a margem espiral

                     lAERTE antonio

                 parte 2

 

 

Dedos Da Mesma Mão

 

Escombros,

o homem gosta de fabricar escombros

sem quaisquer assombros:

raivas-rombos e alguns tombos —

e ei-los amontoados

dentro e fora do humano.

O homem fabrica escombros —

porque ama a guerra

como ama fazer amor.

O amor e a morte convivem

como dedos da mesma mão.

Apenas um piparote —

e ei-los se deflagrando:

o amor e a guerra.

Escombros

que o homem leva

nos ombros.

LA 00/10

 

 

 

Bruxa Londrina

 

Ana Paula Padrão,

o âncora que nos vem

das meias-noites.

Tipo metálico,

dizer acrílico.

Um jeito de castelã

e de heroína

de Jornada nas Estrelas.

Perfil de pássaro molhado.

Postura folhada em ouro —

técnico-telemática.

Argumentos niquelados,

tom de quem encontrou a mina...

e enfeitiçou os nativos.

Exuberância segurada pelo rabicho.

Beleza talhada em mármore negro egípcio.

Sua voz de pitonisa celta

erotiza a notícia

com uma libido seca,

quebradiça: quase em pó.

Seus olhos reverberam

o olhar das princesas felizes.

Seu boa-noite sai de lado,

quase de perfil

( de bruxa londrina ):

seguido de um sorriso —

só com a ponta da asa,

quebrada...

( da quase amada:

brônzeo-glamourosa,

Ana, a graça ):

a bela bruxa

das nossas meias-noites.

LA 00/10

 

 

 

O Vento Agita As Palmas...

 

O vento agita as palmas e os areais.

A tarde desce ungida de um escuro

que aos poucos vai construindo um fluido muro

pintado de arabescos espectrais.

 

Brilham silêncios entre tons astrais

nessa hora sem passado nem futuro...

Há no ar um cheiro bom, gosto maduro

lembrando em alma sonhos vindimais...

 

Frágil sentir perante a natureza —

musse de solidão por sobremesa

numa ceia de apenas um conviva...

 

O vento faz as palmas farfalhar,

mas o nosso conviva não se priva

de ouvir o marulhar que vem do mar.

LA 00/10

 

 

 

Quantos Te Querem Dar...

 

Quantos te querem dar um norte e estrada

à bússola que trazes no teu ser:

querem te ver com a vida despejada

em águas de lagoa a adormecer...

 

Querem te dar comida mastigada,

fornecer-te a medida do prazer,

oferecer-te a vida já pensada

e fazer que pareças parecer...

 

Não raro, a sociedade profetiza

quase tudo daquilo que seremos,

só a nossa vontade o ameniza:

 

muda o traçado da facticidade

naquele algo que nós construiremos

com a força da nossa humanidade.

LA 00/10

 

 

 

Lembro-Me Do Café...

 

Lembro-me do café, dos teus bolinhos

que íamos transformando em teoremas

da arte de conversar e amar: poemas

de chuva... salpicados de carinhos —

 

sobretudo com o tempo muito frio,

ou estalando crua tempestade

com lagartixas de eletricidade

ziguezagueando pelo céu sombrio...

 

Como era bom ouvir de tua voz

coisas despreocupadas e sem medo —

além das ondas como um albatroz...

 

Extraíamos favos em segredo...

E ia-me ... a levar ( lá em alma ), em noite fria,

o pão quente da tua companhia.

LA 00/10

 

 

 

Entre Neurônios E Sinapses...

 

Entre neurônios e sinapses, chego

à tua casa em madrugadas frias —

fruindo cada passo, como um cego:

tateando entre as nuvens, pelas guias...

 

Esse exercício ( ao qual sempre me entrego )

me faz pré-saborear as ambrosias

que finjo no mental, e que carrego

entre os dedos, cheirando a especiarias...

 

Sigo automático, entre o vento frio

e a luz astral a rir libidinosa

entre meus passos pela rua torta...

 

Meu pensamento mais parece um rio...

Meu respirar desfolha rubra rosa...

até que eis chego: empurro a tua porta.

LA 00/10

 

 

 

As Penas Voaram Todas...

 

As penas voaram todas... Já não dá

para tê-las. Agora é dor profunda.

Das grandes, das maiores: dor oriunda

de uma consciência que se parirá.

 

Do ventre coletivo há de parir-se —

mudando dentro em si a realidade

a gerar uma outra humanidade

no seu desconstruir-reconstruir-se.

 

O mental sofrerá acelerações

incríveis, transmudando o material —

anos, o que levava gerações.

 

O homem passará do auto-engano

( com a Vida a acelerar-lhe o natural...)

para o salto do humano ao sobre-humano.

LA 00/10

 

 

 

Com Água Escreves Sobre A Terra...

 

Com água escreves sobre a terra o nosso nome...

Teu sol é sempre pontual, e a vida,

a vida tem aquela antiga fome

de tempo, asa em sempiterna ida

 

para o passado que a retém, enquanto a come...

e, em remoalhos, devolve-a em esquecida

maneira de lembrar... até que torne

o que não foi em fato: em coisa renascida...

 

E, assim, Senhor, nós somos deglutidos

por Teu amor: a nos querer de volta

pela espiral dos dias já vividos.

 

Tua imagem em nós é nossa escolta

a nos levar dessas agrestes landas

para as Tuas ( em nós ) frescas varandas.

LA 00/10

 

 

 

Caímos Muita Vez...

 

Caímos muita vez na realidade.

Já outras vezes despencamos dela.

Pra onde foi Marli que era tão bela

e que sempre jurava ser verdade?...

 

Pilatos perguntou-Lhe, com maldade:

O que é a verdade? O Homem, que era a própria,

calou. Mostrou, talvez, que, às vezes, se há de

esconder no silêncio a claridade.

 

Manuela sonhou que se casara

com uma pessoa de beleza rara —

só que não tinha os pés e uma das mãos...

 

Ao acordar, lembrou que era casada

com alguém com seus membros todos sãos,

mas de aparência um tanto enviesada.

LA 00/10

 

 

 

Só Tirava As Calcinhas...

 

Só tirava as calcinhas por quantia

entre setenta e cento e poucos reais:

conforme o peso, a fisionomia,

a idade, as fungações e as espirais...

 

E nunca, nunca que lhe aparecia

o seu herói: o homem de seus ideais —

rico, manso, alto grau de miopia,

do tipo: não-faz-mal... aqui-tem-mais...

 

Só lá na curva dos cinqüenta e três

é que encontrou um marinheiro inglês

que se julgava Nelson, o almirante...

 

Bom homem. Recebera grande herança.

Chamava-a de duquesa... Bom amante:

bolso de homem, coração de criança.

LA 00/10

 

 

 

Num Túmulo

 

Aqui é que procuras por meu nome?

Está no que senti, pensei e vi.

Naquilo que transli ou que intuí...

Aqui, só a lembrança de um pronome...

 

Pobre demais o que se finge aqui...

Tal como tu, sofri de sede e fome

de humano ( não do que se bebe ou come )

e optei pelo anti-herói: vim, vi, fugi.

 

Há várias sedes em que não bebi,

e várias fomes em que não comi —

falta porosa como em pedra-pome...

 

Só me encontras naquilo que vivi

( trabalhado entre o tempo que nos some )

lá em disquetes de tudo o que escrevi.

LA 00/10

 

 

 

Ajuntou As Calcinhas...

 

Ajuntou as calcinhas com as cuecas

do português, que há muito a analisava.

O tal tinha uma empresa de petecas

à beira-mar, e alto faturava.

 

As turistas ( aquelas mais sapecas )

compravam muitas: a penugem flava

vai ver lembrava-as dos bons tempos de molecas...

em que sua ambição apenas se esboçava.

 

Com as duas mãos ( jeitosas ) as pegavam —

cobriam-nas de beijos e sopravam

as suas penas para desvendar...

 

De um lado, tinham nádegas amenas...

Do outro, nodoso, túrgido a vibrar —

um falo bárbaro, cheio de penas...

LA 00/10

 

 

 

Era Um Tipo Esquisito...

 

Era um tipo esquisito, e tão e tanto,

que põe esquisitice nisso, cara.

Gostava de ordenhar o próprio pranto

e fazer dele uma ambrosia rara...

 

Transar? Era uma vez em cada canto —

e de cabeça para baixo, tara

que aprendera com a cópula-acalanto

de seus avós: ao luar, em noite clara...

 

Religião? Tinha, sim, e era feliz...

Freqüentava a Igreja do Diabo —

a do nosso Machado ( o ) de Assis.

 

Legumes? Todos, menos o tal quiabo,

que o fazia borrar em plena rua...

Carnes? Aquela dos prazeres: viva e crua.

LA 00/10

 

 

 

Se O Amigo É Religioso...

 

Se o amigo é religioso, há de querer

converter-te, e ( é claro ) sem magoar-te.

E, jeitoso, te aponta o bacamarte:

“Céu ou inferno, irmão? É só escolher...”

 

E te chuta uns versículos à parte,

sem azeite, sem sal, sem conhecer —

jogados sem contexto e tão sem arte,

que até parecem nada parecer.

 

Se me livras de minhas velhas taras,

com que então, bom amigo, me reparas

tais perdas, se não sabes de meus ganhos?

 

O prazer de ensinar deixa seus lanhos...

Deve haver quatro mil gurus pra cada

meio discípulo, se tanto ou nada.

LA 00/10

 

 

 

Lembranças

 

Lembranças

são material didático-pedagógico.

São remoalhos —

devem ser remoídos,

remastigados

( de frente e serenamente ),

depois cuspidos

( em seu mais grosso )

e reingeridos,

mas sempre e outra vez —

já outro material.

 

Lembrar

pode ser mecanismo

depurador do ser.

Aí, talvez, é que entre

aquele dito antigo:

A quem tem

mais lhe será dado.

A quem não tem

até o seu não ter

ser-lhe-á tirado.

LA 00/10

 

 

 

Duelo

 

O último bandido

chama-se morte.

Fisicamente,

ele vencerá.

Virtualmente,

temos armas para ganhar —

isto porque a vida

não só dá forma ao barro

como transcende o tempo,

transmudada em consciência.

E além do mais,

há um Senhor

que já venceu pelos Seus

antes de haver o tempo.

LA 00/10

 

 

 

Por Que Não Matas...

 

Por que não matas quem te quer matar?

Aquele, em ti, eterno insatisfeito,

que te amarra, te põe sempre sujeito —

deve morrer ou deve continuar?

 

Aquele, em ti, valente em criticar,

buscando sempre o mais sutil conceito

para se defender e, de tal jeito,

que se defende e quer executar...

 

Aquele para quem só existe o pleito,

e que ( de esguelha ) vês e já te faz corar

por te veres a ele contrafeito...

 

Aquele que te impede de aflorar

ao livre-azul em ti: teu ego-preconceito —

deve morrer ou deve comandar?

LA 00/10

 

 

 

Dói Ver A Vida, O Amor...

 

Dói ver a vida, o amor banalizados,

feitos coisas ridículas, assim

como fossem legumes já passados

ou como o riso e o flato do arlequim.

 

Dói ver os sentimentos pisoteados

em razão de uma massa bruta a fim

de fazer de doentes arrazoados

a norma, a lei: o seu princípio e fim.

 

Dói ver o ser humano assim tão rés

em seu sonho e motivo de existência —

a compreender as coisas pelos pés...

 

Dói ver o mundo em lírica demência

dentro de uma loucura embevecida —

caminhando de costas para a vida.

LA 00/10

 

 

 

Há Os Que, Em Si, Mataram...

 

Há os que, em si, mataram a criança

em nome da ambição, do racional:

correram ao acúmulo, à abastança,

e foram empilhando material.

 

Só de viés ouviam a cobrança

de algo maior e muito mais geral...

E foram abafando na lembrança

essa voz, já em timbre transversal...

 

Foram ficando mais e mais sisudos...

Cada vez mais teúdos-manteúdos

de seus próprios sagrados ideais.

 

Empilharam. Subiram nos seus montes:

vales e vales... e nenhuma ponte...

Aquela voz? Não a ouviram mais.

LA 00/10

 

 

 

 

Bom Ir Sabendo Quando...

 

Bom ir sabendo quando a festa acaba,

e irmos pondo as coisas no lugar.

Não deixar taça alguma por lavar...

e amar esse desaba-não-desaba...

 

Pôr o fruto maduro em mãos de Aba,

o Pai, para que o possa semear

em volta das varandas do Seu lar.

A vida vermelhinha, qual goiaba...

 

Foi tudo rapidinho. Nem devíamos

ter atirado tanta graça fora...

Coisas que amávamos e não sabíamos...

 

Vinho fino... perfume que evapora...

Fiapos de memória a se agarrar

ao tempo... com o vento a assoviar...

LA 00/10

 

 

 

Horas Mediunizadas...

 

Horas mediunizadas pelo sonho

de haver-nos um remanço-afloramento,

em que o tempo é a espiral de um nexo inconho

de passado, porvir e este momento.

 

Horas do rebrotar desse vidonho,

em nós, que veio de Jessé e do vento...

Desse esgalhar por nós, brilho risonho

de vinhas e trigais em sonhamento...

 

Horas cheirando a rosas venturosas

entre manhãs e azuis, gloriosas rosas,

cheias de um sonho-agora-eternidade...

 

Horas de infinitude e de unidade,

em que o Filho comunga com o nexo

de haver os Seus e a Vida: um só amplexo.

LA 00/10

 

 

Se Algo Ficou De Pé...

 

Se algo ficou de pé, foi o Saci —

que não seguiu os passos deste mundo.

Ou achamos, em nós, o Ser-Profundo,

ou confundimos Bach com bem-te-vi.

 

Mais perto do que tudo o que já vi,

está Ele: por dentro do segundo,

atrás do pensamento mais fecundo

e mais perto que tudo o que senti.

 

Para chegar ao topo da montanha

só nos resta subir, ir até lá —

sobretudo se a tal montanha é em nós.

 

Um Amigo fiel nos acompanha

pelo mundo e por nós: esse não há

de nos faltar: há um rastro em nós de sua voz...

LA 00/10

 

 

 

 

Ah...!

 

A infância?

O leite derramou.

Por onde andará

aquele diabinho sujo

de merda

a ir e vir por uma

das ruas ermas

do inferno?

Foi preciso inventar

( mais tarde )

algo mais crível...

...................................................

Saudades? Só do que

não foi.

LA 00/10

 

 

 

De Cócoras

 

Ficar de cócoras —

protege e escuda.

 

Pensar de cócoras —

produz idéias afins...

 

Dormir de cócoras —

só se recostado ao sonho,

pra não cair.

 

Fazer amor de cócoras —

menos uma questão de encaixe

que fricotes de aves galando...

 

De cócoras —

pode-se levantar pó...

 

Filosofar de cócoras —

gera idéias analóides.

 

Xingar ou rir de cócoras —

libera gases.

 

Conversar ( com o patrão ) de cócoras —

é um modo de se proteger.

 

Defecar de cócoras —

só para os raros.

 

Rezar de cócoras —

padre não deixa.

LA 00/10

 

 

 

 

Mesmo Os Vulcões...

 

Mesmo os vulcões têm o seu lado bom...

Quanto mais não terá você, Rosinha,

que é as delícias da saudade minha

atrás do gosto e a cor do seu batom?

 

Que bom haver ainda esse frisson

da cor de em mim senti-lo: cor da pinha

a cintilar ao vento, manhãzinha, —

ao vento-nosso-halento em rubro tom...

 

Tom, Rosinha, de amor da cor da amora,

licor feito das uvas dessa aurora

de amar você, agora em sobretom

 

entre o tempo que é e o da lembrança

que sempre se transforma na esperança

de a rosa se tornar em conto, em som.

LA 00/10

 

 

 

Torre Negra ( Não De Marfim )...

 

Torre negra ( não de marfim ) habito.

Mas não só: há fantasmas de princesas

que, em meio a esse tão comum agito,

cumulam-me de suas gentilezas...

 

Que mais posso querer nesse infinito

de dionísicos sonhos de framboesas

entre a libido e o umbigo de alvo rito

suando méis e a orgasmar belezas?

 

Que me importa que a torre seja a torre

de delírios virtuais e que me torre

paciência e escroto pra manter-me lá?

 

E quem foi que me disse que não há

quem desse modo agüente horas pasmas

com essas mortas, lúbricos fantasmas?

LA 00/10

 

 

 

Não Te Escondo, Meu Pai...

 

Não te escondo, meu Pai, minhas punhetas,

e pelas quais Te peço o Teu perdão.

Foram todas, meu Pai, paixões porretas

que eu só podia resolver na mão.

 

Aliás, são deliciosas maçanetas

que se abrem lá por dentro do tesão,

e vêm intimizar-se com as gretas

que trazemos nos dedos de uma mão...

 

Perdoai-me, meu Pai, pela libido

que escorre do mental para o sofrível

de haver aceso intento, algo incutido...

 

Perdoai-me os orgasmos que não tive

e ao que me antecipei — intraduzível —

e depois o esqueci, e nem mais vive.

LA 00/10

 

 

 

Terceto

 

O amor depõe seu cravo em rósea-fenda:

e vai gingando a sua ginga sáfica,

até que o instante — heróico — exploda, esplenda...

LA 00/10

 

 

 

Entremos Nessa Nave...

 

Entremos nessa nave, Amiga, entremos:

para o túnel Einstein-Rosen-Bridge.

O modo espaço-tempo ali se elide

e singra em relativos de entre extremos.

 

Ali, por certo, Amiga, nos veremos

no passado daquilo que seremos —

tal como o ramo de podada vide

já ser vinho bebido que progride

 

para o sonho de ser, porém, já sido

num re-ser de futuro renascido

com alma em corpo de ontem a tecer-se

 

com as fibras do mental, em paralelo

mundo, em que a seiva sonha ( lá no estelo )

os dotes da estação a anteceder-se.

LA 00/10

 

 

 

Quando Tivermos Abraçado...

 

Quando tivermos abraçado a terra

com tal ímpeto

que ninguém nos distinguirá

de um torrão —

ainda continuaremos como número

nalgum papel, nalgum arquivo,

disquete, capa de livro

ou no alfarrábio dos mortos —

arremessados no era-foi.

 

Teremos seguido o caminho interior —

a margem espiral da vida:

aquela que não sobe nem desce,

não é direita nem esquerda,

não vem nem vai —

apenas segue-sendo

seu caminho de ser.

 

Dentro de nós, Deus nos espera

em cada volta da espiral —

e cada vez mais em nós dentro

quanto mais amplo for o círculo

que nos dá a tola ilusão

de abraçarmos o infinito.

E assim será até o dia

em que re-saberemos

que o infinito cabe, de sobra,

dentro da nossa finitude.

LA 00/10

 

 

 

Você É Um Sonho, Amor...

 

Você é um sonho, amor. Um sonho não,

o umbigo dele: a nebulosa-umbigo

que acaba por sofrer de vitiligo —

sempre que exige uma interpretação...

 

Sonhá-la, minha amada, é estar consigo

e não ter nada em alma-coração —

não só neles, como também na mão:

tão cheios de um vazio tão antigo.

 

Sonhá-la é me dizer que isto é aquilo,

mas que aquilo não é assim tranqüilo —

já que pode, aliás, também ser isto.

 

Sonhá-la é me dizer que o seu problema

aponta para mim o seu emblema —

que é a quem diz respeito este oaristo.

LA 00/10

 

 

 

Bom Fora Nem Saber...

 

Bom fora nem saber que a vida é triste,

ou a gente driblar sua tristeza

sendo alegre com tanta madureza,

que ninguém visse o nosso podre chiste.

 

Bom fora transformar nossa fraqueza

numa heroína com o riso em riste

nos fundilhos do medo ( que resiste ),

tornado, por engano, em fortaleza.

 

Bom fora rir, coçar o bilulau,

e a toda amiga triste e contrariada —

protegê-la das garras do Babau.

 

Bom fora que nem fosse... e já que é,

quero te ver dançando pela estrada

à frente: peladona e de boné.

LA 00/10

 

 

 

Assim, Amor: Com Ares...

 

Assim, amor: com ares de madona

e esse olhar, esse riso de putona...

Assim: olhando longe sobre o ombro —

como se tudo à volta fosse escombro.

 

Assim, amor: com o coração risonho

e o semblante de sombras de um ex-sonho...

Assim: qual uma nuvem que rebate

a luz do esposo morto em bom combate...

 

Assim de lado, assim: jeito de seda,

como se mão jeitosa ( na entretela )

fosse depositar uma moeda...

 

Assim: suando um sonho constelado

e em cada poro um gozo regozado...

Assim... último toque. E a tela é pronta.

LA 00/10

 

 

 

Encaçapara O Mundo...

 

Encaçapara o mundo. Agora, velha,

mas ainda com a luz de um sol se pondo:

muito daquela força que destelha...

e transforma a razão num sim redondo...

 

Tornou-se espírita. Mas não de esguelha:

de frente e verso e prosas doutre tombe

kardecista sequaz, ainda que lhe zombe

o mundo: kardecista sem parelha...

 

Casou com um fazendeiro: o presidente

do Centro. E em breve já psicografava

coisas em que ao marido era patente

 

( entre os celtas... ) havê-la prostituído...

E esse senhor — vidente — não negava

tal carma cometido e revivido.

LA 00/10

 

 

 

Passarão Os Teus Olhos...

 

Passarão os teus olhos,

teus lábios passarão.

Tuas mãos

e as flores que elas percutiram.

Passará natural, gostosamente

o que te deu a vida

pelas mãos das estações —

vindas e idas de ti mesmo,

com a seiva dos sonhos nos estelos.

Outros te verás: muitos outros

através de ti mesmo —

como marcos do caminho

e do teu ser a desfolhar-se.

Passamos pelas coisas

e elas passam por nós

e esse nos perpassarmos

são encontros e desencontros

marcados pela vida —

pelos poros do tempo

como a água por entre a areia.

 

Tudo passará,

menos os teus sonhos —

porque estes serão sempre

quem os sonhou.

LA 00/10

 

 

 

Tudo Bem, Meu Amor...

 

Tudo bem, meu amor: eu vou tão bem,

que tenho até vergonha de dizer

porque é que vou assim tão bem, se nem

vou em meu ir... ou sou lá em meu ser...

 

Não só vergonha, amor: tenho também

um certo medo de me prescrever

pra aqueles todos que não vão nem vêm

e têm até preguiça de querer...

 

Não só preguiça, amada: uma fobia

a tudo o que não digo, mas diria

( porque vou bem ), se bem realmente eu fora.

 

Mas se você me der um beijo, agora,

então lhe conto, amor, que só vou bem

porque você é o bem de eu ir tão bem.

LA 00/10

 

 

 

 

Esse Amor Tão Pequeno...

 

Esse amor tão pequeno e pobrezinho,

quase um segredo ou sombra entre nós dois,

com a paciência de asnos ou de bois —

amor sem grife, sem um teto ou ninho.

 

Esse amor vagabundo e pequeninho,

parece, em mesma linha, dois anzóis

pescando, na enxurrada, caracóis

e esperanças de um sonho tão magrinho...

 

Esse amor que inventamos, ó minh’alma,

pra termos o consolo de uma palma

nesse sol quente de só haver areias...

 

Que inventamos para aquecer do frio

vindo dos alvos cantos das sereias

que cantavam canções de calafrio.

LA 00/10

 

 

 

Ainda

 

Ainda estamos por aqui.

Vamos muito-bem-obrigado.

 

.......................................imoral

a pressa de ir

pra onde não se sabe.

Portanto, nenhuma urgência.

Atravessar o rio

é só uma ilusão

de posição...

ou nem.

 

Nossa! Como você está bem...

O que come, bebe?

O que pensa?

Xinga?

Abençoa?

Tem religião, clube?

Masturba-se?

É frente,

é verso,

é frente e verso,

ou quê?

Qual o segredo?

Quantas por mês, por ano?

Ah, sim! Trepar faz bem.

O duro é ficar no alto.

Muitos, nem com o dedo.

Outros poligloteiam.

 

Ainda estamos.

Muitos

já viraram torrões.

Mas nenhum foi ao Procom.

Ao contrário, — reclamam

os que ainda sofrem de vida.

 

Ainda estamos.

Logo cai a casa

em cima de nós todos.

Ai dos alérgicos ao pó!

LA 00/10

 

 

 

O Tempo Vai Nos Fazendo

 

O tempo vai nos fazendo

companheiros cada vez

mais chegados da morte —

até que esta se nos torne

um prazer-curiosidade,

ou quase uma vontade —

um desejo de ter asas.

 

O tempo,

dando-nos tempo,

estaremos maduros

para a vindima cósmica —

para os lagares do Senhor.

E o nosso vinho-consciência

dilatará novos odres —

estaremos mais uma vez prontos

para sermos bebidos

por nós mesmos:

já então metabolizados

em murmúrios de luz.

Com essa voz de arco-íris

cantaremos o Glória

nas varandas de nosso Papai-Mamãe —

lá no infinito em nós.

LA 00/10

 

 

 

Isto É Que É Amor, Rosinha...

 

Isto é que é amor, Rosinha: de comer

de colher, entre a língua e o céu da boca.

De comer no Leblon ou na maloca —

bem devagar, com a ponta da colher.

 

É amor de degustar e de esconder

atrás de uma careta e fala rouca...

Jamais expô-lo para a fúria louca

que haverá de sujá-lo até feder.

 

Amor de duas mãos, de duas almas

que mutuamente se teceram palmas

a abrigar-se do sol e das areias...

 

Amor que é o mesmo corpo, as mesmas veias

para a vida fluir abençoada —

e ainda é luz a construir a estrada.

LA 00/10

 

 

 

Que Bom, Meu Deus...

 

Que bom, meu Deus: Tu não me deste nada

além do suficiente que me é tudo.

A calma e a singeleza por escudo

e esse ler-escrever por empreitada.

 

A graça da pesquisa e do estudo

que vai fazendo a vida organizada

e paulatinamente transformada

nessa água que bebo e que transudo.

 

Este brilho, esta paz-simplicidade,

esta floresta dentro da cidade —

canto-água-folhas-brisas pela casa...

 

Obrigado, Senhor, pela pobreza

que me ensinou que a maior riqueza

é ter o coração em forma de asa...

LA 00/10

 

 

 

Quis Ser De Ferro...

 

Quis ser de ferro, entortei.

De aço, quebrei.

Vi então que me não podia

dar nenhuma garantia

de nada nem de mim

em sendo assim ou assim.

Percebi que fortaleza

é renovada fraqueza

que se reveza em uma

e outra, até nenhuma

a gente perceber —

é isto ser,

feito de água e pedra:

viver.

LA 00/10

 

 

 

 

Você Vai...

 

Você vai pra lá?

E você, pra cá?

Eu? Vou por cima do muro.

O melhor lugar muitas

vezes é em cima do muro.

 

Engraçado... os homens detestam

os que não têm

uma postura exterior.

Gostam dos francos

e dos que se situam.

Os homens são uns sabichudos.

Deus nos abençoe a todos.

LA 00/10

 

 

 

Meus Sapatos, Com Saudade...

 

Meus sapatos, com saudade,

se fizeram dar um laço

e te foram procurar.

 

Era fria a noite, e o vento

uivava de aprazimento

por eu ir te encontrar.

Entrei dentro dos teus braços

e saboreei o que Deus

deu de melhor ao homem.

 

Procurei, madrugadinha,

os sapatos ao pé da cama —

procurei, mas não achei.

Rosinha, essa safada,

acabou por escondê-los:

uma trama entre cadarços

e coisas lá de mulher —

fui pra uma madrugada

e fiquei uma semana.

LA 00/10

 

 

 

Que Vida...

 

Que vida, não?

Quando se tem isto,

não se tem aquilo —

e vice da versada.

 

De modo que estamos sempre

em falta-de,

em busca-de.

Sim. Eu e você.

 

E nesse buscar a falta,

a vida joga conosco:

vamos subindo degraus

através de nós mesmos

e descobrindo patamares,

grutas, criptas, vales, picos...

de conhecer e conhecer-se.

 

Pois é.

É isto e aquilo,

num jogo duplo

disto ou daquilo.

LA 00/10

 

 

 

A Rapariga Chorava...

 

A rapariga chorava

sobre a cova recém-fechada

de seu irmão mais novo,13,

morto por policiais

que o confundiram com traficante,

quando ( ontem ) vinha da escola

com uma mochila pesada às costas.

 

Quando ouviu: Pára, que atiro!,

correu de medo

de estar sendo assaltado.

Levou uma rajada de fuzil

nas costas —

morreu a quatro metros de casa,

querendo proferir alguma coisa...

mas o sangue ( que lhe saía pela boca )

era bem mais pesado que sua articulação...

Morria ali, a quatro passos de casa,

no colo da rapariga, sua irmã,

que neste instante chora de joelhos

sobre a terra macia e úmida

de sua sepultura.

A rapariga chora uivando

( jamais vi tanta lágrima

de só dois olhos ). Por fim,

sufoca o choro, atirando dentro da boca

um punhado daquela terra:

que vai mastigando e engolindo,

enquanto é levada pelo pai

e a madrasta pelas ruas compridas

do enorme cemitério, polvilhado

da chuva fina de dezembro.

LA 00/10

 

 

 

Você Conhece Alguém...

 

Você conhece alguém

quando ele perde alguma coisa.

Sua reação

é o que ele é,

ou onde está.

Nós, cujo corpo nos incute

a idéia fixa do ter,

demoramos a saber lidar

com a essência das coisas

em suas causas e efeitos.

 

Não fomos preparados

pra ver começos de fins —

pra acompanhar um fato

em suas interdimensões:

em seus dados inter-implicados.

 

A vida está em rumo programado.

O que acontece a bordo

diz respeito a individualidades.

E a vida sabe ser fria

quando fingimos ignorá-la...

 

Estamos para aprender

e, não raro, aprendemos tarde.

A principal lição

eu e você sabemos qual é —

tanto que sempre nos surpreendemos

professorando-a para os outros...

 

Às vezes até pensamos

que não teremos jeito —

não aprenderemos nunca...

Tolice nossa. Estamos convocados

( em nossos genes espirituais )

a comparecer em juízo —

e não existe uma maneira

de driblarmos a nossa consciência.

LA 00/10

 

 

 

 

 

 

Às Vezes Ele Vinha...

 

Às vezes ele vinha beato de vinho.

Falava mole e doce, a bebida

porejava-lhe a realidade,

virtualizava-lhe o mundo.

Ele meduinizado pelo álcool,

eu a seco —

formávamos opostos igualmente horríveis:

um pedaço de seda e uma tesoura...

Em geral, ele entrava num transe zen:

acima do bem e do mal,

e começava a urdir cosmogonias —

até que sua mulher, geralmente com um filho,

vinha buscá-lo: fisgava-o com o olhar

e o arrastava para casa

como um mandi-chorão que engole a isca e o anzol.

Com esse senhor aprendi que o alcoolista

vive numa torre de abulia

e só tem um compromisso importante:

o seu beber,

que o faz duplo em si mesmo —

um que é servil e dócil,

e o outro que o traz no cárcere.

LA 00/10

 

 

 

A princesa Era Bela...

 

A princesa era bela como um raio

caído na cabeça do inimigo —

que devia sofrer de vitiligo

e ia fugir num pangaré cambaio.

 

Era bela ( a princesa ) qual perigo

pela TV, ou como o mês de maio

queimado de geadas ( de soslaio )

lá nas fazendas de insidioso amigo.

 

A princesa era bela como um chute

no bicho que teria devorado

a atriz filmando lá no Pantanal.

 

Era bela ( a princesa ) qual mamute

achado dentre o gelo e degustado

por grei zen desossando o bem e o mal.

LA 00/10

 

 

 

Novo Script

 

Impessoal, transnacional —

o momento é propício

aos paladinos

e ladinos da verdade.

O momento

reinventa Roma

que vai incorporando o mundo

ao seu Império.

O latim muda para o inglês,

o Lácio muda para Washington,

end go on...

 

E isto é bom ou mau,

mestre Chim?

    Nem bom, nem mau:

apenas a leitura e a execução

de um novo Iscript.

LA 00/10

 

 

 

Em Visita

 

Fácil:

te invisto da comenda

de Príncipe das Astúrias,

me dás um tanto da Floresta.

Espalhamos ao mundo

que te ofereço um “prêmio”,

em dinheiro vivíssimo

( decorrente da sagração ) —

e pronto: estás lavado

no céu, na terra...

e em paz com teu Leão.

Eu fico com a madeira,

e tu com as pesetas

e todas as “etas”

que elas podem comprar.

 

Almas e bolsos lavados,

e bem montados:

tu na bufunfa,

eu nos cavalos de mogno...

... y asi hacen los maestros

de la Fiesta...

    Ra-rá?

    Ra-rá!

LA 00/09

 

 

 

Clone Da Perversidade

 

A realidade vive a nos esquartejar,

a nos dependurar pelos postes

por onde passam os que se persignam.

Realidade que o homem criou para si

e que fede a todos os gambás

e a porra amanhecida nas mulheres

que alugam suas vaginas.

 

Realidade tão irreal

quanto a reconstrução da virgindade

que o cirurgião plástico

faz ao tirano sexo-fixo-maníaco

que a ( re ) deflora na noite do sétimo dia

de sua refeitura.

 

Realidade reproduzida sempre

pelo bisturi da ideologia

e posta nas prateleiras da mídia

para aprovação subliminar

e rápido consumo.

 

Uma realidade com o rosto em vitiligo

e todo o corpo em expansiva elefantíase —

teratologia de laboratório:

clone da perversidade —

à imagem-semelhança do homem.

LA 00/10

 

 

 

 

Bumerangues OU Não

 

Há os que atiram seus bumerangues

tão impetuosamente a vida inteira,

tão audaciosos, rápidos e constantes,

tão automaticamente afoitos,

tão inconscientemente predispostos —

que só vão recolhê-los muito tempo depois —

um acúmulo de ações-reações —

carma terrível

de coisas já quase esquecidas,

mas nem por isso menos “coisas”.

Bumerangue ou não

( e velho como andar a pé ) —

o que atiramos sempre volta.

LA 00/10

 

 

 

Em Geral, Temos Tanto...

 

Em geral, temos tanto medo do novo,

que, não raro, tentamos

dar vida nova à velha.

O momento é de uma metamorfose

assustadora —

a ponto de a grande maioria não saber

o que fazer com suas asas...

( muitas voarão para as chamas,

outras para o melaço do tradicional

e, não poucas, para o visgo do medo).

Os pensamentos como que presos

às suas fôrmas...

Enforcados nas próprias raízes...

Os que aprenderem a usar tais asas

estarão na nova estrada que, sem dúvida,

a Providência já tem aberta

dentro desse fantástico milênio —

aberto em sonho e vôos interiores:

riquíssimo em humano-recriar-se.

LA 00/09

 

 

 

 

Se O Momento Global...

 

Se o momento global

produz os seus coveiros,

também libertará

o gênio da lâmpada.

Sempre que vem o escuro

o homem é inspirado

a reinventar a claridade.

LA 00/09

 

 

 

Halloween

 

Por que não aproveita o Halloween

e dá um pulinho até a nossa alcova:

pregando-me mais uma bela sova —

antes que, de pensar, me rasgue o brim?

 

Além do mais, amor, você põe fim

à promessa que sempre me renova:

despir nosso desejo e, à toda prova,

comermos devagar o seu pudim.

 

Havemos de estalar toda a floresta,

ouvi-la farfalhar, gemer em festa —

até a tarde espremer a sua uva...

 

Depois, você se vai — antes da chuva —

a levar o crocante dessa hora

e a deixar o sabor e a cor da amora.

LA 00/10

 

 

 

Lá Vez Por Outra Loco...

 

Lá vez por outra loco uma corola

para evitar calombos no meu brim —

o desejo mascando gergelim

a cantar e a gritar como d’angola.

 

Como o tesão, meu Deus, em nós assola —

se faz ouvir em gritos de clarim.

A nossa homo-sapiência toda, enfim,

torna-se uma mordida em carambola...

 

Toda a nossa fraqueza cabotina

e a franqueza ladina e paladina

vêm em nosso socorro nessa hora:

 

justificamo-nos de carne e osso.

Entramos no tonel até o pescoço —

e de prazer a carne canta e chora.

La 00/10

 

 

 

Quero Um Dizer Que Diga...

 

Quero um dizer que diga, que sugira,

ressoando pela grimpa, pelo topo —

como a água a cantar enchendo um copo...

ou sonho a crepitar como uma pira,

 

cujo brasido de si mesma insira

em carvões interiores sob o sopro

do espírito que inflame com o escopo

de refundir o vero da mentira...

 

E seja-já-não-sendo, ou, sendo, negue

o ser pelo não-ser, e não se apegue

jamais a coisa alguma a não ser nada —

 

nada que justifique a cusparada

que ficou na intenção... e tudo foi:

mesmo não sendo, foi; e como dói!

LA 00/10

 

 

 

Egolatria

 

Seria bom amar você,

se você fosse eu —

amado por você.

Assim meu ego saberia

que, se você não me amasse,

fora eu que me fingia

um amor de dupla face —

e que a você caberia

ser leal na contraface.

Minha Nossa, que impiedade!

Isto, sim, é que seria

tirania de verdade.

Você nunca saberia

o gosto que teria

o sim que é não

e o não que é sim   —

coitadinha, não vivia

as delícias de seria

( futuro-do-pretérito

do verbo ser ).

LA 00/10

 

 

 

Bom Era Quando Nossa Mãe...

 

Bom era quando nossa mãe dizia

que muitas voltas dá o mundo, e a vida

surpreende o arrogante um outro dia —

com a sua maldade já esquecida.

 

Tinha a frase algo de escatologia,

um tom de fim de mundo, uma descida

ao chão, um gosto de geologia...

ou coisa ainda não amanhecida.

 

Proferida num tom que admoestava,

tal frase, em nossa mãe, fortificava

e ressoprava a fé e a confiança.

 

Dizia-nos também que nada dura,

a não ser lá no sonho da criatura

( tecida em fios de sombras ) a esperança.

LA 00/10

 

 

 

Já Não É Dado Ao Homem...

 

Já não é dado ao homem carregar

uma vagina a tiracolo: insurretas

se lhe tornaram todas as bocetas —

era chegada a hora de mudar.

 

Outros caminhos, nexos, outras metas —

já não há um lugar aonde voltar:

não há rainhas nem o “doce lar”,

nem mais satisfações, nem mais retretas...

 

É o começo do fim de relações

que haverão de passar de punitivas

pra relacionamentos sem sanções.

 

Machos e fêmeas urram os seus “vivas!”,

buscando um modo de se organizarem

sem muito se explorar nem se matarem.

LA 00/10

 

 

 

Capetalismo-Vídeo-Turbinado

 

Capetalismo-vídeo-turbinado:

ideologismo sádico-tarado —

que diz o Lácio termos de fazer?

Que males mais nos restam de sofrer?

 

Velha Roma em corpo fenicizado,

em espírito washingtonizado:

com suas Chaves de arrochar-moer —

num eterno vencer-e-acrescer...

 

Agora que nos tendes anexados

ao lado dos vencidos e comprados —

que males mais quereis nos impingir?

 

Nossa luz, quando sobe? Nossa ufir,

víveres, fone, impostos, gasolina —

sob o aceno de vossa mão divina?

LA 00/11

 

 

 

Amaria Poder Ter...

 

Amaria poder ter conhecido

portuários cabarés, velhos bordéis —

comer as putas qual comer pastéis,

tomar como licor sua libido.

 

Amaria me ver envilecido

entre as carnes estuantes e infiéis

de todas as xoxotas de aluguéis —

e ordenhar seus orgasmos sem mugido...

 

Também amara lhes despir a alma

e lhe comer a bunda em tarde calma —

até a noite espiar-nos constelada.

 

E depois de uma tórrida trepada,

sapecar — em bemóis — uma punheta

coçando com a outra mão tenra boceta.

LA 00/11

 

 

 

Perdoa Minhas Bárbaras...

 

Perdoa minhas bárbaras punhetas

do tempo em que — menino — era só ver...

e transforma, meu Pai, essas vendetas

em tempos úteis, tempos de foder.

 

Quando as coisas, meu Pai, ficavam pretas

e a gente se sentia de morrer —

pegava o dicionário a ler vinhetas,

buscando resfriar-se e espairecer.

 

E quanto mais, meu Pai, a gente lia,

mais o desejo mordiscava e ardia —

até tudo virar aquela ameixa preta...

 

Pegava-a entre as mãos e a, então, comia —

primeiro no mental, enquanto ardia

na mais tórrida e bárbara punheta.

LA 00/11

 

 

 

Coisas Que Me Diria

( Se Pudesse Dar A Volta

Por Trás Do Mundo... )

 

Se finges de morto,

vives mais.

 

Esforça-te por fazer

o que teus adversários

jamais iriam pensar

estivesses fazendo.

As plantas raras crescem

no esconso e em silêncio.

 

Mostra mediocridade,

vive a beleza e a arte.

Ama a Deus, a ti e ao outro —

o Espírito de Cristo

irá te conduzindo

de verdade em verdade.

 

Se fores maduro o bastante,

deixa que lhe passem a bola

por entre as pernas.

Jamais permitas

que a tua felicidade

faça barulho.

 

Aos amigos

diz que és fraco,

que cospes sangue,

que és doente —

e jamais deixarão

de lhe serem simpáticos.

 

Pesquisa e estuda,

cria-recria e te organiza.

Entre a verdade dos outros

e aquela a que chegaste —

permanece com a tua:

sabendo-a provisória.

 

É possível ser honesto,

ser leal

entre a deslealdade

e a desonestidade.

 

Possas iluminar

onde estejas —

sem que percebam

que trazes a candeia.

 

Paga aos homens e as coisas

com a moeda que a vida exige

( e que não saibam que a tens ):

o amor.

 

E quando chegar a hora,

morre sabendo

que a nossa mortalidade

são as asas da lagarta.

LA 00/11

 

 

 

Com O Dedo Indicador...

 

Com o dedo indicador leve-orvalhado

entre gomos e folhas de giesta...

O lento penetrar, pouco rorado,

é um dentre os pontos altos dessa festa.

 

O mais é paciência que se apresta

a fazer o ritual sincronizado,

não só com o mental, chuvosa orquestra,

mas com o arder do sonho incorporado.

 

Como um abraço de raízes-poros,

ou de sons a formar lúcidos coros

de dentro e fora a neblinar vitrais...

 

E assim, em busca da unidade gozo,

com o pólen de florais ou sonhos-sais —

um só ser se dissolve venturoso.

LA 00/11

 

 

 

Farta Loucura

 

O homem e seus frágeis laços.

Seu sonho de naus e mares,

de estrelas e infinitos.

Seus barracos e paços,

suas devoções e esgares.

Sua fraqueza cabotina,

sua franqueza ladina.

Seus sonhos sempre tão humanos,

devorados de auto-enganos.

Suas mãos que empilham sôfregas

o que é de toda a humanidade.

O homem não deixa saudade —

a não ser de conivência

entre aqueles que formam

uma atrelada consciência.

O homem e seus amigos —

seus maiores inimigos.

O homem, seu cônjuge e seu cão —

uma antiga tradição.

Sua esperança ( n’alma ) a tiracolo —

como instrumento solo.

Seu coração insaciável,

sua alma incontrolável.

Sua farta loucura

em sua pródiga usura.

Seu concentrar a riqueza,

e repartir a pobreza.

Seu lidar com os símbolos

a transformá-los em címbalos...

Se um dia o homem acabasse,

Deus teria de reinventá-lo

para que metabolizasse

a angústia universal

por descaminhos de ser.

.................................................................

Por isso é que o mito insiste:

o homem já existe,

ou só o sonho de sê-lo?

LA 00/11

 

 

 

Sonhilá

 

Pois é.

O que não foi

comeu-o o boi.

O que não é

vive na fé.

 

Cheirar rapé

faz espirrar.

Lavar o pé

corta o chulé.

Pois é.

 

De fé em fé

chega-se lá —

se é que há

o tal de lá,

ou se só é

um Sonhilá —

que não dá pé.

Pois é.

LA 00/11

 

 

 

E, Ou... ?

 

A vida é a morte

enquanto esta não vem —

tal como o ganho

já traz em si a perda.

 

Se a vida foi bem vivida,

a morte pode ser ganho:

o ganho de uma lembrança calma —

uma perda-companhia.

 

Viver-morrer —

todo dia o fazemos.

Não pode haver vida sem morte.

Poderá haver morte

sem vida?

 

Vida e morte

são isto ou aquilo,

ou isto e aquilo?

LA 00/11

 

 

 

O Guapo Co...

 

Amor joga peteca

com os seminaristas —

por falta de sementes, não.

 

Amor joga peteca

( e voam penas )

no gramado do pátio,

de sunga ou de cueca —

até a noitinha descer.

Depois...

tudo se cala.

 

E no escuro ( cheio de olhos

              e de risonhos fantasmas

de raparigas ),

nada mais se ouve a não ser

o guapo coaxar dos sapos,

o guapo coaxar dos sapos,

o guapo coaxar dos sapos...

LA 00/11

 

 

Mamisíacos

 

Bocejos.

Tédio lacrimejante.

Bolsas: pregos, pregões, preguinhos,

tachas e parafusos.

 

Bocejos,

jantares-genitálias.

Tédio lacrimejante.

 

Bocejos,

nojo-náusea —

tédio lacrimejante.

Licores

das uvas da libido.

 

E o destino do mundo

sobre a mesa

dos banquetes afrodisíacos

dos mamíferos de luxo.

LA 00/11

 

 

 

Cítrico

 

Os cônjuges “laranjas”

e suas cabras

ou bodes.

A ordenha é dupla metáfora,

já que o bode só dá sêmen.

Laranjas,

quase todos têm um pé —

orgulho do seu quintal.

LA 00/11

 

 

É Preciso Esperar...

 

É preciso esperar que o sol retire

os caminhos debaixo da nevada.

O calor vença o gelo, o chão respire,

corra o vento — moleque — pela estrada.

 

Filtramo-nos no tempo, e tudo adquire

um outro tom e cor, outra fachada.

A própria vida, em seu mudar, adire

a outra gama redimensionada...

 

Logo os caminhos estarão refeitos:

a primavera há de retecê-los —

senão mais lindos, tanto quanto belos.

 

Quanto a mim, eu serei como os trigais:

maduros, hão de ser colhidos e desfeitos —

outros e outros... Aqueles? Nunca mais.

LA 00/11

 

 

 

Se Pra Você Escrevesse...

 

Se pra você escrevesse, certamente

não houvera de ser soneto, mas

coisas que eu mais amasse e, de repente,

visse entre os dedos dessa mão que faz.

 

Se pra você escrevesse, francamente

não medira ou rimara sassafrás

em sobretom — amareladamente —

diluído em genuína aguarrás.

 

Se pra você escrevesse, pediria

me lecionasse como gostaria

que eu escrevesse pra você não ler...

 

Mas como não escrevo pra você,

digo que escrevo só porque escrever

é bom quando sem como, pra nem quê.

LA 00/11

 

 

 

Teve Uma Idéia Fêmea...

 

Teve uma idéia fêmea

e musculosa:

boa de tudo,

não só de... como de...

Um sonho calipígio.

Acordou com a caravela

loucamente enfunada —

o mastaréu da gávea a estalejar:

um temporal.

Foi-lhe preciso

descer ao tombadilho

mais de uma vez.

LA 00/11

 

 

 

Ainda Que Seja Pelos Fundos...

 

Ainda que seja pelos fundos, Pai, —

pela porta dos fundos, me receba.

Senão como homem, mesmo como ameba;

senão como um poema, como um ai.

 

Mas me receba, Pai: com a pereba

que trago n’alma, a mancha que não sai —

essa lepra do egoísmo com seu guai,

essa vileza, essa sujeira peba.

 

Me receba assim sujo, ó Pai, de humano e merda —

não à Tua direita, — à Tua esquerda:

à Tua sombra, Pai, não ao Teu brilho —

 

como último, Seu derradeiro filho.

Senhor, receba o filho vagabundo,

que faz, Pai, por amá-Lo, a si e o mundo.

LA 00/11

 

 

 

As Coisas Tristes Cantem...

 

As coisas tristes cantem nessa hora.

Mesmo enlutadas, cantem; mesmo dadas

por mortas, se levantem e, exumadas,

cantem, cantem nos ombros da memória.

 

Com toda a sua força aterradora,

cantem as perdas tão desencantadas,

cantem as coisas tão desencontradas:

o amor perdido cante, sem história.

 

Todos os sonhos enterrados cantem,

cantem o não haver o esquecimento

do bem que se morreu em pensamento.

 

Esses fantasmas todos se levantem

e, olhando-se no espelho do universo,

reescrevam sua história em prosa e verso.

LA 00/11

 

 

 

Como É Que Vou Saber...

 

Como é que vou saber de tuas lindes,

dos teus fricotes, tiques e melindres?

Fica aí com os teus, e eu com os meus.

Rir é bom: descontrai, e leva a Deus.

 

Que me importam teus raros tremeliques,

tua estesia e gostos — os teus chiques —

ou se estás entre os crentes ou ateus?

Sem humor, só existem filisteus.

 

É tão pouco o que somos, tão cretino,

tão tolo, tão ladino-paladino...

e tudo tão no bico do urubu —

 

que depois dessa que vem a seguir,

não sei não se tu vais a prosseguir...

Leitor, alguma vez já te mandaram...?

LA 00/11

 

 

Sem Eles Vives, Mas...

 

Sem eles vives, mas é osso duro.

Sem o humor, sem o riso, a gargalhada,

a coisa está bem mais para nonada

que para galanteios com o futuro.

 

Sem eles vives, mas é cavalgada

sem cavalo, é lanterna sem escuro —

é casar pra acudir o grande apuro

da vizinha, coitada, desquitada...

 

Sem eles vives, mas é seriedade

demais pra um só terráqueo, um pobre diabo,

por caminhos da humana veleidade...

 

Se o melhor da mulher está no rabo,

que vais fazer no mundo sem o humor,

o riso, a gargalhada, meu amor?

LA 00/11

 

 

Algo De Mágico...

 

Algo de mágico e espiritual

mister venha de dentro e se abra em flor —

traga a força e o delírio em tom irial

e primavere e exploda em esplendor.

 

Um dilúvio da graça em espiral,

a buscar o seu ritmo, tom e cor —

esgalhando-se em gesto lirial

em simbiose entre a alma e o cordial.

 

E a vida essencializa o nosso sonho

de nos criaturarmos com o universo

e de sermos com ele um dom inconho.

 

Um dia ( e a isso tudo nos compele )

havemos de saber (verso e reverso)

que jamais fomos mais nem menos que Ele.

LA 00/11

 

 

Não Pôr A Vida Em Nada...

 

Não pôr a vida em nada ou em ninguém —

permanecer na fluente liberdade

de não prender a nossa atualidade

a nada: a nenhum mal, a nenhum bem...

 

Não se amarrar naquilo que nos vem

com toda a sua bela falsidade...

Não se atrelar à última verdade —

qual se não tê-la... fosse viver-sem.

 

Não se deixar avassalar por nada,

mas cultivar madura gargalhada

que dê frutos de riso e dons de humor.

 

Não se deixar atar por Vera ou Lígia —

vaginações de sua carne-amor,

nem por tesão que arda calipígia.

LA 00/11

 

 

Sua Pele De Rosa...

 

Sua pele de rosa, amor, de rosa

aberta no entre aurora e o amanhecer,

coberta de libido penumbrosa —

há de florir e, após, enfrutecer.

 

Hei de enrolar-me nela, por sedosa

hora de imaginá-la a enrubescer...

e desfolhá-la em gesto de ardorosa

paciência de esperar para após ter.

 

Seu arfar de pruridos e de sedas

fingirão palmilhar outras veredas,

mas cá desaguarão em rio-ser.

 

A sua rosa, então, amor, esfolho,

até que se me torne o inturgescer

capaz de latejar em seus refolhos.

LA 00/11

 

 

Que Encontrareis Na Máquina...

 

Que encontrareis na Máquina do Mundo

senão o nosso não-saber profundo?

Falar nisso, onde estão os esperados,

aqueles: os varões tão sublimados?

 

Feudos e feudos de um falar facundo —

um gargantear solerte e vagabundo.

Ovos de águia gorados ou frustrados:

pintos por águias, sonhos desasados.

 

É hora de deixarmos de ser bobos:

sem autodidatismo e muito estudo —

só há o comerem-se de sujos lobos...

 

Claro que iremos à universidade,

mas sabendo que a arte é, na verdade,

um dedicar-se teúdo e manteúdo.

LA 00/11

 

 

Sem O Sonho...

 

Sem o sonho,

a vida é água que não corre,

um olho-tudo enfadonho.

A realidade se petrifica —

sem nada que a conforte,

e tudo fica

lá entre a vida e a morte.

 

O sonho

é um tipo de movimento

( interior ).

Sem ele, a beleza e a verdade

perdem a claridade —

se tornam dor:

parado movimento

sob a luz crua

( e como dói! )

de uma luz nua

( triste ferocidade )

que o homem se constrói

e chama de realidade.

LA 00/11

 

 

A Canção

 

A canção

não raro, tem mais força que a bomba.

Após o estampido —

ela rearruma a casa

do coração —

que lhe vê mais sentido

que qualquer estalido,

entre o que foi e o que será.

 

A canção diz ao homem

o que ele não sabia

que ela possuía —

força para acordar,

beleza para semear,

verdade para ensinar.

 

A canção diz ao homem

que as raízes de alma-coração

e a seiva-sonho dos estelos

não esquecem o delírio

das estações,

nem o homem de vontade

que muda o destino

e refaz o caminho.

LA 00/11

 

 

Que Faz Um Pensamento...

 

Que faz um pensamento ainda implume

frente à feroz largueza do oceano?

Que faríamos nós com nosso ciúme

ante a estreiteza a que ele se resume?

 

Bom seria dizer a tal fulano

que fósforo riscado não dá lume,

que a peça dura até cair o pano...

e que se é feliz só por engano.

 

Agora, se quiserem lhe dizer

contrariamente a tudo o que eu lhes disse —

passem vontade não: podem fazer.

 

Aliás: existe a mão e a contramão...

E é tolo esse querer saber ( pura doidice )

que é que entra ou sai, se a casa ou o botão.

LA 00/11

 

 

Dizia Que Era Dono...

 

Dizia que era dono do nariz —

do seu próprio nariz, e que fazia

o que queria, e mesmo o que seria

e nunca foi: faria, e até com bis.

 

Proprietário do plácido nariz,

com que abrira o seu ramo de franquia

entre o ego e a sua pinoquia —

tentou rimar nariz com ser feliz.

 

Mas não: notou que a rima atrapalhava —

era algo velho como ser desleal

ou fazer tratamento pra broxônio...

 

Viu que não era assim, não adiantava...

Percebeu que seu bárbaro nasal

não era assim um grande patrimônio.

LA 00/11

 

 

Lá Um Dia, Sabendo...

 

Lá um dia, sabendo que seu naco

não lhe era tão assim particular —

rugiu, ameaçou, quebrou o taco:

esperneou, berrou até espumar.

 

Tramou, jurou: só restariam cacos...

e o coiso e a coisa, ele os poria a assar...

Mais outras mil bobagens de homem fraco

escorriam-lhe n’alma a fervilhar.

 

Vai tempo, e surge um anjo... ( no boteco )

que ao ver-lhe o transe, dá-lhe um peteleco:

Privatizar, André!?!... ( Beba!, prove: é rabada... )

 

Privatizar buracos!?! É só olhar:

não há uma paranóia em os tapar?...

O lado bom da vida, André, é a estrada.

LA 00/11

 

 

Dois Coelhos...

 

Não beberás dessa cicuta,

nem lembrarás deves um galo.

Só te desejo um bom regalo

entre os dois gomos de uma fruta...

A vida é lisa como o quiabo

e passa falsa como o diabo.

 

Só beberás dessa cachaça

e comerás desse robalo.

Eu trocaria o meu cavalo,

se aquele rei me procurasse...

Sei não seria nada fácil,

mas de asa-delta a gente passa.

LA 00/11

 

 

             2

F= MM

 

Faz amor, País-A,

faz amor, País-B.

E entre um fazer e outro,

aí, sim: para desentediar —

fazei, fazei a guerra.

Bem mais humano assim

que o vice-versa disso,                           

não é mesmo, senhores?

 

A fórmula vos dou

( não só a vós: a todas as nações )

para um viver melhor —

 

            2

F= MM:

Fodei Mais,

Matai Menos.

LA 00/11

 

 

Quem Sabe Eu A Beijasse...

 

Quem sabe eu a beijasse àquela hora —

como se beijam lírios, a beijasse

com o mesmo delirar de outrora-agora,

beijasse a pétala de sua face.

 

O mesmo sentimento cor de amora,

o mesmo tremular de tenra alface —

o suor de nossas mãos, em seu enlace,

roxos arrulhos a bicar a aurora...

 

Quem sabe, àquela hora de açucenas,

o nosso coração, aberto em flor,

não se fizesse luz para as falenas ( ?... )

 

Quem sabe, nesse jeito astral de lírio,

você pisasse os dedos desse amor...

pra dele então cuidarmos com delírio ( ? )

LA 00/11

 

 

Nessa Escatologia...

 

Nessa escatologia de atros ventos

com o pó dos sentimentos a assoviar

entre as ruínas reais de pensamentos

que a arrogância tem feito trambolhar...

 

Por esses nevoentos sofrimentos

que o homem impõe ao homem de passar,

infligindo-lhe fomes e tormentos:

centrando o ouro e a pobreza a espalhar...

 

Nessa hora órfã de humano, o que fazer

pelas ruas do mundo a depender

da urdidura impiedosa dos grandões?

 

Que fazer, senão termos convicções

de que já somos mais que vencedores

n’Aquele que nos deu vida e valores?

LA 00/11

 

 

Sempre Que Se Tratar...

 

Sempre que se tratar do ser,

do ser-profundo,

chegar é mais uma chegada

e o fim —

só uma idéia entre pontos.

O fim-final é tão não-sabemos

quanto o começo-início.

Ser é apenas ser em ser-se,

o mais é Ser em sendo:

o sido a suplantar-se

em novo sendo —

até nos descobrirmos

na própria essência

de Eu Sou.

LA 00/11

 

 

Sábado À Tarde, A Praia...

 

Sábado à tarde, a praia é tão facunda,

que vira um só discurso: areia e bunda.

“Picolé!...” “Olha o coco geladinho!...”

“Água!...” “Cachorro quente!...” “Olha o durinho

 

de padre ( picolé )!...” E assim se inunda

a orla, e espraia um mar de areia e bunda —

um calipígio e suave burburinho...

tremelicar da carne ao rubro vinho

 

da tarde que se inclina sobre o mar

incendiado dos tons da primavera —

com os últimos clarões a gaivotar...

 

A brisa quente veste-se de sombras...

A noite e as coisas: gestuais de cera...

Arrulhos, em lilás, de longes pombas...

LA 00/11

 

 

 

 

Sangramento

 

Assim marginalizados,

o que nos resta

senão a verborragia?

Senão nos recontarmos uns aos outros

dentro de uma sociedade

que — pérfida — nos expele?

Moeu-nos, engoliu-nos

e retirou de nós o que servia —

e agora nos excreta entre seus flatos.

 

Resta-nos o verbo

como única vingança —

mostrarmos o seu por dentro

em intenções e traições —

em seus campos minados

e suas profecias

elaboradas de perversidades.

 

A denúncia verbal é o que podemos

dentro desse tecido canceroso —

a nossa luta de Quixotes

para reconstruí-la

com a argamassa do avesso

do seu ridículo.

 

Limpemos nosso rabo com o Script

lucubrado pelo Governo Central —

chega de reprodutividades:

clonagens dos nossos améns.

 

Enquanto houver um só povo

dividido em fausto e subpobreza —

homem nenhum seja levado a sério:

em parte alguma do globo.

Enquanto isso, o Verbo sangra.

LA 00/11

 

 

Putões

 

E aquele pessoal

( que anda em bando,

sempre enturmado )

lá dos feudos universitários,

das escadarias celestiais —

tesudozinhos:

coçando-se as batatadas, as pepinosas,

as abacaxices, as nabagens...

Aqueles que não entram

e nem deixam entrar —

fariseus falando com o muro

das feudo-adulações,

feudo-asneiras-conivências —

feudo- arrogâncias a vagir

( a vagir! ).

Quando esses imbecis publicam

( pelos desvãos de mídia conivente,

comprada e podre de idiotia )

aí os sem-vergonha mostram,

    vingança nossa —,

que falam pelo rabo

e pensam pelos intestinos.

Seus vagidos descartáveis

( vagidos! )

empestam, fétidos e merdosos,

aquela parte da mídia

venal e cínica e putona —

desde sempre autovendida com carinho,

e pela sordidez comprada:

para sempre teúda e manteúda —

atirando dislalias ao vento

das paranóias.

 

Ai de vós,

ó das idéias amarelinhas,

quando o tempo vos perguntar

onde está a vossa obra!

.....................................................................

Putões estéreis.

LA 00/11

 

 

Melhor Fora Deixar...

 

Melhor fora deixar falar o vento.

Quem sabe nos teria a ensinar

o avesso do que pensa o pensamento —

as suas des-razões a arrazoar

 

sobre o lógico estuar do sentimento

traduzido em seu fundo marulhar,

ou no longe horizonte nevoento

com procelárias a roçar no mar...

 

Melhor fora deixar nas mãos do vento

esse amor que enraizou no sonhamento

de haver em cada sonho um re-sonhar...

 

Ou então espalhar, em gesto lento,

o pó desta saudade ao banimento...

e repousar na fé fincada no ar.

LA 00/11

 

 

Nosso Sarcasmo E Nossa...

 

Nosso sarcasmo e nossa gravidade,

nossa derrota e nossa rebeldia

são contrapesos para o dia-a-dia,

são esperanças de felicidade.

 

O cavalo, a loriga, a feridade,

o atrevimento, o medo, a covardia —

a gente os dosa e salga com a ironia,

o riso, o humor: o humor da seriedade...

 

E partimos com nosso Sancho Pança

que sempre nos reacende a parte criança

e ajuda a equilibrar o nosso sonho...

 

Só quando o sonho perde o lado inconho...

e Dulcinéia já não é a bela...

então o velho mundo se esfacela.

LA 00/11

 

 

Se O Que Passou Nos Faz...

 

Se o que passou nos faz sofrer, nos faz

por julgarmos melhor o que se foi:

a calma, a carne, o mocotó do boi

passaram: só ficou o seu antraz,

 

seus chifres, seu mugido tão loquaz —

algo que já passou, mas ainda dói,

porque a lembrança disso é que remói —

tanto de coisas boas quanto más.

 

Porém, se boas ou se más, passaram.

Que coisas ou fantasmas nos ficaram,

que valham pela dor do que passou?

 

Sei não, meu coração... talvez aquelas

que por as termos visto menos belas

foram a sombra fiel do que restou.

LA 00/11

 

 

Até Que Estava Bom...

 

Até que estava bom aqui. Mas vem,

a qualquer hora, a visitante, e toca-

nos ir embora com essa pressa louca

e esse ar lambido de não ser ninguém...

 

Esse sem jeito de quem já não tem

palavras, mas só calços pela boca...

Um ar plumoso de galinha choca

entre um sorriso vago de estar sem...

 

Amigos, inimigos e parentes

vêm dar uma espiada, concorrentes

de vida e herança, a olharem-se e a dizer

 

com os olhos: “Está vendo o que é que somos?...”

E ali já vão pensando em quantos gomos

a cada um, por lei, hão de caber.

LA 00/11

 

 

Para Mim ( Aos Doze Anos )

 

Não dê uma de delicado não.

Mastigue bem, triture e engula. Beba

doce, amargo ou azedo: pouco. Enseba

ou limpa, mata ou cura a ( mesma ) mão.

 

Perdoe. Mas não porque seu coração

seja em si bom, senão porque recebe

a mesma graça que perdoar concede.

Sim: mão com mão se lavam no perdão.

 

Quando amar não consiga, então suporte.

A alegria do Pai torna a alma forte —

sintoniza-a com o bem, com a esperança.

 

Seja a sua postura reta e mansa

em relação a toda criatura.

E o amor do Filho seja a perene aventura.

LA 00/11

 

 

Elo Espiral

 

Se o nada for o tudo,

lançado por espelho

no rosto da existência —

então o nada é transparência

dessa fatalidade

e destino-correnteza —

em seu lutuoso mal.

 

Essa mortalidade

só pode ser transcendida

( vencida desde a morte )

em Cristo:

              ressuscitada Nele —

que triunfou por nós,

abrindo-nos as portas

do outro lado de nós —

lá onde Ele nos é a mão

a nos livrar do Auto-Engano:

por aquela outra margem

( em nós ) —

nem direita nem esquerda —

a margem espiral,

elo entre nós e o Pai.

LA 00/11

 

 

Acho Que Nem Morremos...

 

Acho que nem morremos, só viramos

coisa séria. Se a noite é muito fria,

aqui dentro de casa, sempre damos

um jeito: lume, fogo ou energia.

 

Lá em sem corpo, em outras gamas, vamos

nos adestrando a andar em fluida via —

terreno astral que agora palmilhamos

com o plasma do mental em sintonia...

 

Acho que nem morremos, só fingimos

um desprezo mortal: nossa vingança

de tanto carregarmos a esperança...

 

Não. Não morremos não. Nós só fugimos

lá para o mais profundo de nós mesmos —

tão profundo, que nada mais já vemos.

LA 00/11

 

 

Enorme Fila...

 

Enorme fila... ( eu sonhei ): havia

enorme fila para aqui descer.

Ali, a criatura claro-via

estados-gamas de seu inter-ser...

 

Ali, a criatura revivia

o que mais lhe faltava ( em si ) tecer,

e essa imagem guardava em sintonia

com o que haveria de aqui fazer...

 

Escada que descia e que subia:

Cristo era seus degraus, seu Centro-Ser...

Seu amor se tornara a santa via,

 

santa verdade e vida a oferecer

ao Ser a Sua mão e companhia

no como organizar-se e transcender.

LA 00/11

 

 

 

Guarda teu riso.

A tua cumeeira

está amarrada com cipó.

LA 00/11

 

 

 

 

Carne boa sempre foi cara.

Comer bem é para o homem

ou mulher

que toma dos outros

e aplica

em seus jantares-eróticos.

LA 00/11

 

 

Amordaço Saudades...

 

Amordaço saudades já branquinhas

com receio do que elas contariam...

enquanto o vento colhe belas pinhas

que a árvore de Natal enfeitariam...

 

Há quanto tempo tu já não me vinhas

trazer aquelas rosas que morriam

de medo de esquecer as entrelinhas

que normalmente sempre sugeriam...

 

As saudades disfarçam os pieguismos,

as rosas buscam não dizer truísmos...

É tão difícil ser original.

 

O próprio vento sopra natural:

calmo, não geme dores nem modismos...

brando, já não desfolha o roseiral.

LA 00/11

 

 

Tenho Pedro, João...

 

Tenho Pedro, João, Maria, Adélia

bem debaixo da máscara que porto.

Brútus também, e aquela doce Ofélia —

frágil de alma e de mãos, e sem conforto.

 

Trago em mim o meu pai e tia Amélia,

o poeta Ronsard e o filho morto

( e único ) da minha vizinha Zélia.

Em mim, todo partir e todo porto.

 

Tenho os fricotes, taras e chiliques

dos pobres diabos e dos diabos chiques.

Sou macho e fêmea, depravado e santo.

 

Trago em mim toda a plena humanidade —

sou a diversidade na unidade:

o pouco e o tanto, a canção e o canto.

LA 00/11

 

 

Talvez Alguém Me Diga...

 

Talvez alguém me diga o que fazer,

nessa hora teúda e manteúda

nas mãos da Economia sabichuda

que exalta o rico e ao pobre faz gemer.

 

Talvez alguém me diga o que dizer

nessa hora global que já transuda

o suor gelado dessa angústia muda

de o homem fingir que é, e nada ser.

 

Aliás, dizer o quê, fazer o quê,

quando o homem se desliga da vontade

da Providência para impor a sua?

 

Quem sabe o homem não alugue um videokê

e veja que a canção da solidariedade

se transformou em desemprego e rua?

LA 00/11

 

 

Coisa Mais Engraçada...

 

Coisa mais engraçada o homem: não

gosta do outro nem de si, a não ser

que o outro lhe caiba dentro da ambição

de ajudá-lo a amontoar ter sobre ter.

 

Coisa engraçada o homem: na canção

canta seus ais de amor, faz florescer

as pedras que tem lá no coração...

e enquanto canta, sabe compreender...

 

Sabe ser curto e duro como um “u”,

pomba que se traveste em urutu.

Mais que a si mesmo, ama o seu lacaio...

 

Ergue pedras, admira o buriti...

Sabe que a vida é frágil como um “i”...

Faz cair raio em pleno mês de maio...

LA 00/11

 

 

Flores Da Pele

 

Sempre espanto colibris

das flores da tua pele —

rosa, anis, azálea, lis

e aquele perfume branco

de pequenas açucenas.

 

Colibris à flor da pele

de delicados momentos

azulizados pelo vento

que o navegar impele

por maios e colibris

das flores da tua pele.

LA 00/11

 

 

No Busto, Dois Coelhinho...

 

No busto, dois coelhinhos curiosos

olhando para cima. No sorriso,

a libido de Monroe. Já no andar

o jogo de pernas de Sharon Stone...

 

No olhar, aquele céu azul: Lis Taylor

( em seu oitavo casamento ). N’alma,

uma ambição trifauce. Na xiranha,

o liso de óleo “E”, recém-trocado...

 

No cérebro, neurônios tantos, tantos

que doou a metade pro marido —

cujas sinapses riram de eficência...

 

( Um Oscar? Nunca. Mas casou com o diretor...)

A intenção? Resgatar aquele tempo

em que fodia mal, ou não fodia.

LA 00/11

 

 

 

 

Os Rochedos Dormiam...

 

Os rochedos dormiam sossegados,

não obstante o mar batendo neles.

Mais pareciam animais deitados

com as águas escorrendo-lhes da pele...

 

Mais ao longe, fantasmas neblinados, —

muitos, muitos golfinhos com aqueles

saltos-ondeantes, semiperfilados —

atrás de presas, dispensando as reles...

 

O barco recortava as curtas ondas —

com as bochechas infladas e redondas,

parecendo um guerreiro com notícias...

 

Na tarde voejada de gaivotas,

a baía incitava a longes rotas —

a quilha penetrando sem carícias...

LA 00/11

 

 

Em Fuga

 

Se tudo está fugindo,

por que tentar segurar?

Segurar fora ajudar na fuga.

Ver fugir

é estar livre —

entre o fugidio

e o sendo

no ser que se desmancha eterno.

 

Só temos mãos para aparar

o que mal pára entre os dedos —

realidade líquida

buscando chão para infiltrar-se.

E a água que temos nas mãos

é água-nós-mesmos

fluindo em calhas-sempre —

a moldar outras formas

para poder aparar-se

na fuga que autoprojeta

de ser em sendo —

eco de eco,

sombra de sombra

entre chuvas de junho,

chuvas de muito azul —

em fuga.

 

E é nesse sem lugar

que temos de construir

a casa do coração:

nas mãos vivíssimas

de Deus.

LA 00/11

 

 

Sanidade Incurável

 

Homem de pedra,

burguês unifocado —

dono de sanidade

incurável.

 

Quanta arrogância.

Quanta doença.

Um dó profundo

dos que moram num raio

de três mil metros de você,

filisteu fedendo a merda.

Caráter monobloco,

fazendeiro das pedras.

 

Cidadão unidimensionado,

tarado de um ver sem verso —

enfermo

de uma saúde mortal.

Até até,

consciência rochosa.

Até oxalá nunca,

seu filisteu de

frontispícios.

Fique à vontade,

sinta-se em casa —

fecharam todos os hospícios.

LA 00/11

 

 

Eram Belas As Pernas...

 

Eram belas as pernas de Leonora,

tanto que seu marido as segurou:

sete mi cada uma, e mais não fora

porque Leonora, firme, protestou:

 

Porra, Babu! se valem tal pletora,

o busto vale quanto? E o descerrou...

E a xota: ruiva que jamais descora,

vale quanto, Babu? E a explicitou...

 

O novo-rico, frente ao argumento,

não conseguiu resposta ou pensamento

que o acudisse ante a musa insatisfeita.

 

A mãe ( dele ), que ouvira contrafeita,

lhes diz: Isso jamais estraga, nunca e nada:

é só mantê-la bem lubrificada.

LA 00/11

 

 

Vejo A Velhice Como Alguém...

 

Vejo a velhice como alguém que a dê,

não por um mal ou bem, mas tão-somente

como um acontecer naturalmente —

tão natural que quase não se lê

 

pelas linhas da carne ( inutilmente ) —

mas que até se constata e se prevê

( não importa se vê ou se não vê )

que a gente vai mudando em outra gente...

 

Envelhecer: água que desce o morro

cumprindo o seu destino de fluir

por caminhos de vário devenir.

 

Envelhecer assim como um cachorro

que não sabe que um dia vai morrer...

e que é feliz, — feliz de não saber.

LA 00/11

 

 

Quando Quiseres, Vem...

 

Quando quiseres, vem, que te recebo

de corpo, alma e pensamento: ponho

rosas no meu portal, e a flor placebo...

E te recebo à porta do meu sonho.

 

Quando quiseres, vem, que te componho

um soneto que há muito não concebo —

novo, bem novo como o olhar pidonho

da criança ante o sonho de um brinquedo...

 

Quando quiseres, vem, que já te espero

( para ser franco, para ser sincero )

bem antes de Cabral ter cá estado...

 

Como? Pelo futuro do pretérito...

Te espero, independente de ânsia ou mérito, —

senão à porta do meu sonho, ao lado.

LA 00/11

 

 

Benza-O Deus, Esse Amor...

 

Benza-o Deus, esse amor é bem pobrinho.

Só se dispõe nas horas de festança:

euforia, passeio, vária dança,

realidade virtual com bombonzinho.

 

Sobre ter-dê, ter-quê passou um xizinho —

ele, hem? Só cuida bem da própria pança,

depois de descansado, mais descansa...

depois de um pedação, mais um tiquinho.

 

Amor diminutivo, pequeninho.

Chiques, chiliques com muito carinho...

Refrescos, dormidelas, vida mansa.

 

Amor bem recozido, bem podrinho —

sempre com a ameixa preta na esperança

de rachar-se na ponta de uma lança.

LA 00/11

 

 

Corpo-Partes: Seguro

 

A xota e seu poscênio segurados

contra estupros, equívocos... maus-tratos —

punha os esposos mais tranqüilizados

neste mundo de príncipes e ratos.

 

Podiam viajar mais relaxados

entre povos hostis e os mais pacatos.

Viver entre os vestidos e os pelados...

dormir tanto em hotéis como nos matos.

 

Com o mais importante segurado,

era gozar a vida a preço de mercado

e comprar os seus bens cosmopolitas.

 

Transitar entre ...eses ...anos, ...itas,

...enses, pregos, sovelas, parafusos —

com garantia de seus frutos e usos.

LA 00/11