HOJE É O QUE TEMOS

          Laerte Antonio

Textos 03

A velhinha era safada.

Sim, daquelas tais —

guerra é guerra!

LA 01/007

 

 

 

Fez um elogio pra esposa:

Ah, meu bem, não consigo

olhar pra outra mulher

sem me lembrar de você!

LA 01/007

 

 

 

Nada contra.

A mulher que finge orgasmos

é muito generosa —

já que há muitas e muitas

que nem isso fazem.

LA 01/007

 

 

 

Pela amostra da Globo,

Carnaval, este ano,

vai ter bundas menos carnudas —

no ponto,

isto é:

aquelas que cabem nas mãos.

LA 01/007

 

 

 

Passou pela Daspu

e trouxe uns paninhos invisíveis

pra cobrir o jardim

de sua nega.

LA 01/007

 

 

 

Tio Freud me contou

que a mulherada quer

dominar umas às outras

pra ficar

com tudo o que é homem —

e ter orgasmos com gosto

de chicle de bolas

e chiliques de princesas.

LA 01/007

 

 

 

176 balas perdidas em 2006

no Rio

atingiram homens, mulheres

e crianças.

176 as que contaram,

as outras ninguém sabe,

ninguém viu.

LA 01/007

 

 

 

Educação neste país

é algo tão pouco e porco,

que o povo deveria

exigir dos manda-impostos

uma atitude do avesso e contrário

do que ulula a realidade.

LA 01/007

 

 

 

A saúde deste país

está igualmente

tão pouca e porca,

que o povo deveria

exigir dos barbacenas

mais e mais em tudo

e em todos os quesitos

estatutários.

LA 01/007

 

 

 

Cada povo tem o governo que merece

ou cada povo tem do governo

o que este lhe oferece?

LA 01/007

 

 

 

E viva o desexercício

da nossa cidadania!

Um dia a gente chega lá...

Lá é bom,

agradável aos políticos —

porque é um lugar-tempo

que não existe.

A gente chega lá.

LA 01/007

 

 

 

 

André me disse

que fez doutorado de seus erros

na Universidade da Vida,

e que valeu —

hoje acerta como errava

e erra como acertava...

Mas com os erros

começou a aprender

que assim tem dois mestres —

o que pensava ser acerto

e o que julgava ser erro.

Resultado:

duplo aprendizado —

seu aprender ganhou novos ângulos.

LA 01/007

 

 

 

Os bancos

são como as bacantes gregas —

serviam como a deuses,

mas apenas os que tinham

saquitéis reluzentes.

LA 01/007

 

 

 

 

De repente,

bem mais que de repente,

foi implacável

a esposa do André:

Ou eu,

ou minha irmã,

ou a empregada, meu querido!

Lhe dou exatos três minutos

para a escolha.

 

Silêncio...

Estresse...

Angústia...

 

Calmo. Senhor de si,

André escolheu a sogra —

que sempre morou na casa.

LA 01/007

 

 

 

— Conhece Laura?

               — A gente se molhou bastante.

LA 01/007

 

 

 

— E aquela Marilda?...

— Não dá mais.

— Casou?

— Morreu.

LA 01/007

 

 

— E Zenilda?

— Em plena rotação

e translação.

LA 01/007

 

 

 

Era bela e sensual.

O chefe cobria-a de elogios,

presentes e licenças...

anos e anos a fio.

Comentava-se na empresa

que se tratava

de chiliques petrarquianos.

Já com o jardineiro

sempre foi generosa —

orvalhadamente hormonal

com tórridos fins de semana.

LA 01/007

 

 

 

Sim:

prudência, canja de galinha

e algum no bolso

não fazem mal pra ninguém —

desde que a galinha

não tenha o vírus

da gripe aviária...

e o tal dinheiro

não esteja com a série

registrada na polícia.

LA 01/007

 

 

 

Se a voz do povo fosse a voz de Deus,

seríamos no mínimo

um outro povo.

LA 01/007

 

 

 

Quanto maior a árvore,

maior o tombo —

e muita lenha

pra qualquer caminhãozinho.

LA 01/007

 

 

Em vez do amigo vir à sua casa,

vá à dele,

que ele pára de vistá-lo.

LA 01/007

 

 

 

Amigo é bom

pra beber,

jogar,

falar bobagens,

ir pescar,

avaliar ( não: já não o fazem ).

Daí para trazê-lo a tua casa,

ô cara!

a diferença é a mesma

entre ver bicho na telinha

e na floresta.

LA 01/007

 

 

 

— O luluzinho da madame

nem precisa ser bonito

quando as pernas dela são adoráveis,

não é mesmo, padre?

— Desculpe, André, eu tô pensando aqui

em como vou fazer a Festa do Desterro...

LA 01/007

 

 

 

Médicos (desta vez chineses )

trocam peças novas por velhas

nos hospitais —

pra ganhar uns trocados

e favores.

Se você é pobre,

tome cuidado

com suas peças.

Sucateiam você e fazem

sucatas de luxo andar.

LA 01/007

 

 

 

Por vezes sinto saudade

do que eu gostaria de ter vivido

e só o fiz em sonhos.

Mas se pude viver em sonhos

o que a vida me negou na sua sala,

de jeito algum deixei de viver

o que a vida me negou —

apenas vivi além:

o sonho-mais da vida,

fora do seu salão de festa.

LA 01/007

 

 

 

Rosa era graça entreaberta,

luz fresca a pintar o ar de azul.

Gesto de colibri

sorvendo o ouro da manhã.

Jeito de brisa

correndo sobre as águas...

Rosa era isto: Rosa.

Tão frágil, tão menina,

tão crocante na haste da vida...

Eu menino a abraçava

com infinita ternura,

beijava-a leve leve...

Não podia desfolhá-la

porque não era minha

nem de ninguém:

sim, Rosa era só uma rosa.

Um dia me descuidei

e veio o ventomoço

e a levou —

deixou sobre a grama

a sua maquiagem,

chorou-se toda-inteira

e se foi para sempre —

sua alma se foi com moçovento

pra tão longe e sempre

que Deus nunca que contou

pra ninguém.

LA 01/007

 

 

 

Urubu,

bicho feio de perto,

de longe vira príncipe

com o maior manto azul do mundo

nas costas.

LA 01/007

 

 

 

 

 

Quem não chora não mama.

Conforme a teta

não dá mesmo coragem de chorar.

LA 01/007

 

 

 

A imposta majestade

fez muitos reis.

Pobre da gente pobre

que os teve!

LA 01/007

 

 

 

Entre a chibata e a lei

está o lombo do pobre.

LA 01/007

 

 

 

Esquartejar um homem,

espetar sua cabeça num poste

e espalhar seus pedaços pela estrada —

não é isto praticar o terrorismo,

um terrorismo desbragado e tão hediondo?

Pois é.

O terrorismo tem a idade do homem.

LA 01/007

 

 

 

Marina era fresca como as manhãs de maio.

Uma loucura de simetria.

Uma bromélia carnudinha,

paparicada

por colibris e borboletas...

Seus peitinhos bicavam o vestido.

Quando mudei do Largo

ela devia ter uns onze anos.

Nunca mais a vi. Mas a sua figura

ficou esvoaçando-me,

sim, para sempre esvoaçando-me.

LA 01/007

 

 

 

Rosa,

uma lembrança quentinha,

um jardim, um sorriso.

Rosa ficou em mim pra sempre —

uma pétala caindo...

LA 01/007

 

 

 

Há Quanto Tempo...

 

Há quanto tempo entre a palavra

e o que preciso dizer! —

muito mais para mim

que pra você,

que nem me lê.

 

Há quanto tempo aqui

no haver esta sala

mando e-mails pra mim

para o outro lado das águas

sobre as quais eu caminho!

 

Há quanto tempo cheguei

em pensamento

e aqui me espero

numa nave que traga

o meu corpo e bagagem!

 

Há quanto tempo me encontro

entre essa luz que ora me encanta

e com certeza me vem

dos sonhos que o universo

já viveu faz bem mais tempo!

LA 01/007

 

 

 

Entre a palavra e o outro

os cactos podem florescer

e a solidão

apaga o seu rastro sobre a areia

LA 01/007

 

 

 

Seu rabo de cavalo

chicoteava-lhe o pescoço

enquanto ela corria

( colibri-potra-andorinha-brisa )

entre o verde relinchante dos pinheiros...

LA 01/007

 

 

 

A caminho

do cemitério de elefantes,

me esforço com alegria

por ir abrindo mão do mundo,

me livrando dos seus visgos-enganos

e finalmente de mim —

isso enquanto aprendo a rir.

A rir,

não de mim nem de ninguém:

um rir intrasitivo.

LA 01/007

 

 

 

— O mundo vai acabar.

— Ah, é?

— Pastor falou que tá no fim finzinho.

— Ah, é?

— Pastor jurou que não demora.

— Ah, é?

— Vai acabar por causa da pouca vergonha.

— Ah, é?

— Também por causa da maldade

e da injustiça.

— Ah, é?

— Pastor asseverou que Deus

leva com Ele os bons,

joga no fogo os maus.

— Ah, é?

— Pastor deu graças pelo fim do mundo,

assim a gente vai tudo pro céu.

— Ah, é?

LA 01/007

 

 

 

A sociedade que se nivela por baixo

torna-se, a curto prazo, marginal —

com príncipes a lhe jogar barro

na cara

com seus fonfonzinhos de ouro e prata,

cheios de xotas de diamantes.

LA 01/007

 

 

 

O Estado brasileiro não cabe no seu PIB.

Tão culpando a Previdência! Faz tempo.

Manjou o bicho que vai sair desse mato?...

LA 01/007

 

 

 

Não basta ter duas pernas

e um jardinzinho ao meio,

é preciso que os fluidos

se engrenem.

LA 01/007

 

 

 

A empregada tinha um piercing,

mas tão engraçadinho,

que seu patrão ( viúvo )

brincava com a língua

o dia inteiro.

LA 01/007

 

 

 

Era tanto pedigree,

que seus dedos e furos inflamavam

se as jóias e assemelhados

não fossem de real grife.

Um dia, por uma fatalidade —

dessas que descem do além,

num de seus giros pelo mundo,

foi estuprada

por um marujo bêbado

e fedido como um gambá.

E ( pasmem! ) deu-se o milagre:

daí por diante

nunca mais em sua vida

em circunstância e forma alguma

lhe inflamou coisa nenhuma.

Sim: uma espécie de vacina.

LA 01/007

 

 

 

Terra e céu, terra e céu...

terra e céu, terra e céu... —

o cara viajava eternamente,

ia e vinha aero/dinamica/mente

agarrado em cada lado

das ancas

macias, brancas

da namorada

ajoelhada sobre o verde

enluarado

do campinho de futebol.

Viajavam pensando

que não havia ninguém

do outro lado

fazendo a mesma coisa —

devagar, devagarinho.

LA 01/007

 

 

 

Com a literatura e poesia

consegui manter-me vivo

nos dias maus

e atravessar o escuro

de alguns túneis da minha vida.

Lendo e escrevendo,

livrei-me de muitas armadilhas

do mundo

e de mim mesmo.

Pude mudar, pela vontade,

muita coisa do meu destino.

Pude livrar-me

de ser pensado e sonhado

pelo mundo.

Além do que, aliás,

ler-escrever

sempre me deu muita alegria,

que é força.

LA 01/007

 

 

 

 

Cascas Vazias

 

Quando menino

olhava demoradamente

as cascas vazias de cigarras

agarradas às árvores do quintal.

Aquilo nelas que cantava

e que fazia amor devagarinho...

já não estava.

Eram bonitas ( eu pensava ),

tão bonitas...

E, olhando suas cascas rachadas nas costas,

eu me perguntava encantado

e doendo lá em mim:

Seu canto

e as suas asas bordadas

para onde eles foram?

Aí ( dentro desse silêncio )

eu sentia a poesia

que há na vida por existir a morte

e que há na morte

por existir a vida.

E eu percebia de lado

que vida e morte

é um mais além

em forma de brinquedo

( que foi dado a nós-crianças ):

sim, as duas um só brinquedo,

uma só brincadeira

( cósmica )

de mostra-esconde, mostra-esconde...

Brincadeira que dói e encanta,

e tanto,

que a gente tem que brincar

( isto é: cantar-chorar )

do melhor jeito que puder —

mesmo porque estamos reféns

desse auto-engano —

longe daquele doce canto:

a deliciosa inconsciência

das cigarras.

LA 01/007

 

 

 

— Tem visto a Inês, Marli?

— Não, e já faz tempo.

— Então não soube do escândalo, menina?!

— Não. Pode contar.

— A Inês deu a maior sova na Odila

( a Odila do Décio, o fazendeiro... )

porque esta, na saída da pizzaria,

beijou o namorado dela

no rosto e na boca.

Um Deus nos acuda.

Foi punhados de cabelos de cá,

chutes e dentadas

de lá,

unhas cortantes dos dois lados,

até que a Inês meteu a boca

num dos peitos da Odila — e... mastigou!

Meniiiiina! um caso pra Pitanguy...

.........................................................................

— É, Marilda... o que é que nós não fazemos

por um pinto de grife!?

LA 01/007

 

 

 

Pra fazer bem uma coisa,

comece com o pé direito

( ou com o esquerdo ),

contanto que não escorregue —

que pise direito.

LA 01/007

 

 

 

Naquela noite fria,

transida de chuva fina,

me acheguei tímido

à tua casinhola...

e tu me agasalhaste,

minha nega,

a noite inteira!

Quem dá ao desabrigado

dá a si mesma.

LA 01/007

 

 

 

Toda confeccionada em couro de anta

( um assunto para o IBAMA ),

a MOS-PPE

( Mochila-Sutiã

Para Peitos Exuberantes ),

já sucesso em meio mundo,

é produzida — para nosso orgulho —

pelos índios ( prata da casa )

da tribo dos Quelomamá.

LA 01/007

 

 

 

O poeta é uma espécie

de intérprete público

da realidade.

Quando diz “eu”,

está dizendo “nós”.

O poeta é o espelho

do leitor.

Por isso mesmo é que certa

categoria de homens

tem mais é que detestar

a poesia.

LA 01/007

 

 

 

Quando vejo na coisa a coisa,

é porque a poesia em mim

anda doente.

Então, como o cachorro,

me aquieto... deitado,

deitado lá em mim

até sarar

pelo jejum das coisas.

Depois volto a escrever —

depois que as coisas

não se parecem mais com elas mesmas...

Torno a ver a alma das coisas

por um ver de lado o que está de frente...

ou por detrás o que está de lado —

por um saber que sobe aos ombros do saber...

Aí sei que estou poesia,

isto é, que vejo as coisas

em seu vôo no espaço-tempo.

LA 01/007

 

 

 

Futilidade angustiante,

essa que devora a sociedade

que a busca afugentar

com veleidades maiores.

Nosso início de século

ou milênio

parece que perdeu a aparelhagem

( interior ) que lhe dava rumo.

Nosso relacionamento perde

a cada dia o encanto

de conhecer o outro —

o sentido de caminharmos juntos.

Chegou ( para muitos ) o tempo

de os homens não adorarem,

nem no monte nem no templo,

mas no coração,

porque Deus é espírito e verdade

e assim importa

que Ele seja adorado:

em espírito e verdade.

Na sociedade dos poetas mortos

fugiremos por nós dentro

e nos refugiamos na noite

sob pontes e bosques

para lermos ( escondidos ) uns aos outros

o sentido,

a lucidez que há em sermos loucos.

LA 01/007

 

 

 

 

 

Belo, magnífico sentir e ver

aqueles dois homens a caminhar

com Cristo já ressuscitado

( sem que eles soubessem

nem o  reconhecessem )

pela estrada de Emaús.

Seus olhos, desenganados,

só O viram,

sim, só O reconheceram

pelo modo

de Ele partir o pão...

....................................................

Comeram juntos maravilhados,

e logo que Ele se vai,

um dos homens diz ao outro:

Enquanto Ele nos falava pelo caminho

ensinando-nos a respeito da Escritura

sentíamos arder o nosso peito...

LA 01/007

 

 

 

Rosa era linda,

fofa,

esplêndida —

de uma ternura ciclâmen

que fazia arrulhar endorfinas

e patinar neurônios...

Sim, Rosa era um queimor:

cabeça, tronco, membros

e mucosas.

Os dedos floresciam

só de vê-la ou imaginá-la,

e quando dedilhada sobre os lençóis

virava um mundo de pétalas,

sim, pétalas que murmuravam

em rotação, translação e elipses

e suspiravam coisas

de bichinhos virtuais.

Rosa tinha o cheiro morno

daquelas vinhas

de Cânticos dos Cânticos.

Sim, Rosa era um jardim inteiro

tão belo quanto sempre chovido.

LA 01/007

 

 

 

Tive muitos amigos

que me diziam estar em busca

da perfeição.

Que molecagem!

Nenhum deles percebia

que, se um dia a atingisse,

estaria roubado —

sem futuro,

melhor: sem ter aonde chegar.

O homem não precisa de perfeição,

mas de acordar de si mesmo.

Sim, na parábola do Éden

acordou para fora de si...

Agora há de fazê-lo

para dentro de Deus nele.

LA 01/007

 

 

 

— Eu sempre te tratei como irmã,

Marina,

sempre te respeitei,

sempre...

— Pois não devia...

não devia, André.

Tudo tem sua hora —

depois evapora.

LA 01/007

 

 

 

Na mocidade,

tive um amigo zen —

calmo, tranqüilo, atlético.

Sobretudo sereno.

Tipo capaz de perdoar sorrindo

um crocodilo,

uma onça, a um bandido

que lhe triturasse a irmãzinha,

ou o pai

ou a mãe.

O perdão,

a serenidade,

o autodomínio em pessoa.

Lembro que certa noite

teve uma dor aguda

e no outro dia

lhe estavam tirando o apêndice...

Deu um show,

precisaram amarrá-lo

para a anestesia

sob berros de “não quero morrer,

não quero morrer, não quero...

..........................................................”

Logo veio pra casa,

e não menos que logo

estava bom: reassumira

seu jeito zen.

LA 01/007

 

 

 

Auto-Homenagem

 

 

Hoje, levantei-me pródigo —

prestei-me uma auto-homenagem:

agraciei-me com o título

de Barrão do Espraiado.

( Olhem: é barrão com dois “rr”,

e não barão. Isto em virtude

de ter havido aqui muito barro...)

Por se tratar de um título

nobili... isto é, plebiárquico,

presumo casa-branquense algum

ficará com inveja

e por isso não se oporá.

Assinado:

Laerte Antônio,

Barrão do Espraiado

LA 28/01/007

 

 

 

Hoje é o que temos.

Hoje é o dia

que o Senhor fez —

de Suas mãos

o colhemos.

Alegremo-nos nele.

Sim, a alegria

nos seja o nexo,

o sentido da vida.

A alegria,

que não precisa

de motivo —

porque é graça,

é ser a ser-se

em sonho-mais —

é aquele além

lá entre o bem

e o mal:

aquele mais

no Sonho-Quem

em nós.

Hoje é o que temos.

Agindo nele,

remoldamos o passado

e plasmamos o futuro —

pelo querer,

pelo ousar

no hoje-agora.

A palavra no hoje

redime o ontem

e favorece

o agora e o amanhã.

No que é bom para nós

e ruim pra ninguém —

vivamos, saboreemos nosso dia!

LA 01/007

 

 

 

 

Se digo,

sobrevivo,

não ao tempo —

mas a mim mesmo

pelo tempo.

Se digo,

me sobrevivo

pela palavra

a organizar-me

o caos em cosmos,

o andar por sobre as águas

enquanto ajudo o amor a pescar

peixes que há

e os que não há.

Dizer

para sobreviver

ao desamor do amor —

a sua flor mais bela

e  ciosamente cultivada.

A seus assíduos enganos,

tão belos,

tão belos quanto humanos.

E pé na estrada,

que os bárbaros vêm vindo,

os bárbaros vêm vindo!

Agora precisamos,

não de dizer, mas correr:

correr para sobreviver.

LA 01/007

 

 

 

 

Mais profecias

e mais apocalipses.

Falta de papá e água.

Seca e fome

para bilhões,

em decorrência

daquele tal de efeito estufa,

que vai bronzear ainda mais

aqueles bumbunzinhos,

deixando-os parecidos

com uvas azulonas...

E crocantes,

crocantes como pão francês.

E saborosos,

saborosos como ravióli.

Sim, como vocês já sabiam,

todas as coisas

têm o seu lado bom —

é só virá-las.

LA 30/01/007

 

 

 

O tal de efeito estufa

( segundo ambientalistas )

ajuntará mais brasas sobre a China,

a Europa e os Estados Unidos.

Engraçado, né? —

os três comandantes do momento.

Faz pensar.

LA 30/01/007

 

 

 

Não é só Madonna que capitaliza

nome e fama

a usar Jesus

como pano de fundo —

mas todos aqueles que não têm talento

para chegar à fama sem escândalos.

LA 01/007

 

 

 

Se um dia fores a Londres, minha rica,

não deixes de visitar-me

lá no ‘Pepino Erótico’ —

te espero insalivado.

LA 01/007

 

 

 

Pra você, minha Rosa,

não mando flores,

mas vasos.

LA 02/007

 

 

 

Quanto a você, Esmeralda,

lhe apresento  o jovem Aurélio,

que é ourives.

LA 02/007

 

 

 

A solidão

é boa enquanto ateliê —

deserto que batiza a fogo.

LA 02/007

 

 

 

Bandidinhos de leite,

novos-novinhos

( um deles até de menor )

arrastaram um menino

( preso ao cinto de segurança )

por quilômetros e quilômetros

dentro da cidade do Rio.

Segundo testemunha,

um deles,

após o crime de lesa-humanidade,

ao ver a vítima em frangalhos,

usou seu fino humor:

“Parece Judas malhado...”

É!...

Pois é!...

É!...

LA 09/007

 

 

 

Se maldade não tem idade,

a punição correta

também não deve ter.

O momento que vivemos

é uma situação de exceção.

A exclusão social

está colhendo o que plantou.

De um lado,

os mamíferos de luxo —

a concentração da riqueza.

Do outro lado,

os empurrados para o lixo —

a repartição da miséria.

Ladrões e criminosos de grife

não são punidos nunca —

nas leis que eles-mesmos fazem

deixam brechas, túneis e portas

tal como em suas mansões...

E o pior: tais bandidos e bandidas

lecionam em tempo integral

a impunidade

e — com o farto material didático

de seus exemplos de vida —

hoje dão testemunho ( mais do que nunca )

de que o crime é o melhor negócio.

Sim, testemunham para aqueles

a quem negaram escola

e um lugar na vida

que o crime, o roubo, a perversidade compensam.

Aliás, tais mamíferos de luxo

e filhinhos da mamãe

ensinam aos pobres e miseráveis

os requintes da perversidade.

E são bons mestres —

seus alunos aprendem rápido

e por espelho sem nenhum enigma.

LA 09/ 02/007

 

 

 

Parece que no momento

cada bandido se esforça

por ser um mais cru

que o outro

na prática de seus hediondos.

LA 02/007

 

 

 

Já que são os filhos do povo

que matam os filhos do povo,

essa história de idade penal

bem que mereceria um referendo —

sim, um manifestar-se pelo voto.

Mas isso não bastaria —

é preciso mudar o modelo,

o modelo de sociedade.

LA 02/007

 

 

 

Recentemente, uma astronauta,

engenheira de vôo

( da NASA ),

raptou sua colega,

também astronauta,

para matá-la —

já que ambas disputavam

o mesmo homem:

o astronauta chefe da equipe.

Engraçado...

minha cachorra

também detesta cachorras

que lhe venham paquerar

seus machinhos.

LA 02/007

 

 

 

— Quem é o homem —

uma espécie de lobisomem

ou de lobo do homem?

— Não sei, padre, não sei,

mas isso é bem antigo:

“Homo lupus hominis.”

— E também em espécie, caro André:

“Sacerdos lupus sacerdotis”.

LA 02/007

 

 

 

Um escriba

é o que liba

o vinho diário

de sua vinha

de palavras.

O escriba é alguém

que sempre-sempre

vai existir —

graças à sede

desse licor,

licor cósmico

do Verbo.

LA 02/007

 

 

 

O sono,

essa trégua da vida,

está a me empurrar

para a cama.

Boa-noite.

LA 02/007

 

 

 

Trabalhar,

estudar,

disciplinar-se,

organizar-se,

persistir —

isto é para bobos?

A sociedade

faz parecer que sim.

LA 02/007

 

 

 

O mundo? Sifu o mundo!

com seu jeitão furibundo.

LA 02/007

 

 

 

Rio de Janeiro

é mais, bem mais que um sonho.

O avesso desse sonho

são os seus arredores.

Essa dicotomia

( hilária até )

gerou uma loucura.

Uma loucura vívida,

demais da conta vívida.

LA 02/007

 

 

 

Sexo é bom,

mas... sexo é por demais bom.

LA 02/007

 

 

 

Melhor que sexo,

só mais sexo.

Melhor que isso,

só um pouquinho mais.

LA 02/007

 

 

 

O maior perigo do homem

será sempre o seu pinto.

LA 02/007

 

 

 

A subjetividade,

como o Universo,

está em expansão.

Tentar segurá-la

é abraçar-se com explosões.

LA 02/007

 

 

 

Em aparência

tudo pode estagnar-se,

menos a consciência.

E podemos notar

entre os desvãos do tempo

( viver é bom por isso )

a consciência coletiva

mudando...

Sim: podemos vê-la mudando.

E não há armas nucleares

nem odres tão reforçados

que segurem esse vinho novo.

Isso é reconfortante

e faz toda a diferença —

ou seja, podemos até crer

que o ser humano tem jeito.

LA 02/007

 

 

 

O Sonhável

é aquela parte possível

e impossível das coisas —

faz haver a esperança.

LA 02/007

 

 

 

Sentir pena de si mesmo

é limitar-se —

pedir ao inimigo

que ore por você.

LA 02/007

 

 

 

Agora,

só pensava em mulheres.

Também fizera todo o seminário

( até às portas da ordenação )

pensando ter dado um nó górdio

no desejo.

LA 02/007

 

 

 

Dos bichos à nossa volta

em geral nos livramos.

Dos que trazemos em nós dentro

só nos livramos

com ajuda e discernimento.

LA 02/007

 

 

 

Sabermo-nos doentes

é o primeiro passo para a cura.

Cura que será proporcional

à nossa maior ou menor presteza

em buscarmos ajuda.

LA 02/007

 

 

 

Quase sempre evitamos

um cara a cara com nós mesmos —

porque isso dói.

Mas uma hora temos de fazê-lo

pra transformarmos o auto-estorvo

em realização.

LA 02/007

 

 

 

A Palavra lava,

flui como a água viva

por alma-coração

e irriga e cura

toda a angustura

que nos usura

o ver amplo e sem ângulos —

o viver que preenche

nossa falta de ser.

LA 02/007

 

 

 

Fez tanto doce,

que o pretendente

de há muitos anos

enveredou-se para outra

mais bonita e mais moça.

Quando soube, ligou brava:

“Homem não presta meeeeeeessssssmo!!!...

Você já me esqueceu, André?!

Teve a coragem

de me esquecer?!!”

E ouviu:

“Esqueci não, Fulana,

esqueci não. Quando Esmeralda

me torce com aquela chave inglesa...

vezenquando ainda lembro de você”.

LA 02/007

 

 

 

É isso aí, minha nega.

Nada como o amor

quentinho,

crocante —

servido fumegando.

O mais...

não liga não,

é pão amanhecido

com água.

LA 02/007

 

 

 

Forquilha tem que ser ajeitada,

senão machuca o pé.

Quem já chupou jabuticaba sabe.

LA 02/007

 

 

 

Era tão sério,

que fazia os tolos rirem.

Tolos?!

Sim: perdiam seu tempo rindo —

que é uma maneira

de aplaudir do avesso.

LA 02/007

 

 

 

Por vezes somos tão egoístas

que  nos sentimos um monte

( de merda não ): um Everest.

Mas logo vamos murchando,

vem a outra parte: um abismo

em que nos despenhamos

lá por dentro de nós.

Sim, o ego faz flutuar,

mas também é martelo.

LA 02/007

 

 

 

Ela amava os versos do poeta.

O diabo é que queria

tê-los em casa

juntos com ele.

Queria lê-los

enquanto o poeta a lesse.

Resultado: foi sarau

aqui,

sarau ali —

a dar com pau.

LA 02/007

 

 

 

Quando o padeiro vinha

com sua buzina crocante,

dourada,

quentinha —

Rosinha esperava por ele

( que entrava esguio como um corisco )

já com o café fumegante,

enquanto a sua irmã,

junto à Kombi,

atendia bem devagar

à freguesia em longa fila.

LA 02/007

 

 

 

 

Só pagamos impostos

porque são impostos.

E as taxas?!

As taxas nos machucam

como se fossem tachas.

Ai, dos descalços!

LA 02/007

 

 

 

Há os que pagam o pato.

Outros o pato e o vinho,

mas repartem o motel.

LA 02/007

 

 

 

Conforme o meio

paga-se o pathos

sem pena.

LA 02/007

 

 

 

Remédio para cornitude

é riso e humor.

E, claro, não levá-la mais a sério

é a doce,

pacífica,

adorável vingança.

LA 02/007

 

 

 

Mulher ( normal ) que se preza

dá bronca.

Dá resposta à altura.

Dá satisfação

ou satisfações.

Dá beliscão.

Dá pontapé.

Dá alegria.

Dá bode.

Dá briga.

Dá mordidas.

Dá força.

Dá porrada.

Dá beijinhos.

Dá espetáculo.

Dá dó.

Dá medo.

Dá bola.

Dá prazer.

Dá o que sonhar.

Dá carinho.

Dá crédito.

Dá amasso.

Dá chamego.

Dá exemplo.

Dá de beber.

Dá de comer.

Dá de mamar.

Dá chance.

Dá barraco.

Dá âmimo.

Dá tristeza.

Dá tragédia.

Dá o que pensar.

Dá bolo.

Dá o que fazer.

Dá testemunho.

Dá com gosto.

Dá motivos.

Dá nó.

Dá castigo.

Dá cadeia.

Dá trabalho.

Dá a entender.

Dá demão.

Dá desfalque.

Dá show.

Dá o que falar.

E, finalmente,

( o que você estava esperando ):

dá e dá e dá que dá...

Sim, sobretudo, —

dá a boceta.

LA 02/007

 

 

 

No dia dos namorados,

mandou à sua ex

uma carta malcriada

com a foto de uma enorme mão

com o dedo do meio erguido....

e a coroa de um abacaxi.

A irmã da ofendida

( campeã de karatê diversas vezes )

foi visitá-lo...

Dali a meia hora

o médico de plantão

teve de operá-lo

para extrair-lhe lá debaixo

a tal coroa

de abacaxi

mais um sapato

de bico muito fino.

LA 02/007

 

 

 

Fez regime,

emagreceu.

Mas a balança

continuou

marcando o peso antigo.

Chamaram o jesuíta,

o tal de parapsicólogo,

que, num zupt!,

deu na cabeça do mistério

( com seu sotaque charmoso

da língua de Calderón dela Barca ):

“El peso de la consciencia!”

Falou e disse. E ponto,

ponto final.

Aí, alguém da platéia,

mais sensato,

pediu que pesassem

separadamente

o indivíduo

e a cadeira-de-rodas.

Fim do mistério:

haviam colocado chumbo

no fundo da cadeira.

LA 02/007

 

 

 

A mulher queria cortar

o pingolim do marido.

— Coitado, Eulália! Coitado!

Mas por que, minha amiga?

Juras que não mais te apetece?...

— Não é isso não, Hortênsia,

é que o safado

tem trabalhado demais pra fora.

— Mas só por isso, Eulália?!

— Não, Hortênsia,

o problema é econômico —

Joãozinho gasta mais da metade do que ganha

com suas fungadas avulsas.

— Ah, bom! Ah, bom, Eulália!

Isto é mesmo muito grave

e contra o PIB —

concordo:

é investimento delinqüente

mexer em xotas alienígenas.

Mas daí para cortar, minha amiga,

isso não!

Dá um nó, beliscões,

joelhaços, mordidas,

remédios pra derrubar...

mas cortar, Eulália, isso não!

Aliás, vamos e venhamos —

cá pra nós e bem baixinho:

não é esse o nosso bem maior?

LA 02/007

 

 

 

 

Democracia

é como o amor —

uma bosta.

Mas a melhor que há.

LA 02/007

 

 

 

André nunca foi dado a conjunções carnais

fora do tálamo.

Mas sua prima ( convenhamos! )

é ( muito mal comparando )

duas colunas de um éden

que Adão nenhum deixaria

para a terra comer.

LA 02/007

 

 

 

 

Na mocidade

achamos eternos nossos sonhos

e os vivemos como se fossem:

muita paixão em tudo o que empreendemos,

principalmente no amor.

Um sentimento de podermos tudo.

E isso nos faz realmente fortes

e invencíveis ( secretamente lá em nós ).

Sim, sonhamos, ousamos, realizamos.

Fazemos das  dificuldades

maneiras de nos suplantarmos.

Estamos em busca daquilo que nos falta...

claro que não vamos achá-lo nunca,

pois que a nossa falta é falta de ser.

A vida no-lo vai mostrar mais tarde...

Isto é, se trabalharmos muito ( em nós ) para isso.

De sorte que a mocidade

é o fruto que comemos na madureza

da nossa vida.

LA 02/007

 

 

 

Quando se viram,

foi aquela fusão.

E a partir daí

não fizeram mais nada —

só amor.

Chamaram padre,

pastor,

espírita,

xamã,

feiticeiro,

bruxa...

Não adiantou —

só faziam amor.

Fizeram novena,

procissão,

jejum,

ofertas,

promessas...

Não adiantou —

só faziam amor.

Aplicaram-lhes duchas:

frias,

geladas,

quentes...

Não adiantou —

só faziam amor.

Chamaram bispos,

exorcistas,

pais-de-santo,

ateus,

parapsicólogos,

bruxos...

Não adiantou —

só faziam amor.

Foram buscar suas mães,

seus pais,

seus irmãos,

seus primos,

seus amigos...

Não adiantou –

só faziam amor.

Chamaram o papa.

Papa não veio.

Chamaram o Dalai Lama.

Dalai não veio.

Chamaram 007,

e o cara: nem te ligo.

Chamaram Madona,

que também não veio não.

Mas aí ( pasmem! ), aí sim,

adiantou —

pararam de fazer amor.

Perguntados por que desta vez pararam,

responderam que o desprezo é muito duro —

por isso o amor acabou.

E como eram cientistas

conseguiram sintetizar

pílulas de desprezo —

para os que aspiram à castidade

e aos sexistas compulsivos.

O que lhes rendeu

o Nobel de antidependência

do vício de furibundezas,

isto é, de compulsão furibunda.

LA 02/007

 

 

 

O melhor do amor

é a sua febre.

Quando esta passa

toma-se um belo banho

e sai-se em busca de ar fresco.

LA 02/007

 

 

 

O melhor da mulher

é ser mulher.

Quando perde esse dom —

só praticando rapel.

LA 02/007

 

 

 

Aquelas inglesas sardentas

são muito boas de escalar...

O mais difícil é descer.

LA 02/007

 

 

 

Conheci uma espanhola

que no meio da função

estalava a castanhola

e gemia uma canção.

LA 02/007

 

 

 

Sim: as feias que nos desculpem,

ou saibam compensar —

as que são feias de frente

que sejam belas por trás.

LA 02/007

 

 

 

Mais uma vez carnaval.

Um luxo,

que explode em luxos.

Uma só massa

( de consciência? )

que se masturba

devagarinho,

devagarinho

esticando, esticando orgasmos

LA 02/007

 

 

 

Mais uma vez carnaval.

A carne floresce e canta

e cobre-se do pólen

de feminezas.

A carne canta.

LA 02/007

 

 

 

Opiniões,

que nem pinhões —

você os cozinha e come

e logo mais descome.

LA 02/007

 

 

 

Religiões,

que nem mamões —

você os descasca e come

e logo mais descome.

E assim vai

de fome em fome.

LA 02/007

 

 

 

Noites de gala

e galação —

se bem que não é só isso

o carnaval, mas também:

noites de gala

e galação.

LA 02/007

 

 

 

A mulher é aquela parte

do gênero humano

que deixa os homens atontados

e as mulheres espantadas.

LA 02/007

 

 

 

O amor encanta,

ataranta

e acalanta.

Depois espanta.

LA 02/007

 

 

 

Quarta-feira de cinzas

às 12h30

o Brasil pára 10 minutos —

lembrando o assassinato

hediondo-pavoroso

do menino

Hélio Fernandes Vieites.

..........................................

Não, o País não parou.

Faltou quorum.

Não valeu a intenção.

LA 19/02/007

 

 

 

Bendito o amor

que quase não existe,

mas mesmo não existindo

se torna a melhor parte

do que não temos.

LA 02/007

 

 

 

O carnaval brasileiro

é uma loucura

de criatividade

e beleza.

É a primeira coisa séria

que temos,

a segunda é o futebol.

LA 02/007

 

 

 

Juliana Paes no sambódromo

estremeceu geral —

entre plumas em que predominava

o azul,

ao vergar-se até embaixo,

ante os jurados,

descobre a retaguarda... isto é, abençoa

para sempre

( enquanto houver retinas e memórias )

os olhos masculinos

com seus cósmicos pígios.

Sim: valeu a pena ter olhos.

LA 02/007

 

 

 

 

Sabe-se de sobejo

porque as mulheres se detestam.

Só não se sabe

por que é que também não gostam dos homens.

LA 02/007

 

 

 

Você diz que é filho

de não sei quem

e que sofreu bastante,

foi humilhado

e fubecado.

Eu também, meu caro,

sou filho de não sei quem,

sofri bastante,

fui humilhado

e fubecado.

Não seria sensato

( e saudável ), meu caro,

deixarmos pra lá

o que não prestou,

vencermos o ressentimento

e construirmos uma outra história?

É só o que nos resta, cara.

O mais é doença sem vacina —

papo de egos leprosos

lá nas cavernas da rejeição.

LA 02/007

 

 

 

Que pena!

O decote já não existe.

Está na raça humana

o prazer de predizer.

LA 02/007

 

 

 

Saudade dos tempos

que a mulherada

deixava adivinhar!

LA 02/007

 

 

 

 

Eu tive a felicidade

de ser feliz

dentro da infelicidade —

de ter sido um moleque

com o coração valente.

Sou forte

porque fui um menino forte.

E isso é graça.

E essa graça me basta.

LA 02/007

 

 

 

Hoje é o que temos, minha nega.

Ontem é banana podre,

amanhã banana verde.

Hoje é o tempo maduro.

LA 02/007

 

 

 

Confia em Deus, minha amiga.

Confia em ti.

Trabalha e estuda.

Sê paciente contigo.

Saboreia o teu hoje.

O mais

escorre como a chuva

pelas calhas dos teus dias.

LA 02/007

 

 

 

Se a nossa infância e juventude

fossem tratadas com o mesmo empenho

com que tratam o nosso carnaval,

certamente nossa terra

seria tão respeitável quanto feliz.

LA 02/007

 

 

 

Aprendemos muito tarde.

Mas isso é bom —

não temos tempo

para desforras.

LA 02/007

 

 

 

Precisamos sincronizar

nossa vida exterior

com a interior ligada

ao Espírito de Deus,

aí vemos que Ele nos é

e que as nossas passadas

têm o endereço da empatia

com o que é bom para todos.

LA 02/007

 

 

 

Logo logo, minha nega,

havemos de fazer amor

só de pensar em fazermos amor.

Claro que isso também

chamarão de adultério,

mas ninguém mais

se sentirá corno/a.

E o coito será tão antigo

como andar a pé.

LA 02/007

 

 

 

Não, o mundo não pára.

Que me perdoem os egoístas,

e os amantes —

o mundo conta a nossa história

e continua

dando as suas muitas voltas.

LA 02/007

 

 

 

O possível

e o virtual

é o nosso novo mundo.

Outros ângulos de ver

geram o ver-em-revisões —

a transformação do entendimento

pelo não nos conformarmos

com a realidade,

mas com o nosso sonhá-la sempre outra:

o ver-intuir em mutações.

LA 02/007

 

 

 

As delícias do social

são sempre proporcionais

ao nosso compará-las

com nossa solidão.

O que inventamos

entre e como pessoas

nos dá a bela sensação

de que somos felizes —

não importa se deveras o somos

ou não.

Se entre mim e o outro

os desvãos se preenchem,

isso é mais que bastante

para saborear o que nos falta.

O melhor das coisas

é o seu ser possível

ao menos enquanto sonho.

LA 02/007

 

 

 

Era magra, tão magra,

que na primeira noite

o marido nem a viu.

Na segunda, já a percebeu...

Na terceira, conseguiu.

Sim, o gajo a rachou ao meio.

LA 02/007

 

 

 

O bom dos nossos inimigos

é que eles não se revelam,

assim nem sabemos que os temos.

LA 02/007

 

 

 

 

O bom do desamor

é que ele já foi amor

e, lá no fundo,

continua à disposição.

LA 02/007

 

 

Tony Blair retirou hoje

parte de suas tropas do Iraque.

O homem da terra de Jack, o Estripador,

já viu que não tem tanta tripa assim

para ensacar tanta lingüiça

com carne inglesa.

Os invasores ( faz tempo ) vêem

que sua guerra

tem a culatra de vidro.

LA 21/02/007

 

 

 

Cada  parafuso

com sua porca,

cada porca

no seu chiqueiro.

LA 02/007

 

 

 

Nada como um dia atrás do outro:

assim vão fazendo troca-troca

à luz do sol e das estrelas.

Quanto aos da extremidade

que não desanimem —

terão o seu quinhão

quando a ciranda se fechar.

LA 02/007

 

 

 

O amor é hoje insumo

irrelevante.

Nós, os bípedes implumes,

finalmente aprendemos

que o sexo é bem melhor.

LA 02/007

 

 

 

Quando o carnaval

“acaba”,

temos os infinitos

do futebol —

assim continuamos a ser sérios.

LA 02/007

 

 

 

Agora temos santo,

prata da casa —

Frei Galvão. Alguém que entenda

nossos tiques e chiliques.

Assim o brasileiro

pode pedir que seja campeã

sua escola de samba

ou campeão

o time por que torce

ou que vá pro paredão

do Big Brother Brasil

essa ou aquela pessoa.

Eta, nóis! que agora temos

até santo de casa

para sérios pedidos.

LA 02/007

 

 

 

Aqui, abaixo do Equador,

o tempo é um sorriso zen.

Aqui,

ninguém se preocupa

com Saúde,

Educação

nem Previdência.

Aqui, abaixo do Equador,

o tempo

coça o saco e boceja.

LA 02/007

 

 

 

Os dois enfeites da vida —

me diz Habib

com seu riso tilintante —

são os filhos e o dinheiro.

LA 02/007

 

 

 

O tesão do homem cai

quando há uma inflação

de peitos e de bundas.

LA 02/007

 

 

 

Se a mulher não deixa um pouco

pra adivinhar,

tudo o que mostra

a gente já sabia,

isto é: tem um sabor de tédio.

LA 02/007

 

 

 

Quando menino, me lembro

que André, também menino,

queria que eu o ajudasse

a dar um pau no Papai Noel...

Sim, uma sova no “bom velhinho”

( de cabo de vassoura )

por não nos dar coisa alguma

ao passo que outras crianças

exibiam presentes do gorducho

no dia vinte e cinco

do último mês do ano.

Quando crescemos

lembramos várias vezes

daquele nosso plano...

E ríamos, ríamos bastante —

não daqueles dois meninos,

mas da sociedade humana.

LA 02/007

 

 

 

Ou desentortas os teus grilos,

ou eles continuarão te espetando

dentro da tua noite.

Há pessoas

que não amanhecem nunca,

isto é, nem sabem que a manhã existe.

LA 02/007

 

 

 

Bem-te-vi cantou-dedou,

dedou-cantou,                        

esgoelou,

mas foi rebate falso —

não tinha visto nada não.

LA 02/007

 

 

 

O tempo

tem suas extremidades.

Quem se apressa come cru,

quem demora come azedo.

LA 02/007

 

 

 

A vida é uma pitanga,

senão passada,

passando.

Por isso mesmo

deve ter um sentido urgente.

LA 02/007

 

 

 

Perdoa ( agora ) a ti mesmo

e aos teus inimigos.

Perdoa agora, que depois

já não tens lábios nem língua.

LA 02/007

 

 

 

Aproveita a coceira.

E coça coça coça coça coça...

Depois do comichão,

aí então te lembras

de teres te coçado —

saboreando de memória.

LA 02/007

 

 

 

Goza o teu dia

do jeito que puderes.

Não precisas ter dinheiro,

nem status,

nem muitas bobagens

para gozar o teu dia.

Goza-o pelo gozo

de estar vivendo

e poder rir,

poder chorar —

poder dizer “oi!”

ao que passa,

abençoar

e lapidar os teus momentos.

LA 02/007

 

 

 

Dá graças pela graça

de poderes

ser um cachorro vivo

ao lado

de tantos leões mortos.

LA 02/007

 

 

 

Dá graças por não teres

a não ser o suficiente.

Senão serias

mais um milionário bobo —

desses que pagam

trinta milhões de dólares

pra ficarem uns minutos

em órbita

para terem depois o que contar

aos mamíferos de luxo

pelos salões do mundo.

LA 02/007

 

 

 

 

Dá graças por haver a Graça,

e faz de tudo pra viver

sob as suas enormes asas.

LA 02/007

 

 

 

 

A melhor pele é a nossa.

Se invejamos

é só por não saber

que somos bobos

por gastar esse tempo

com coisas que igualmente

não prestam.

LA 02/007

 

 

 

Muitas vezes queremos

o tal do reconhecimento.

Aí então está na hora

de assentarmos de frente

com a nossa pessoa

e lhe dizer umas verdades...

Mais ou menos assim:

Escuta aqui, seu olhif ad atup,

ajev es arudam!

LA 02/007

 

 

 

Vaidades e vaidades,

só vaidades.

Mas o que há melhor que elas?

LA 02/007

 

 

 

Mulheres e mulheres.

Que perigo vale mais a pena?

Que delícia contém mais calorias?

LA 02/007

 

 

 

Hoje acordei tranqüilo

como um bicho

que não sabe que vai morrer.

LA 02/007

 

 

 

Os tempos estão maduros.

Não é preciso nem ventos

pra derrubá-los.

LA 03/007

 

 

 

A arrecadação tributária

atinge em 2006

38,8% do PIB —

com os barbacenas

Tiradentes nenhum pode.

LA 03/007

 

 

 

Ela cobrava em dólar,

mas era compreensiva —

fazia fiado.

LA 03/007

 

 

 

Já Marilda,

que era mais cara,

fazia em duas,

até em três vezes.

LA 03/007

 

 

 

O padre a visitava

quando o marido não estava.

O cara era evangélico.

LA 03/007

 

 

 

Depois da tempestade, Noé,

vem o enxurro.

Por isso, homem de Deus,

quem não tem arca

sifu

ou vai pra ilha Buubu.

LA 03/007

 

 

 

 

Pois é.

Às vezes nem é,

mas nem por isso

a gente deixa de correr

de fantasmas que não são.

LA 03/007

 

 

 

Pois é, seu Mané,

é sempre muito favo

pra pouco mé.

LA 03/007

 

 

 

Gosto muito de ler

filosofia zen —

sempre aquele sorriso

que diz exatamente

o que cada um de nós

quer ouvir.

LA 03/007

 

 

 

Tudo o que não tem sentido

é muito lindo,

tanto é que logo procuramos

lhe arranjar um.

LA 03/007

 

 

 

André sempre me dizia:

Admire as belas,

mas case com uma feia

ajeitada.

LA 03/007

 

 

 

De fato,

se é belo o que tens,

hão de querer roubá-lo

ou enchê-lo de porra.

LA 03/007

 

 

 

Era tão ajeitadinha

que a natureza

já a fizera

com um travesseirinho

atrás.

LA 03/007

 

 

 

O  padre estava tão cheio

de vê-la assim tão safadinha

e ao mesmo tempo apavorada

com a labaredas do inferno,

que sempre a tranqüilizava:

Não precisas vir todo dia, Ofélia.

Deixa ajuntar um bom punhado

e de dez em dez dias tu me vens,

me dizes quantas...

e te absolvo.

LA 03/007

 

 

 

O cara era nervosinho

e faixa-preta.

Revoltado como frade

despejado do convento.

A gente falava com ele

pisando em ovos de colibri.

Fazer o quê,

quando fazer

só daria prejuízo?

LA 03/007

 

 

 

Jacaré é bicho brabo,

mas bota ovo.

LA 03/007

 

 

A mula pode ser bonita,

mas, mancou,

o preço é outro.

LA 03/007

 

 

 

Bem pior que não ter os dentes

é não ter o que mastigar.

LA 03/007

 

 

 

Sempre há um modo de dizer

que não ofende.

Um olhar nos olhos

sem perfurá-los.

Sim, o modo

muda as coisas.

LA 03/007

 

 

 

Ela é bonita. Seria até charmosa,

não fosse aquele sorriso

de asa quebrada —

parecendo olhar a vida

com nojo.

LA 03/007

 

 

 

A gente nunca sabe...

Mas, se soubesse,

talvez fosse pior que não saber.

LA 03/007

 

 

 

Dava em avulso,

mas sempre,

sempre com muito respeito:

punha a aliança

bem lá no fundo da bolsa.

LA 03/007

 

 

 

Pular cerca

é uma atividade em extinção.

A coisa, compadre,

quando fica normal,

ninguém mais nota.

LA 03/007

 

 

 

O riso, compadre,

é a única tábua

nessa Barca Furada.

LA 03/007

 

 

 

Você, que é forasteiro,

veja lá, não confunda —

usar uma bomba chinesa

com

bombar com uma chinesa.

LA 03/007

 

 

 

Não, senhora, não consta

nos autos de cavalaria

que cavaleiro algum

trepasse de loriga.

LA 03/007

 

 

 

Quando estava de bom humor

dava até pro marido.

LA 03/007

 

 

 

— Tudo em excesso faz mal.

— Até juízo, pai?!

— Principalmente.

LA 05/007

 

 

 

Se você visita o amigo/a

que não vê faz um tempão,

logo nota que essa amizade

é luz de estrela já morta.

LA 03/007

 

 

 

Quando menino,

subia nas grandes árvores —

bem lá em cima, perto de suas folhas...

Lembro-me que muitas vezes

descer era bem mais difícil.

 LA 03/007

 

 

 

Corujas e morcegos

gostam de igrejas velhas.

Já os homens e as mulheres

acham um saco

tanto as velhas quanto as novas.

LA 03/007

 

 

 

A arte é a mentira

mais verdadeira.

Mas é preciso

sabê-la contar.

LA 03/007

 

 

 

A vida bate na gente

com a grossura da vara

que se escolhe.

LA 03/007

 

 

 

Sonhou tão alto,

que seus filhotes

tinham medo

de descer...

LA 03/007

 

 

 

Quando a gente se entender, Eulália,

aí, sim: tudo estará perdido.

LA 03/007

 

 

 

Sim, somos todos iguais

em nossas diferenças.

E muito diferentes

em nossas igualdades.

LA 03/007

 

 

 

Somos uns bostas,

mas escondemos isso

uns dos outros.

Ainda bem!

Caso contrário,

ia feder demais.

LA 03/007

 

 

 

Dize-me com quem andas

e te digo o que comes.

LA 03/007

 

 

 

Dize-me o que comes,

te digo quanto pagas.

LA 03/007

 

 

 

Os filhos não nos ouvem.

Mas, e nós...

ouvíamos?

LA 03/007

 

 

 

Melhor que ontem

é hoje.

Melhor que hoje

é a esperança

fazendo seu turismo

no amanhã.

LA 03/007

 

 

 

Quem ama, ama —

não reclama.

LA 03/007

 

 

 

Mulher de bigode,

só se for bem bonita.

LA 03/007

 

 

 

Dize-me sem dizer

e te cala dizendo,

que te entendo...

E o que nem é

acaba sendo.

LA 03/007

 

 

 

 

Melhor é ter nenhum

quando o um que temos

não vale meio.

LA 03/007

 

 

 

Cachorro que enjeita osso,

lingüiça nele!

LA 03/007

 

 

 

Com mulher que faz em avulso,

André,

é preciso muita paciência...

e muita, muita compreensão.

Mas tem jeito —

é rezar pra São Cornélio

para tirar-lhe —

a ela o vezo,

já ao marido

os galhos.

LA 03/007

 

 

 

Cuscus com mamão?

Bom, muito bom.

Cuscus com manga?

Melhor ainda.

Com xandanga?

Excelente.

Quem duvidar

que experimente,

e acrescente

café fresquinho.

LA 03/007

 

 

 

Ergue a tanga,

minha nega,

ergue a tanga —

que o rio a molha,

que o rio a molha,

minha nega.

LA 03/007

 

 

 

A argamassa do edifício humano

é sangue.

Todas as conquistas,

as mudanças,

as transcendências —

são de sangue.

Mesmo as do espírito

exigiu

sacrifício de sangue,

cujo emblema é o Cordeiro.

LA 03/007

 

 

 

Cai na real

e segura no sonho —

entre um e outro

mora o possível,

que é trabalhado pela fé —

lá onde o homem sonha,

Deus consente

e o silêncio,

o silêncio se vai moldando

em algo raro e palpável.

LA 03/007

 

 

 

Março-07.

Mulheres, hoje é o seu dia!

Largai as vossas brasas!

Fagulhai!

Carpe diem, mulherada!

Hoje, amanhã, depois —

carpe diem.

Sim, carpe diem sempre —

e sempre com não menos

que um homem entre as pernas.

LA 03/007

 

 

 

A Inquisição confundia

o homem que pensava

com espiga bem granada.

LA 03/007

 

 

 

Antes assim do que assado,

pois ser queimado

não é brincadeira não.

LA 03/007

 

 

 

Antes um marimbondo na mão

que uma cobra no bolso.

LA 03/007

 

 

 

Requebra, minha nega,

requebra,

antes que tuas cadeiras

virem mesa.

LA 03/007

 

 

 

O fim de uma guerra

é o começo de outra.

LA 03/007

 

 

 

A mentira

é o produto normal

de toda indústria humana.

LA 03/007

 

 

 

O homem nasce,

vive e morre

corrupto.

Claro: não falo

de ti que me lês —

mas de mim e dos outros.

LA 03/007

 

 

 

Eta, nóis!

Senhor Bush

hoje

nos visitou.

Tomara que isso

gere dólares,

muitos.

Assim, nem tudo

terá sido desagradável.

Eta, nóis! Isto é —

Etanol.

LA 08/03/007

 

 

 

Manhêêêêêêêê!...

O Paulinho

passou a mão na minha bunnnda...

LA 03/007

 

 

 

Se não está bom assim,

espere um pouco,

só um pouco,

que a coisa muda.

Se está bom ou muito bom,

saiba também que ( não demora )

a coisa muda.

Enfim, saibamos que

mudar

compensa o incompensado.

LA 03/007

 

 

 

Queria ter o gostinho

de enterrar a esposa.

Mas não: foi ela

quem o enterrou em dúvidas

e dívidas.

LA 03/007

 

 

 

Falar de si

é sempre uma armadilha.

O cara capricha tanto,

que os doze trabalhos de Hércules

viram porra de grilo.

E a gente fica envergonhado —

um excremento de corruíra.

Mas!... Quando vai ver a obra

do artista —

vê que o melhor que o cara fez

foi seus traços biográficos.

LA 03/007

 

 

 

 

Ou o Brasil preserva as saúvas,

ou ficará sem jardineiros.

Tempos atrás a frase era:

Ou o Brasil acaba com as saúvas,

ou as saúvas com o Brasil.

Mas... se mal não diga,

minhas roseiras

não apreciam as saúvas...

São como sogra e nora —

a distância ou convivência

faz toda a diferença.

LA 03/007

 

 

 

Fingir que é bom isto ou aquilo

é que vai tornar bom isto ou aquilo —

até enquanto for bom...

depois, fingimos outras coisas,

isto é, outros “dons” noutras coisas.

LA 03/007

 

 

 

Se o homem é o que pensa,

regulando o meu pensar,

posso viver outras gamas

de ser.

Minha consciência é algo físico —

é ela que me dá forma,

e não eu a ela.

É ela que me abre a estrada,

e não eu a ela.

Sim, a minha consciência

é transformada

pelas gamas

do meu pensar.

LA 03/007

 

 

 

O socorro foi do jeito que deu,

foi do jeito que foi...

O melhor é não fazer nada

quando não se sabe fazer.

LA 03/007

 

 

 

Cruza os teus braços, minha nega,

que nesse caso é lucro.

Muitas vezes não fazer

é bem mais que fazer.

LA 03/007

 

 

 

As canções choram a dor

do que o homem não viveu

e a alegria

do que pretende viver.

Por isso,

lá no fundo, bem no fundo,

todas as canções são tristes.

LA 03/007

 

 

 

 

Pensar é um modo

de reciclar-se.

LA 03/007

 

 

O meu cavalo só falava aramaico,

mas o de Josefa sabia traduzir —

de sorte que pudemos

viver um grande amor.

LA 03/007

 

 

As coisas mais loucas deste mundo

são mesmo as coisas mais loucas deste mundo,

e as mais invejadas.

LA 03/007

 

 

 

Quando a morte se aproxima,

o rei inveja os seus súditos.

LA 03/007

 

 

 

Vaidades das vaidades!

Que delícia não deviam ser

as vaidades de Salomão!

LA 03/007

 

 

 

Triste o Big Brother Brasil

( uma tristeza por espelho ) —

vemos o grau ultraprecário

do relacionamento humano,

isto é: vemo-nos.

LA 03/007

 

 

 

O mundo, amiga,

nos fode,

e sem trilha sonora.

A defensiva —

pra homens e mulheres,

é ir lá na Daspu

e comprar cuecas e calcinhas

feitas de cota-de-malha...

Sim, não bobeiem não,

vão até lá —

usem cota-de-malha.

LA 03/007

 

 

 

Tive muitos amigos

espiritualistas.

Todos dotados

de dons oniscientes.

Quando nos reuníamos

( modéstia à parte )

éramos cada um

mais iluminado que os outros.

Só hoje,

passados anos e anos,

é que vejo boquiaberto:

a gente conseguia

ser espiritualista

sem nenhum,

nenhum espírito!

LA 03/007

 

 

 

Ela tinha umas pernas

de arrepiar as tripas.

Até o marido

de vez em quando

chupava jabuticaba.

LA 03/007

 

 

 

Era uma vez

um gato siamês

de um paciente chinês

que só miava em francês.

Mas de que é que adiantava,

se a gata da vizinha brava

( sim, a mulher não gostava

do chinês que a adorava... )

só miava em javanês?

Mas isso tinha —

comentava a vizinha,

seu lado bom:

bichana e bichanão

derrubavam tijolos

sem aqueles gritos tolos...

Arranhos sem miação.

Mas o mais engraçado

é que a vizinha de um lado,

e do outro o chinês,

ambos de olho fincado

nessa sem-vergonhação

muda, mas nada cortês,

os dois vizinhos se entreolhavam

e um mais feliz

que o outro murmuravam

orgasmos pelo nariz.

LA 03/007

 

 

 

A maldade e a ignorância

são os mais antigos

e os mais terríveis

dos males.

Seus portadores

são pessoas ou grupos

amarrados nas trevas

de si mesmos.

LA 03/007

 

 

 

O anel que tu me deste

já andara em outros dedos.

O amor que tu me tinhas

era pouco e por tabela.

Mas mesmo assim ( quem sou eu?! )

sou grato a Deus e à vida

por ter cuidado um bom tempo

do teu jardim.

LA 03/007

 

 

 

Quando um dia disse à esposa

que seu amor lhe era morto,

duas lágrimas lhe desceram

discretamente

pelo rosto...

e um sorriso doce e honesto

lhe cobriu o semblante

da mais pura alegria.

LA 03/007

 

 

 

Marilda me disse

que o ponto-g na mulher

está no seu dar com gosto.

LA 03/007

 

 

 

Meu amigo moralista

tinha uma cara de onanista

imaginando coisas

para acabar.

LA 03/007

 

 

 

Se Shakespeare vivesse hoje

não iria escrever tragédias,

ou melhor: nem saberia

o que escrever.

LA 03/007

 

 

 

Por que escrevemos?

Acho que pra não morrer.

LA 03/007

 

 

 

Quem nos lê?

Primeiramente nós mesmos.

Depois, nós mesmos.

Em seguida, nós mesmos.

E por fim ( quando há um fim

no entremeio ),

alguns outros.

LA 03/007

 

 

 

Sim, o principal beneficiado

com o que escrevemos

será sempre nós mesmos.

LA 03/007

 

 

 

Quem assiste a futebol

quer ver gols.

Já quem assiste a um desfile

de lingerie

quer ver bolas

pelo gramado.

LA 03/007

 

 

 

É gols ou gois?

Os dois.

Mas como o povo

é quem manda,

é “gols”,

bárbaros “gols”.

O que importa, minha nega,

é a bola batendo

no rendado da rede.

LA 03/007

 

 

 

O homem vê

o que quer ver.

O homem ouve

o que procura ouvir.

O homem pensa

os remoalhos de seu meio.

O homem sonha

as pulsões entre o corpo

e o prazer:

realidade e fantasia

no desejo e ousadia

de transcender-se.

O homem é

o seu imaginar.

LA 03/007

 

 

 

Hoje é o que temos,

minha nega.

O ontem

é só o estaleiro

onde construímos a nave

que já partiu

e navega no amanhã —

o hoje adiado.

LA 03/007

 

 

 

Sim, façamos, façamos amor,

minha nega,

até o desejo bocejar

e virar para o canto.

Logo em seguida, façamos

o que adoramos fazer —

façamos nada.

LA 03/007

 

 

 

Deus te abençoe, minha amiga,

e seja pródigo contigo —

nunca te falte um homem

no meio de tuas pernas.

LA 03/007

 

 

 

Hoje colhes mais um maio

no agosto dos teus anos.

A vida te seja farta,

minha amiga,

e te conserve irrigadas

as delícias do teu jardim.

LA 03/007

 

 

 

Mando-te flores.

Estas, eu as colhi

entre malvas e avencas

de te lembrar.

LA 03/007

 

 

 

Não foi, não foi esta a vida

que pedi para Deus.

Mas antes esta que nenhuma.

Sim, Deus me livre de nenhuma

do que esta.

LA 03/007

 

 

 

Quando o amor acaba

aí começa a sensatez,

nada sensata, aliás,

mas bem melhor que o amor.

LA 03/007

 

 

 

Nem o cearense sabe

por que nasce sem pescoço.

Mas, brincadeira à parte,

uma amiga me disse

que o que lhe falta em cima

foi-lhe compensado embaixo.

Quem quiser que verifique.

LA 03/007

 

 

 

Era bonita quanto safada,

isto é, a gente percebia

que a safadeza

lhe era a lingerie

do porte esguio e bonito.

Já o olhar sem-vergonha

era o orgulho do marido,

que nunca fez questão

de reparti-lo com ninguém.

LA 03/007

 

 

 

E vamos que vamos!

Antes ir que ser levado.

LA 03/007

 

 

 

Antes dar, minha senhora,

antes dar que ser roubada.

LA 03/007

 

 

 

— Passa-me o relógio!

— Leva o relógio, que pediste,

e a aliança como brinde.

LA 03/007

 

 

 

Vai Poder!

 

Quando a roseira se enche de olhos-rosas,

o mal-me-quer começa a caluniá-la,

mas nem por isso o pessegueiro cala

seu cor-de-rosa em flor a fazer glosas

 

com o fito de humilhá-la e desfolhá-la

achando ter as flores mais formosas...

Vai poder com essas “nóias” invejosas

lá em delírios de salões de gala!

 

Vai poder com os chiliques dessas flores(!)

no seu pódio de nada... entre esplendores

de coriscos no escuro a enraizar...

 

Vai poder, minha amiga, com essa gente(!)

antes que o outono amareladamente

lhes faça a vaidade rodopiar...

LA 03/007

 

 

 

 

Os três textos a seguir foram clipsados

como dedicatória de um livro meu a três

profissionais da medicina, três criaturas

muito especiais.

 

 

 

 

Para A Doutora Florence

 

Conhecê-la,

cara doutora,

é admirá-la

lá em humano.

Pela pessoa,

pela profissional

que é —

paladina da beleza

a esgrimir contra a dor

( que é contra a dignidade

e a estética ) —

você merece o nome

Flor(ence)

que alguém especial

lhe deu.

Aliás, o seu nome como um todo:

Florence Marin Ortega

tem uma fonética sinfônica —

um toque de violino e violoncelo...

 

Obrigado por me ter livrado

de um bicho que me estava roendo.

 

Deixo-lhe um dos meus livros.

Quem sabe numa de suas noites brancas

você não o folheie ao acaso

e encontre até um ou outro texto

que lhe ajude a sorrir,

ou a indignar-se...

quem sabe um verso ou outro

que lhe faça companhia

lá em seus passos interiores?

 

O Senhor a abençoe e guarde.

 

Um abraço com muita gratidão

e com grande respeito

por sua pessoa.

 

                                                                Laerte,

                                                                            março/2007

 

 

 

 

Para o Doutor Luciano

 

Sua habilidade e maestria

me livraram de um bicho

que me estava roendo.

 

Deixo-lhe um dos meus livros

( uma forma talvez de eu me sentir por perto

daquele a quem fui pedir ajuda ).

Sei que não tem muito tempo

a não ser para a literatura científica.

Mesmo assim, lá vez por outra

( quem sabe ) não corra os olhos por um desses textos

e então encontre uma linha ou duas

em que você se veja

no por dentro e por fora

das andanças do ser humano

empreendendo a travessia

dessa ponte chamada mundo

numa louca aventura

lá por universos de nós mesmos?

 

Sou-lhe grato. Muito grato.

Cada vez que olhasse, mesmo de soslaio,

para este pobre livro

( enfiado num dos cantos

de sua estante )

gostaria que se lembrasse

de que você é um paladino

da vida em harmonia,

isto é, da beleza-verdade

ou verdade-beleza —

e que isto fosse um dos motivos

de ter força e alegria

de prosseguir.

 

O Senhor o abençoe e guarde!

 

Um abraço com muita gratidão

e com grande respeito

por sua pessoa.

 

                                                            Laerte,

                                                                        março/2007

 

 

 

Para a Enfermeira Marília

 

Você e o doutor Luciano

me livraram de um bicho

que me estava roendo.

 

Deixo-lhe um dos meus livros.

Tomara que você encontre nessas páginas

algumas linhas que façam coro

com os seus sonhos e esperanças —

alguns versos que lhe digam

que você é alguém muito especial,

pois que optou por estar

a serviço da vida.

 

Obrigado, Marília.

O Senhor a abençoe e guarde!

 

Um abraço com muita gratidão.

                                  

                                                       Laerte,

                                                                   março/2007

 

 

 

 

Se me morro por ti,

nem perdes tempo

de me enterrar.

Por isso não me morro

nem me vivo —

só sobrevivo ao teu charme,

e ( claro! ):sem que saibas.

LA 03/007

 

 

 

 

O amor é truculento

de nascença.

Não o fosse,

qual fora a graça?

LA 03/007

 

 

 

 

O melhor do amor

é ser ridículo.

E isso lhe garante

sua longa existência.

LA 03/007

 

 

 

Tinha uma coisa,

um delicioso quê,

que — só muito depois —

o cara sabia o quê.

LA 03/007

 

 

 

Tinha aquela mania

de deusa mitológica —

dava pra todo o Olimpo.

La 03/007

 

 

 

Era tão sensual

que os homens não resistiam —

primeiro a comiam,

depois a cantavam.

LA 03/007

 

 

 

Melhor que vê-la

é não vê-la.

Assim ( dizia André )

não se passa vontade.

LA 03/007

 

 

 

Depois da plástica,

a frágil moça viu

que não era o nariz

que a fazia infeliz.

LA 03/007

 

 

 

Mudar é bom, mesmo porque

quanto mais a coisa muda

mais fica igual à mesma coisa.

LA 03/007

 

 

 

Louvado seja o Senhor,

que nos deu a graça de morrer

quando a vida se faz insuportável!

LA 03/007

 

 

 

Prego que se destaca,

martelo nele!

Mulher que enjeita o marido,

vizinho nela!

As que juram que “não”

é porque “sim”.

As que juram assédio

só foram rejeitadas.

LA 03/007

 

 

A bola tá muito alta?

Cabeceia pro gol!

LA 03/007

 

 

Muita areia pro teu caminhãozinho?

Vai carregando aos poucos,

já dizia padre Bento.

LA 03/007

 

 

 

Não acredite, senhora, nas que dizem

que os homens não valem nada.

Elas só querem

diminuir a concorrência.

Usufrua também, senhora.

Com moderação.

LA 03/007

 

 

 

 

Nunca a palavra de um homem

valeu tão nada:

nulla res nata.

Nunca a vida de um homem

valeu tão nada:

nulla res nata.

Nunca um homem

valeu tão nada:

nulla res nata.

LA 03/007

 

 

 

Era muito atraente,

mas nada simpática.

Se bem que André

jamais ligou pra simpatia.

Aliás, sempre dizia:

“Simpatia não se come”.

LA 03/007

 

 

 

Tinha uma amiga que me dizia

com um sorriso sem-vergonha:

Devagar vocês vão entendendo

que não somos,

absolutamente não somos

de levar para casa.

LA 03/007

 

 

 

 

Já outra não deixava por menos:

Vocês querem encasinhar

sonhos e desejos em nós...

e nós ( ao menos a maioria de nós )

não vemos a hora

de entrarmos em suas casas

de corpo, alma, espírito

e nossas malas.

Sim, uma coisa temos em comum —

o verbo entrar:

vocês em nós,

nós em suas casas —

com mala e tudo.

LA 03/007

 

 

 

André arranjou uma namorada

maneira,

bonita,

coloidal,

aerodinâmica,

anatômica.

Jeito monroe

de arrulhar,

de miar,

arranhar com a voz,

e batear o éden...

Olhos de quem bebeu

vinho com a rainha...

comeu maná com Josué...

Mas André nem vê isso,

não sabe ver nada disso.

Pobre André!

LA 03/007

 

 

 

— Afaste-se de clarinha, André.

— Mas nunca houve nada entre nós, pai!

— Por não ter havido nada é que lhe dito:

Afaste-se de Clarinha hoje,

pra que amanhã não esteja morando

com a esposa do seu irmão.

— Credo, Alphonso, deixe o menino!...

— E não foi exatamente isso

que aconteceu com a gente,

Ofélia?!

— Isso faz muito tempo, Alphonso,

faz tanto tempo,

que nem Deus já Se lembra.

LA 03/007

 

 

 

Pobres tempos,

dominados pelo mercado

e pelo cálculo —

mas sedentos de salvação.

Sim, nunca tão sedentos

de salvação.

LA 03/007

 

 

 

Amizade madura

vai até certo ponto.

Daí não passa

( não se deixa passar ) —

jamais tocar na intimidade,

porque esta fede

ao exumar velhos segredos.

Amizade madura não visita,

apenas telefona,

manda e-mail —

mas comunicação impessoal,

a que jamais fala de si.

Sim: dar-se a conhecer

é enfraquecer-se:

coisa de donzela nuela.

LA 03/007

 

 

 

Discutir o relacionamento

é sempre um adiamento.

LA 03/007

 

 

 

A arrrogância é aquilo que fede

enquanto o cara ainda vive.

LA03/007

 

 

 

... nada que uma boa conversa

não atrapalhe tudo.

LA 03/007

 

 

 

A única solução

para a dissolução

é o diálogo.

LA 03/007

 

 

 

 

Quando um não quer

o outro briga.

LA 03/007

 

 

 

Discutir o relacionamento

é sempre um bom fomento

para o consensual.

LA 03/007

 

 

 

A vida é phoda ( com “ph” ),

isto é, uma foda

que fode

o fodedor.

LA 03/007

 

 

 

Depois da bronca,

do esporro,

sempre aquele sorriso

de arrependido/a.

LA 03/007

 

 

 

A amiga,

discreta e à sombra,

sempre cooperou com ela.

Cuidava-lhe do marido

com esmero —

de sorte que ela-esposa

nem precisava pensar nele.

LA 03/007

 

 

 

O novo devora

todos os filhos que pare,

por isso ninguém os conhece.

Sim, o novo é autófago

e vive enganando gente

que lhe quer ninar a prole.

O novo é o tirano dos insensatos.

O gozador dos vaidosos.

Debochador daqueles

que se têm a si mesmos como sérios.

O novo é mesmo novo,

ou só o velho reciclado?

LA 03/007

 

 

 

O maior tesão do senhor Bush

é o fiofó do Bin Laden.

Uma amiga me disse

que é tão grande o tesão

que ele fez voto de castidade

até encontrar o dito

e cujá-lo.

LA 03/007

 

 

 

Vendem-nos necessidades que jamais teríamos

se não estivéssemos amarrados uns aos outros

a sonhos e esperanças culturais —

à ideologia do mercado e do cálculo

que nos fazem pensados e sonhados

e miseravelmente muito mais que isso: profetizados

com muita precisão e muita técnica.

Resultado:

uma infelicidade global

com uma sede de lábios trincados,

uma sede arenosa de salvação.

LA 03/007

 

 

 

Tornar a merda social em arte

é tarefa de um grupo de loucos

que se sujeitam à pobreza e à margem

ardendo em febre de renovação

e entendimento —

no desvelo de dar timbre

à voz que faz ecoar o sentido.

LA 03/007

 

 

 

Conhecê-la,

amá-la

foram belos momentos

refletindo-se nas águas.

LA 03/007

 

 

 

Um clima “fin-de-siècle”

no à beira tédio do momento.

Uma delícia de fins dos tempos

conforta a alma e o coração daqueles

que têm fome e sede de justiça.

LA 03/007

 

 

 

Quem diria! O Latin

com seu cheiro de morto

se reintegrando aos dias globalizados

e ao canto gregoriano

para trazer de volta

aquele cheiro de unção anímica

de Salmo-23

e as delícias dos mistérios

ecoando lá pelas crípitas das nossa almas

fazendo coro com o sonho de Deuspai

lá pelas vinhas de Cânticos dos Cânticos.

LA 03/007

 

 

 

Nunca mais

por vezes é muito tempo.

Já outras vezes nunca mais

é só um tempo paralelo

e desprezível —

um tempo que a gente destemporiza

lá de soslaio em nosso não vivê-lo.

LA 03/007

 

 

 

Toda a perda é irrecuperável,

mas no que toca a algumas pessoas

é diferente:

só depois que se vão

é que é possível remover

toda a sombra de inveja

que pesava sobre elas —

e assim é que vem à tona

o quanto valia o seu fazer.

Mas então é tarde.

A inveja sempre vence.

E saber disso é um consolo —

é já não precisar...

LA 03/007

 

 

 

Amigo é bom porque

quando você precisa

ele não está lá,

já quando não precisa —

ei-lo que lá está.

Então já sabe:

se precisar,

não lhe terá a mão,

não precisando —

lá está ela,

forte e amiga,

a acariciar-lhe o ombro

com macios tapinhas.

LA 03/007

 

 

 

Mãos que muito amontoam,

sinal de alma vazia.

LA 03/007

 

 

 

A sociedade usa botinas terríveis,

botinas que chutam pessoas

para fora da dignidade de ser gente.

Botinas que excluem crianças, homens e mulheres

chutando-os para a margem —

repartindo a pobreza

e concentrando a riqueza.

LA 03/007

 

 

 

Se todo mal tem cura,

toda cura traz em si um mal,

que terá cura.

LA 03/007

 

 

 

Sintomático aquele engate

que todo carro bonitinho tem.

Bolotinha niquelada,

parece o dedo médio

nos provocando...

Sim, sintomático,

mas bonitinho.

LA 03/007

 

 

 

O nosso tráfego aéreo,

com problemas cabalísticos

( e quejandos ou lingüiçandos ),

devia ser entregue aos urubus

que, aliás, nunca se chocaram —

a não ser com aeronaves.

LA 03/007

 

 

 

 

Outono Já Boceja...

 

Outono já boceja em cada folha.

Uma brisa mulata pela tarde

mostra o verde a tremer para quem olha

entre o roxear da luz que já não arde...

 

Do leste vem a lua a olhar caolha

sobre arbustos e casas com um ar de

quem se balança dentro de uma bolha —

berceuse pelo céu que... eis já encarde...

 

Um vento frio sopra afrodisíaco

em eu pensar em ti, minha safada,

com esse jeito e olhar tão sem-vergonha...

 

O vento lembra os tons daquele austríaco

que nos fazia uivar... lembras, amada?

Uivar de amor e crer no bem que sonha.

LA 03/007

 

 

 

 

Hoje É O Que Temos...

 

Hoje é o que temos, minha nega, e só.

O mais é esperança amanhecida,

quanto mais requerida, mais fugida —

coquete em tremeliques de xodó...

 

Do ontem, minha nega, restou pó.

Nosso amanhã ainda não tem vida —

só imaginação a arder fingida,

a dar em nosso sonho o velho nó...

 

O hoje é a realidade em que apoiamos

tudo quanto com as mãos remodelamos

nos instantes a arder em nossos olhos...

 

Navegar tem por medo seus abrolhos...

Semear tem por risco o que não nasce...

Somente o hoje no amanhã renasce.

LA 03/007

 

 

 

Como Era Linda...

 

Como era linda ( puta que pariu! ),

como Laura era linda, boa e bela!

E tão e tanto de deixar seqüela

na inveja de quem só uma vez a viu.

 

Uma beleza ( puta que pariu! )

de o cara ao meio-dia ver estrela,

confundir gergelim com mortadela

e o canto do sabiá com o do tiziu.

 

Como era calma, puta que pariu!

Lhe adiantavam relógio e calendário

pra não perder aquilo que assumiu.

 

Uma delícia ( puta que pariu! )

lhe amar aquele jeito tão vicário

de alguém sem olhos a jurar que viu...

LA 03/007

 

 

 

Ela Chegou Trazendo...

 

Ela chegou trazendo uma fragrância

de brisa fresca em campo reflorido.

Na irmã, uma saudade toda ânsia

a cutucar um tempo já vivido.

 

Não lhe faltava o charme, a elegância,

aquele tom de cravo dolorido

a recordar lapelas... e Constância

a bordar mimos com lilás gemido...

 

Eram gêmeas de um tempo maltrapilho:

sem casamento, profissão nem filho —

viviam dos proventos dos finados.

 

Vitória sempre vinha, precisava

( era a mais velha ) dos chulés passados

que o casarão ( decrépito ) exalava.

LA 03/007

 

 

 

Hoje é dia dos teus anos.

Dia em que colhes a pétala

de fininício.

Senta, minha amiga,

senta-te aqui

sob este ramo da poesia

e deixa que eu o chacoalhe

e te cubra de pétalas...

Pétalas de todas as cores

e aromas triscantes:

sobre os cabelos, o colo

e o lombo desses dois coelhos

com o focinho escondido

nos cantos do decote...

Deus te abençoe e guarde,

minha cara!

E nunca,

nunca-jamais te falte

entre as pernas

um homem apaixonado.

LA 03/007

 

 

 

Conta até três,

bem pausadamente.

Finda a contagem,

sente o momento, este momento

em que estás...

e lá no teu sentir,

busca saber:

sentir-saber,

saber-sentir

que esse momento é teu

e pelo teu querer

e ousar

tu podes nele agir

para mudar-te,

mudar a ti

e o mundo.

LA 04/007

 

 

 

Com todos os seus “defeitos”,

a família é uma barca

que, quando fura,

dispõe de mais de um balde

para jogar a água fora.

LA 04/007

 

 

 

 

Já estava tudo feito

quando viemos para cá.

Isto deveria bastar

para termos grande respeito

por toda a humanidade.

E mais que isso —

darmos alguma coisa

de nós

ao mundo.

LA 04/007

 

 

 

Esperar que alguém mude

deve ser muito triste.

Primeiro, porque ninguém quer mudar.

Segundo, se se quer que alguém mude,

é porque “assim” ele ou ela não serve.

LA 04/007

 

 

 

 

Em todo relacionamento estável

há o binômio egoísmo-generosidade.

Tal relação vai bem

até quando o generoso a suporte.

Atingido esse limite,

o egoísta

vai ter que arrumar sua mala.

A relação que se mantém

é porque soube desenvolver

um relacionamento de justiça —

ao invés do binômio

egoísmo-generosidade,

viveram o dueto

do justo com o justo

como alternativa possível.

Tal relação não é tão rara

( quanto se pensa )

e é, sem dúvida, a mais saudável

e duradoura.

LA 04/007

 

 

 

 

Seu Filho...

 

Chamava-se Risério —

um cruzamento de riso

com sério.

Seu pai era coveiro

da elite

em cemitério

da elite —

sempre entre túmulos,

túmulos

querendo rir por último

em seus marmóreos tiques,

chiques chiliques

e estátuas de bronze negro

com hilárias pinceladas

de mestres pombos...

Homenzinho tesudo

( o pai de Risério, lembra? ),

com jeito de Napoleão

antes de Waterloo —

tocava negros e doídos trechos

do réquiem mozartiano

na ponta da colher

percutindo os tijolos...

Com as gorjetas de músico

fúnebre

comprou uma “Empresa de Luto”.

Mas jamais deixou a profissão

que gostosamente exercia

( todo o mundo sabia )

com orgulho e satisfação.

Em sua camiseta exibia

uma frase comparativa

( que começava no peito

e terminava nas costas ):

Mais vale um cachorro vivo

que um leão morto.

Seu filho

chamava-se Risério —

era dono de três marmorarias

e de várias floriculturas.

LA 04/007

 

 

 

Hoje, disseram aos passageiros

amontoados nos aeroportos:

“Calma! Todo mundo vai voar.”

Aí uma velhinha

gritou uma pergunta:

Será que puseram bombas

nas aeronaves?!

LA 02/04/007

 

 

 

Sempre que não podemos

chutar o traseiro da depressão, —

azar nosso!

Os sapatos dela

são de bico longo e fino.

LA 04/007

 

 

 

Por vezes o silêncio

tem um tom muito triste,

um timbre de tragédia

em que nos vemos

do lado de fora de nós —

é o ser se despenhando

por perder o equilíbrio

lá em seu ter ousado

para não se perder...

É o caos

que tem de refazer-se

em cosmos.

LA 04/007

 

 

 

O Rabino Henry I. Sobel,

que ajudou a muitos,

está agora precisando de ajuda —

daquela que deu a tantos

e com tanta coragem.

O Rabino

é dom, bem humano,

da casa:

sua inteligência e talento,

sua luta altruísta

viverão para sempre

chez-nous.

Sem Sobel

a gente seria menor.

Vejo-o como homem

de integração,

expansão e transcendência

de religiões,

de raças,

nações,

do humano.

Sim, sem ele nosso momento

seria menor.

LA 03/007

 

 

 

As bactérias serão sempre mais resistentes

que as drogas,

e a grande bactéria vem vindo aí.

E agora, José?

É morrer ou morrer?

Não, a esperança e a fé

dirão: É viver ou morrer.

A morte ainda será

uma opção atraente.

Até que se descubra

uma alternativa

aos antibióticos —

através da dialética

dos afins.

LA 04/007

 

 

 

Será que o mundo microbiano,

onde vivemos,

irá reivindicar a terra para eles?

LA 04/007

 

 

Tá dando certo a sua reza?

Fique com ela, compadre.

Tem muita gente aí

rezando bonito pacas

( tão direitinho e avivado ),

ministrando aulas

de riquezas e venturas,

mas que não tá com nada

a não ser o que levam de seu bolso.

Melhor que ter um deus canalha assim

é nunca ter um deus canalha assim,

compadre.

LA 04/007

 

 

 

A cínica liberdade

dos costumes

( faz tempo, muito tempo )

reduz corpo e sexo

a coisas de mercado.

LA 04/007

 

 

 

Muitas mulheres

estão agindo como homem.

Não deveriam nunca

se rebaixar

à condição de macho.

Ser mulher

é o lugar na vida

de maior preço

e apreço.

Sim: femineza

é beleza que não pode

ser negociada.

LA 04/007

 

 

 

As fragatas são imponentes e agressivas,

mas vivem de roubar os atobás —

roubam-lhes o que eles já engoliram,

sim, vivem do seu vômito

aquelas imponentes e agressivas aves.

LA 04/007

 

 

A liberdade será sempre desassistida,

cabe a cada um desenvolvê-la

e saber o que ela é ( dentro do contexto

social,

e sobretudo em si mesmo ).

A liberdade só existe

porque é sonho de suplantar-se

em cada homem.

LA 04/007

 

 

 

A igualdade é uma idéia

incubada pelo sonho social —

e que vive ou morre

na mão de cada um.

LA 04/007

 

 

 

A fraternidade é decorrência

de uma consciência

que aprendeu a liberdade

e a repartiu em igualdade:

sabe-se agora

que a vida é de todos,

mesmo que ainda não seja.

LA 04/007

 

 

 

Adoro as gostosonas

que se derramam em libido

e charme —

e ficam a espiar os homens

lambendo o rastro que deixam.

Sim, adoro vê-las casadas

com  outros ( quaisquer que sejam ).

Acho que a estabilidade emocional

é de um preço inestimável

e nada deste mundo a vale.

LA 04/007

 

 

 

Algo que nos manche a alegria

devia não nos convir.

Algo que não nos fosse agradável

devia ser pecado.

LA 04/007

 

 

 

Bem melhor não ter

quando se intui que ter

fora pior que nada.

LA 04/007

 

 

 

Minhas mãos nunca estão vazias,

pois que nelas tenho a palma e os dedos —

e, antes de serem poesia,

as palavras me passam por eles.

Sim, no instante-intuir-digitar

é que as palavras ganham um sentido

e escrever tem sabor

de nexo-finalidade — com sementes de mim

plantadas no humano

a caminho de nós-mesmos.

LA 04/007

 

 

 

Quando eu me chamar nunca mais

Deus vai ter saudade de mim —

esse puta cara doido

que com metade da boca

Lhe entoa hosanas e louvores,

com a outra pragueja, exorta,

e diz palavras macias...

Sim, com uma das mãos Lhe dá glória

e com a outra segura

essa baita batata quente,

que é estar no mundo

em meio a balas perdidas

e taxas escorchantes,

desempregos, pragas, pestes,

excomunhões, usuras,

entre loucuras, arrastões,

roubos, seqüestros e apagões

virtuais-reais: céu-terra,

medos, nóias, sustos, pânicos

e ameaças ameaças ameaças ameaças...

de palavras pontudas

puxando mísseis

da puta que os pariu.

Sim, Deus vai ter saudades

de todos nós.

LA 04/007

 

 

 

Dependendo da elasticidade

da “paciência” de quem espera,

a esperança,

mesmo amanhecida,

tem sabor de panetone.

Os demoprestidigitadores

sabem e confiam nisso,

e até oferecem o vinho

do sonho

para molhar

o tal do panetone.

Aí, o povo alegre,

sempre pensado e sonhado,

aos uivos e urros,

cobrem-lhes de palmas

as basófias sonoras,

as elegantes mentiras —

carregam-nos nos braços

como jamais fizeram com seus filhos...

e os reelegem até a senilidade.

LA 04/007

 

 

 

Haverá sempre uma música

para arrepiar o momento

cultural

e tornar os homens mais compatíveis

com a mercadoria social

que os move em tempo-espaço.

Atrás da contabilidade

e seus bancos,

os homens amam a guerra e as fêmeas

e vivem para disputar

quem acumula mais

e possui as mais belas mulheres.

LA 04/007

 

 

 

— Quem ri por último ri melhor.

— Se ainda tiver os dentes, senhora.

LA 04/007

 

 

 

O que os olhos não vêem

os vizinhos adoram contam.

LA 04/007

 

 

 

Quando esperar não cansa,

nem se alcança.

LA 04/007

 

 

 

Se o amigo te adentra a casa,

sem dúvida: vais ter problema.

LA 04/007

 

 

 

Cobrava em dólar,

mas era compreensiva —

fazia fiado.

LA 04/007

 

 

 

Quando Ofélia era moça,

dizem que, ao vê-la, os homens  tinham

“comportamentos estranhos”

( não dava pra disfarçar ) —

pareciam estar subindo

por escadas ensaboadas...

Suas consortes ( é claro! )

ficavam pê da vida,

diziam mesmo em matar

aquela coisona linda

que era Ofélia —

coisa de encher as duas mãos,

a boca

e todos, todos os dedos.

              Y así pasaban los días...

até que uma esposa compreensiva

disse ao marido:

Vai e mata a vontade! Vai, que não cobro.

Paredes são para lagartixas

ou para o Homem Aranha.

Vai e chafurda, amorzão! Depois me diga

( ou não me diga nada )

o que é que a cara tem de tão-tão...

Dizem que André pediu à consorte

uma dúzia de noites...

para depois lhe apresentar um relatório

pormenorizado e honesto

sobre a coisa em si

e a coisa comparada à dela.

Enquanto isso,

aquelas esposas duronas

( e para não serem diferentes... )

também concederam aos maridos,

aos maridos febris e espumando

como cerveja morna —

o bendito alvará

dado ao André.

Um historiador da cidade,

cheio de brancos e rugas,

me contou que essas labaredas

duraram quase um ano...

Depois, as mulheres de tais trepantes

se foram com os índios da tribo dos

pau-em-pé, cujos indivíduos perderam

suas mulheres

em virtude de uma peste fatal,

exclusiva:

terrível peste feminina,

conhecida por “mata-cunhã”.

Bem, quanto aos seus excompanheiros

me disse o contador de histórias

que ficaram com sua bela mulher

que viveu longevamente

e os foi enterrando um a um prazerosamente

até o último... e que, por fim,

ela se foi para Roma com o padre da Matriz,

Sandro Trepanelli.

Viveram longa e deliciosamente

na Cidade Eterna —

trepados e a limpar vidraças.

LA 04/007

 

 

 

 

Ninguém a fazia

de gato e sapato

nem de cachorro do mato.

Ah, não, senhor!

Só o marido,

o marido ela aceitara de volta

umas trinta ou quarenta vezes,

mas... por amor cristão,

por saber perdoar.

Agora, fazê-la de boba?

“Esse ainda não tinha nascido!”

LA 04/007

 

 

 

Com ela,

era bem diferente.

Sentia algo levitante,

algo especial, estranho até

( arrepiava! ).

Sim: algo misterioso...

coisas talvez de outras vidas...

Não sabia explicar

aquele estado constante

de peroba do campo,

de aroeira plantada n’água.

LA 04/007

 

 

 

O jornalista viu na calçada

um movimento estranho...

e telefonou pro Banco:

Alô! Quem fala?

E ouviu:

Aqui é o assaltante.

Fonte:

Jornal Nacional

11/04/007

 

 

 

Sempre, sempre aquele

mesmo

festival de talentos,

lentos.

LA 04/007

 

 

 

Negócio Da China

 

Montou no Mediterrâneo uma

     OMELETARIA

ONLY FOR WOMEN

( de ovos de tiziu cruzado

com abutre do pescoço pelado.)

As turistas foram lá ver.

O chefe de cozinha lhes mostrou

a frigideira

em que tinha preparado

uma daquelas omeletes —

Levou-a debaixo da torneira

e abriu:

o fio d’água subiu teso,

bateu lá no teto,

desceu e, antes de tocar na frigideira,

subiu de novo... e assim foi

e refoi sem cessar...

desenhando infinitas,

infinitas elipses tesas...

Uma das turistas contestou:

De que diabo serve isso —

até fio d’água sobe,

mas na hora de introjetar-se

panela adentro

a coisa sobe de novo

sem relar em nada?!...

Aí o chefe explica

às interessadíssimas:

A omelete é transformada

em pastilhas ( validade: 5 anos ).

A mulher toma duas,

daí a pouco dorme, de duas a três horas...

Quando acorda,

é só enxugar-se...

A turista,

meio sem jeito, pergunta:

Mas tudo isso solitariamente,

isto é, com a mulher sozinha?!

O chefe responde e explica:

Sozinha, não, senhora!

A mulher toma o produto e sonha,

sonha com a pessoa

que tiver na mente

ao engolir as duas pastilhas...

Dito isto,

ouviu-se um coro bem escandido:

Diiiiiiviiiiinooooo!!!...

LA 04/007

 

 

 

Cachorro finge que não quer,

mas se outro pega,

quer matar.

Cachorro e gente se parecem muito...

É que, convivendo,

um aprende com o outro.

LA 04/007

 

 

 

Não sejas pessimista,

que o azar é teu.

Nem sejas otimista,

que levas.

Melhor é seres coisa alguma

que seja bobagem ser.

LA 04/007

 

 

 

Conte ( de olhos fechados )

até cem,

até quinhentos,

até mil.

Se o sono não vier,

esquente não —

foi mais uma incursão

pelos lados da insônia,

no caso, mais um problema

que a aritmética

não resolveu.

LA 04/007

 

 

 

Esse futuro que esperamos

vem do nosso trabalho no hoje,

e quando ele nos chegar

será outra vez amanhãs

sonhados no hoje.

LA 04/007

 

 

 

A inteligência em bruto

da autoridade

leva à tortura

e ao extermínio.

Se quem tortura e extermina

soubesse

que tem um encontro com os seus atos

em proporção inversa

ao que por ele foi praticado —

por certo seu amor-próprio

não levaria o terror e a morte

a um triste beco sem saída

em que ele indubitavelmente

um dia vai estar.

LA 04/007

 

 

 

Ah, minha gente! A vida

não é uma coisa sem sentido

nem depende de vocês!

Pra ser feliz, minha gente,

só plantando felicidade.

LA 04/007

 

 

 

Cosmicamente,

o altuísmo

é a moeda mais cotada.

LA 04/007

 

 

 

A anistia

é o perdão que lhe dão

por lhe terem injustiçado.

Sim, essa tal anistia

traz sempre em si

um cínico paradoxo.

LA 04/007

 

 

 

Os mauricinhos que me desculpem,

mas sem cair no mundo,

ninguém pode ir buscar

o que lhe falta

( refiro-me à nossa falta de ser ).

LA 04/007

 

 

 

As mazelas da maldade

deixa seu cheiro

de rato morto.

LA 04/007

 

 

 

O que você fez é seu.

Não precisa se lembrar —

alguém lhe levará

o que é seu a você:

sempre numa hora

que você chamará de imprópria.

A vida é o bem maior

e tem de ser tratada como tal.

LA 04/007

 

 

 

Tacho De Cobre

 

Se os bichos te estupraram a goiaba,

faz um acordo com  os tais: divida

a fruta e a cada um então lhe caiba

a parte que apeteça e mais convida.

 

Mais vale um mau acordo... ou te desaba

o sonho de sair com brio e vida

de uma guerra sem fim, que só acaba

se cada parte se acha a mais servida...

 

Bota a fruta no tacho e vai mexendo

( açúcar bem a gosto ) e vai lambendo

o que te espirra às mãos, lambe ligeiro!

 

Esse tal doce conta a teu vizinho

que o estás fazendo... ( manda-lhe um pouquinho! )

A goiabada vale pelo cheiro.

LA 04/007

 

 

 

 

Se a vida fosse só isto,

Senhor,

serias

o maior dos canalhas.

LA 04/007

 

 

 

Era alta,

belo rosto,

mas tão magra,

tão magra/magra

que homem nunhum ousava

verificar se ela tinha

aquelas coisas

que as outras têm.

LA 04/007

 

 

 

Não era modelo,

mas tinha um passo que socava o chão.

Foi contratada

pela

Asfalto & Pontes LTDA.

LA 04/007

 

 

 

Sob orientação de um faquir,

fizera uma dieta tão água e folhas,

que foi sumindo,

resvalando de si,

a evaporar-se... e tanto,

que a mãe o dera por desaparecido,

mas podia ouvir-lhe a voz

por toda a casa.

LA 04/007

 

 

 

Ontem vi a Marli —

uma fera, naquelas pernas

a bordar uma saia-abajur...

Nunca a vi mais exultante.

Disse-me apaixonadamente

que conhecera um faquir

e que estava pregada,

furada,

parafusada,

trespassada de amor.

Sim, disse que o amor

lhes ensinou a pregar pregos

os mais enferrujados.

Essa Marli!

Sempre um espinho de tesão.

LA 04/007

 

 

 

Existe um céu

onde guardamos

as delícias das amadas —

alí só entramos em memória,

memória que saboreia

as divinuras deste céu.

LA 04/007

 

 

 

Entre dez/dez e meia,

André ouviu bater.

Era a vizinha Caroline.

Estava mitológica —

só uns paninhos sem alças

nas pontas...

A saia um abajur,

sem a lâmpada...

mas que André, logo depois,

com muito jeito,

tratou de pôr

e fazer acender.

Foi uma festa.

LA 04/007

 

 

 

Lalinha tinha um rosto tão bonito

que fazia chover...

Casou com um fazendeiro do Agreste.

LA 04/007

 

 

 

 

A mãe de Sandrinha roubou-lhe o noivo.

Mas sem querer.

Chegou bêbada, no escuro,

jogou-se sobre a cama do corredor

em que dormia um corpo pelado

e peludo.

Com a luz crua da tarde

viu que não era Rubão, seu amante...

O mais é fácil adivinhar.

O que falta dizer é que os dois,

a mãe e o quase genro,

se casaram dali a três dias.

A filha ficou com Rubão

por quem sempre tivera

o maior dos tesões.

Como diria um chinês,

c’est la vie!

LA 04/007

 

 

 

 

O Outro

 

O outro

sempre a nos querer mudar,

nos ensinar a orar

pela sua teologia,

a pensar

pela sua filosofia,

a nos salvar

pela sua religião,

a viver

pela sua idiossincrasia...

Sim, o outro nos quer diferentes.

Sempre o outro

com as suas outrices!

Mas nem por isso,

nem por isso deixaremos de vê-lo

com ternura,

com paciência,

com relevância...

Numa palavra —

seria muito bom

se pudéssemos amá-lo,

até porque, para os outros,

também somos o outro.

LA 04/007

 

 

 

Sim, demos graças

por podermos dar graças.

LA 04/007

 

 

 

Mantenhamos

a prevalência do espírito

sobre a mente —

sem jamais abafar

a voz do coração.

LA 04/007

 

 

 

É bom guardar alguma lenha

para as noites geladas.

LA 04/007

 

 

É bom aprender a ouvir

a voz de Deus

para ter com quem falar

nos momentos intermináveis

de solidão.

LA 04/007

 

 

 

Não deixemos que o sucesso

ou o fracasso

nos tiranize.

Tratemos esses dois impostores

com toda a possível

serenidade.

LA 04/007

 

 

 

Conhecer nossos limites,

e respeitá-los,

é um bem constante

que nos podemos fazer.

LA 04/007

 

 

 

Balizar nossa vontade

por um saber querer —

isto nos livra e guarda.

LA 04/007

 

 

 

Aprende a ouvir teu coração

e soma-o  

ao que escutas do mundo —

assim não te envaidecerás

demasiado

nem deixarás que te enfraqueçam.

LA 04/007

 

 

 

Se tudo passa,

é para o nosso próprio bem —

com esse sentimento,

passar vira discreto prazer.

LA 04/007

 

 

 

Diga não,

quando lá em você

não é “não”,

e sim,

quando “sim”

lá em você.

LA 04/007

 

 

 

Não só se ame,

mas goste de você —

seja agradável

com você mesmo.

LA 04/007

 

 

 

Lembremos sempre

que a beleza de tudo

é tudo ser breve —

não deixemos que a corrida do tempo

nos amedronte

em nenhuma de nossa idade.

LA 04/007

 

 

 

Já que a morte é inevitável,

vivamos de maneira

que morrer valha a pena.

LA 04/007

 

 

 

Faça o que pode,

o que não pode

não é para você fazer.

LA 04/007

 

 

 

Hoje é o que temos,

com todos os ingredientes

de podermos moldar

os nossos sonhos

e passá-los para as mãos

Daquele que em nós quer

que o nosso intento se realize.

LA 04/007

 

 

 

Não repouse tarde,

nem se levante com os pássaros.

Durma e descanse

o quanto precisar

dormir e descansar.

Assim terá força e equilíbrio

para o trabalho

e a criatividade —

principalmente,

terá alegria

e esta lhe dará forças

para construir

sua felicidade.

E o Senhor em você

abençoará

tudo quanto fizer.

LA 04/007

 

 

 

Tenhamos paciência com nós mesmos,

sejamos amigos de nós mesmos.

Mas nem por isso esqueçamos

que somos vida e ser:

precisamos crescer

no que nos falta —

aprender a desaprender

e reaprender o desaprendido.

Trocar a defasagem

pelo refazimento —

com calma,

amorosamente

no dia-a-dia orvalhado

de fé,

de esperança,

de amor por nós mesmos

e pelo nosso fazer.

LA 04/007

 

 

O que nos falta

não implica ansiedade,

angústia

e muito menos desespero.

O que nos falta

será suprido

pela boa vontade

e sentimento de vitória,

pelo fazer agradável,

pelo trabalho

que, pelo modo de ser feito,

será bom de fazer —

tem em si o prazer.

LA 04/007

 

 

 

Sempre pensamos

que não mereceríamos

tal ou qual derrota.

Quando se trata de uma vitória

achamos que veio para as mãos certas.

O que acontece conosco?

Por que tememos tanto a derrota?

Será que não percebemos

que atrás de cada uma delas

está o seu oposto?

Quando é que vamos entender

que essas duas impostoras

foram criadas

para manter o sistema

sobre nós?

LA 04/007

 

 

 

Fica numa postura

de quem não sabe.

Como vais aprender

se pensas que já sabes?

LA 04/007

 

 

 

O que hoje é seu amigo,

amanhã pode não ser.

E tanto você como ele

ficam reféns do que disseram.

A intimidade,

não raro, fede.

LA 04/007

 

 

 

No desespero,

o homem vira marionete.

Tanto quanto possível,

manter a calma

é o melhor negócio.

LA 04/007

 

 

 

Diga a você mesmo

que sofrer não é nada bonito —

assim vai perdendo o hábito

de ser infeliz.

LA 04/007

 

 

 

 

Vitória é bom,

mas quando vier o contrário,

saiba que esse cara

também tem seu lado bom —

dura pouco.

LA 04/007

 

 

 

Quando estamos enfraquecidos

ou doentes,

um pequeno problema

é um elefante branco.

Quando estamos bem,

um problemão

vira aquela formiguinha

que o elefante salvou...

e mandou ir descendo a calcinha...

Lembra?

LA 04/007

 

 

 

Tanto quanto possível,

não faça nada com medo.

Esse figurão humilha,

amesquinha,

apequena.

Um filho do Pai deste Universo

não deve ver-se no retrovisor

do lado direito...

mas naquele do lado esquerdo...

Nem deve sentir-se pequeno

quem inventou a esperança.

LA 04/007

 

 

 

O cansaço, ou a perda de alguém

põem a gente no chão.

Se estás assim, aproveita —

faz como o cão doente:

deita, jujua, dorme...

e logo terás forças.

Fortalecido,

a gente tem mais chance.

LA 04/007

 

 

 

Somos água a passar,

sim, passamos como as águas passam —

umas procuram o mar,

outras as areias desertas —

passamos como as águas passam.

E, não raro, com sede,

com sede de justiça.

Tomara que tal sede

não se transforme em mágoas,

mágoas-ressentimentos,

mas em força para mudar

o que não serve,

não presta para muitos

e muitos.

LA 04/007

 

 

 

Se não está bom assim,

espera só um pouco —

a beleza das coisas

é tudo estar mudando.

LA 04/007

 

 

 

Ele ou ela te deixou?

Que bom! Assim podes encontrar

outra ou outro e... quem sabe

perceber

que os outros não nos amam,

mas nós é que nos amamos

nos outros.

LA 04/007

 

 

 

Não faça o que não gosta

para agradar,

mas por prazer —

para agradar-se.

Se não se ama,

é  um bobo de si mesmo.

E o mundo ri,

e adora.

LA 04/007

 

 

 

Quando menino,

me chutaram o traseiro,

me deram croques, porradas,

deram-me quase nenhuma roupa,

nenhum sapato,

muito trabalho,

muita pancada,

muito desprezo.

Trocaram-me a escola

pela enxada.

Mas tudo isso me deu força

porque eu sabia

que tudo mudaria —

e eu iria estudar.

E assim foi.

Fiz de minha desgraça

realização.

De minha vida

auto-realização.

Não sou bosta nenhuma,

mas perto do que não seria,

até que estou satisfeito comigo.

LA 04/007

 

 

 

Por vezes deixamos para Deus

fazer nossa lição de casa.

Realizar os nossos sonhos

sem ao menos fazer a nossa parte.

E temos até coragem

de ficar de mal Dele.

LA 04/007

 

 

 

Sabendo o que queremos

podemos dar um sentido

à nossa vida.

Agora, se não sabemos,

como usar nossa vontade,

acoplá-la à nossa fé

e incubar nossos sonhos?

Sim, como sonhar

nas mãos de Deus

para que a obra nasça?

Sim, nossa vida

precisa de um sentido

dado pelo querer —

nossa vontade-fé.

LA 04/007

 

 

 

Vivendo mais que um dia

a cada dia,

temos saladas de ânsias,

indigestão de cuca —

cuca incucada.

Fundimos o motor,

minha nega,

do nosso caminhãozinho.

Nossa paz então sifu

e com ela o nosso...

LA 04/007

 

 

 

Nossa alma malcriada

tem uma fome

do tamanho do mundo.

Uma boca onívora —

como aquela raposa jovem,

quer tudo devorar.

E quem paga

por suas ânsias,

por suas angústias,

por seus cansaços,

por seus fracassos

e depressões?

Adivinhe quem paga!

LA 04/007

 

 

 

Se o momento é agora,

minha nega,

vamos comer musse de amora.

LA 04/007

 

 

 

Esquente não, minha amiga!

Quando chegar nossa hora,

deixaremos bonecos de cera

aqui —

e estaremos na praia

sobre um ortofálico

colchão de areia.

LA 04/007

 

 

 

Geralmente morrer

deixa o cara sem graça.

Mas Marilda não —

tava com uma bela cara

de sem-vergonha:

parecia que tinha

acabado de dar uma

a safada —

uma bem devagarinho.

LA 04/007

 

 

 

Teve um cara que escreveu

o Livro Do Desassossego.

Ainda bem que ninguém leu.

LA 04/007

 

 

 

No Romantismo

os caras competiam

pra ver quem era mais triste

e quem morria mais moço

de tuberculose —

causada por só fazer aquilo,

que também matou ( por tabela ) Aquiles,

bem antes de tudo isso.

LA 04/007

 

 

 

Tive um amigo

que jamais sorria.

De fato,

devia ficar muito feio

quando sorria para o espelho.

LA 04/007

 

 

 

André tirou

todos os carrapatinhos dela,

porque o marido esbravejou

( segundo ela )

que não sabia fazer isso.

LA 04/007

 

 

 

— Dois mais dois são quatro ou cinco?

— Sei lá!

Para mim são vinte e dois.

Cada um conte como quiser,

contanto que me volte o troco certo.

LA 04/007

 

 

 

Se você se cansou de correr,

sente-se,

tome um fôlego —

sentado também se caminha,

se corre,

se voa:

tudo depende da qualidade

da sua nave psíquica.

Sim, sente-se ou corra,

é a mesma coisa

para você continuar

a ter o prazer

de ser infeliz.

LA 04/007

 

 

 

Hoje,

só hoje.

Amanhã

é uma dedução:

se acontecer,

se chamará hoje.

Sim, ontem

é um fantasma.

Amanhã

suposição.

Só o hoje,

filho dos amanhãs,

neto dos ontens —

só o hoje existe,

isto é: é o que temos.

LA 04/007

 

 

 

 

Tiraram a venda da deusa da justiça,

e viram surpresos:

era uma tartaruga.

A espada que segura

sobre o colo:

pronta a ser desembainhada,

não é uma espada,

mas uma espécie de colher de pau

para mexer marmelada —

o doce que ela mais aprecia.

LA 04/007

 

 

 

A Deusa da justiça

é uma putona caloteira.

LA 04/007

 

 

 

O jumento ornejou,

manhã inteira,

zurrou

a tarde toda.

Foram lá ver —

o bicho não alcançava a égua...

Dª. Josefina,

cara jeitosa e de boa vontade,

ajeitou-lhe a coisa

( com o cabo da vassoura )...

e pronto —

acoplagem perfeita!

LA 04/007

 

 

 

 

Fazer do nada alguma coisa,

do pouco o suficiente,

do suficiente o muito

e ainda sorrir

honestamente feliz —

isto é ser simples,

sem nenhuma escolaridade.

LA 04/007

 

 

 

O canalhas adoram

os francos,

os humildes,

os simples,

os mansos,

os de princípios,

os de palavra.

Por que será

que os canalhas

adoram tais predicados

nas pessoas?

LA 04/007

 

 

 

E os que desejam que mudemos,

por que desejariam que mudássemos?

Para sermos maravilhosos como eles...

ou para lhes prestar, servir,

para lhes ser de utilidade?

LA 04/007

 

 

 

 

Macaco que muito pula?

Precisa de muito espaço.

LA 04/007

 

 

 

Pra ela não se machucar,

marido fez-lhe um portãozinho,

fácil de abrir —

por dentro e por fora.

LA 04/007

 

 

 

 

A vizinha do André,

com muito medo e jeito,

depois de muito papo,

conseguiu, nas entrelinhas,

lhe dizer que sua mulher...

Antes de ela terminar a frase,

André lhe disse

que, pra fora de seus muros,

era outra jurisdição.

E levou-a para ver

a coleção de vibradores

que ele trouxera do Japão.

LA 04/007

 

 

 

A posição mais bela

pertinente à mulher e ao homem

diz respeito às suas pernas —

as dela, abertas;

as dele, fechadas.

O mais,

o mais são outras posições.

LA 04/007

 

 

 

Não raro exigimos dos outros

o que não temos —

e nem damos por isso.

LA 04/007

 

 

 

A inquisição detestava

quem pensava,

mas adorava

carne bem passada.

LA 04/007

 

 

 

Quando ela passava

a terra tremia,

sinos tocavam

lá dentro da gente.

Aliás, éramos todos tão moços...

Era linda,

maravilhosa

como aquelas pessoas

que desejaríamos rever

mas jamais conseguimos.

Linda como a Terra vista de longe...

Sim, linda como vê-la

lá da minha mocidade.

LA 04/007

 

 

 

Recordar é viver do avesso:

do depois para o antes.

LA 04/007

 

 

 

 

Sempre Que Ela...

 

Sempre que ela desliza na saudade

mais parecendo notas de um piano,

vindas de longe, em timbre bem humano,

a desfolhar-se em musicalidade...

 

Sempre que a sinto pela claridade

que há entre a ribalta e aquele grosso pano

que esconde a realidade atrás do engano

que faz o chão virar virtualidade...

 

Sempre que me visita na lembrança

de termos percorrido a mesma estrada

onde se ouvia o canto da esperança,

 

os gorjeios do amor, os arrulhos da fé...

sinto no ar o apurar da goiabada,

do pão assando e  o aroma do café.

LA 04/007

 

 

 

Os honestos nunca deram muito certo...

mas ... mesmo assim,

esses tais não sabem

ser diferentes.

LA 04/007

 

 

 

 

 

Esperar quem não vem...

por certo, não é um bem.

LA 04/007

 

 

 

Quando ficava sem...

entoava mantras zen.

LA 04/007

 

 

 

Tem um cara

(que me chama de irmão)

que adora escatologia.

Devora tudo que pode a respeito...

Ainda não sabe que o homem,

o universo, as criaturas,

a vida —

são tudo apocalipses

que se deram, se dão e se darão —

na ribalta e no poscênio

do palco planetário.

LA 04/007

 

 

 

Se você não me convida para jantar,

também não me peça que lhe ajude a lavar os pratos.

LA 04/007

 

 

Já estão preparando

mais danças da pizza —

novas CPIs.

Vai ser bonito,

hilário e divertido.

A gente só pediria que o ritmo

dessas conhecidas danças

fosse bem variado —

a começar com a Valsa do Imperador,

a mediar com o tango

e a terminar com o forró

de pau duro.

LA 04/007

 

 

 

Os aposentados

pararam hoje a Avenida Paulista —

pleiteiam 8, carrapatinhos

de reajuste, rejeitando os 3, muriçocas —

que lhes quiseram empurrar

com o bico da botina.

LA 04/007

 

 

 

Serviço de meteorologia,

para a manhã —

chuvas fortes e granizo...

Mas tempo bom nos teus olhos,

minha nega.

LA 04/007

 

 

 

Tão importante como aprender

é a refundição do processo —

quem poderia

remodular o aprender

sem reciclar a aprendizagem?

LA 04/007

 

 

 

Não, senhora,

não digo que bunda

tem que caber nas mãos...

Não é isso.

Mas daí a fazer

as mãos desaparecerem,

isto é inflação —

atrases excedentes.

Sim, essa bunda,

que abunda,

é que redunda.

LA 04/007

 

 

 

Sim, Marli:

há de pintar um dia

em que a gente se fale —

sem hora e senhor

que nos atrapalhem.

LA 04/007

 

 

 

 

Não dá uma de ressentido não,

de melindroso,

de delicado,

que a coisa fica bem pior.

Disfarça sempre, faz que gostou,

senão o mundo, meu velho,

te come o rabo

assoviando a Valsa Vienense.

LA 04/007

 

 

 

Treina o teu coração

( sem que ninguém saiba ) —

robustece-o

com aquela alegria

que vem das mãos do Senhor

e é toda a nossa força.

Que ele seja um valente,

se ilumine da luz que é

e se recorde,

se recorde do caminho

de Casa.

LA 04/007

 

 

Desse ângulo em que estou na vida

tenho mais é que me lembrar

de esquecer o que não foi bom,

dar graças ao que o foi

e aprender a coçar o coiso

com bastante carinho —

sim, lembrando-me a cada dia

que o que não for agradável

é pecado.

LA 04/007

 

 

 

 

Coçar o saco

faz o cérebro liberar

a escrotinina

que, além de afrodisíaca,

acalma e faz sonhar.

LA 04/007

 

 

 

Lá uma vez por mês se encontravam

numa dessas bucólicas pousadas

e gostasa, romanticamente

enterravam

sua grande amizade.

LA 04/007

 

 

 

Era tão afiladinha,

tão levezinha,

tão folial —

que se tinha a impressão

de poder trespassá-la...

LA 04/007

 

 

Correu tanto do tarado,

mas tanto demais da conta,

que o safado desfaleceu,

bufou,

caiu.

Ela sentou-se ao lado dele,

acendeu um cigarro

e esperou...

Quando o cara voltou a si,

ela o pegou pela gola

e ordenou:

Agora quem quer sou eu!...

Capricha. Faz direitinho,

senão apanhas!

LA 04/007

 

 

A passo de tartaruga

é bem melhor

que a nenhum passo.

Pra aumentar esse passo

a gente usa o sapato

do arlequim.

LA 04/007

 

 

 

Era boa

pros ricos,

pros remediados,

pros pobres.

Mas não fazia fiado.

LA 04/007

 

 

 

Moça de branco, bonita e sensual,

( teria morrido virgem...)

aparecia...

( desculpem,

mas a palavra virgem, aqui,

tem sentido, vocês verão...)

aprarecia à meia-noite

de todo dia 12

na pracinha sombria

ao lado do cemitério.

Aparecia aflita ( sim: aflita

é o que dizem os anais

municipais —

aflita como criança gulosa

frente ao carrinho de hot-dogs... )

Padres, bruxos, xamãs,

exorcistas, espíritas,

pastores avivadíssimos,

rezadeiras, paranormais

e quetais —

tudo fizeram

para aquietar a pobre alma.

E nada.

O máximo que acontecia

era trazerem um lencinho,

uma jóia, um mimo qualquer

que o noivo reconhecia

como dela...

Eu disse noivo?!

Sim, o pobre noivo

( aliás, riquíssimo )

que a vira bater as asas,

esticar os pernões

por uma bala perdida —

logo após o “Sim!” em pleno altar...

num gesto ero-facial-bucal-lingual

nelsonrodriguiano —

ela expirou.

O noivo,

que não a via

( não tinha mediunidades

desenvolvidas ),

já não sabia o que fazer

quando eis que surge

( como do nada ) —

Homenildo Jaqueira Bem Fornido,

caboclo mumunhoso maroteiro

que aceitou a empreitada

( a preço antes tratado )

de no próximo dia 12

( dizem que era mês de agosto )

pernoitar no jazigo

daquela alma penada e insatisfeita...

Chegado o dia, isto é a noite,

com seu jeito acrobático-mitológico

pulou o muro sem relar,

deixando para fora a esperá-lo

a multidão frustrada em tentativas

de libertar aquela alma

de seu vagar  penoso e aflito.

O vento gemeu fundo aquela noite

fazendo tilintar placas e uivar ciprestes

seguido do ooooooooonnnnnnnnn.........

dos mantras e dos terremotos...

Junto com o despontar do dia

homenildo despula sem relar o muro

trazendo na mão direita

a peça mais íntima da defunta:

trabalhada em preto e vermelho severos.

O noivo reconhecera a peça

com que a enterrara.

E a partir dali

o dia 12 se esqueceu.

Perguntado sobre o que houve,

o homem deu como resposta

que a sua empreitada

não incluía

nenhum relato final.

LA 04/007

 

 

 

 

O homem precisa de algo-alguém

que lhe dê a coragem

de ultrapassar os limites —

só assim terá vivido

com aquele sabor

de ter valido a pena.

LA 04/007

 

 

 

De vez em quando a doutora

furava a parede-meia:

Devagar, Rubão, devagar!

Não confunda comível

com comestível!

LA 04/007

 

 

 

A sala cheia.

Andrezinho consegue

ouvir uma frase confusa

vinda de outras paredes...

e pespega:

Que que é isso, mãe?

A mãe ficou possessa!...

e lhe mandou calar a boca.

Aí o menino entendeu.

LA 04/007

 

 

 

A salsa dança na frigideira

com uma reluzente omelete.

A fome é o melhor tempero —

faz dançar o apetite.

LA 04/007

 

 

 

Suas pernas

bordavam arabescos

na cabeça da gente...

e faziam voar,

voar sobre as estampas

de um tapete persa.

LA 04/007

 

 

 

— E o André?

— O André sifu.

Foi dar um mimo pra noiva

mas se excedeu nos parafusos...

Perdeu seus dois aviões.

LA 04/007

 

 

 

Ele era meio elétrico.

A mulher disparava-lhe broncas:

Devagar, Ferraz, devagar,

que ninguém é de ferro!

LA 04/007

 

 

 

Se a senhora fizer pipi

contra o vento,

molha os fundos.

Já um homem

molha as pernas.

LA 04/007

 

 

 

Nos dias de verão,

amulatados de sol,

Marilda vendia melancia.

Só o português do Bazar Saudade

degustava-lhe de duas

a três fatias

por semana.

LA 04/007

 

 

 

Trocou o salão de beleza

pelo cartão de crédito

do fazendeiro viúvo.

Suas amigas,

inclusive sua mãe,

ficaram putas de inveja.

LA 04/007

 

 

 

Enquanto não achar a pessoa certa,

dê graças por estar com uma errada.

LA 04/007

 

 

 

Tive um amigo

com complexo de perfeição

e de pureza —

no vernáculo,

no namoro,

na vida marital,

no ver,

no pensar,

no sentir...

e ia por aí.

Enfim,

era um purólogo

até de suas impurezas.

Claro que se ferrou no próprio anzol

com que queria fisgar os outros,

isto é: incutir-lhes suas nóias.

Narcisismo da pesada.

Era mais um

desses espiritualistas

sem espírito.

LA 04/007

 

 

 

Pimenta na xota da comadre

só o compadre

tem a exata noção da gravidade.

LA 04/007

 

 

 

Mais vale uma mula que manca

do que uma sem cabeça.

LA 04/007

 

 

 

Melhor uma mulher braba

casada com o vizinho

que com você.

LA 04/007

 

 

 

Melhor uma mulher bonita

como sua secretária

que casada com você.

LA 04/007

 

 

 

Antes passar fome

que deglutir um cozido

de xiranha azeda.

LA 04/007

 

 

 

Tinha vários amigos crocodilos.

Montou uma fábrica de bolsinhas.

LA 04/007

 

 

 

Conheceu muitas peruas,

algumas coloridas.

De comum acordo com elas,

começaram a fabricar

fosforescentes petecas.

LA 04/007

 

 

 

Montou uma fábrica

de bumerangues sedutores,

sim, só eram  atirados

em mulheres muitíssimo bonitas —

já que eles tinham um dispositivo-ópio

que trazia num-ir-e-vir

o alvo.

LA 04/007

 

 

 

 

 

Tinha a bunda mais graciosa do Largo.

Quando por ali passeava

cedo, à tade, à noitinha,

moleques, garotos, homens

botavam a mão no bolso

e coçavam coceira de primeira...

Sim, quando Graciosa ondeava

até o padre

dava um jeito de olhar.

LA 04/007

 

 

Até as estrelas, minha nega,

um dia morrem.

Mas não precisa se preocupar —

continuam a brilhar

pela velocidade-distância

entre elas e nós.

Isto é, sua luz vira

belos fantasmas

a acenar para pais,

filhos, netos e assim vai...

até a luz gastar os seus sapatos...

Portanto, minha nega,

não se preocupe —

pode ir fazendo as coisas

bem devagar,

devagarinho.

LA 04/007

 

 

 

Seu rabo de cavalo

dizia “sins”

aos que, ao vê-la,

achavam que a manhã

tinha um belo de um sentido.

LA 04/007

 

 

 

Quem não acredita no amor

não merece tê-lo.

Quem não acredita em Deus

não pode vê-lo.

LA 04/007

 

 

Tive um amigo que era ateu.

Certa noite

sentiu dores terríveis no abdômen.

“Ai, meu Deus, como dói!”

“Nossa Senhora, mãe de Deus!”

“São Francisco, me socorre!”

Mais de quarenta invocações

a Santos e a Deuspai.

.................................................................

Aí chegou o médico. Diagnóstico:

gases, prisão de ventre.

Deu-lhe uma injeção,

e o fez engolir umas gotas.

Enfiou-lhe uma sonda

e a borrachinha não parava

de tremer e assoviar...

Daí a meia-hora estava em casa

o nosso ateu fervoroso —

já valente e brabo

como sempre.

LA 05/007

 

 

 

Marilda?

Um rosto lindo,

jeito adorável de putona —

uma fogueira ecológica.

LA 05/007

 

 

 

E a romântica,

a ardente Carolina,

meu Deus!?

Só de olhar para ela

se armava o circo

com a peça de todos os tempos —

E A Cama Uniu Dois Corações

LA 05/007

 

 

 

 

 

Viera como gerente de banco.

Morava romanticamente só,

na esquina do Largo.

Tinha o olho da cor do dólar

e a calva tão lisa

quanto a libra esterlina...

Joaninha do alfaiate Homero

levava-lhe a peruca

lavadinha e cheirosa

( com a noite já bem entrada )

todas as quartas-feiras —

às 9 em ponto.

LA 05/007

 

 

 

 

O Culto

 

O pregador,

de fora,

decantado e esperado,

sim, esperado havia seis meses,

enfim chegara.

Com uma hora e meia de atraso,

afinal, ali estava.

Antes de se apresentar, dissera,

num tom pausado e solene,

num tom de sombras perpassadas

por tênue luz,

que o Diabo tentara detê-lo,

impedi-lo, matá-lo,

mas que ( glória a Deus, aleluia!... )

ali estava, livre, são e salvo:

conseguira dominar o carro,

tivera a iluminação, a força, etc,

etc... etc... etc... etc... etc... etc...

E... hosana! Aleluia! Glória!

— Satanás foi esmagado no intento

de impedir este santo encontro!

E aqui estamos nós, e vamos à Palavra!

Venho lá do deserto dos profetas —

trago-lhes a alma cheia de solidão e unção,

cheia do fogo do Espírito,

cheia de vazios e de Deus:

da graça de Deuspai.

E meu nome também é Batista,

Pedro Paulo Batista...

e vim para dizer que, nesta noite,

chegou a salvação

aos que sempre a esperaram —

abram, pois, as mãos e tomem posse dela!

Hoje Deus vai falar com vocês todos,

habitar vocês todos

E por aí foi, engrolando fonemas ( falando em língüas ),

fazendo améns ecoarem aos seus, pulando ( “cheio do Espírito” ),

galvanizando os fiéis, tornando-os uma só massa

emocional, um só pulsar de fé, de esperança, de unção —

um só corpo, uma só entidade, uma só consciência...

E foi arrematando, costurando tudo com os pruridos,

com as delícias dos fins dos tempos:

a sempre esperada escatologia.

Foi aí que buscou um tom de voz,

um marulhar de muitas águas...

E como que tomado pelo Espírito das Profecias,

falou tanto do inferno,

de rios de fogo, guerras, fome, sede,

impunidade ( e citou um país ),

luxúria, arrogância, fausto, miséria,

terremotos, tsunames, apocalipses —

pintando tudo com efeitos tão especiais,

que a numerosa assistência urrava,

ululava améns-aleluias-glórias —

chorava-sorria, sorria-chorava,

possessa das promessas,

histérica de bem-aventuranças

como se o mundo estivesse acabando

com labaredas que derretiam os ímpios

e arrebatavam os que eram do Senhor!...

E experimentando a eternidade,

as suas sensações viram a Deus

e foram como arrebatados...

os corações nas nuvens...

os espíritos nos ares...

todo o chão a tremer

ardendo como palha...

.......................................................................

Após o culto,

todos saíram calados,

ainda levitando...

como que recém-encarnados...

e à medida que pisavam a calçada,

acordavam, despertavam lá em si —

todos agora decepcionados —

o mundo continuava!!!

Mas sabiam no seu coração

que tinha valido a pena,

sim, valeu: Deus se lhes mostrara,

foram Um com Ele —

sentiram a eternidade!

LA 05/007

 

 

 

 

Os críticos estão aí.

Faltam as obras.

Sim, muitos críticos,

poucas obras.

Se ao menos os críticos

fossem criativos,

quem sabe não teríamos

algumas obras

que tirassem o tesão

da crítica conivente

com os feudos?...

Quem sabe a puta dessa crítica

então não veja

( puta que pariu! )

que não tem jeito nenhum

nem vocação?...

LA 05/007

 

 

 

 

É De Corvo E De Lontra...

 

É de corvo e de lontra a minha capa,

se bem que a chuva já parou. Na areia

imprimo o meu andar descalço... Feia

é a noite dentro de meus olhos. Mapa

 

e bússola só os trago em mim... Me escapa

das mãos o meu bordão de cerejeira,

que parodiava a luz... que eis já clareia

com sua cabeleira sobre a lapa...

 

Restos rotos de sonhos nos meus olhos

vão cantando a correr pelos abrolhos

uma canção de marinheiros mortos...

 

Tenho visões de almas de princesas

que trocariam suas realezas

pelos olhos dos moços de outros portos.

LA 05/007

 

 

 

 

Coisas Novas E Velhas...

 

Coisas novas e velhas vai tirando

lá de si mesmo aquele que reconta

o ontem, o hoje e o amanhã, pois que na ponta

de um retrós que se vai desnovelando...

 

Novas e velhas, todas superando

a si mesmas e ao tempo que as pesponta

nos dias, sim: na luz que se defronta

com as sombras... e estas fogem ao seu mando...

 

Coisas novas e velhas, nossa essência

em seus saltos mortais de ser a ser-se...

lá entre não saber e a consciência...

 

Novas e velhas, reciclando o novo

em renovo e galando o novo ovo

a ganhar asa e vôo — e transcender-se.

LA 05/007

 

 

 

Vem-Me À Saudade...

 

Vem-me à saudade a maciez crural

de nos trançarmos pelo outono frio —

lá fora as pombas em roxeado pio,

no quarto esse concerto digital...

 

A vida, assim, é um bem com menos mal,

um espinho já feito mais macio,

um brejo que com a chuva se faz rio...

um cortejo de sombras matinal.

 

Não sei o que dói mais: se recordar

ou querer o replay do recordado

pelo lado do avesso do lembrar...

 

O mais são ofegantes sentimentos

( sim, nós sempre em crurais entendimentos... )

no tempo congelado dos amantes.

LA 05/007

 

 

 

 

Ama A Loucura, Filha...

 

Ama a loucura, filha, pois sem ela

vais te entediar com a sonsa sanidade —

sim, só aquela tem a passarela

capaz de te livrar da hilaridade:

 

te ensinar a coçar-se sem seqüela

e te livrar da cínica verdade

que o mundo te apregoa como bela,

mas de bela só tem a puberdade...

 

Ama a loucura, filha, a sanidade

só faz fritar bolinhos de trivela

e a ver com um pé atrás a liberdade...

 

Sim, a loucura arma e pinta a tela,

mas só mais tarde a compra a sociedade

que a exibe e se regala de detê-la.

LA 05/007

 

 

 

O Amor, Amada, Sempre...

 

O amor, amada, sempre por um fio,

precário fio no seu fio dental.

Mas não desanimemos, que esse mal

é tão bom que até dá um arrepio,

 

um arrepio a nos descer macio

goela abaixo até o fim final...

E o mais, amada, é um feeling digital

formando afluentes de gostoso rio...

 

Tão bom que nem precisa ser real,

por isso pode andar com esse frio

que é muito mais moral que corporal.

 

Por esse frio sempre por um fio,

um fio fino como um assovio...

Um fio, amada, só um fio dental.

LA 05/007

 

 

 

 

No Inverno Teu Nariz...

 

No inverso teu nariz ficava frio,

frias as pernas, lisas como peixe...

e nossas sensações, num mesmo feixe,

em arrulhos de pássaros no cio.

 

Quais águas múrmuras de um mesmo rio

nasalando canções tal quem se queixe...

entre a relva ciliar em mexe-mexe —

arfamos, minha nega, em bom navio.

 

Um cheiro bom de uva e carambolas

por todo o quarto... e o som de castanholas

lembrando um corpo erótico e andaluz...

 

E quando o galo canta lá no longe

a gente apressa a última... qual monge

que tem de retornar antes da luz.

LA 05/007

 

 

 

 

Esperar Só É Bom...

 

Esperar só é bom enquanto a espera

é viva fé em algo/alguém que vem.

Por isso é bem mais bela a primavera

que no inverno se sonha logo além.

 

O sonho e a espera são tal como a hera

e a parede... sim: como a prece e o amém.

Quem não sonha também jamais espera,

quem não espera é de si refém...

 

O homem vê o que quer, aí o perigo

de trocar o nariz por seu umbigo

e pretender ouvir ecoado amém.

 

Sim, esperar é bom, quando sonhar

traz em si como dom ou maior bem

o prazer de construir e de esperar.

LA 05/007

 

 

 

 

Se Em Si Guardou...

 

Se em si guardou ( quem morre ) uma semente

do que sonhou e fez frutificar,

então morrer-lhe é apenas germinar

sua jornada em nova luz nascente.

 

Há um caminho que é luz na luz da gente —

o sonho nosso em Deus a nos sonhar.

Em nos perder podemos nos ganhar

quando esse ganho anula o antecedente.

 

Um movimento em outro movimento,

um sonho sempre dentro de outro sonho,

um chegar que é partir no seu chegar.

 

E esse semear já traz em si o intento

de renascer com o desejo inconho

de suplantar-se em cada germinar.

LA 05/007

 

 

 

Reverto-Me Na Luz...

 

               Reverto-me na luz original

em que me viajo em alma-sensações.

Comprei a grande preço as ilusões

que hoje dou, ou que varro pro quintal...

 

Por que cobrir o morto com a cal

e enterrá-lo com pás de escuridões?

Lá na fruteira existem dois limões,

vou fazer um sorvete bem legal.

 

Reverto-me no barro do começo,

assim quem sabe, meu Senhor, esqueço

tudo o que amei e a vida me levou.

 

As águas que subiram nos ilharam...

Sonhamos, ou os sonhos nos sonharam?

Sei lá! Mas não saber não adiantou.

LA 05/007

 

 

 

 

Vida E Sentido

 

Doido, cortou os pulsos da esperança

e se esvaiu de sonhos. Só ficou

com seu cansaço, tédio e desconfiança —

como o diabo gosta: se anulou.

 

Sim, entregou a vida como fiança

aos cínicos do mundo, e despencou

de si mesmo: trocou a confiança

em Deus, em si pelo que nunca achou.

 

Um dia, numa igreja à beira-estrada

( disse-me ) entrou com a alma ajoelhada

e pediu ao Senhor vida e sentido...

 

Disse-me que, na hora, uma ungida

força-alegria o deixou possuído

do dom de ter em si sentido-e-Vida.

LA 05/007

 

 

 

 

Tudo O Que Foi...

 

Tudo o que foi parece que não foi

senão sombras em séquitos hiemais...

Difusas sensações pelo jamais

tê-las de volta... Deus nos abençoe!

 

Nos abençoe e guarde! O rato rói

não só aquelas tais roupas reais,

como as nossas... Já o tempo rouba mais

que o rato e os homens... pois nos rouba e mói.

 

Velhos sonhos perderam seu lugar,

agora estão ao lado, estão de pé...

Só a esperança teima em se agüentar.

 

E de tudo o que foi ( e já não é

senão lembranças rêmiges pelo ar ) —

ao menos nos restou o seu chulé.

LA 05/007

 

 

 

 

Mas...

plantaremos um canteiro

de bem-me-queres.

Em vindo a chuva

ficarão tão belos,

que apenas falaremos

tranqüilamente

das coisas

de que já tínhamos nos esquecido —

belos enganos tão gostosos,

que ainda podemos tocar-lhes

o cheiro, o gosto e o respirar.

Esperanças tão lindas,

que jamais aconteceram.

E as ditosas desventuras,

tão ditosas que ainda cantam

lá nas varandas da alma

ciciadas de folhas e sonhos...

e que ouvimos e vemos

por uma fenda do jamais.

LA 05/007

 

 

 

 

Ei, acorda!

Lá fora a vida canta

e sua luz nos diz

que vale a pena.

LA 05/007

 

 

 

Hoje é luz incidindo sobre a mão

com seus rios e glebas, ar...

e o Verbo que, sabendo,

quer

e permite o ousar —

ao que sabe sonhar

sincronizado com Eu Sou.

Sim, hoje é luz a preencher os moldes

das formas em formose —

a realidade e suas gamas:

o universo e seus reversos

na cúmplice magia

do sonho-criação.

LA 05/007