu
que não era o nariz
que a fazia infeliz.
LA 03/007
Mudar é bom, mesmo porque
quanto mais a coisa muda
mais fica igual à mesma coisa.
LA 03/007
Louvado seja o Senhor,
que nos deu a graça de morrer
quando a vida se faz insuportável!
LA 03/007
Prego que se destaca,
martelo nele!
Mulher que enjeita o marido,
vizinho nela!
As que juram que “não”
é porque “sim”.
As que juram assédio
só foram rejeitadas.
LA 03/007
A bola tá muito alta?
Cabeceia pro gol!
LA 03/007
Muita areia pro teu caminhãozinho?
Vai carregando aos poucos,
já dizia padre Bento.
LA 03/007
Não acredite, senhora, nas que dizem
que os homens não valem nada.
Elas só querem
diminuir a concorrência.
Usufrua também, senhora.
Com moderação.
LA 03/007
Nunca a palavra de um homem
valeu tão nada:
nulla res nata.
Nunca a vida de um homem
valeu tão nada:
nulla res nata.
Nunca um homem
valeu tão nada:
nulla res nata.
LA 03/007
Era muito atraente,
mas nada simpática.
Se bem que André
jamais ligou pra simpatia.
Aliás, sempre dizia:
“Simpatia não se come”.
LA 03/007
Tinha uma amiga que me dizia
com um sorriso sem-vergonha:
Devagar vocês vão entendendo
que não somos,
absolutamente não somos
de levar para casa.
LA 03/007
Já outra não deixava por menos:
Vocês querem encasinhar
sonhos e desejos em nós...
e nós ( ao menos a maioria de nós )
não vemos a hora
de entrarmos em suas casas
de corpo, alma, espírito
e nossas malas.
Sim, uma coisa temos em comum —
o verbo entrar:
vocês em nós,
nós em suas casas —
com mala e tudo.
LA 03/007
André arranjou uma namorada
maneira,
bonita,
coloidal,
aerodinâmica,
anatômica.
Jeito monroe
de arrulhar,
de miar,
arranhar com a voz,
e batear o éden...
Olhos de quem bebeu
vinho com a rainha...
comeu maná com Josué...
Mas André nem vê isso,
não sabe ver nada disso.
Pobre André!
LA 03/007
— Afaste-se de clarinha, André.
— Mas nunca houve nada entre nós, pai!
— Por não ter havido nada é que lhe dito:
Afaste-se de Clarinha hoje,
pra que amanhã não esteja morando
com a esposa do seu irmão.
— Credo, Alphonso, deixe o menino!...
— E não foi exatamente isso
que aconteceu com a gente,
Ofélia?!
— Isso faz muito tempo, Alphonso,
faz tanto tempo,
que nem Deus já Se lembra.
LA 03/007
Pobres tempos,
dominados pelo mercado
e pelo cálculo —
mas sedentos de salvação.
Sim, nunca tão sedentos
de salvação.
LA 03/007
Amizade madura
vai até certo ponto.
Daí não passa
( não se deixa passar ) —
jamais tocar na intimidade,
porque esta fede
ao exumar velhos segredos.
Amizade madura não visita,
apenas telefona,
manda e-mail —
mas comunicação impessoal,
a que jamais fala de si.
Sim: dar-se a conhecer
é enfraquecer-se:
coisa de donzela nuela.
LA 03/007
Discutir o relacionamento
é sempre um adiamento.
LA 03/007
A arrrogância é aquilo que fede
enquanto o cara ainda vive.
LA03/007
... nada que uma boa conversa
não atrapalhe tudo.
LA 03/007
A única solução
para a dissolução
é o diálogo.
LA 03/007
Quando um não quer
o outro briga.
LA 03/007
Discutir o relacionamento
é sempre um bom fomento
para o consensual.
LA 03/007
A vida é phoda ( com “ph” ),
isto é, uma foda
que fode
o fodedor.
LA 03/007
Depois da bronca,
do esporro,
sempre aquele sorriso
de arrependido/a.
LA 03/007
A amiga,
discreta e à sombra,
sempre cooperou com ela.
Cuidava-lhe do marido
com esmero —
de sorte que ela-esposa
nem precisava pensar nele.
LA 03/007
O novo devora
todos os filhos que pare,
por isso ninguém os conhece.
Sim, o novo é autófago
e vive enganando gente
que lhe quer ninar a prole.
O novo é o tirano dos insensatos.
O gozador dos vaidosos.
Debochador daqueles
que se têm a si mesmos como sérios.
O novo é mesmo novo,
ou só o velho reciclado?
LA 03/007
O maior tesão do senhor Bush
é o fiofó do Bin Laden.
Uma amiga me disse
que é tão grande o tesão
que ele fez voto de castidade
até encontrar o dito
e cujá-lo.
LA 03/007
Vendem-nos necessidades que jamais teríamos
se não estivéssemos amarrados uns aos outros
a sonhos e esperanças culturais —
à ideologia do mercado e do cálculo
que nos fazem pensados e sonhados
e miseravelmente muito mais que isso: profetizados
com muita precisão e muita técnica.
Resultado:
uma infelicidade global
com uma sede de lábios trincados,
uma sede arenosa de salvação.
LA 03/007
Tornar a merda social em arte
é tarefa de um grupo de loucos
que se sujeitam à pobreza e à margem
ardendo em febre de renovação
e entendimento —
no desvelo de dar timbre
à voz que faz ecoar o sentido.
LA 03/007
Conhecê-la,
amá-la
foram belos momentos
refletindo-se nas águas.
LA 03/007
Um clima “fin-de-siècle”
no à beira tédio do momento.
Uma delícia de fins dos tempos
conforta a alma e o coração daqueles
que têm fome e sede de justiça.
LA 03/007
Quem diria! O Latin
com seu cheiro de morto
se reintegrando aos dias globalizados
e ao canto gregoriano
para trazer de volta
aquele cheiro de unção anímica
de Salmo-23
e as delícias dos mistérios
ecoando lá pelas crípitas das nossa almas
fazendo coro com o sonho de Deuspai
lá pelas vinhas de Cânticos dos Cânticos.
LA 03/007
Nunca mais
por vezes é muito tempo.
Já outras vezes nunca mais
é só um tempo paralelo
e desprezível —
um tempo que a gente destemporiza
lá de soslaio em nosso não vivê-lo.
LA 03/007
Toda a perda é irrecuperável,
mas no que toca a algumas pessoas
é diferente:
só depois que se vão
é que é possível remover
toda a sombra de inveja
que pesava sobre elas —
e assim é que vem à tona
o quanto valia o seu fazer.
Mas então é tarde.
A inveja sempre vence.
E saber disso é um consolo —
é já não precisar...
LA 03/007
Amigo é bom porque
quando você precisa
ele não está lá,
já quando não precisa —
ei-lo que lá está.
Então já sabe:
se precisar,
não lhe terá a mão,
não precisando —
lá está ela,
forte e amiga,
a acariciar-lhe o ombro
com macios tapinhas.
LA 03/007
Mãos que muito amontoam,
sinal de alma vazia.
LA 03/007
A sociedade usa botinas terríveis,
botinas que chutam pessoas
para fora da dignidade de ser gente.
Botinas que excluem crianças, homens e mulheres
chutando-os para a margem —
repartindo a pobreza
e concentrando a riqueza.
LA 03/007
Se todo mal tem cura,
toda cura traz em si um mal,
que terá cura.
LA 03/007
Sintomático aquele engate
que todo carro bonitinho tem.
Bolotinha niquelada,
parece o dedo médio
nos provocando...
Sim, sintomático,
mas bonitinho.
LA 03/007
O nosso tráfego aéreo,
com problemas cabalísticos
( e quejandos ou lingüiçandos ),
devia ser entregue aos urubus
que, aliás, nunca se chocaram —
a não ser com aeronaves.
LA 03/007
Outono Já Boceja...
Outono já boceja em cada folha.
Uma brisa mulata pela tarde
mostra o verde a tremer para quem olha
entre o roxear da luz que já não arde...
Do leste vem a lua a olhar caolha
sobre arbustos e casas com um ar de
quem se balança dentro de uma bolha —
berceuse pelo céu que... eis já encarde...
Um vento frio sopra afrodisíaco
em eu pensar em ti, minha safada,
com esse jeito e olhar tão sem-vergonha...
O vento lembra os tons daquele austríaco
que nos fazia uivar... lembras, amada?
Uivar de amor e crer no bem que sonha.
LA 03/007
Hoje É O Que Temos...
Hoje é o que temos, minha nega, e só.
O mais é esperança amanhecida,
quanto mais requerida, mais fugida —
coquete em tremeliques de xodó...
Do ontem, minha nega, restou pó.
Nosso amanhã ainda não tem vida —
só imaginação a arder fingida,
a dar em nosso sonho o velho nó...
O hoje é a realidade em que apoiamos
tudo quanto com as mãos remodelamos
nos instantes a arder em nossos olhos...
Navegar tem por medo seus abrolhos...
Semear tem por risco o que não nasce...
Somente o hoje no amanhã renasce.
LA 03/007
Como Era Linda...
Como era linda ( puta que pariu! ),
como Laura era linda, boa e bela!
E tão e tanto de deixar seqüela
na inveja de quem só uma vez a viu.
Uma beleza ( puta que pariu! )
de o cara ao meio-dia ver estrela,
confundir gergelim com mortadela
e o canto do sabiá com o do tiziu.
Como era calma, puta que pariu!
Lhe adiantavam relógio e calendário
pra não perder aquilo que assumiu.
Uma delícia ( puta que pariu! )
lhe amar aquele jeito tão vicário
de alguém sem olhos a jurar que viu...
LA 03/007
Ela Chegou Trazendo...
Ela chegou trazendo uma fragrância
de brisa fresca em campo reflorido.
Na irmã, uma saudade toda ânsia
a cutucar um tempo já vivido.
Não lhe faltava o charme, a elegância,
aquele tom de cravo dolorido
a recordar lapelas... e Constância
a bordar mimos com lilás gemido...
Eram gêmeas de um tempo maltrapilho:
sem casamento, profissão nem filho —
viviam dos proventos dos finados.
Vitória sempre vinha, precisava
( era a mais velha ) dos chulés passados
que o casarão ( decrépito ) exalava.
LA 03/007
Hoje é dia dos teus anos.
Dia em que colhes a pétala
de fininício.
Senta, minha amiga,
senta-te aqui
sob este ramo da poesia
e deixa que eu o chacoalhe
e te cubra de pétalas...
Pétalas de todas as cores
e aromas triscantes:
sobre os cabelos, o colo
e o lombo desses dois coelhos
com o focinho escondido
nos cantos do decote...
Deus te abençoe e guarde,
minha cara!
E nunca,
nunca-jamais te falte
entre as pernas
um homem apaixonado.
LA 03/007
Conta até três,
bem pausadamente.
Finda a contagem,
sente o momento, este momento
em que estás...
e lá no teu sentir,
busca saber:
sentir-saber,
saber-sentir
que esse momento é teu
e pelo teu querer
e ousar
tu podes nele agir
para mudar-te,
mudar a ti
e o mundo.
LA 04/007
Com todos os seus “defeitos”,
a família é uma barca
que, quando fura,
dispõe de mais de um balde
para jogar a água fora.
LA 04/007
Já estava tudo feito
quando viemos para cá.
Isto deveria bastar
para termos grande respeito
por toda a humanidade.
E mais que isso —
darmos alguma coisa
de nós
ao mundo.
LA 04/007
Esperar que alguém mude
deve ser muito triste.
Primeiro, porque ninguém quer mudar.
Segundo, se se quer que alguém mude,
é porque “assim” ele ou ela não serve.
LA 04/007
Em todo relacionamento estável
há o binômio egoísmo-generosidade.
Tal relação vai bem
até quando o generoso a suporte.
Atingido esse limite,
o egoísta
vai ter que arrumar sua mala.
A relação que se mantém
é porque soube desenvolver
um relacionamento de justiça —
ao invés do binômio
egoísmo-generosidade,
viveram o dueto
do justo com o justo
como alternativa possível.
Tal relação não é tão rara
( quanto se pensa )
e é, sem dúvida, a mais saudável
e duradoura.
LA 04/007
Seu Filho...
Chamava-se Risério —
um cruzamento de riso
com sério.
Seu pai era coveiro
da elite
em cemitério
da elite —
sempre entre túmulos,
túmulos
querendo rir por último
em seus marmóreos tiques,
chiques chiliques
e estátuas de bronze negro
com hilárias pinceladas
de mestres pombos...
Homenzinho tesudo
( o pai de Risério, lembra? ),
com jeito de Napoleão
antes de Waterloo —
tocava negros e doídos trechos
do réquiem mozartiano
na ponta da colher
percutindo os tijolos...
Com as gorjetas de músico
fúnebre
comprou uma “Empresa de Luto”.
Mas jamais deixou a profissão
que gostosamente exercia
( todo o mundo sabia )
com orgulho e satisfação.
Em sua camiseta exibia
uma frase comparativa
( que começava no peito
e terminava nas costas ):
Mais vale um cachorro vivo
que um leão morto.
Seu filho
chamava-se Risério —
era dono de três marmorarias
e de várias floriculturas.
LA 04/007
Hoje, disseram aos passageiros
amontoados nos aeroportos:
“Calma! Todo mundo vai voar.”
Aí uma velhinha
gritou uma pergunta:
Será que puseram bombas
nas aeronaves?!
LA 02/04/007
Sempre que não podemos
chutar o traseiro da depressão, —
azar nosso!
Os sapatos dela
são de bico longo e fino.
LA 04/007
Por vezes o silêncio
tem um tom muito triste,
um timbre de tragédia
em que nos vemos
do lado de fora de nós —
é o ser se despenhando
por perder o equilíbrio
lá em seu ter ousado
para não se perder...
É o caos
que tem de refazer-se
em cosmos.
LA 04/007
O Rabino Henry I. Sobel,
que ajudou a muitos,
está agora precisando de ajuda —
daquela que deu a tantos
e com tanta coragem.
O Rabino
é dom, bem humano,
da casa:
sua inteligência e talento,
sua luta altruísta
viverão para sempre
chez-nous.
Sem Sobel
a gente seria menor.
Vejo-o como homem
de integração,
expansão e transcendência
de religiões,
de raças,
nações,
do humano.
Sim, sem ele nosso momento
seria menor.
LA 03/007
As bactérias serão sempre mais resistentes
que as drogas,
e a grande bactéria vem vindo aí.
E agora, José?
É morrer ou morrer?
Não, a esperança e a fé
dirão: É viver ou morrer.
A morte ainda será
uma opção atraente.
Até que se descubra
uma alternativa
aos antibióticos —
através da dialética
dos afins.
LA 04/007
Será que o mundo microbiano,
onde vivemos,
irá reivindicar a terra para eles?
LA 04/007
Tá dando certo a sua reza?
Fique com ela, compadre.
Tem muita gente aí
rezando bonito pacas
( tão direitinho e avivado ),
ministrando aulas
de riquezas e venturas,
mas que não tá com nada
a não ser o que levam de seu bolso.
Melhor que ter um deus canalha assim
é nunca ter um deus canalha assim,
compadre.
LA 04/007
A cínica liberdade
dos costumes
( faz tempo, muito tempo )
reduz corpo e sexo
a coisas de mercado.
LA 04/007
Muitas mulheres
estão agindo como homem.
Não deveriam nunca
se rebaixar
à condição de macho.
Ser mulher
é o lugar na vida
de maior preço
e apreço.
Sim: femineza
é beleza que não pode
ser negociada.
LA 04/007
As fragatas são imponentes e agressivas,
mas vivem de roubar os atobás —
roubam-lhes o que eles já engoliram,
sim, vivem do seu vômito
aquelas imponentes e agressivas aves.
LA 04/007
A liberdade será sempre desassistida,
cabe a cada um desenvolvê-la
e saber o que ela é ( dentro do contexto
social,
e sobretudo em si mesmo ).
A liberdade só existe
porque é sonho de suplantar-se
em cada homem.
LA 04/007
A igualdade é uma idéia
incubada pelo sonho social —
e que vive ou morre
na mão de cada um.
LA 04/007
A fraternidade é decorrência
de uma consciência
que aprendeu a liberdade
e a repartiu em igualdade:
sabe-se agora
que a vida é de todos,
mesmo que ainda não seja.
LA 04/007
Adoro as gostosonas
que se derramam em libido
e charme —
e ficam a espiar os homens
lambendo o rastro que deixam.
Sim, adoro vê-las casadas
com outros ( quaisquer que sejam ).
Acho que a estabilidade emocional
é de um preço inestimável
e nada deste mundo a vale.
LA 04/007
Algo que nos manche a alegria
devia não nos convir.
Algo que não nos fosse agradável
devia ser pecado.
LA 04/007
Bem melhor não ter
quando se intui que ter
fora pior que nada.
LA 04/007
Minhas mãos nunca estão vazias,
pois que nelas tenho a palma e os dedos —
e, antes de serem poesia,
as palavras me passam por eles.
Sim, no instante-intuir-digitar
é que as palavras ganham um sentido
e escrever tem sabor
de nexo-finalidade — com sementes de mim
plantadas no humano
a caminho de nós-mesmos.
LA 04/007
Quando eu me chamar nunca mais
Deus vai ter saudade de mim —
esse puta cara doido
que com metade da boca
Lhe entoa hosanas e louvores,
com a outra pragueja, exorta,
e diz palavras macias...
Sim, com uma das mãos Lhe dá glória
e com a outra segura
essa baita batata quente,
que é estar no mundo
em meio a balas perdidas
e taxas escorchantes,
desempregos, pragas, pestes,
excomunhões, usuras,
entre loucuras, arrastões,
roubos, seqüestros e apagões
virtuais-reais: céu-terra,
medos, nóias, sustos, pânicos
e ameaças ameaças ameaças ameaças...
de palavras pontudas
puxando mísseis
da puta que os pariu.
Sim, Deus vai ter saudades
de todos nós.
LA 04/007
Dependendo da elasticidade
da “paciência” de quem espera,
a esperança,
mesmo amanhecida,
tem sabor de panetone.
Os demoprestidigitadores
sabem e confiam nisso,
e até oferecem o vinho
do sonho
para molhar
o tal do panetone.
Aí, o povo alegre,
sempre pensado e sonhado,
aos uivos e urros,
cobrem-lhes de palmas
as basófias sonoras,
as elegantes mentiras —
carregam-nos nos braços
como jamais fizeram com seus filhos...
e os reelegem até a senilidade.
LA 04/007
Haverá sempre uma música
para arrepiar o momento
cultural
e tornar os homens mais compatíveis
com a mercadoria social
que os move em tempo-espaço.
Atrás da contabilidade
e seus bancos,
os homens amam a guerra e as fêmeas
e vivem para disputar
quem acumula mais
e possui as mais belas mulheres.
LA 04/007
— Quem ri por último ri melhor.
— Se ainda tiver os dentes, senhora.
LA 04/007
O que os olhos não vêem
os vizinhos adoram contam.
LA 04/007
Quando esperar não cansa,
nem se alcança.
LA 04/007
Se o amigo te adentra a casa,
sem dúvida: vais ter problema.
LA 04/007
Cobrava em dólar,
mas era compreensiva —
fazia fiado.
LA 04/007
Quando Ofélia era moça,
dizem que, ao vê-la, os homens tinham
“comportamentos estranhos”
( não dava pra disfarçar ) —
pareciam estar subindo
por escadas ensaboadas...
Suas consortes ( é claro! )
ficavam pê da vida,
diziam mesmo em matar
aquela coisona linda
que era Ofélia —
coisa de encher as duas mãos,
a boca
e todos, todos os dedos.
Y así pasaban los días...
até que uma esposa compreensiva
disse ao marido:
Vai e mata a vontade! Vai, que não cobro.
Paredes são para lagartixas
ou para o Homem Aranha.
Vai e chafurda, amorzão! Depois me diga
( ou não me diga nada )
o que é que a cara tem de tão-tão...
Dizem que André pediu à consorte
uma dúzia de noites...
para depois lhe apresentar um relatório
pormenorizado e honesto
sobre a coisa em si
e a coisa comparada à dela.
Enquanto isso,
aquelas esposas duronas
( e para não serem diferentes... )
também concederam aos maridos,
aos maridos febris e espumando
como cerveja morna —
o bendito alvará
dado ao André.
Um historiador da cidade,
cheio de brancos e rugas,
me contou que essas labaredas
duraram quase um ano...
Depois, as mulheres de tais trepantes
se foram com os índios da tribo dos
pau-em-pé, cujos indivíduos perderam
suas mulheres
em virtude de uma peste fatal,
exclusiva:
terrível peste feminina,
conhecida por “mata-cunhã”.
Bem, quanto aos seus excompanheiros
me disse o contador de histórias
que ficaram com sua bela mulher
que viveu longevamente
e os foi enterrando um a um prazerosamente
até o último... e que, por fim,
ela se foi para Roma com o padre da Matriz,
Sandro Trepanelli.
Viveram longa e deliciosamente
na Cidade Eterna —
trepados e a limpar vidraças.
LA 04/007
Ninguém a fazia
de gato e sapato
nem de cachorro do mato.
Ah, não, senhor!
Só o marido,
o marido ela aceitara de volta
umas trinta ou quarenta vezes,
mas... por amor cristão,
por saber perdoar.
Agora, fazê-la de boba?
“Esse ainda não tinha nascido!”
LA 04/007
Com ela,
era bem diferente.
Sentia algo levitante,
algo especial, estranho até
( arrepiava! ).
Sim: algo misterioso...
coisas talvez de outras vidas...
Não sabia explicar
aquele estado constante
de peroba do campo,
de aroeira plantada n’água.
LA 04/007
O jornalista viu na calçada
um movimento estranho...
e telefonou pro Banco:
Alô! Quem fala?
E ouviu:
Aqui é o assaltante.
Fonte:
Jornal Nacional
11/04/007
Sempre, sempre aquele
mesmo
festival de talentos,
lentos.
LA 04/007
Negócio Da China
Montou no Mediterrâneo uma
OMELETARIA
ONLY FOR WOMEN
( de ovos de tiziu cruzado
com abutre do pescoço pelado.)
As turistas foram lá ver.
O chefe de cozinha lhes mostrou
a frigideira
em que tinha preparado
uma daquelas omeletes —
Levou-a debaixo da torneira
e abriu:
o fio d’água subiu teso,
bateu lá no teto,
desceu e, antes de tocar na frigideira,
subiu de novo... e assim foi
e refoi sem cessar...
desenhando infinitas,
infinitas elipses tesas...
Uma das turistas contestou:
De que diabo serve isso —
até fio d’água sobe,
mas na hora de introjetar-se
panela adentro
a coisa sobe de novo
sem relar em nada?!...
Aí o chefe explica
às interessadíssimas:
A omelete é transformada
em pastilhas ( validade: 5 anos ).
A mulher toma duas,
daí a pouco dorme, de duas a três horas...
Quando acorda,
é só enxugar-se...
A turista,
meio sem jeito, pergunta:
Mas tudo isso solitariamente,
isto é, com a mulher sozinha?!
O chefe responde e explica:
Sozinha, não, senhora!
A mulher toma o produto e sonha,
sonha com a pessoa
que tiver na mente
ao engolir as duas pastilhas...
Dito isto,
ouviu-se um coro bem escandido:
Diiiiiiviiiiinooooo!!!...
LA 04/007
Cachorro finge que não quer,
mas se outro pega,
quer matar.
Cachorro e gente se parecem muito...
É que, convivendo,
um aprende com o outro.
LA 04/007
Não sejas pessimista,
que o azar é teu.
Nem sejas otimista,
que levas.
Melhor é seres coisa alguma
que seja bobagem ser.
LA 04/007
Conte ( de olhos fechados )
até cem,
até quinhentos,
até mil.
Se o sono não vier,
esquente não —
foi mais uma incursão
pelos lados da insônia,
no caso, mais um problema
que a aritmética
não resolveu.
LA 04/007
Esse futuro que esperamos
vem do nosso trabalho no hoje,
e quando ele nos chegar
será outra vez amanhãs
sonhados no hoje.
LA 04/007
A inteligência em bruto
da autoridade
leva à tortura
e ao extermínio.
Se quem tortura e extermina
soubesse
que tem um encontro com os seus atos
em proporção inversa
ao que por ele foi praticado —
por certo seu amor-próprio
não levaria o terror e a morte
a um triste beco sem saída
em que ele indubitavelmente
um dia vai estar.
LA 04/007
Ah, minha gente! A vida
não é uma coisa sem sentido
nem depende de vocês!
Pra ser feliz, minha gente,
só plantando felicidade.
LA 04/007
Cosmicamente,
o altuísmo
é a moeda mais cotada.
LA 04/007
A anistia
é o perdão que lhe dão
por lhe terem injustiçado.
Sim, essa tal anistia
traz sempre em si
um cínico paradoxo.
LA 04/007
Os mauricinhos que me desculpem,
mas sem cair no mundo,
ninguém pode ir buscar
o que lhe falta
( refiro-me à nossa falta de ser ).
LA 04/007
As mazelas da maldade
deixa seu cheiro
de rato morto.
LA 04/007
O que você fez é seu.
Não precisa se lembrar —
alguém lhe levará
o que é seu a você:
sempre numa hora
que você chamará de imprópria.
A vida é o bem maior
e tem de ser tratada como tal.
LA 04/007
Tacho De Cobre
Se os bichos te estupraram a goiaba,
faz um acordo com os tais: divida
a fruta e a cada um então lhe caiba
a parte que apeteça e mais convida.
Mais vale um mau acordo... ou te desaba
o sonho de sair com brio e vida
de uma guerra sem fim, que só acaba
se cada parte se acha a mais servida...
Bota a fruta no tacho e vai mexendo
( açúcar bem a gosto ) e vai lambendo
o que te espirra às mãos, lambe ligeiro!
Esse tal doce conta a teu vizinho
que o estás fazendo... ( manda-lhe um pouquinho! )
A goiabada vale pelo cheiro.
LA 04/007
Se a vida fosse só isto,
Senhor,
serias
o maior dos canalhas.
LA 04/007
Era alta,
belo rosto,
mas tão magra,
tão magra/magra
que homem nunhum ousava
verificar se ela tinha
aquelas coisas
que as outras têm.
LA 04/007
Não era modelo,
mas tinha um passo que socava o chão.
Foi contratada
pela
Asfalto & Pontes LTDA.
LA 04/007
Sob orientação de um faquir,
fizera uma dieta tão água e folhas,
que foi sumindo,
resvalando de si,
a evaporar-se... e tanto,
que a mãe o dera por desaparecido,
mas podia ouvir-lhe a voz
por toda a casa.
LA 04/007
Ontem vi a Marli —
uma fera, naquelas pernas
a bordar uma saia-abajur...
Nunca a vi mais exultante.
Disse-me apaixonadamente
que conhecera um faquir
e que estava pregada,
furada,
parafusada,
trespassada de amor.
Sim, disse que o amor
lhes ensinou a pregar pregos
os mais enferrujados.
Essa Marli!
Sempre um espinho de tesão.
LA 04/007
Existe um céu
onde guardamos
as delícias das amadas —
alí só entramos em memória,
memória que saboreia
as divinuras deste céu.
LA 04/007
Entre dez/dez e meia,
André ouviu bater.
Era a vizinha Caroline.
Estava mitológica —
só uns paninhos sem alças
nas pontas...
A saia um abajur,
sem a lâmpada...
mas que André, logo depois,
com muito jeito,
tratou de pôr
e fazer acender.
Foi uma festa.
LA 04/007
Lalinha tinha um rosto tão bonito
que fazia chover...
Casou com um fazendeiro do Agreste.
LA 04/007
A mãe de Sandrinha roubou-lhe o noivo.
Mas sem querer.
Chegou bêbada, no escuro,
jogou-se sobre a cama do corredor
em que dormia um corpo pelado
e peludo.
Com a luz crua da tarde
viu que não era Rubão, seu amante...
O mais é fácil adivinhar.
O que falta dizer é que os dois,
a mãe e o quase genro,
se casaram dali a três dias.
A filha ficou com Rubão
por quem sempre tivera
o maior dos tesões.
Como diria um chinês,
c’est la vie!
LA 04/007
O Outro
O outro
sempre a nos querer mudar,
nos ensinar a orar
pela sua teologia,
a pensar
pela sua filosofia,
a nos salvar
pela sua religião,
a viver
pela sua idiossincrasia...
Sim, o outro nos quer diferentes.
Sempre o outro
com as suas outrices!
Mas nem por isso,
nem por isso deixaremos de vê-lo
com ternura,
com paciência,
com relevância...
Numa palavra —
seria muito bom
se pudéssemos amá-lo,
até porque, para os outros,
também somos o outro.
LA 04/007
Sim, demos graças
por podermos dar graças.
LA 04/007
Mantenhamos
a prevalência do espírito
sobre a mente —
sem jamais abafar
a voz do coração.
LA 04/007
É bom guardar alguma lenha
para as noites geladas.
LA 04/007
É bom aprender a ouvir
a voz de Deus
para ter com quem falar
nos momentos intermináveis
de solidão.
LA 04/007
Não deixemos que o sucesso
ou o fracasso
nos tiranize.
Tratemos esses dois impostores
com toda a possível
serenidade.
LA 04/007
Conhecer nossos limites,
e respeitá-los,
é um bem constante
que nos podemos fazer.
LA 04/007
Balizar nossa vontade
por um saber querer —
isto nos livra e guarda.
LA 04/007
Aprende a ouvir teu coração
e soma-o
ao que escutas do mundo —
assim não te envaidecerás
demasiado
nem deixarás que te enfraqueçam.
LA 04/007
Se tudo passa,
é para o nosso próprio bem —
com esse sentimento,
passar vira discreto prazer.
LA 04/007
Diga não,
quando lá em você
não é “não”,
e sim,
quando “sim”
lá em você.
LA 04/007
Não só se ame,
mas goste de você —
seja agradável
com você mesmo.
LA 04/007
Lembremos sempre
que a beleza de tudo
é tudo ser breve —
não deixemos que a corrida do tempo
nos amedronte
em nenhuma de nossa idade.
LA 04/007
Já que a morte é inevitável,
vivamos de maneira
que morrer valha a pena.
LA 04/007
Faça o que pode,
o que não pode
não é para você fazer.
LA 04/007
Hoje é o que temos,
com todos os ingredientes
de podermos moldar
os nossos sonhos
e passá-los para as mãos
Daquele que em nós quer
que o nosso intento se realize.
LA 04/007
Não repouse tarde,
nem se levante com os pássaros.
Durma e descanse
o quanto precisar
dormir e descansar.
Assim terá força e equilíbrio
para o trabalho
e a criatividade —
principalmente,
terá alegria
e esta lhe dará forças
para construir
sua felicidade.
E o Senhor em você
abençoará
tudo quanto fizer.
LA 04/007
Tenhamos paciência com nós mesmos,
sejamos amigos de nós mesmos.
Mas nem por isso esqueçamos
que somos vida e ser:
precisamos crescer
no que nos falta —
aprender a desaprender
e reaprender o desaprendido.
Trocar a defasagem
pelo refazimento —
com calma,
amorosamente
no dia-a-dia orvalhado
de fé,
de esperança,
de amor por nós mesmos
e pelo nosso fazer.
LA 04/007
O que nos falta
não implica ansiedade,
angústia
e muito menos desespero.
O que nos falta
será suprido
pela boa vontade
e sentimento de vitória,
pelo fazer agradável,
pelo trabalho
que, pelo modo de ser feito,
será bom de fazer —
tem em si o prazer.
LA 04/007
Sempre pensamos
que não mereceríamos
tal ou qual derrota.
Quando se trata de uma vitória
achamos que veio para as mãos certas.
O que acontece conosco?
Por que tememos tanto a derrota?
Será que não percebemos
que atrás de cada uma delas
está o seu oposto?
Quando é que vamos entender
que essas duas impostoras
foram criadas
para manter o sistema
sobre nós?
LA 04/007
Fica numa postura
de quem não sabe.
Como vais aprender
se pensas que já sabes?
LA 04/007
O que hoje é seu amigo,
amanhã pode não ser.
E tanto você como ele
ficam reféns do que disseram.
A intimidade,
não raro, fede.
LA 04/007
No desespero,
o homem vira marionete.
Tanto quanto possível,
manter a calma
é o melhor negócio.
LA 04/007
Diga a você mesmo
que sofrer não é nada bonito —
assim vai perdendo o hábito
de ser infeliz.
LA 04/007
Vitória é bom,
mas quando vier o contrário,
saiba que esse cara
também tem seu lado bom —
dura pouco.
LA 04/007
Quando estamos enfraquecidos
ou doentes,
um pequeno problema
é um elefante branco.
Quando estamos bem,
um problemão
vira aquela formiguinha
que o elefante salvou...
e mandou ir descendo a calcinha...
Lembra?
LA 04/007
Tanto quanto possível,
não faça nada com medo.
Esse figurão humilha,
amesquinha,
apequena.
Um filho do Pai deste Universo
não deve ver-se no retrovisor
do lado direito...
mas naquele do lado esquerdo...
Nem deve sentir-se pequeno
quem inventou a esperança.
LA 04/007
O cansaço, ou a perda de alguém
põem a gente no chão.
Se estás assim, aproveita —
faz como o cão doente:
deita, jujua, dorme...
e logo terás forças.
Fortalecido,
a gente tem mais chance.
LA 04/007
Somos água a passar,
sim, passamos como as águas passam —
umas procuram o mar,
outras as areias desertas —
passamos como as águas passam.
E, não raro, com sede,
com sede de justiça.
Tomara que tal sede
não se transforme em mágoas,
mágoas-ressentimentos,
mas em força para mudar
o que não serve,
não presta para muitos
e muitos.
LA 04/007
Se não está bom assim,
espera só um pouco —
a beleza das coisas
é tudo estar mudando.
LA 04/007
Ele ou ela te deixou?
Que bom! Assim podes encontrar
outra ou outro e... quem sabe
perceber
que os outros não nos amam,
mas nós é que nos amamos
nos outros.
LA 04/007
Não faça o que não gosta
para agradar,
mas por prazer —
para agradar-se.
Se não se ama,
é um bobo de si mesmo.
E o mundo ri,
e adora.
LA 04/007
Quando menino,
me chutaram o traseiro,
me deram croques, porradas,
deram-me quase nenhuma roupa,
nenhum sapato,
muito trabalho,
muita pancada,
muito desprezo.
Trocaram-me a escola
pela enxada.
Mas tudo isso me deu força
porque eu sabia
que tudo mudaria —
e eu iria estudar.
E assim foi.
Fiz de minha desgraça
realização.
De minha vida
auto-realização.
Não sou bosta nenhuma,
mas perto do que não seria,
até que estou satisfeito comigo.
LA 04/007
Por vezes deixamos para Deus
fazer nossa lição de casa.
Realizar os nossos sonhos
sem ao menos fazer a nossa parte.
E temos até coragem
de ficar de mal Dele.
LA 04/007
Sabendo o que queremos
podemos dar um sentido
à nossa vida.
Agora, se não sabemos,
como usar nossa vontade,
acoplá-la à nossa fé
e incubar nossos sonhos?
Sim, como sonhar
nas mãos de Deus
para que a obra nasça?
Sim, nossa vida
precisa de um sentido
dado pelo querer —
nossa vontade-fé.
LA 04/007
Vivendo mais que um dia
a cada dia,
temos saladas de ânsias,
indigestão de cuca —
cuca incucada.
Fundimos o motor,
minha nega,
do nosso caminhãozinho.
Nossa paz então sifu
e com ela o nosso...
LA 04/007
Nossa alma malcriada
tem uma fome
do tamanho do mundo.
Uma boca onívora —
como aquela raposa jovem,
quer tudo devorar.
E quem paga
por suas ânsias,
por suas angústias,
por seus cansaços,
por seus fracassos
e depressões?
Adivinhe quem paga!
LA 04/007
Se o momento é agora,
minha nega,
vamos comer musse de amora.
LA 04/007
Esquente não, minha amiga!
Quando chegar nossa hora,
deixaremos bonecos de cera
aqui —
e estaremos na praia
sobre um ortofálico
colchão de areia.
LA 04/007
Geralmente morrer
deixa o cara sem graça.
Mas Marilda não —
tava com uma bela cara
de sem-vergonha:
parecia que tinha
acabado de dar uma
a safada —
uma bem devagarinho.
LA 04/007
Teve um cara que escreveu
o Livro Do Desassossego.
Ainda bem que ninguém leu.
LA 04/007
No Romantismo
os caras competiam
pra ver quem era mais triste
e quem morria mais moço
de tuberculose —
causada por só fazer aquilo,
que também matou ( por tabela ) Aquiles,
bem antes de tudo isso.
LA 04/007
Tive um amigo
que jamais sorria.
De fato,
devia ficar muito feio
quando sorria para o espelho.
LA 04/007
André tirou
todos os carrapatinhos dela,
porque o marido esbravejou
( segundo ela )
que não sabia fazer isso.
LA 04/007
— Dois mais dois são quatro ou cinco?
— Sei lá!
Para mim são vinte e dois.
Cada um conte como quiser,
contanto que me volte o troco certo.
LA 04/007
Se você se cansou de correr,
sente-se,
tome um fôlego —
sentado também se caminha,
se corre,
se voa:
tudo depende da qualidade
da sua nave psíquica.
Sim, sente-se ou corra,
é a mesma coisa
para você continuar
a ter o prazer
de ser infeliz.
LA 04/007
Hoje,
só hoje.
Amanhã
é uma dedução:
se acontecer,
se chamará hoje.
Sim, ontem
é um fantasma.
Amanhã
suposição.
Só o hoje,
filho dos amanhãs,
neto dos ontens —
só o hoje existe,
isto é: é o que temos.
LA 04/007
Tiraram a venda da deusa da justiça,
e viram surpresos:
era uma tartaruga.
A espada que segura
sobre o colo:
pronta a ser desembainhada,
não é uma espada,
mas uma espécie de colher de pau
para mexer marmelada —
o doce que ela mais aprecia.
LA 04/007
A Deusa da justiça
é uma putona caloteira.
LA 04/007
O jumento ornejou,
manhã inteira,
zurrou
a tarde toda.
Foram lá ver —
o bicho não alcançava a égua...
Dª. Josefina,
cara jeitosa e de boa vontade,
ajeitou-lhe a coisa
( com o cabo da vassoura )...
e pronto —
acoplagem perfeita!
LA 04/007
Fazer do nada alguma coisa,
do pouco o suficiente,
do suficiente o muito
e ainda sorrir
honestamente feliz —
isto é ser simples,
sem nenhuma escolaridade.
LA 04/007
O canalhas adoram
os francos,
os humildes,
os simples,
os mansos,
os de princípios,
os de palavra.
Por que será
que os canalhas
adoram tais predicados
nas pessoas?
LA 04/007
E os que desejam que mudemos,
por que desejariam que mudássemos?
Para sermos maravilhosos como eles...
ou para lhes prestar, servir,
para lhes ser de utilidade?
LA 04/007
Macaco que muito pula?
Precisa de muito espaço.
LA 04/007
Pra ela não se machucar,
marido fez-lhe um portãozinho,
fácil de abrir —
por dentro e por fora.
LA 04/007
A vizinha do André,
com muito medo e jeito,
depois de muito papo,
conseguiu, nas entrelinhas,
lhe dizer que sua mulher...
Antes de ela terminar a frase,
André lhe disse
que, pra fora de seus muros,
era outra jurisdição.
E levou-a para ver
a coleção de vibradores
que ele trouxera do Japão.
LA 04/007
A posição mais bela
pertinente à mulher e ao homem
diz respeito às suas pernas —
as dela, abertas;
as dele, fechadas.
O mais,
o mais são outras posições.
LA 04/007
Não raro exigimos dos outros
o que não temos —
e nem damos por isso.
LA 04/007
A inquisição detestava
quem pensava,
mas adorava
carne bem passada.
LA 04/007
Quando ela passava
a terra tremia,
sinos tocavam
lá dentro da gente.
Aliás, éramos todos tão moços...
Era linda,
maravilhosa
como aquelas pessoas
que desejaríamos rever
mas jamais conseguimos.
Linda como a Terra vista de longe...
Sim, linda como vê-la
lá da minha mocidade.
LA 04/007
Recordar é viver do avesso:
do depois para o antes.
LA 04/007
Sempre Que Ela...
Sempre que ela desliza na saudade
mais parecendo notas de um piano,
vindas de longe, em timbre bem humano,
a desfolhar-se em musicalidade...
Sempre que a sinto pela claridade
que há entre a ribalta e aquele grosso pano
que esconde a realidade atrás do engano
que faz o chão virar virtualidade...
Sempre que me visita na lembrança
de termos percorrido a mesma estrada
onde se ouvia o canto da esperança,
os gorjeios do amor, os arrulhos da fé...
sinto no ar o apurar da goiabada,
do pão assando e o aroma do café.
LA 04/007
Os honestos nunca deram muito certo...
mas ... mesmo assim,
esses tais não sabem
ser diferentes.
LA 04/007
Esperar quem não vem...
por certo, não é um bem.
LA 04/007
Quando ficava sem...
entoava mantras zen.
LA 04/007
Tem um cara
(que me chama de irmão)
que adora escatologia.
Devora tudo que pode a respeito...
Ainda não sabe que o homem,
o universo, as criaturas,
a vida —
são tudo apocalipses
que se deram, se dão e se darão —
na ribalta e no poscênio
do palco planetário.
LA 04/007
Se você não me convida para jantar,
também não me peça que lhe ajude a lavar os pratos.
LA 04/007
Já estão preparando
mais danças da pizza —
novas CPIs.
Vai ser bonito,
hilário e divertido.
A gente só pediria que o ritmo
dessas conhecidas danças
fosse bem variado —
a começar com a Valsa do Imperador,
a mediar com o tango
e a terminar com o forró
de pau duro.
LA 04/007
Os aposentados
pararam hoje a Avenida Paulista —
pleiteiam 8, carrapatinhos
de reajuste, rejeitando os 3, muriçocas —
que lhes quiseram empurrar
com o bico da botina.
LA 04/007
Serviço de meteorologia,
para a manhã —
chuvas fortes e granizo...
Mas tempo bom nos teus olhos,
minha nega.
LA 04/007
Tão importante como aprender
é a refundição do processo —
quem poderia
remodular o aprender
sem reciclar a aprendizagem?
LA 04/007
Não, senhora,
não digo que bunda
tem que caber nas mãos...
Não é isso.
Mas daí a fazer
as mãos desaparecerem,
isto é inflação —
atrases excedentes.
Sim, essa bunda,
que abunda,
é que redunda.
LA 04/007
Sim, Marli:
há de pintar um dia
em que a gente se fale —
sem hora e senhor
que nos atrapalhem.
LA 04/007
Não dá uma de ressentido não,
de melindroso,
de delicado,
que a coisa fica bem pior.
Disfarça sempre, faz que gostou,
senão o mundo, meu velho,
te come o rabo
assoviando a Valsa Vienense.
LA 04/007
Treina o teu coração
( sem que ninguém saiba ) —
robustece-o
com aquela alegria
que vem das mãos do Senhor
e é toda a nossa força.
Que ele seja um valente,
se ilumine da luz que é
e se recorde,
se recorde do caminho
de Casa.
LA 04/007
Desse ângulo em que estou na vida
tenho mais é que me lembrar
de esquecer o que não foi bom,
dar graças ao que o foi
e aprender a coçar o coiso
com bastante carinho —
sim, lembrando-me a cada dia
que o que não for agradável
é pecado.
LA 04/007
Coçar o saco
faz o cérebro liberar
a escrotinina
que, além de afrodisíaca,
acalma e faz sonhar.
LA 04/007
Lá uma vez por mês se encontravam
numa dessas bucólicas pousadas
e gostasa, romanticamente
enterravam
sua grande amizade.
LA 04/007
Era tão afiladinha,
tão levezinha,
tão folial —
que se tinha a impressão
de poder trespassá-la...
LA 04/007
Correu tanto do tarado,
mas tanto demais da conta,
que o safado desfaleceu,
bufou,
caiu.
Ela sentou-se ao lado dele,
acendeu um cigarro
e esperou...
Quando o cara voltou a si,
ela o pegou pela gola
e ordenou:
Agora quem quer sou eu!...
Capricha. Faz direitinho,
senão apanhas!
LA 04/007
A passo de tartaruga
é bem melhor
que a nenhum passo.
Pra aumentar esse passo
a gente usa o sapato
do arlequim.
LA 04/007
Era boa
pros ricos,
pros remediados,
pros pobres.
Mas não fazia fiado.
LA 04/007
Moça de branco, bonita e sensual,
( teria morrido virgem...)
aparecia...
( desculpem,
mas a palavra virgem, aqui,
tem sentido, vocês verão...)
aprarecia à meia-noite
de todo dia 12
na pracinha sombria
ao lado do cemitério.
Aparecia aflita ( sim: aflita
é o que dizem os anais
municipais —
aflita como criança gulosa
frente ao carrinho de hot-dogs... )
Padres, bruxos, xamãs,
exorcistas, espíritas,
pastores avivadíssimos,
rezadeiras, paranormais
e quetais —
tudo fizeram
para aquietar a pobre alma.
E nada.
O máximo que acontecia
era trazerem um lencinho,
uma jóia, um mimo qualquer
que o noivo reconhecia
como dela...
Eu disse noivo?!
Sim, o pobre noivo
( aliás, riquíssimo )
que a vira bater as asas,
esticar os pernões
por uma bala perdida —
logo após o “Sim!” em pleno altar...
num gesto ero-facial-bucal-lingual
nelsonrodriguiano —
ela expirou.
O noivo,
que não a via
( não tinha mediunidades
desenvolvidas ),
já não sabia o que fazer
quando eis que surge
( como do nada ) —
Homenildo Jaqueira Bem Fornido,
caboclo mumunhoso maroteiro
que aceitou a empreitada
( a preço antes tratado )
de no próximo dia 12
( dizem que era mês de agosto )
pernoitar no jazigo
daquela alma penada e insatisfeita...
Chegado o dia, isto é a noite,
com seu jeito acrobático-mitológico
pulou o muro sem relar,
deixando para fora a esperá-lo
a multidão frustrada em tentativas
de libertar aquela alma
de seu vagar penoso e aflito.
O vento gemeu fundo aquela noite
fazendo tilintar placas e uivar ciprestes
seguido do ooooooooonnnnnnnnn.........
dos mantras e dos terremotos...
Junto com o despontar do dia
homenildo despula sem relar o muro
trazendo na mão direita
a peça mais íntima da defunta:
trabalhada em preto e vermelho severos.
O noivo reconhecera a peça
com que a enterrara.
E a partir dali
o dia 12 se esqueceu.
Perguntado sobre o que houve,
o homem deu como resposta
que a sua empreitada
não incluía
nenhum relato final.
LA 04/007
O homem precisa de algo-alguém
que lhe dê a coragem
de ultrapassar os limites —
só assim terá vivido
com aquele sabor
de ter valido a pena.
LA 04/007
De vez em quando a doutora
furava a parede-meia:
Devagar, Rubão, devagar!
Não confunda comível
com comestível!
LA 04/007
A sala cheia.
Andrezinho consegue
ouvir uma frase confusa
vinda de outras paredes...
e pespega:
Que que é isso, mãe?
A mãe ficou possessa!...
e lhe mandou calar a boca.
Aí o menino entendeu.
LA 04/007
A salsa dança na frigideira
com uma reluzente omelete.
A fome é o melhor tempero —
faz dançar o apetite.
LA 04/007
Suas pernas
bordavam arabescos
na cabeça da gente...
e faziam voar,
voar sobre as estampas
de um tapete persa.
LA 04/007
— E o André?
— O André sifu.
Foi dar um mimo pra noiva
mas se excedeu nos parafusos...
Perdeu seus dois aviões.
LA 04/007
Ele era meio elétrico.
A mulher disparava-lhe broncas:
Devagar, Ferraz, devagar,
que ninguém é de ferro!
LA 04/007
Se a senhora fizer pipi
contra o vento,
molha os fundos.
Já um homem
molha as pernas.
LA 04/007
Nos dias de verão,
amulatados de sol,
Marilda vendia melancia.
Só o português do Bazar Saudade
degustava-lhe de duas
a três fatias
por semana.
LA 04/007
Trocou o salão de beleza
pelo cartão de crédito
do fazendeiro viúvo.
Suas amigas,
inclusive sua mãe,
ficaram putas de inveja.
LA 04/007
Enquanto não achar a pessoa certa,
dê graças por estar com uma errada.
LA 04/007
Tive um amigo
com complexo de perfeição
e de pureza —
no vernáculo,
no namoro,
na vida marital,
no ver,
no pensar,
no sentir...
e ia por aí.
Enfim,
era um purólogo
até de suas impurezas.
Claro que se ferrou no próprio anzol
com que queria fisgar os outros,
isto é: incutir-lhes suas nóias.
Narcisismo da pesada.
Era mais um
desses espiritualistas
sem espírito.
LA 04/007
Pimenta na xota da comadre
só o compadre
tem a exata noção da gravidade.
LA 04/007
Mais vale uma mula que manca
do que uma sem cabeça.
LA 04/007
Melhor uma mulher braba
casada com o vizinho
que com você.
LA 04/007
Melhor uma mulher bonita
como sua secretária
que casada com você.
LA 04/007
Antes passar fome
que deglutir um cozido
de xiranha azeda.
LA 04/007
Tinha vários amigos crocodilos.
Montou uma fábrica de bolsinhas.
LA 04/007
Conheceu muitas peruas,
algumas coloridas.
De comum acordo com elas,
começaram a fabricar
fosforescentes petecas.
LA 04/007
Montou uma fábrica
de bumerangues sedutores,
sim, só eram atirados
em mulheres muitíssimo bonitas —
já que eles tinham um dispositivo-ópio
que trazia num-ir-e-vir
o alvo.
LA 04/007
Tinha a bunda mais graciosa do Largo.
Quando por ali passeava
cedo, à tade, à noitinha,
moleques, garotos, homens
botavam a mão no bolso
e coçavam coceira de primeira...
Sim, quando Graciosa ondeava
até o padre
dava um jeito de olhar.
LA 04/007
Até as estrelas, minha nega,
um dia morrem.
Mas não precisa se preocupar —
continuam a brilhar
pela velocidade-distância
entre elas e nós.
Isto é, sua luz vira
belos fantasmas
a acenar para pais,
filhos, netos e assim vai...
até a luz gastar os seus sapatos...
Portanto, minha nega,
não se preocupe —
pode ir fazendo as coisas
bem devagar,
devagarinho.
LA 04/007
Seu rabo de cavalo
dizia “sins”
aos que, ao vê-la,
achavam que a manhã
tinha um belo de um sentido.
LA 04/007
Quem não acredita no amor
não merece tê-lo.
Quem não acredita em Deus
não pode vê-lo.
LA 04/007
Tive um amigo que era ateu.
Certa noite
sentiu dores terríveis no abdômen.
“Ai, meu Deus, como dói!”
“Nossa Senhora, mãe de Deus!”
“São Francisco, me socorre!”
Mais de quarenta invocações
a Santos e a Deuspai.
.................................................................
Aí chegou o médico. Diagnóstico:
gases, prisão de ventre.
Deu-lhe uma injeção,
e o fez engolir umas gotas.
Enfiou-lhe uma sonda
e a borrachinha não parava
de tremer e assoviar...
Daí a meia-hora estava em casa
o nosso ateu fervoroso —
já valente e brabo
como sempre.
LA 05/007
Marilda?
Um rosto lindo,
jeito adorável de putona —
uma fogueira ecológica.
LA 05/007
E a romântica,
a ardente Carolina,
meu Deus!?
Só de olhar para ela
se armava o circo
com a peça de todos os tempos —
E A Cama Uniu Dois Corações
LA 05/007
Viera como gerente de banco.
Morava romanticamente só,
na esquina do Largo.
Tinha o olho da cor do dólar
e a calva tão lisa
quanto a libra esterlina...
Joaninha do alfaiate Homero
levava-lhe a peruca
lavadinha e cheirosa
( com a noite já bem entrada )
todas as quartas-feiras —
às 9 em ponto.
LA 05/007
O Culto
O pregador,
de fora,
decantado e esperado,
sim, esperado havia seis meses,
enfim chegara.
Com uma hora e meia de atraso,
afinal, ali estava.
Antes de se apresentar, dissera,
num tom pausado e solene,
num tom de sombras perpassadas
por tênue luz,
que o Diabo tentara detê-lo,
impedi-lo, matá-lo,
mas que ( glória a Deus, aleluia!... )
ali estava, livre, são e salvo:
conseguira dominar o carro,
tivera a iluminação, a força, etc,
etc... etc... etc... etc... etc... etc...
E... hosana! Aleluia! Glória!
— Satanás foi esmagado no intento
de impedir este santo encontro!
E aqui estamos nós, e vamos à Palavra!
Venho lá do deserto dos profetas —
trago-lhes a alma cheia de solidão e unção,
cheia do fogo do Espírito,
cheia de vazios e de Deus:
da graça de Deuspai.
E meu nome também é Batista,
Pedro Paulo Batista...
e vim para dizer que, nesta noite,
chegou a salvação
aos que sempre a esperaram —
abram, pois, as mãos e tomem posse dela!
Hoje Deus vai falar com vocês todos,
habitar vocês todos
E por aí foi, engrolando fonemas ( falando em língüas ),
fazendo améns ecoarem aos seus, pulando ( “cheio do Espírito” ),
galvanizando os fiéis, tornando-os uma só massa
emocional, um só pulsar de fé, de esperança, de unção —
um só corpo, uma só entidade, uma só consciência...
E foi arrematando, costurando tudo com os pruridos,
com as delícias dos fins dos tempos:
a sempre esperada escatologia.
Foi aí que buscou um tom de voz,
um marulhar de muitas águas...
E como que tomado pelo Espírito das Profecias,
falou tanto do inferno,
de rios de fogo, guerras, fome, sede,
impunidade ( e citou um país ),
luxúria, arrogância, fausto, miséria,
terremotos, tsunames, apocalipses —
pintando tudo com efeitos tão especiais,
que a numerosa assistência urrava,
ululava améns-aleluias-glórias —
chorava-sorria, sorria-chorava,
possessa das promessas,
histérica de bem-aventuranças
como se o mundo estivesse acabando
com labaredas que derretiam os ímpios
e arrebatavam os que eram do Senhor!...
E experimentando a eternidade,
as suas sensações viram a Deus
e foram como arrebatados...
os corações nas nuvens...
os espíritos nos ares...
todo o chão a tremer
ardendo como palha...
.......................................................................
Após o culto,
todos saíram calados,
ainda levitando...
como que recém-encarnados...
e à medida que pisavam a calçada,
acordavam, despertavam lá em si —
todos agora decepcionados —
o mundo continuava!!!
Mas sabiam no seu coração
que tinha valido a pena,
sim, valeu: Deus se lhes mostrara,
foram Um com Ele —
sentiram a eternidade!
LA 05/007
Os críticos estão aí.
Faltam as obras.
Sim, muitos críticos,
poucas obras.
Se ao menos os críticos
fossem criativos,
quem sabe não teríamos
algumas obras
que tirassem o tesão
da crítica conivente
com os feudos?...
Quem sabe a puta dessa crítica
então não veja
( puta que pariu! )
que não tem jeito nenhum
nem vocação?...
LA 05/007
É De Corvo E De Lontra...
É de corvo e de lontra a minha capa,
se bem que a chuva já parou. Na areia
imprimo o meu andar descalço... Feia
é a noite dentro de meus olhos. Mapa
e bússola só os trago em mim... Me escapa
das mãos o meu bordão de cerejeira,
que parodiava a luz... que eis já clareia
com sua cabeleira sobre a lapa...
Restos rotos de sonhos nos meus olhos
vão cantando a correr pelos abrolhos
uma canção de marinheiros mortos...
Tenho visões de almas de princesas
que trocariam suas realezas
pelos olhos dos moços de outros portos.
LA 05/007
Coisas Novas E Velhas...
Coisas novas e velhas vai tirando
lá de si mesmo aquele que reconta
o ontem, o hoje e o amanhã, pois que na ponta
de um retrós que se vai desnovelando...
Novas e velhas, todas superando
a si mesmas e ao tempo que as pesponta
nos dias, sim: na luz que se defronta
com as sombras... e estas fogem ao seu mando...
Coisas novas e velhas, nossa essência
em seus saltos mortais de ser a ser-se...
lá entre não saber e a consciência...
Novas e velhas, reciclando o novo
em renovo e galando o novo ovo
a ganhar asa e vôo — e transcender-se.
LA 05/007
Vem-Me À Saudade...
Vem-me à saudade a maciez crural
de nos trançarmos pelo outono frio —
lá fora as pombas em roxeado pio,
no quarto esse concerto digital...
A vida, assim, é um bem com menos mal,
um espinho já feito mais macio,
um brejo que com a chuva se faz rio...
um cortejo de sombras matinal.
Não sei o que dói mais: se recordar
ou querer o replay do recordado
pelo lado do avesso do lembrar...
O mais são ofegantes sentimentos
( sim, nós sempre em crurais entendimentos... )
no tempo congelado dos amantes.
LA 05/007
Ama A Loucura, Filha...
Ama a loucura, filha, pois sem ela
vais te entediar com a sonsa sanidade —
sim, só aquela tem a passarela
capaz de te livrar da hilaridade:
te ensinar a coçar-se sem seqüela
e te livrar da cínica verdade
que o mundo te apregoa como bela,
mas de bela só tem a puberdade...
Ama a loucura, filha, a sanidade
só faz fritar bolinhos de trivela
e a ver com um pé atrás a liberdade...
Sim, a loucura arma e pinta a tela,
mas só mais tarde a compra a sociedade
que a exibe e se regala de detê-la.
LA 05/007
O Amor, Amada, Sempre...
O amor, amada, sempre por um fio,
precário fio no seu fio dental.
Mas não desanimemos, que esse mal
é tão bom que até dá um arrepio,
um arrepio a nos descer macio
goela abaixo até o fim final...
E o mais, amada, é um feeling digital
formando afluentes de gostoso rio...
Tão bom que nem precisa ser real,
por isso pode andar com esse frio
que é muito mais moral que corporal.
Por esse frio sempre por um fio,
um fio fino como um assovio...
Um fio, amada, só um fio dental.
LA 05/007
No Inverno Teu Nariz...
No inverso teu nariz ficava frio,
frias as pernas, lisas como peixe...
e nossas sensações, num mesmo feixe,
em arrulhos de pássaros no cio.
Quais águas múrmuras de um mesmo rio
nasalando canções tal quem se queixe...
entre a relva ciliar em mexe-mexe —
arfamos, minha nega, em bom navio.
Um cheiro bom de uva e carambolas
por todo o quarto... e o som de castanholas
lembrando um corpo erótico e andaluz...
E quando o galo canta lá no longe
a gente apressa a última... qual monge
que tem de retornar antes da luz.
LA 05/007
Esperar Só É Bom...
Esperar só é bom enquanto a espera
é viva fé em algo/alguém que vem.
Por isso é bem mais bela a primavera
que no inverno se sonha logo além.
O sonho e a espera são tal como a hera
e a parede... sim: como a prece e o amém.
Quem não sonha também jamais espera,
quem não espera é de si refém...
O homem vê o que quer, aí o perigo
de trocar o nariz por seu umbigo
e pretender ouvir ecoado amém.
Sim, esperar é bom, quando sonhar
traz em si como dom ou maior bem
o prazer de construir e de esperar.
LA 05/007
Se Em Si Guardou...
Se em si guardou ( quem morre ) uma semente
do que sonhou e fez frutificar,
então morrer-lhe é apenas germinar
sua jornada em nova luz nascente.
Há um caminho que é luz na luz da gente —
o sonho nosso em Deus a nos sonhar.
Em nos perder podemos nos ganhar
quando esse ganho anula o antecedente.
Um movimento em outro movimento,
um sonho sempre dentro de outro sonho,
um chegar que é partir no seu chegar.
E esse semear já traz em si o intento
de renascer com o desejo inconho
de suplantar-se em cada germinar.
LA 05/007
Reverto-Me Na Luz...
Reverto-me na luz original
em que me viajo em alma-sensações.
Comprei a grande preço as ilusões
que hoje dou, ou que varro pro quintal...
Por que cobrir o morto com a cal
e enterrá-lo com pás de escuridões?
Lá na fruteira existem dois limões,
vou fazer um sorvete bem legal.
Reverto-me no barro do começo,
assim quem sabe, meu Senhor, esqueço
tudo o que amei e a vida me levou.
As águas que subiram nos ilharam...
Sonhamos, ou os sonhos nos sonharam?
Sei lá! Mas não saber não adiantou.
LA 05/007
Vida E Sentido
Doido, cortou os pulsos da esperança
e se esvaiu de sonhos. Só ficou
com seu cansaço, tédio e desconfiança —
como o diabo gosta: se anulou.
Sim, entregou a vida como fiança
aos cínicos do mundo, e despencou
de si mesmo: trocou a confiança
em Deus, em si pelo que nunca achou.
Um dia, numa igreja à beira-estrada
( disse-me ) entrou com a alma ajoelhada
e pediu ao Senhor vida e sentido...
Disse-me que, na hora, uma ungida
força-alegria o deixou possuído
do dom de ter em si sentido-e-Vida.
LA 05/007
Tudo O Que Foi...
Tudo o que foi parece que não foi
senão sombras em séquitos hiemais...
Difusas sensações pelo jamais
tê-las de volta... Deus nos abençoe!
Nos abençoe e guarde! O rato rói
não só aquelas tais roupas reais,
como as nossas... Já o tempo rouba mais
que o rato e os homens... pois nos rouba e mói.
Velhos sonhos perderam seu lugar,
agora estão ao lado, estão de pé...
Só a esperança teima em se agüentar.
E de tudo o que foi ( e já não é
senão lembranças rêmiges pelo ar ) —
ao menos nos restou o seu chulé.
LA 05/007
Mas...
plantaremos um canteiro
de bem-me-queres.
Em vindo a chuva
ficarão tão belos,
que apenas falaremos
tranqüilamente
das coisas
de que já tínhamos nos esquecido —
belos enganos tão gostosos,
que ainda podemos tocar-lhes
o cheiro, o gosto e o respirar.
Esperanças tão lindas,
que jamais aconteceram.
E as ditosas desventuras,
tão ditosas que ainda cantam
lá nas varandas da alma
ciciadas de folhas e sonhos...
e que ouvimos e vemos
por uma fenda do jamais.
LA 05/007
Ei, acorda!
Lá fora a vida canta
e sua luz nos diz
que vale a pena.
LA 05/007
Hoje é luz incidindo sobre a mão
com seus rios e glebas, ar...
e o Verbo que, sabendo,
quer
e permite o ousar —
ao que sabe sonhar
sincronizado com Eu Sou.
Sim, hoje é luz a preencher os moldes
das formas em formose —
a realidade e suas gamas:
o universo e seus reversos
na cúmplice magia
do sonho-criação.
LA 05/007