FLORES DE PELE

(Parte 3)

                                                   Laerte Antonio

 

Esta é a ultima parte do livro Flores de Pele. Espero que você tenha saboreado os poemas e que ao sair daqui, leve todos os aromas possíveis. Aproveite também para conhecer outros livros e tudo o mais que o viajante do tempo tem para você.

 

         Entre As Amoras

 

Os beijos atam as bocas

da mocidade —

e ela se eterniza

até não ser mais jovem.

Suas mãos vindimam ávidas

por veredas de luar —

única roupa das amadas.

Um céu caiado

no entregozo enluarado

de rostos que se retorcem

borbulhados de encanto.

 

Silêncio! Entre a relva há gemidos

e fonemas sufocados...

enquanto a rosa se desfolha

entre mãos que se crispam.

 

Lá nos cânticos da carne,

entre cheirosas vinhas,

o amor tece de amoras

os seus sonhos de seda.

LA 12/03

 

 

 

 

 

       Caso Verinha

 

Verinha chamuscava.

Sim, era demais boa: boa

como água no deserto.

E rodava ( à toa/à toa )

a baiana.

Se rodava! O marido

que o diga.

Com os outros era doce

como sopa de tâmaras passas.

 

Quando Verinha passava

a gente sentia o cheiro

de bife mal-passado...

Até os vegetarianos

se coçavam.

 

Verinha queimava

como a chapa

de fazer bauru

do seu Mané Roxinho.

Só esfriava

depois de muitos toros de carne

ali se tostarem —

deixarem-se escorrer

até aqueles orgasmos que doem

e parecem

virar o gajo do avesso.

LA 05/04

 

 

 

        Equação De Eros

 

Que pensará o amor

lá nos seus algoritmos?

Achará a solução

para o que não a tem?

Claro que sim: amor

sempre foi bom matemático —

terrivelmente bom de cálculo.

Amor não soluciona,

mas funciona,

ah, se funciona!

Com equações mais eficientes,

há de ser bem diferente —

mais competente e belo:

funciona até cheirar

a pêlo queimado...

E se completa o enunciado:

Amor está para o tesão

como o colchão para a cama.

LA 05/04

 

 

                  Cheiro De Fêmea

 

Minhas mãos ainda tinham o seu cheiro

e eu já tinha percorrido a interminável avenida...

O mesmo vento frio que me empurrou para você

agora me pegava nos cabelos e os derrubava sobre a fronte...

e minhas mãos ainda estavam cheias

do bom, do belo do seu corpo.

Quanto mais me afastava dos seus dedos

compridos e com unhas de um crispar seco

qual gume de navalha afiando-se em minha pele —

mais o seu cheiro entranhava em minhas mãos...

Sim: minhas mãos por tobogãs de pele,

por côncavos, depressões, recôncavos: mãos cheias

daquele cheiro cálido e que de vez em quando

eu levava em forma de concha ao nariz....

..........................................................................................................

Já em casa, não quis lavar as mãos.

Deitei-me com elas espalmadas sobre o rosto...

E sonhei que cheirava seu corpo

que tinha o aroma de ervas coniventes

e o calor dos verões suando prazeres

que mancham os lençóis.

LA 05/0

 

 

               Ali

 

Pois é ali —

naquelas regiões

em que o sol é censurado,

que lhe quero digitar

um longo e belo poema.

 

E finalmente, com um dedo só,

me inscreverei

nos extremos de você

em busca de mim mesmo.

 

Sim, ali —

onde, prensando apenas

três uvas,

dá pra fazer um vinho

da cor, amor, dos teus suspiros

e ais:

um vinho artesanal —

gostoso

de arrepiar orgasmos.

 

E manhãzinha,

pra rebater a ressaca,

prensaremos mais algumas —

com saúde e tim-tim!

Os dedos  — úmidos —

cheirando a xota amarfanhada.

LA 05/04

 

 

           Belo É Lembrar-Te...

 

Belo é lembrar-te roseamente nua

como a chuva que escorre nos dezembros

por entre a brisa quente que insinua

sonhamentos: cabeça-tronco-e-membros...

 

Belo é ver-te vestida só de lua

no entre sombras rendadas da folhagem...

com essa lingerie que é a pele tua

afagada por lúbrica ramagem...

 

Mais belo é trabalhar na tua vinha

com concessão que é tua e lida minha

na vindima de orgasmos qual de Cânticos

 

dos Cânticos: as uvas amassadas

em gestos tão carnais quanto românticos

sobre o corpo de aurora das amadas.

LA 09/04

 

 

 

              Cialis

 

Suba,

veja lá de cima:

a cidade iluminada,

entrecruzando-se,

caminhando —

a cidade à procura de si mesma...

A noite a arder no entre pernas.

 

E o que se vê daí?

Que a gente é mais um entre muitos —

um pobrezinho um: só mais um...

entre pobres eus inúmeros —

buscando meios de não estarem sós...

 

Máquinas indo e vindo —

a cidade gemendo:

a cabeça erotizada

com seus sonhos quentinhos

feito pães...

Pães não: feito seios crocantes...

Feito pernas que metralham

( ainda bem que estamos

com coletes de aço... )

Feito bocas que devoram

com seus dentes de lanças —

arrasadores...

Feito bundas trabalhadas

a cinzéis-pincéis-estiletes...

Feito xotas cujas vulvas

olham caolhas,

desbeiçadas,

amarfanhadas após aposes...

Rios de orgasmos.

LA 09/04

 

 

        Perucas-Clones

 

Cocei-me

de um jeito diferente

naquela tarde de domingo

( pelado sobre a cama ):

cocei-o com o calcanhar —

e se foi desenrolando

( saindo dele )

um plasma-bruma muito branco

a formar uma figura

( aos pés da cama )

feminina ( e peladona ) —

com uma das mãos coçando

a xota

e com a outra a bunda.

Olhou-me

com um olhar bem sem-vergonha

e me disse:

“Peça-me a mulher que quiser,

uma não: mil delas.

Mil não: duas mil, um harém

bem maior que o do filho

de Davi e Bate-Seba —

e com mulheres

muito, muito mais belas...

Peça, meu amo!”

    Peço, meu gênio,  pe... pe... pe... peço

( eu estava tremendo de emoção ),

peço, mas por motivos óbvios,

as mulheres não quero...

    Mulheres não, meu amo!!!???!!!...

    Não. Quero o clone das perucas delas!

    Só das perucas, amo???!!!

Por que não também dos seios,

das bundas, das pernas, do...

— Porque não!!! — gritei.

Só das perucas

pererecantes.

...........................................................................

E ele me entregou

( com um só piparote ),

em caixinhas de pele de cobra,

duas mil e cem perucas e pasmem:

virgens, isto é, zero coaxada...

Estão todas nessa cômoda aqui —

fechadas a sete chaves.

Ah! E, de lambuja, me deu

um suporte de marfim

( que era da rainha de Sabá... )

pra afixar cada uma delas

( tinha um regulador... )

sobre o lençol.

E ele, ele não: ela

voltou para dentro

de sua lâmpada de couro

piscando olhos libidinosos

e a me dizer:

“Haja bilau, meu amo, haja!

Perucidades! Isto é: felicidades!”

E ensacou-se.

........................................................................

Não vejo a minha gênia

há muito, muito tempo.

Também, pudera! Ainda

nem cheguei a usar

sequer dez das perucas...

Isto porque me apaixonei

obsessivamente pela 9ª.delas

que, aliás, é pompoarista:

engole-cospe-engole-gargareja-

sacoleja-lateja-mói-estrangula...

Só vendo, leitor. Um dia desses

te empresto ( a 9ª. não! )

uma delas.

LA 10/04

 

 

 

             Camélias

 

Já sabias, por certo,

que as camélias não são flores,

são as amadas —

e que as amadas não são amadas

enquanto tais —

mas, sim, camélias:

o quente do seu corpo,

esse macio cheiroso

que as amadas despetalam

sobre lençóis —

são camélias:

o estado-amor

das amadas.

LA 11/04

 

 

              Nas Partes

 

No todo,

a vida nunca foi um bom negócio.

Já nas partes,

as coisas podem

se compensar.

................................................................

Aliás, ...

do que falávamos mesmo?...

Ah, do molejo da sambista!

Ó santos, que correstes com tição

atrás de vossas tentações...

amparai-nos!

 

Ó santos e Deus nossos!

É de salivar as vontades... É de...

de dar... de dar coriza da grossa!...

A mulherada

( após a cena na tevê ),

lá na penumbra alcoviteira,

ficam maravilhadas —

até pensam

que os maridos são outros!...

LA 12/04

 

 

         Com Mestrado E Doutorado

 

Era mestra,

( no fofo da penumbra )

em desmontar orgasmos

peça por peça —

estudar-lhes paciente

e demoradamente

a alquimia,

sim: dissecá-los —

uma espécie de anatomia

do desejo.

 

Era mestra

em rotação e translação,

revoluções,

circunvoluções

e outras multicineses.

Em duas palavras —

parafusava desparafusando...

ia e vinha bamboleando

fazendo as cadeiras dançar

em torno de toda a mesa...

 

Era mestra

em cima da cama,

da mesa

ou sobre os ladrilhos —

cibermolejo hi-tech

adaptado da NASA

e usado em motéis

ou em casa.

 

Era mestra

em gingos giros giratrizes...

Um prodígio aeromolejante.

Cinética e pluridinamica-

mente

faturou um politzer

em furunhanças

e foi,

foi indicada três vezes

para o Nobel

de desmonte e remonte

do ato

no ato.

LA 12/04

 

      

 

       Ah!!!!

xiranha-manha —

nhosa-nhosa:

pois, sim!...

 

Sois rosa,

ou glosa

em carne-rosa?

 

Dulcetriz...

Cárnea bromélia —

nhosa-manha,

xiromanhosa,

manhoxirosa.

Pra ser feliz,

vultosa,

nem é preciso

ser beatriz...

Muito menos

ter siso

ou seios plenos:

isso é de menos,

ó mais-que-rosa!...

Só basta ter

todo o saber

em florescer,

com acalanto,

em verso e espanto.

O mais

é doce pranto...

e encanto.

LA 01/05

 

 

 

 

         Sim: Gorjearão

 

Pensamentos com fimose,

bom é não vos forçardes —

a gente compreende o fato

de não entrardes no assunto.

Mas breve virá o dia

em que — operados —

penetrareis a fundo

quaisquer setores,

ó heróis encapuzados, —

logo adentrareis os portais

dos mistérios

de cabeça descoberta:

papanhocas gorjearão

sob vossa batuta —

cantarão óperas

engasgadas,

mas aplaudidas de pé.

LA 10/02

 

 

 

                              Síndrome Fá...

 

 — Estava tão sozinho,

tão seco,

tão crepitante,

tão carente-pulsante —

que coisou com um cacto.

 

— É... O que o virtual não faz!

— Virtual uma pinóia, —

real-realista, coisa-coisada,

estrepe no estrepe, cara!

— Mas Como?!

— Assim:

André desceu o brim,

escolheu um cacto-fêmea

( o homem é botânico ) —

e foram os arfares mais suaves

que jamais se ouviram

de alguém chegado.

— E houve orgasmo?!

— Um orgasmo atravessado de punhais,

como os românticos traídos...

..........................................................................

A amiga, que era médica,

lhe retirou espinho por espinho —

condoída, maternal e cheia de remorso,

pensando bem baixinho e sem graça lá consigo:

“Como pude deixar este pobre neste estado?”

..............................................................................

Já em casa, a mulher, — com infinita

paciência e ternura —

lhe jurou jamais deixá-lo em síndrome fá... fali...

califa... ( a língua não dá... )

Mas era tarde... Trop tard!

Daí pra frente

jamais André conseguiu relacionar-se

com outra coisa a não ser aquele cacto —

o cacto sensual, jeitoso, pilo-espináceo

do jardim da psicanalista Jacobina

( vizinha do cactófilo ) —

e que tinha um olhar tão penetrante,

que em geral seus clientes

deixavam seu consultório

literalmente do avesso...

Por isso é que o porteiro dizia que as pessoas

saíam de lá outras.                                                   

LA 12/02

 

           

 

         Um Caso Paralógico

 

Teodoro Dela Rua Filho,

serviçal do Teatro Municipal

( após uma noite constelada

pelos colares de diamantes

mais caros de todo o País ), —

achou, entre a passadeira

vermelha e a presilha do degrau, —

uma xoxota ( perdida! ) com cara

de fim de festa:

fastio das luzes...

e louquinha por um cachorro-quente.

 

O pobre homem

pegou-a como a um tesouro místico...

beijou-a logo acima do clitóris

( sim, achou-a completa! ),

levou-a para o barraco

e — com infinito amor —

pregou-a numa tábua de passar...

e a pôs debaixo da cama.

...................................................................

Y asi pasaba las noches:

Quando sua mulher dormia,

ele passava roupa a noite inteira,

gemendo em alma

orgasmos de Primeiro Mundo.

LA 12/02

 

 

 

     Tema:

     Ser Pai Não Basta, É Preciso Participar

 

— Paiê!

— Fala, Carlinhos.

— A professora falou

     que caranguejo tem dois pênis,

     um ao lado do outro,

     assim ó: como um plugue...

— E daí, Carlinhos?

— Daí que o bicho é fera, pai!

     ....................................................................

— E você, Carlinhos, também

     gostaria de ter dois?

— Claro, pai. Bem mais que claro!!

     Mas assim ó: cada um como um dos lados

     de uma mesma pinça...

— De onde tirou essa imagem, menino?!

— De Dorotéia, pai,

     que senta bem ao meu lado.

     .....................................................................

— E você, pai, também não...

— Não, Carlinhos.

     Sou que nem Galileu:

     nada de coisas fixas...

     mas o eixo: o eixo na elipse —

     e o bailado constelado!...

     .....................................................................

— Chique, hem pai?

— Chique-et-cetera, Carlinhos.

     Chiques chiliques.

     LA 12/02