CANCIONEIRO DO ESPRAIADO

 

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     A Poesia Das Pedras

( Um Pouco Do Espraiado )                              

                         

 

Dezembrando as suas águas,

o velho Espraiado geme.

De minha sala o escuto,

emoldurado pelas pedras

que Carlos Bastos, o Camisa-de-meia,

com suas mãos de desvirar sonhos,

ia mandando ter sentido...

E elas viravam poesia

de pegar com os olhos —

paradas sobre o brejo, o barro, o lodo:

porque ele ( Carlos ) as mandava

ficar ali paradas,

e não tinha conversa não: obedeciam

para não competir com a persistência dele,

e por saberem

( sim: até as pedras sabem... )

que o bom português

sempre falava sério —

mesmo quando brincava.

 

Antes de Carlos ( e com Carlos ) tinha vindo Outro

que inventava horizontes com os olhos...

( Foi ele quem fez dos caraguatás-espinheiros-limões-bravos-e

-antros do Espraiado

essa iguaria de Avenida

que hoje todos desejam degustar... )

Sim: o Dr. Sckandar Mussi

inventava horizontes com os olhos,

pegava dificuldades a unha,

abria ruas e avenidas

com seu jeito desbravador —

cabeça universitária

e botinas administrativas.

 

Inventava não, —

inventa:

o homem está aí, o povo o chamou de volta,

talvez saudoso

do seu enxergar valente,

do seu saber o quê/como fazer.

 

O que ensinava as pedras

a falarem macio,

a ter modos

e a recitar poesia —

esse foi convocado

para geometrizar jardins

às margens daquele rio

que banha a cidade de Deus.

 

E o velho Espraiado geme

dezembrando suas águas,

e a dizer que tudo passa —

mas que passar é bom:

muda o por fora e o por dentro

dos homens e das coisas,

a ribalta e o poscênio

com seu fio escarlate

a interligar as páginas

               desse conto chamado vida.

 

 

 

          Antemanhã

 

Vai, saracura, trespota!

Trespota um pouco mais alto

para a gente lá de cima

acreditar

que me quebras teus potes

nos portais da minha casa.

 

Vai, saracura, trespota!

Tira da cama a madrugada,

que os galos já estão bicando

o trigo de um novo dia.

 

Quebra teus potes:

três potes,

três potes, —

de três em três, mas dúzias deles,

que a luz virá catando os cacos, —

quebra teus potes,

teus potes:

três potes três potes três potes —

o eco espirrando cacos

              nos portais da minha casa.

 

 

 

Aqui, Sim!...

 

Aqui, sim,

na minha torre de capim —

sonhos herbívoros,

pensamentos vegetais,

emoções de bromélias,

sensações samambaias,

sentimentos arbóreos.

Todo um viver herbícola

com mordomias florais

a gorjear com as brisas,

a operizar com as ventanias.

 

Aqui, sim,

na minha torre de capim,

vivo dias macios —

assovios chupando cana,

nenhumíssima zurrada.

Novidades? Nem-só-uma.

Aqui sou até feliz

coçando o meu nariz

e aquela peça que homem coça

quando entediado e sozinho.

Aqui, sim, tenho os doces tremeliques

dos ramos que se abaixam

quando o vento — pega-não-pega —

lhes corre atrás...

 

Aqui, sim,

na minha torre de capim,

faz dias calmos e azuis.

Aqui, sim, me torno sábio

comendo do próprio feno —

degustando a clorofila

dessas paredes herbáceas:

dou à minha razão

aquela víride ração —

rica em folhas, sais e fibras

( folhas de abanar tédios,

sais de sonhos,

fibras de gargalhadas ),

rica também em minerais

e outros “ais”,

“inas”, “enos” e sei lá que mais.

 

Aqui, sim,

na minha torre de capim,

até que poderia

receber amigos e amigas

e — num rodízio de boas carnes —

tendo ao lado macio feno,

a gente até que devia

zurrar de felicidade,

ter ataques de piripaques,

meliques de aquiliques,

fricotes aos pinotes,

e aqueles tiques tão normais

entre chiques chiliques.

 

Aqui, sim,

na minha torre de capim.

Daqui estendo o meu braço,

molho a mão no Espraiado

e refresco o meu bigode

debaixo de cuja edícula

escondo meu choro e riso,

minha ironia

e meus assíduos enganos.

................................................................

Minha torre de capim

só a troco

pelos sapatos do arlequim.

De volta quero

uma mordida no quindim

              e três pétalas de Rosa.

 

 

 

Assim E Assado

 

Quem sabe não daríamos um par

bonitinho, certinho, redondinho —

feliz da vida por fritar bolinho,

um ajudando o outro a se coçar?

 

Quem sabe não iríamos gostar

de beber pelo avesso o nosso vinho,

numa área cheirando a rosa e pinho —

sempre com uma vontade de adiar?...

 

Quem sabe não seríamos felizes

sem precisar nem sê-lo?... Assim: de lado,

como a luz n’alma irial dos chafarizes...

 

Ah! fora bom demais viver assim

e assado, bem ao lado do Espraiado

              em porquês-não variando em porquês-sim.

 

 

 

                             Belos Tempos

 

Saudades daquele Espraiado

molambento e ao deus-dará —

do Espraiado antes de Sckandar-Carlos.

Onde os moleques — após as chuvas —

pescávamos de peneira, e enchíamos

o velho escorredor de alumínio:

bagres, lambaris, cascudos...

E subíamos — molhados —,

limpávamos os bichinhos

que com limão-rosa e sal —

saltavam fritos

dentro do prato de arroz com salada

de almeirão picado fino. Por refrigerante,

água de poço com limão-galego —

daqueles bem miúdos e amarelinhos,

cheirosos como os sonhos de Clarinha

( que era linda e morreu menina de tudo ).

 

E ali — bem debaixo da jabuticabeira —

a gente  banqueteava —

inclusive Clarinha

que deve ter bronqueado com o Pai:

“Por que me trouxe para cá, Babu,

se lá estava tão bom?

Que é que Você tinha de tão urgente

pra me contar,

que não podia me dizer

lá no meu coração? ”

 

Vocês, que a ouviram,

perdoem a franqueza da guria Clara,

que era bondosa quanto bela

e se despetalava à toa

por qualquer vento ou brisa.

Mas Deus sabe:

mesmo quando xingava,

era de bom coração.

E como nos explicava

nosso vizinho,

branquinho de experiências

e curtido de versículos:

“Deus a amava tanto demais da conta,

que a quis com Ele, Nele...

Agora a gente sabe

que Ele a é.”

...............................................................................................

Belos tempos, sobretudo

porque a gente não sabia.

Sim: saudades de não saber

que a gente nem sabia.

 

Quanto ao mais,

o Espraiado, hoje, é bem melhor —

já não faz molecagens

levando gente e pinguelas...

Agora só resmunga. Civilizado.

A voz grossa com as chuvas

de fim-começo de ano

lhe dá ares de quem garganteia,

mas sabe que não é nada.

Bonachão, isto, sim,

a deslizar pela calha do tempo...

Do tempo que — sorrindo —

vai sovelando a ferrugem

de todo flutuar.

 

Clarinha já deve estar

com dois terços daqueles moleques...

( moleques não, alguns então já grandinhos... )

Deus deve ter dito a ela:

“Sossega, minha flor, que não demora

está todo o mundo aqui,

e vou deixar vocês brincarem num Espraiado

mais molambento ainda do que aquele...

E te juro, Menina,

te juro pelo Filho que deixei pregarem:

vocês jamais vão saber de mais nada —

a não ser da ventura

               de não saber.”

 

 

 

                   Bucólica

 

Metade do ano. Muito pó e  vento.

O Espraiado ( magrelo ) a espreguiçar...

A folha amarelece e, lento-lento,

o bosque se reconta a bocejar...

 

            ( A saracura acorda a alva a trespotar... )

Tempo de carrapato e céu pedrento.

Olha o vento: fantasma em chão poento...

Cavalos, vacas ( vários ) a pastar.

 

Vozes alegres pelas chácaras vizinhas.

Galos bicam a luz... Rolas-rolinhas

se queixam em arrulhos cor de amora...

 

Vária música: vozes, folhas, vento,

gorgolejos... A vida aqui-agora

              cabe inteira num calmo pensamento.

 

 

 

Céu Pontilhado

 

Feliz, Rosinha, já sou.

Só falta achar o motivo

que a tanto me levou.

De tanta felicidade,

a um tempo me morro e vivo.

Pra te falar a verdade,

já sinto até saudade

de quando, lá no futuro,

eu despencar desse muro

todo feito de caquinhos

dessa feliz irrealidade —

em que ora me morro e vivo

com todo e nenhum motivo.

................................................................

O mundo? Sifu o mundo,

com seu jeitão furibundo...

com todos os seus blefes,

seus “pês” e “cês” e “efes”!

Sim: que o mundo sifu

com mais quem o entortou.

Feliz, Rosinha, já sou —

com esse céu mais tu.

Com esse céu pontilhado

              de liberdade de urubu.

 

 

 

                              Claro Que Sim

 

Saudades? Sim: saudades,

que ninguém é de ferro.

A lembrança dos olhos,

dos olhos não: do gesto

de ariscos momentos felizes —

saudades são isso?

Claro que sim: isto e aquilo

que se comprava por quilo

e quando se descascava

não dava mais que um gomo,

chupado pelo gnomo

— familiar —

das moedinhas que tiniam,

rodavam e sumiam.

 

A delícia de chafarizes

molhando nossos verões

também não são piscos dolentes

com a vontade de reviver

pela tela de lembrá-los?

Claro que sim: degustações

que se querem

repetir

lá no corpo do mental —

sem mãos de segurá-las

nem boca de mordê-las...

 

O bom de se ter tido

uma namorada Vera,

mentirosa como o tempo

( que faz esquecer o guarda-chuva

bem onde não se devia...) —

isso também não faz

a gente lamber de memória

o derreter de um sorvete

que escorre pelos dedos?

Claro que sim: mais a saudade

que agora se saboreia

com colherinha niquelada

entre tantas gostosas mentiras,

tantos belos enganos —

tão mais belos

quanto mais veramente

mentirosos.

........................................................................

E quais outras, quais mais saudades?

Ah, sim: saudades das boas,

das graúdas, das melhores —

                      saudades do futuro.

 

 

 

                     Coaxares

 

Já faz punhados, um montão de tempo

que o Espraiado afaga

sua barriga esguia

( outrora, dentre a relva e sobre a areia rosa,

hoje, sobre o chão liso dessa canaleta:

sua flauta de pedras... )

a ouvir coaxos e coaxos...

Sim: há coaxos e coaxos, e até coaxos,

como há batráquios e batráquias...

De sorte que, seu moço, essas calmas águas

têm ouvido de há muito os sons

que vão de uma só rabeca

ao sinfônico de muitos instrumentos

somados àquelas numerosas vozes

dos dezembros chorosos —

que o povo compactou

num diálogo, hoje, a lembrar

a consumodoidice:

 

Comprou?...

                                                             Comprei!...

Por quanto?...

                                                                   Não sei!...

Pagou?...

                                                                            Datei!...

Pra quando?...                            

                                                                                     Nem sei!...

.......................................................................................................................

E o Espraiado, no tobogã de pedras,

murulha manso a ouvir de antanho a hoje

coaxos, coaxos: mil e mil coaxares...

até aqueles tais — não poucos —,

              mas outros: sufocados coaxos.

 

 

 

                      Condolências Em Tom Caboclo

 

Desespere não, Deolinda, —

a gente sempre arranja força.

Se Teobaldo se foi,

também a deixou embasada —

e os fundamentos são tudo:

estando firmes e a prumo,

ergue-se um outro edifício

com a rapidez de um coçar.

 

Desespere não, comadre,

que só não tem jeito o jeito

que a gente se nega dar.

E olhe, comadre: a vida

passa assim tão rapidinho

que nem pedra do céu

que despenca incendiada

dentro do nosso olhar...

..........................................................................

Por isso, não seja boba —

tão depressa lhe passe o nojo

( e a vizinhança lhe tire

o olho de corvo da vida ) —

tem mais é que aproveitar...

Comadre tá inteirinha...

mais parece melancia

( uma fatia vermelhinha )

em verão de estalar bagens...

 

Tem mais é que aproveitar.

Não vê a minha Neusinha?!

A pobre parafusou

lá por dentro de suas juntas —

as cadeiras viraram mesa:

nem rotação nem translação —

Neusinha virou pedra

e eu, um trípede implume...

.......................................................................

Por isso e por quanto queira,

é que lhe vim intimar

( enquanto não tiver quem

lhe trepe pelo telhado,

lhe enfie prego nas paredes,

lhe amacie as maçanetas,

lhe cuide da parte elétrica ):

conte comigo, comadre!

 

 

 

                            Cotovelar

 

O amor morreu, minha Rosa?

Pois demos graças a Deus —

nós dois estamos bem vivos.

 

Ficaram mágoas, minha Rosa?

Que bom! Ainda bem que temos

um passado que lembrar

e grilos pra desentortar.

 

Sabe, Rosa?, essa gente

que nunca levou um tombo,

anda louco-louquinha

pra se quebrar...

 

Amor dos bons, minha Rosa,

legítimo-genuíno —

tem mesmo é que machucar...

Mas... lá vem o tempo, e pensa —

pensa todas as feridas

impensadas...

E a gente, Rosa,

racionaliza:

Se não se tem uma rosa

ou um bombástico crisântemo —

serve uma dália dolorida...

ou um modesto bem-me-quer.

 

E o bom de tudo, minha Rosa,

é que com o tempo

a gente até aprende a ser feliz

com pouca ( quase nenhuma )

              felicidade.

 

 

 

Do Eufrates Ao Espraiado

 

De zero a não sei quantos

quilates

garimpo desde o Eufrates

até o Espraiado —

que passa aos meus ouvidos,

já que, nas chuvas,

o escuto resmungar.

 

Tomo meus mates,

leio meus vates

e percorrendo o Eufrates

( no tempo )

e o Espraiado

( no olhar ),

vou garimpando o meu dizer —

de zero a não importam quantos

quilates.

 

Vou bateando os meus versos

por esses rios diversos

e outros em sonhos submersos.

 

Proseio a minha poesia

na dislalia

de cada dia.

 

Vou, sim, escrevivendo os meus prosemas

( de inesperados temas ),

os meus prosemas

com alguma coesia

( entre meus vates,

meus mates ) —

de zero a não sei quantos

               quilates.

 

 

 

                Harpas

 

Harpas eólias

vibrando aos dedos do Espraiado —

parelhas delas pelos ramos,

umas respondendo às outras

coisas-sons tão infindas

quanto lindas

a tilintarem hialinas...

 

Harpas foliais,

em primavera-verão,

farfalham — vírides —

notas verdes-roliças...

No outono-inverno ciciam finas,

ríspidas-íntimas,

ressequidas-quebradiças —

vozes que voam volúveis

no agosto dos corais de folha e vento.

 

Harpas liriais,

em alma-coração,

choram em tempos-virtuais,

em horas hiemais —

seus ais

( por silêncios-jamais )

              lá em varandas de lembrar você.

 

 

 

               Longe/Perto

 

Quando Laurinha morava longe,

meus arrazoados sentiam falta,

meu coração muita saudade.

 

Depois que veio morar bem perto,

meus braços se fartaram:

vontade de barriga cheia

e coração refestelado.

 

Foi então que sei lá o que em mim

sentiu falta daquela falta...

teve saudade das saudades

e do tempo que tinha fomes...

 

Laurinha, me vendo a agonia,

tenta me consolar:

Te entendo, meu André,

te entendo.

Por longe ser nada bom,

perto se finge melhor...

Mas não... Depois se vê que não...

Melhor um longe que rói,

e até possa ser triste,

que um perto a suspirar

de um desengano que dói...

E dói porque não existe

a não ser na necessidade

              que teima em ter de doer.

 

 

 

           Não É Tempo...

 

Não é tempo de uvas, Joaninha,

nem é tempo de amor,

mas, na falta dos dois,

a gente tem as amoras.

 

( O amor, Joaninha, está passando

por uma transerogenia

biopsicocultural

[ Deus meu!].

Só o que se pode adivinhar

é que ele será tão outro

que as mentes do integrismo

pensarão que ele morreu —

ou que somente sobrevive

nos corações celestizados...

Mas não, Joaninha, o amor

apenas anda fariseado —

não ama nem desama:

se amorna descarrilado...

Natural, tudo bem natural

nesta curva da história

em que Desdêmona canta

a canção do salgueiro,

sob cuja ramagem

as águas levam Ofélia...

Friamente o amor lhes faltou,

lhes faltou com a palavra... )

 

Aguardemos a vindima,

Joaninha,

e a estação sem onde-quando

o amor seja possível.

Não o amor feito coisa qualquer,

mas sim o que nos há de ensinar

a fazê-lo com a luz —

o que, por certo, deixará os anjos

com muita água na boca e...

aos quais desafiaremos:

Quereis aprender chiques chiliques,

ó das alturas?

Quereis deveras? Então tereis

de vos mortalizar...

Ou pagais o preço ou permaneceis

com as lombrigas dançando

em vosso ventre...

a formigar-vos com o sonho

de mil ou mais tremeliques...

 

Enquanto isso, Joaninha,

vamos saboreando amoras —

que têm a cor do amor

e ninguém nem desconfia

              que não o são.

 

 

 

Nosso Espraiado, Rosa...

 

Nosso Espraiado, Rosa, em seus dois lados,

é tão modesto que até daria

pra conversarmos — bem acomodados —

cada um de um lado em sua pedraria.

 

Seus sussurros são tão apaziguados,

tão calma a sua voz, e tão macia,

que o que dizes, em sons despetalados,

flui roseamente em tiscos de alegria...

 

............................................................................

A tarde veste longo... a espremer

suas uvas e amoras numa glosa

de lusco-fusco com o anoitecer —

 

pingando sombras n’alma da aquarela...

Já ( invisíveis ) podemos, minha Rosa,

              fazer amor em cima da pinguela.

 

 

 

O Mais É Escola

 

Já li dez vezes

o Antimanual de Bons Modos

aquele que me diz

que se eu mudar para agradar aos outros,

por certo me tornarei

alguém muito desagradável para mim.

Me dou bem comigo assim.

Com o meu Espraiado,

com meu pequeno bosque

e meu ler-escrever.

Até com meu cachorro —

sim, nos damos muito bem.

 

Bem junto ao telefone

deixei escrito ( em vermelho ):

C C C =

Classe

Calma

Coerência

Sim:

Classe-Calma-Coerência

E embaixo:

Falar menos de 5 minutos —

e jamais acasalar demônios...

E ainda:

Com o tirano use:

passividade-alienação

e as quatro frases

( que aprendi com meus alunos ):

Não lembro.

Não sei.

Me esqueci.

Claro-que-sim-um-outro-dia...

 

E demos ( você e eu ) graças a Deus

porque sempre existiram

os que se têm por muito espertos.

............................................................................

Já ouvi todas as canções

( quase todas, perdão! ),

e aprendi que só falam de uma coisa:

Faz de conta que sou e que tu és...

 

O mais?

O mais é viver.

O resto?

É resto.

               E havemos de aprender muito mais nada.

 

 

 

Pois É

 

Bem-te-vi fez um ninho —

cai, não cai...

aqui na beira do Espraiado.

Um ninho

parecido com o turbante

daquele homem

que Bush queria degustar —

de preferência morto:

para que não houvesse

nenhuma retração esfincteriana.

.............................................................................

Mas comeu não. Nem morto,

nem vivo.

Não só não comeu como não viu.

Igual ao bem-te-vi —

diz que vê,

mas cadê?

 

Bush viu?

Não, não viu.

Bem-te-vi,

onde e quê?

É tudo só garganta,

sim: muita onomatopéia —

pios & bombas,

bombas & pios.

              Pois é.

 

 

 

Sarar? Sare Não

 

Não mude

para agradar,

mas só e quando

para agradar-se

e transcender-se.

 

Não mude nunca

pra fazer as vontades

do outro.

Nem sare nunca

dessa loucura bonita.

 

Se o diabo quiser de volta

as diabruras que você ama —

pergunte a Deus se pode devolver,

isto é: se ( Ele-Deus ) tem coisas melhores

para lhe dar.

Com certeza terá...

Então, sim, troque as divinas diabruras

pelas diabólicas divinuras.

Mas sarar, não sare nunca

              dessa loucura bonita.

 

 

 

                           Sem-Terra

 

O único sem-terra agora

( de todos os meus ), Babu,

sou eu.

Deste a cada um a sua gleba.

Tornaste-os mineradores

de seus sonhos,

cultivadores

de seus próprios casulos.

 

Quanto a mim, quero que saibas:

não tenho pressa .

Enquanto me permitires, Babu,

prefiro as glebas psíquicas,

isto é: prefiro

plantar na imaginação,

ou mesmo plantar favas...

Isto sim: plantar favas

nas minhas vagabundagens.

Sim, Babu, que eu me torne um vagabundo

tão consciente,

que só a minha vagabundagem

tenha-me ainda algum sentido...

 

Quanto àquele chocolate

que a vida nos oferece

logo à direita

da Estação dos Papagaios

enquanto puderes adiar-mo,

Te agradeço, Babu.

Todos, que o provam,

emagrecem de ficar brancos...

 

Prefiro ir ficando por aqui,

à beira desse estúpido Espraiado...

a beliscar saudades

do tempo em que não sabia

que era feliz.

E como era!

Ah, Babu, minhas mãos

e todos os meus dedos

foram mais que felizes!

.......................................................................

A gente contava estrelas...

a gente tirava a roupa...

a gen...

Perdão, Babu.

                Por vezes a gente se empolga.

 

 

 

Trissos No Lago

 

Belas aquelas tardes

andorinhadas de calma —

trissos rasantes no lago...

No lago daquela infância

que via, não o que vemos

( enfermos de adultez ) —

mas com seu ver de não ver

senão o que os homens juram

( sem ver )

que são coisas de crianças.

 

Belas aquelas tardes

andorinhadas pelo riso

da vida ainda orvalhada

de infância —

a descer, a subir

pelos corrimãos do olhar

              de nossa mãe.

 

 

 

             Tudo Isso, Aquilo...

 

Que bom que é, minha Rosa,

coçar os mimos e olhar para o Espraiado —

sabê-lo pobre e quase nada como nós:

tão apagado e humilde,

que só mesmo esticando o ouvido

pra gente ouvi-lo gorjear...

No entanto, corre fiel e sempre.

Com certeza ouviu os sonhos

que molhavam os pés e as patas dos cavalos

dos primeiros que por aqui passaram.

 

Sim: corre fiel e sempre.

Entre setembro-outubro suas águas

viram jabuticabas graúdas

nos pomares em derredor.

 

Que bom que é, minha Rosa,

ir coçando as saudades

e ouvir o vento em nosso bosque,

em nosso bosque enraizado no silêncio.

Que bom que é, minha Amiga,

ser vagabundo por opção

( e sugestão Presidencial... ),

após ter lutado e sonhado entre os homens...

Ser vagabundo, andarilho

lá nos esconsos da alma,

da alma livre-leve-solta como

um pensamento vadio

pelo infinito de Deuspai.

 

Que bom que é, minha Rosa,

viver-doer ao pé desse Espraiado

enquanto a gente cumpre a vida —

boboca, calmamente boquiabertos

de ver como é enfado

               tudo isso, aquilo e o calcanhar de Aquiles.

 

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