a margem espiral
lAERTE antonio
parte 2
Escombros,
o homem gosta de fabricar escombros
sem quaisquer assombros:
raivas-rombos e alguns tombos —
e ei-los amontoados
dentro e fora do humano.
O homem fabrica escombros —
porque ama a guerra
como ama fazer amor.
O amor e a morte convivem
como dedos da mesma mão.
Apenas um piparote —
e ei-los se deflagrando:
o amor e a guerra.
Escombros
que o homem leva
nos ombros.
LA 00/10
Ana Paula Padrão,
o âncora que nos vem
das meias-noites.
Tipo metálico,
dizer acrílico.
Um jeito de castelã
e de heroína
de Jornada nas Estrelas.
Perfil de pássaro molhado.
Postura folhada em ouro —
técnico-telemática.
Argumentos niquelados,
tom de quem encontrou a mina...
e enfeitiçou os nativos.
Exuberância segurada pelo rabicho.
Beleza talhada em mármore negro egípcio.
Sua voz de pitonisa celta
erotiza a notícia
com uma libido seca,
quebradiça: quase em pó.
Seus olhos reverberam
o olhar das princesas felizes.
Seu boa-noite sai de lado,
quase de perfil
( de bruxa londrina ):
seguido de um sorriso —
só com a ponta da asa,
quebrada...
( da quase amada:
brônzeo-glamourosa,
Ana, a graça ):
a bela bruxa
das nossas meias-noites.
O Vento Agita As Palmas...
O vento agita as palmas e os areais.
A tarde desce ungida de um escuro
que aos poucos vai construindo um fluido muro
pintado de arabescos espectrais.
Brilham silêncios entre tons astrais
nessa hora sem passado nem futuro...
Há no ar um cheiro bom, gosto maduro
lembrando em alma sonhos vindimais...
Frágil sentir perante a natureza —
musse de solidão por sobremesa
numa ceia de apenas um conviva...
O vento faz as palmas farfalhar,
mas o nosso conviva não se priva
de ouvir o marulhar que vem do mar.
LA 00/10
Quantos Te Querem Dar...
à bússola que trazes no teu ser:
querem te ver com a vida despejada
em águas de lagoa a adormecer...
Querem te dar comida mastigada,
fornecer-te a medida do prazer,
oferecer-te a vida já pensada
e fazer que pareças parecer...
Não raro, a sociedade profetiza
quase tudo daquilo que seremos,
só a nossa vontade o ameniza:
muda o traçado da facticidade
naquele algo que nós construiremos
com a força da nossa humanidade.
LA 00/10
Lembro-Me Do Café...
que íamos transformando em teoremas
da arte de conversar e amar: poemas
de chuva... salpicados de carinhos —
sobretudo com o tempo muito frio,
ou estalando crua tempestade
com lagartixas de eletricidade
ziguezagueando pelo céu sombrio...
Como era bom ouvir de tua voz
coisas despreocupadas e sem medo —
além das ondas como um albatroz...
Extraíamos favos em segredo...
E ia-me ... a levar ( lá em alma ), em noite fria,
o pão quente da tua companhia.
LA 00/10
Entre Neurônios E Sinapses...
à tua casa em madrugadas frias —
fruindo cada passo, como um cego:
tateando entre as nuvens, pelas guias...
Esse exercício ( ao qual sempre me entrego )
me faz pré-saborear as ambrosias
que finjo no mental, e que carrego
entre os dedos, cheirando a especiarias...
Sigo automático, entre o vento frio
e a luz astral a rir libidinosa
entre meus passos pela rua torta...
Meu pensamento mais parece um rio...
Meu respirar desfolha rubra rosa...
até que eis chego: empurro a tua porta.
LA 00/10
As Penas Voaram Todas...
para tê-las. Agora é dor profunda.
Das grandes, das maiores: dor oriunda
de uma consciência que se parirá.
Do ventre coletivo há de parir-se —
mudando dentro em si a realidade
a gerar uma outra humanidade
no seu desconstruir-reconstruir-se.
O mental sofrerá acelerações
incríveis, transmudando o material —
anos, o que levava gerações.
O homem passará do auto-engano
( com a Vida a acelerar-lhe o natural...)
para o salto do humano ao sobre-humano.
LA 00/10
Com Água Escreves Sobre A Terra...
Com água escreves sobre a terra o nosso nome...
Teu sol é sempre pontual, e a vida,
a vida tem aquela antiga fome
de tempo, asa em sempiterna ida
para o passado que a retém, enquanto a come...
e, em remoalhos, devolve-a em esquecida
maneira de lembrar... até que torne
o que não foi em fato: em coisa renascida...
E, assim, Senhor, nós somos deglutidos
por Teu amor: a nos querer de volta
pela espiral dos dias já vividos.
Tua imagem em nós é nossa escolta
a nos levar dessas agrestes landas
para as Tuas ( em nós ) frescas varandas.
LA 00/10
Caímos Muita Vez...
Caímos muita vez na realidade.
Já outras vezes despencamos dela.
Pra onde foi Marli que era tão bela
e que sempre jurava ser verdade?...
Pilatos perguntou-Lhe, com maldade:
O que é a verdade? O Homem, que era a própria,
calou. Mostrou, talvez, que, às vezes, se há de
esconder no silêncio a claridade.
Manuela sonhou que se casara
com uma pessoa de beleza rara —
só que não tinha os pés e uma das mãos...
Ao acordar, lembrou que era casada
com alguém com seus membros todos sãos,
mas de aparência um tanto enviesada.
LA 00/10
Só Tirava As Calcinhas...
entre setenta e cento e poucos reais:
conforme o peso, a fisionomia,
a idade, as fungações e as espirais...
E nunca, nunca que lhe aparecia
o seu herói: o homem de seus ideais —
rico, manso, alto grau de miopia,
do tipo: não-faz-mal... aqui-tem-mais...
é que encontrou um marinheiro inglês
que se julgava Nelson, o almirante...
Bom homem. Recebera grande herança.
Chamava-a de duquesa... Bom amante:
bolso de homem, coração de criança.
LA 00/10
Aqui é que procuras por meu nome?
Está no que senti, pensei e vi.
Naquilo que transli ou que intuí...
Aqui, só a lembrança de um pronome...
Pobre demais o que se finge aqui...
Tal como tu, sofri de sede e fome
de humano ( não do que se bebe ou come )
e optei pelo anti-herói: vim, vi, fugi.
Há várias sedes em que não bebi,
e várias fomes em que não comi —
falta porosa como em pedra-pome...
Só me encontras naquilo que vivi
( trabalhado entre o tempo que nos some )
lá em disquetes de tudo o que escrevi.
LA 00/10
do português, que há muito a analisava.
O tal tinha uma empresa de petecas
à beira-mar, e alto faturava.
As turistas ( aquelas mais sapecas )
compravam muitas: a penugem flava
vai ver lembrava-as dos bons tempos de molecas...
em que sua ambição apenas se esboçava.
Com as duas mãos ( jeitosas ) as pegavam —
cobriam-nas de beijos e sopravam
as suas penas para desvendar...
De um lado, tinham nádegas amenas...
Do outro, nodoso, túrgido a vibrar —
um falo bárbaro, cheio de penas...
LA 00/10
Era Um Tipo Esquisito...
Era um tipo esquisito, e tão e tanto,
que põe esquisitice nisso, cara.
Gostava de ordenhar o próprio pranto
e fazer dele uma ambrosia rara...
Transar? Era uma vez em cada canto —
e de cabeça para baixo, tara
que aprendera com a cópula-acalanto
de seus avós: ao luar, em noite clara...
Religião? Tinha, sim, e era feliz...
Freqüentava a Igreja do Diabo —
a do nosso Machado ( o ) de Assis.
Legumes? Todos, menos o tal quiabo,
que o fazia borrar em plena rua...
Carnes? Aquela dos prazeres: viva e crua.
LA 00/10
Se O Amigo É Religioso...
converter-te, e ( é claro ) sem magoar-te.
E, jeitoso, te aponta o bacamarte:
“Céu ou inferno, irmão? É só escolher...”
E te chuta uns versículos à parte,
sem azeite, sem sal, sem conhecer —
jogados sem contexto e tão sem arte,
que até parecem nada parecer.
Se me livras de minhas velhas taras,
com que então, bom amigo, me reparas
tais perdas, se não sabes de meus ganhos?
O prazer de ensinar deixa seus lanhos...
Deve haver quatro mil gurus pra cada
meio discípulo, se tanto ou nada.
LA 00/10
são material didático-pedagógico.
São remoalhos —
devem ser remoídos,
remastigados
( de frente e serenamente ),
depois cuspidos
( em seu mais grosso )
e reingeridos,
mas sempre e outra vez —
já outro material.
Lembrar
pode ser mecanismo
depurador do ser.
Aí, talvez, é que entre
aquele dito antigo:
mais lhe será dado.
A quem não tem
até o seu não ter
ser-lhe-á tirado.
chama-se morte.
Fisicamente,
ele vencerá.
Virtualmente,
temos armas para ganhar —
isto porque a vida
não só dá forma ao barro
como transcende o tempo,
transmudada em consciência.
E além do mais,
há um Senhor
que já venceu pelos Seus
antes de haver o tempo.
LA 00/10
Por Que Não Matas...
Aquele, em ti, eterno insatisfeito,
que te amarra, te põe sempre sujeito —
deve morrer ou deve continuar?
Aquele, em ti, valente em criticar,
buscando sempre o mais sutil conceito
para se defender e, de tal jeito,
que se defende e quer executar...
Aquele para quem só existe o pleito,
e que ( de esguelha ) vês e já te faz corar
por te veres a ele contrafeito...
Aquele que te impede de aflorar
ao livre-azul em ti: teu ego-preconceito —
deve morrer ou deve comandar?
LA 00/10
Dói Ver A Vida, O Amor...
Dói ver a vida, o amor banalizados,
feitos coisas ridículas, assim
como fossem legumes já passados
ou como o riso e o flato do arlequim.
Dói ver os sentimentos pisoteados
em razão de uma massa bruta a fim
de fazer de doentes arrazoados
a norma, a lei: o seu princípio e fim.
Dói ver o ser humano assim tão rés
em seu sonho e motivo de existência —
a compreender as coisas pelos pés...
Dói ver o mundo em lírica demência
dentro de uma loucura embevecida —
caminhando de costas para a vida.
LA 00/10
Há Os Que, Em Si, Mataram...
em nome da ambição, do racional:
correram ao acúmulo, à abastança,
e foram empilhando material.
Só de viés ouviam a cobrança
de algo maior e muito mais geral...
E foram abafando na lembrança
essa voz, já em timbre transversal...
Foram ficando mais e mais sisudos...
Cada vez mais teúdos-manteúdos
de seus próprios sagrados ideais.
Empilharam. Subiram nos seus montes:
vales e vales... e nenhuma ponte...
Aquela voz? Não a ouviram mais.
LA 00/10
Bom Ir Sabendo Quando...
Bom ir sabendo quando a festa acaba,
e irmos pondo as coisas no lugar.
Não deixar taça alguma por lavar...
e amar esse desaba-não-desaba...
Pôr o fruto maduro em mãos de Aba,
o Pai, para que o possa semear
em volta das varandas do Seu lar.
A vida vermelhinha, qual goiaba...
Foi tudo rapidinho. Nem devíamos
ter atirado tanta graça fora...
Coisas que amávamos e não sabíamos...
Vinho fino... perfume que evapora...
Fiapos de memória a se agarrar
ao tempo... com o vento a assoviar...
LA 00/10
Horas Mediunizadas...
de haver-nos um remanço-afloramento,
em que o tempo é a espiral de um nexo inconho
de passado, porvir e este momento.
Horas do rebrotar desse vidonho,
em nós, que veio de Jessé e do vento...
Desse esgalhar por nós, brilho risonho
de vinhas e trigais em sonhamento...
Horas cheirando a rosas venturosas
entre manhãs e azuis, gloriosas rosas,
cheias de um sonho-agora-eternidade...
Horas de infinitude e de unidade,
em que o Filho comunga com o nexo
de haver os Seus e a Vida: um só amplexo.
LA 00/10
Se Algo Ficou De Pé...
que não seguiu os passos deste mundo.
Ou achamos, em nós, o Ser-Profundo,
ou confundimos Bach com bem-te-vi.
Mais perto do que tudo o que já vi,
está Ele: por dentro do segundo,
atrás do pensamento mais fecundo
e mais perto que tudo o que senti.
Para chegar ao topo da montanha
só nos resta subir, ir até lá —
sobretudo se a tal montanha é em nós.
Um Amigo fiel nos acompanha
pelo mundo e por nós: esse não há
de nos faltar: há um rastro em nós de sua voz...
LA 00/10
O leite derramou.
Por onde andará
aquele diabinho sujo
de merda
a ir e vir por uma
das ruas ermas
do inferno?
Foi preciso inventar
( mais tarde )
algo mais crível...
...................................................
Saudades? Só do que
não foi.
LA 00/10
protege e escuda.
Pensar de cócoras —
produz idéias afins...
Dormir de cócoras —
só se recostado ao sonho,
pra não cair.
Fazer amor de cócoras —
menos uma questão de encaixe
que fricotes de aves galando...
De cócoras —
pode-se levantar pó...
Filosofar de cócoras —
gera idéias analóides.
Xingar ou rir de cócoras —
libera gases.
Conversar ( com o patrão ) de cócoras —
é um modo de se proteger.
Defecar de cócoras —
só para os raros.
Rezar de cócoras —
padre não deixa.
LA 00/10
Mesmo Os Vulcões...
Mesmo os vulcões têm o seu lado bom...
Quanto mais não terá você, Rosinha,
que é as delícias da saudade minha
atrás do gosto e a cor do seu batom?
Que bom haver ainda esse frisson
da cor de em mim senti-lo: cor da pinha
a cintilar ao vento, manhãzinha, —
ao vento-nosso-halento em rubro tom...
Tom, Rosinha, de amor da cor da amora,
licor feito das uvas dessa aurora
de amar você, agora em sobretom
entre o tempo que é e o da lembrança
que sempre se transforma na esperança
de a rosa se tornar em conto, em som.
LA 00/10
Torre Negra ( Não De Marfim )...
Torre negra ( não de marfim ) habito.
Mas não só: há fantasmas de princesas
que, em meio a esse tão comum agito,
cumulam-me de suas gentilezas...
Que mais posso querer nesse infinito
de dionísicos sonhos de framboesas
entre a libido e o umbigo de alvo rito
suando méis e a orgasmar belezas?
Que me importa que a torre seja a torre
de delírios virtuais e que me torre
paciência e escroto pra manter-me lá?
E quem foi que me disse que não há
quem desse modo agüente horas pasmas
com essas mortas, lúbricos fantasmas?
LA 00/10
Não Te Escondo, Meu Pai...
Não te escondo, meu Pai, minhas punhetas,
e pelas quais Te peço o Teu perdão.
Foram todas, meu Pai, paixões porretas
que eu só podia resolver na mão.
Aliás, são deliciosas maçanetas
que se abrem lá por dentro do tesão,
e vêm intimizar-se com as gretas
que trazemos nos dedos de uma mão...
Perdoai-me, meu Pai, pela libido
que escorre do mental para o sofrível
de haver aceso intento, algo incutido...
Perdoai-me os orgasmos que não tive
e ao que me antecipei — intraduzível —
e depois o esqueci, e nem mais vive.
LA 00/10
O amor depõe seu cravo em rósea-fenda:
e vai gingando a sua ginga sáfica,
até que o instante — heróico — exploda, esplenda...
LA 00/10
Entremos Nessa Nave...
Entremos nessa nave, Amiga, entremos:
para o túnel Einstein-Rosen-Bridge.
O modo espaço-tempo ali se elide
e singra em relativos de entre extremos.
Ali, por certo, Amiga, nos veremos
no passado daquilo que seremos —
tal como o ramo de podada vide
já ser vinho bebido que progride
para o sonho de ser, porém, já sido
num re-ser de futuro renascido
com alma em corpo de ontem a tecer-se
com as fibras do mental, em paralelo
mundo, em que a seiva sonha ( lá no estelo )
os dotes da estação a anteceder-se.
LA 00/10
Quando Tivermos Abraçado...
com tal ímpeto
que ninguém nos distinguirá
de um torrão —
ainda continuaremos como número
nalgum papel, nalgum arquivo,
disquete, capa de livro
ou no alfarrábio dos mortos —
arremessados no era-foi.
Teremos seguido o caminho interior —
a margem espiral da vida:
aquela que não sobe nem desce,
não é direita nem esquerda,
não vem nem vai —
apenas segue-sendo
seu caminho de ser.
Dentro de nós, Deus nos espera
em cada volta da espiral —
e cada vez mais em nós dentro
quanto mais amplo for o círculo
que nos dá a tola ilusão
de abraçarmos o infinito.
E assim será até o dia
em que re-saberemos
que o infinito cabe, de sobra,
dentro da nossa finitude.
LA 00/10
Você É Um Sonho, Amor...
o umbigo dele: a nebulosa-umbigo
que acaba por sofrer de vitiligo —
sempre que exige uma interpretação...
Sonhá-la, minha amada, é estar consigo
e não ter nada em alma-coração —
não só neles, como também na mão:
tão cheios de um vazio tão antigo.
Sonhá-la é me dizer que isto é aquilo,
mas que aquilo não é assim tranqüilo —
já que pode, aliás, também ser isto.
Sonhá-la é me dizer que o seu problema
aponta para mim o seu emblema —
que é a quem diz respeito este oaristo.
LA 00/10
Bom Fora Nem Saber...
Bom fora nem saber que a vida é triste,
ou a gente driblar sua tristeza
sendo alegre com tanta madureza,
que ninguém visse o nosso podre chiste.
Bom fora transformar nossa fraqueza
numa heroína com o riso em riste
nos fundilhos do medo ( que resiste ),
tornado, por engano, em fortaleza.
Bom fora rir, coçar o bilulau,
e a toda amiga triste e contrariada —
protegê-la das garras do Babau.
Bom fora que nem fosse... e já que é,
quero te ver dançando pela estrada
à frente: peladona e de boné.
LA 00/10
Assim, Amor: Com Ares...
e esse olhar, esse riso de putona...
Assim: olhando longe sobre o ombro —
como se tudo à volta fosse escombro.
Assim, amor: com o coração risonho
e o semblante de sombras de um ex-sonho...
Assim: qual uma nuvem que rebate
a luz do esposo morto em bom combate...
Assim de lado, assim: jeito de seda,
como se mão jeitosa ( na entretela )
fosse depositar uma moeda...
Assim: suando um sonho constelado
e em cada poro um gozo regozado...
Assim... último toque. E a tela é pronta.
LA 00/10
Encaçapara O Mundo...
Encaçapara o mundo. Agora, velha,
mas ainda com a luz de um sol se pondo:
muito daquela força que destelha...
e transforma a razão num sim redondo...
Tornou-se espírita. Mas não de esguelha:
de frente e verso e prosas d’outre tombe —
kardecista sequaz, ainda que lhe zombe
o mundo: kardecista sem parelha...
Casou com um fazendeiro: o presidente
do Centro. E em breve já psicografava
coisas em que ao marido era patente
( entre os celtas... ) havê-la prostituído...
E esse senhor — vidente — não negava
tal carma cometido e revivido.
LA 00/10
Passarão Os Teus Olhos...
Passarão os teus olhos,
teus lábios passarão.
Tuas mãos
e as flores que elas percutiram.
Passará natural, gostosamente
o que te deu a vida
pelas mãos das estações —
vindas e idas de ti mesmo,
com a seiva dos sonhos nos estelos.
Outros te verás: muitos outros
através de ti mesmo —
como marcos do caminho
e do teu ser a desfolhar-se.
Passamos pelas coisas
e elas passam por nós
e esse nos perpassarmos
são encontros e desencontros
marcados pela vida —
pelos poros do tempo
como a água por entre a areia.
Tudo passará,
menos os teus sonhos —
porque estes serão sempre
quem os sonhou.
LA 00/10
Tudo Bem, Meu Amor...
Tudo bem, meu amor: eu vou tão bem,
que tenho até vergonha de dizer
porque é que vou assim tão bem, se nem
vou em meu ir... ou sou lá em meu ser...
Não só vergonha, amor: tenho também
um certo medo de me prescrever
pra aqueles todos que não vão nem vêm
e têm até preguiça de querer...
Não só preguiça, amada: uma fobia
a tudo o que não digo, mas diria
( porque vou bem ), se bem realmente eu fora.
Mas se você me der um beijo, agora,
então lhe conto, amor, que só vou bem
porque você é o bem de eu ir tão bem.
LA 00/10
Esse Amor Tão Pequeno...
Esse amor tão pequeno e pobrezinho,
quase um segredo ou sombra entre nós dois,
com a paciência de asnos ou de bois —
amor sem grife, sem um teto ou ninho.
Esse amor vagabundo e pequeninho,
parece, em mesma linha, dois anzóis
pescando, na enxurrada, caracóis
e esperanças de um sonho tão magrinho...
Esse amor que inventamos, ó minh’alma,
pra termos o consolo de uma palma
nesse sol quente de só haver areias...
Que inventamos para aquecer do frio
vindo dos alvos cantos das sereias
que cantavam canções de calafrio.
LA 00/10
Ainda estamos por aqui.
Vamos muito-bem-obrigado.
.......................................imoral
a pressa de ir
pra onde não se sabe.
Portanto, nenhuma urgência.
Atravessar o rio
é só uma ilusão
de posição...
ou nem.
Nossa! Como você está bem...
O que come, bebe?
O que pensa?
Xinga?
Abençoa?
Tem religião, clube?
Masturba-se?
É frente,
é verso,
é frente e verso,
ou quê?
Qual o segredo?
Quantas por mês, por ano?
Ah, sim! Trepar faz bem.
O duro é ficar no alto.
Muitos, nem com o dedo.
Outros poligloteiam.
Ainda estamos.
Muitos
já viraram torrões.
Mas nenhum foi ao Procom.
Ao contrário, — reclamam
os que ainda sofrem de vida.
Ainda estamos.
Logo cai a casa
em cima de nós todos.
Ai dos alérgicos ao pó!
LA 00/10
companheiros cada vez
mais chegados da morte —
até que esta se nos torne
um prazer-curiosidade,
ou quase uma vontade —
um desejo de ter asas.
O tempo,
dando-nos tempo,
estaremos maduros
para a vindima cósmica —
para os lagares do Senhor.
E o nosso vinho-consciência
dilatará novos odres —
estaremos mais uma vez prontos
para sermos bebidos
por nós mesmos:
já então metabolizados
em murmúrios de luz.
Com essa voz de arco-íris
cantaremos o Glória
nas varandas de nosso Papai-Mamãe —
lá no infinito em nós.
LA 00/10
Isto É Que É Amor, Rosinha...
de colher, entre a língua e o céu da boca.
De comer no Leblon ou na maloca —
bem devagar, com a ponta da colher.
É amor de degustar e de esconder
atrás de uma careta e fala rouca...
Jamais expô-lo para a fúria louca
que haverá de sujá-lo até feder.
Amor de duas mãos, de duas almas
que mutuamente se teceram palmas
a abrigar-se do sol e das areias...
Amor que é o mesmo corpo, as mesmas veias
para a vida fluir abençoada —
e ainda é luz a construir a estrada.
LA 00/10
Que Bom, Meu Deus...
além do suficiente que me é tudo.
A calma e a singeleza por escudo
e esse ler-escrever por empreitada.
A graça da pesquisa e do estudo
que vai fazendo a vida organizada
e paulatinamente transformada
nessa água que bebo e que transudo.
Este brilho, esta paz-simplicidade,
esta floresta dentro da cidade —
canto-água-folhas-brisas pela casa...
Obrigado, Senhor, pela pobreza
que me ensinou que a maior riqueza
é ter o coração em forma de asa...
LA 00/10
Quis Ser De Ferro...
Quis ser de ferro, entortei.
De aço, quebrei.
Vi então que me não podia
dar nenhuma garantia
de nada nem de mim
em sendo assim ou assim.
Percebi que fortaleza
é renovada fraqueza
que se reveza em uma
e outra, até nenhuma
a gente perceber —
é isto ser,
feito de água e pedra:
viver.
LA 00/10
Você Vai...
E você, pra cá?
Eu? Vou por cima do muro.
O melhor lugar muitas
vezes é em cima do muro.
Engraçado... os homens detestam
os que não têm
uma postura exterior.
Gostam dos francos
e dos que se situam.
Os homens são uns sabichudos.
Deus nos abençoe a todos.
LA 00/10
Meus Sapatos, Com Saudade...
Meus sapatos, com saudade,
se fizeram dar um laço
e te foram procurar.
Era fria a noite, e o vento
uivava de aprazimento
por eu ir te encontrar.
Entrei dentro dos teus braços
e saboreei o que Deus
deu de melhor ao homem.
Procurei, madrugadinha,
os sapatos ao pé da cama —
procurei, mas não achei.
Rosinha, essa safada,
acabou por escondê-los:
uma trama entre cadarços
e coisas lá de mulher —
fui pra uma madrugada
e fiquei uma semana.
LA 00/10
Que Vida...
Quando se tem isto,
não se tem aquilo —
e vice da versada.
De modo que estamos sempre
em falta-de,
em busca-de.
Sim. Eu e você.
E nesse buscar a falta,
a vida joga conosco:
vamos subindo degraus
através de nós mesmos
e descobrindo patamares,
grutas, criptas, vales, picos...
de conhecer e conhecer-se.
Pois é.
É isto e aquilo,
num jogo duplo
disto ou daquilo.
LA 00/10
A Rapariga Chorava...
sobre a cova recém-fechada
de seu irmão mais novo,13,
morto por policiais
que o confundiram com traficante,
quando ( ontem ) vinha da escola
com uma mochila pesada às costas.
Quando ouviu: Pára, que atiro!,
correu de medo
de estar sendo assaltado.
Levou uma rajada de fuzil
nas costas —
morreu a quatro metros de casa,
querendo proferir alguma coisa...
mas o sangue ( que lhe saía pela boca )
era bem mais pesado que sua articulação...
Morria ali, a quatro passos de casa,
no colo da rapariga, sua irmã,
que neste instante chora de joelhos
sobre a terra macia e úmida
de sua sepultura.
A rapariga chora uivando
( jamais vi tanta lágrima
de só dois olhos ). Por fim,
sufoca o choro, atirando dentro da boca
um punhado daquela terra:
que vai mastigando e engolindo,
enquanto é levada pelo pai
e a madrasta pelas ruas compridas
do enorme cemitério, polvilhado
da chuva fina de dezembro.
LA 00/10
Você Conhece Alguém...
quando ele perde alguma coisa.
Sua reação
é o que ele é,
ou onde está.
Nós, cujo corpo nos incute
a idéia fixa do ter,
demoramos a saber lidar
com a essência das coisas
em suas causas e efeitos.
Não fomos preparados
pra ver começos de fins —
pra acompanhar um fato
em suas interdimensões:
em seus dados inter-implicados.
A vida está em rumo programado.
O que acontece a bordo
diz respeito a individualidades.
E a vida sabe ser fria
quando fingimos ignorá-la...
Estamos para aprender
e, não raro, aprendemos tarde.
A principal lição
eu e você sabemos qual é —
tanto que sempre nos surpreendemos
professorando-a para os outros...
Às vezes até pensamos
que não teremos jeito —
não aprenderemos nunca...
Tolice nossa. Estamos convocados
( em nossos genes espirituais )
a comparecer em juízo —
e não existe uma maneira
de driblarmos a nossa consciência.
LA 00/10
Às Vezes Ele Vinha...
Às vezes ele vinha beato de vinho.
Falava mole e doce, a bebida
porejava-lhe a realidade,
virtualizava-lhe o mundo.
Ele meduinizado pelo álcool,
eu a seco —
formávamos opostos igualmente horríveis:
um pedaço de seda e uma tesoura...
Em geral, ele entrava num transe zen:
acima do bem e do mal,
e começava a urdir cosmogonias —
até que sua mulher, geralmente com um filho,
vinha buscá-lo: fisgava-o com o olhar
e o arrastava para casa
como um mandi-chorão que engole a isca e o anzol.
Com esse senhor aprendi que o alcoolista
vive numa torre de abulia
e só tem um compromisso importante:
o seu beber,
que o faz duplo em si mesmo —
um que é servil e dócil,
e o outro que o traz no cárcere.
LA 00/10
A princesa Era Bela...
caído na cabeça do inimigo —
que devia sofrer de vitiligo
e ia fugir num pangaré cambaio.
Era bela ( a princesa ) qual perigo
pela TV, ou como o mês de maio
queimado de geadas ( de soslaio )
lá nas fazendas de insidioso amigo.
A princesa era bela como um chute
no bicho que teria devorado
a atriz filmando lá no Pantanal.
Era bela ( a princesa ) qual mamute
achado dentre o gelo e degustado
por grei zen desossando o bem e o mal.
LA 00/10
o momento é propício
aos paladinos
e ladinos da verdade.
O momento
reinventa Roma
que vai incorporando o mundo
ao seu Império.
O latim muda para o inglês,
o Lácio muda para Washington,
end go on...
E isto é bom ou mau,
mestre Chim?
— Nem bom, nem mau:
apenas a leitura e a execução
de um novo Iscript.
Fácil:
te invisto da comenda
de Príncipe das Astúrias,
me dás um tanto da Floresta.
Espalhamos ao mundo
que te ofereço um “prêmio”,
em dinheiro vivíssimo
( decorrente da sagração ) —
e pronto: estás lavado
no céu, na terra...
e em paz com teu Leão.
Eu fico com a madeira,
e tu com as pesetas
e todas as “etas”
que elas podem comprar.
Almas e bolsos lavados,
e bem montados:
tu na bufunfa,
eu nos cavalos de mogno...
... y asi hacen los maestros
de la Fiesta...
— Ra-rá?
— Ra-rá!
LA 00/09
A realidade vive a nos esquartejar,
a nos dependurar pelos postes
por onde passam os que se persignam.
e que fede a todos os gambás
e a porra amanhecida nas mulheres
que alugam suas vaginas.
Realidade tão irreal
quanto a reconstrução da virgindade
que o cirurgião plástico
faz ao tirano sexo-fixo-maníaco
que a ( re ) deflora na noite do sétimo dia
de sua refeitura.
Realidade reproduzida sempre
pelo bisturi da ideologia
e posta nas prateleiras da mídia
para aprovação subliminar
e rápido consumo.
Uma realidade com o rosto em vitiligo
e todo o corpo em expansiva elefantíase —
teratologia de laboratório:
clone da perversidade —
à imagem-semelhança do homem.
LA 00/10
tão impetuosamente a vida inteira,
tão audaciosos, rápidos e constantes,
tão automaticamente afoitos,
tão inconscientemente predispostos —
que só vão recolhê-los muito tempo depois —
um acúmulo de ações-reações —
carma terrível
de coisas já quase esquecidas,
mas nem por isso menos “coisas”.
Bumerangue ou não
( e velho como andar a pé ) —
o que atiramos sempre volta.
LA 00/10
Em Geral, Temos Tanto...
Em geral, temos tanto medo do novo,
que, não raro, tentamos
dar vida nova à velha.
O momento é de uma metamorfose
assustadora —
a ponto de a grande maioria não saber
o que fazer com suas asas...
( muitas voarão para as chamas,
outras para o melaço do tradicional
e, não poucas, para o visgo do medo).
Os pensamentos como que presos
às suas fôrmas...
Enforcados nas próprias raízes...
Os que aprenderem a usar tais asas
estarão na nova estrada que, sem dúvida,
a Providência já tem aberta
dentro desse fantástico milênio —
aberto em sonho e vôos interiores:
riquíssimo em humano-recriar-se.
LA 00/09
Se O Momento Global...
produz os seus coveiros,
também libertará
o gênio da lâmpada.
Sempre que vem o escuro
o homem é inspirado
a reinventar a claridade.
LA 00/09
Por que não aproveita o Halloween
e dá um pulinho até a nossa alcova:
pregando-me mais uma bela sova —
antes que, de pensar, me rasgue o brim?
Além do mais, amor, você põe fim
à promessa que sempre me renova:
despir nosso desejo e, à toda prova,
comermos devagar o seu pudim.
Havemos de estalar toda a floresta,
ouvi-la farfalhar, gemer em festa —
até a tarde espremer a sua uva...
Depois, você se vai — antes da chuva —
a levar o crocante dessa hora
e a deixar o sabor e a cor da amora.
LA 00/10
Lá Vez Por Outra Loco...
para evitar calombos no meu brim —
o desejo mascando gergelim
a cantar e a gritar como d’angola.
Como o tesão, meu Deus, em nós assola —
se faz ouvir em gritos de clarim.
A nossa homo-sapiência toda, enfim,
torna-se uma mordida em carambola...
Toda a nossa fraqueza cabotina
e a franqueza ladina e paladina
vêm em nosso socorro nessa hora:
justificamo-nos de carne e osso.
Entramos no tonel até o pescoço —
e de prazer a carne canta e chora.
La 00/10
Quero Um Dizer Que Diga...
Quero um dizer que diga, que sugira,
ressoando pela grimpa, pelo topo —
como a água a cantar enchendo um copo...
ou sonho a crepitar como uma pira,
cujo brasido de si mesma insira
em carvões interiores sob o sopro
do espírito que inflame com o escopo
de refundir o vero da mentira...
E seja-já-não-sendo, ou, sendo, negue
o ser pelo não-ser, e não se apegue
jamais a coisa alguma a não ser nada —
nada que justifique a cusparada
que ficou na intenção... e tudo foi:
mesmo não sendo, foi; e como dói!
LA 00/10
Seria bom amar você,
se você fosse eu —
amado por você.
Assim meu ego saberia
que, se você não me amasse,
fora eu que me fingia
um amor de dupla face —
e que a você caberia
ser leal na contraface.
Minha Nossa, que impiedade!
Isto, sim, é que seria
tirania de verdade.
Você nunca saberia
o gosto que teria
o sim que é não
e o não que é sim —
coitadinha, não vivia
as delícias de seria
( futuro-do-pretérito
do verbo ser ).
LA 00/10
Bom Era Quando Nossa Mãe...
que muitas voltas dá o mundo, e a vida
surpreende o arrogante um outro dia —
com a sua maldade já esquecida.
Tinha a frase algo de escatologia,
um tom de fim de mundo, uma descida
ao chão, um gosto de geologia...
ou coisa ainda não amanhecida.
Proferida num tom que admoestava,
tal frase, em nossa mãe, fortificava
e ressoprava a fé e a confiança.
Dizia-nos também que nada dura,
a não ser lá no sonho da criatura
( tecida em fios de sombras ) a esperança.
LA 00/10
Já Não É Dado Ao Homem...
uma vagina a tiracolo: insurretas
se lhe tornaram todas as bocetas —
era chegada a hora de mudar.
Outros caminhos, nexos, outras metas —
já não há um lugar aonde voltar:
não há rainhas nem o “doce lar”,
nem mais satisfações, nem mais retretas...
É o começo do fim de relações
que haverão de passar de punitivas
pra relacionamentos sem sanções.
Machos e fêmeas urram os seus “vivas!”,
buscando um modo de se organizarem
sem muito se explorar nem se matarem.
LA 00/10
ideologismo sádico-tarado —
que diz o Lácio termos de fazer?
Que males mais nos restam de sofrer?
Velha Roma em corpo fenicizado,
em espírito washingtonizado:
com suas Chaves de arrochar-moer —
num eterno vencer-e-acrescer...
Agora que nos tendes anexados
ao lado dos vencidos e comprados —
que males mais quereis nos impingir?
Nossa luz, quando sobe? Nossa ufir,
víveres, fone, impostos, gasolina —
sob o aceno de vossa mão divina?
LA 00/11
Amaria Poder Ter...
portuários cabarés, velhos bordéis —
comer as putas qual comer pastéis,
tomar como licor sua libido.
Amaria me ver envilecido
entre as carnes estuantes e infiéis
de todas as xoxotas de aluguéis —
e ordenhar seus orgasmos sem mugido...
Também amara lhes despir a alma
e lhe comer a bunda em tarde calma —
até a noite espiar-nos constelada.
E depois de uma tórrida trepada,
sapecar — em bemóis — uma punheta
coçando com a outra mão tenra boceta.
LA 00/11
Perdoa Minhas Bárbaras...
do tempo em que — menino — era só ver...
e transforma, meu Pai, essas vendetas
em tempos úteis, tempos de foder.
Quando as coisas, meu Pai, ficavam pretas
e a gente se sentia de morrer —
pegava o dicionário a ler vinhetas,
buscando resfriar-se e espairecer.
E quanto mais, meu Pai, a gente lia,
mais o desejo mordiscava e ardia —
até tudo virar aquela ameixa preta...
Pegava-a entre as mãos e a, então, comia —
primeiro no mental, enquanto ardia
na mais tórrida e bárbara punheta.
LA 00/11
( Se Pudesse Dar A Volta
Por Trás Do Mundo... )
Se finges de morto,
vives mais.
Esforça-te por fazer
o que teus adversários
jamais iriam pensar
estivesses fazendo.
As plantas raras crescem
no esconso e em silêncio.
Mostra mediocridade,
vive a beleza e a arte.
Ama a Deus, a ti e ao outro —
o Espírito de Cristo
irá te conduzindo
de verdade em verdade.
Se fores maduro o bastante,
deixa que lhe passem a bola
por entre as pernas.
Jamais permitas
que a tua felicidade
faça barulho.
Aos amigos
diz que és fraco,
que cospes sangue,
que és doente —
e jamais deixarão
de lhe serem simpáticos.
Pesquisa e estuda,
cria-recria e te organiza.
Entre a verdade dos outros
e aquela a que chegaste —
permanece com a tua:
sabendo-a provisória.
É possível ser honesto,
ser leal
entre a deslealdade
e a desonestidade.
Possas iluminar
onde estejas —
sem que percebam
que trazes a candeia.
Paga aos homens e as coisas
com a moeda que a vida exige
( e que não saibam que a tens ):
o amor.
E quando chegar a hora,
morre sabendo
que a nossa mortalidade
são as asas da lagarta.
LA 00/11
Com O Dedo Indicador...
entre gomos e folhas de giesta...
O lento penetrar, pouco rorado,
é um dentre os pontos altos dessa festa.
O mais é paciência que se apresta
a fazer o ritual sincronizado,
não só com o mental, chuvosa orquestra,
mas com o arder do sonho incorporado.
Como um abraço de raízes-poros,
ou de sons a formar lúcidos coros
de dentro e fora a neblinar vitrais...
E assim, em busca da unidade gozo,
com o pólen de florais ou sonhos-sais —
um só ser se dissolve venturoso.
LA 00/11
O homem e seus frágeis laços.
Seu sonho de naus e mares,
de estrelas e infinitos.
Seus barracos e paços,
suas devoções e esgares.
Sua fraqueza cabotina,
sua franqueza ladina.
Seus sonhos sempre tão humanos,
devorados de auto-enganos.
Suas mãos que empilham sôfregas
o que é de toda a humanidade.
O homem não deixa saudade —
a não ser de conivência
entre aqueles que formam
uma atrelada consciência.
O homem e seus amigos —
seus maiores inimigos.
O homem, seu cônjuge e seu cão —
uma antiga tradição.
Sua esperança ( n’alma ) a tiracolo —
como instrumento solo.
Seu coração insaciável,
sua alma incontrolável.
Sua farta loucura
em sua pródiga usura.
Seu concentrar a riqueza,
e repartir a pobreza.
Seu lidar com os símbolos
a transformá-los em címbalos...
Se um dia o homem acabasse,
Deus teria de reinventá-lo
para que metabolizasse
a angústia universal
por descaminhos de ser.
.................................................................
Por isso é que o mito insiste:
o homem já existe,
ou só o sonho de sê-lo?
LA 00/11
Pois é.
O que não foi
comeu-o o boi.
O que não é
vive na fé.
Cheirar rapé
faz espirrar.
Lavar o pé
corta o chulé.
Pois é.
De fé em fé
chega-se lá —
se é que há
o tal de lá,
ou se só é
um Sonhilá —
que não dá pé.
Pois é.
LA 00/11
A vida é a morte
enquanto esta não vem —
tal como o ganho
já traz em si a perda.
Se a vida foi bem vivida,
a morte pode ser ganho:
o ganho de uma lembrança calma —
uma perda-companhia.
Viver-morrer —
todo dia o fazemos.
Não pode haver vida sem morte.
Poderá haver morte
sem vida?
Vida e morte
são isto ou aquilo,
ou isto e aquilo?
LA 00/11
O Guapo Co...
com os seminaristas —
por falta de sementes, não.
Amor joga peteca
( e voam penas )
no gramado do pátio,
de sunga ou de cueca —
até a noitinha descer.
Depois...
tudo se cala.
E no escuro ( cheio de olhos
e de risonhos fantasmas
de raparigas ),
nada mais se ouve a não ser
o guapo coaxar dos sapos,
o guapo coaxar dos sapos,
o guapo coaxar dos sapos...
LA 00/11
Bocejos.
Tédio lacrimejante.
Bolsas: pregos, pregões, preguinhos,
tachas e parafusos.
Bocejos,
jantares-genitálias.
Tédio lacrimejante.
Bocejos,
nojo-náusea —
tédio lacrimejante.
Licores
das uvas da libido.
E o destino do mundo
sobre a mesa
dos banquetes afrodisíacos
dos mamíferos de luxo.
LA 00/11
e suas cabras
ou bodes.
A ordenha é dupla metáfora,
já que o bode só dá sêmen.
Laranjas,
quase todos têm um pé —
orgulho do seu quintal.
LA 00/11
É Preciso Esperar...
os caminhos debaixo da nevada.
O calor vença o gelo, o chão respire,
corra o vento — moleque — pela estrada.
Filtramo-nos no tempo, e tudo adquire
um outro tom e cor, outra fachada.
A própria vida, em seu mudar, adire
a outra gama redimensionada...
Logo os caminhos estarão refeitos:
a primavera há de retecê-los —
senão mais lindos, tanto quanto belos.
Quanto a mim, eu serei como os trigais:
maduros, hão de ser colhidos e desfeitos —
outros e outros... Aqueles? Nunca mais.
LA 00/11
Se Pra Você Escrevesse...
não houvera de ser soneto, mas
coisas que eu mais amasse e, de repente,
visse entre os dedos dessa mão que faz.
Se pra você escrevesse, francamente
não medira ou rimara sassafrás
em sobretom — amareladamente —
diluído em genuína aguarrás.
Se pra você escrevesse, pediria
me lecionasse como gostaria
que eu escrevesse pra você não ler...
Mas como não escrevo pra você,
digo que escrevo só porque escrever
é bom quando sem como, pra nem quê.
LA 00/11
Teve Uma Idéia Fêmea...
e musculosa:
boa de tudo,
não só de... como de...
Um sonho calipígio.
Acordou com a caravela
loucamente enfunada —
o mastaréu da gávea a estalejar:
um temporal.
Foi-lhe preciso
descer ao tombadilho
mais de uma vez.
LA 00/11
Ainda Que Seja Pelos Fundos...
pela porta dos fundos, me receba.
Senão como homem, mesmo como ameba;
senão como um poema, como um ai.
Mas me receba, Pai: com a pereba
que trago n’alma, a mancha que não sai —
essa lepra do egoísmo com seu guai,
essa vileza, essa sujeira peba.
Me receba assim sujo, ó Pai, de humano e merda —
não à Tua direita, — à Tua esquerda:
à Tua sombra, Pai, não ao Teu brilho —
como último, Seu derradeiro filho.
Senhor, receba o filho vagabundo,
que faz, Pai, por amá-Lo, a si e o mundo.
LA 00/11
As Coisas Tristes Cantem...
As coisas tristes cantem nessa hora.
Mesmo enlutadas, cantem; mesmo dadas
por mortas, se levantem e, exumadas,
cantem, cantem nos ombros da memória.
Com toda a sua força aterradora,
cantem as perdas tão desencantadas,
cantem as coisas tão desencontradas:
o amor perdido cante, sem história.
Todos os sonhos enterrados cantem,
cantem o não haver o esquecimento
do bem que se morreu em pensamento.
Esses fantasmas todos se levantem
e, olhando-se no espelho do universo,
reescrevam sua história em prosa e verso.
LA 00/11
Como É Que Vou Saber...
Como é que vou saber de tuas lindes,
dos teus fricotes, tiques e melindres?
Fica aí com os teus, e eu com os meus.
Rir é bom: descontrai, e leva a Deus.
Que me importam teus raros tremeliques,
tua estesia e gostos — os teus chiques —
ou se estás entre os crentes ou ateus?
Sem humor, só existem filisteus.
É tão pouco o que somos, tão cretino,
tão tolo, tão ladino-paladino...
e tudo tão no bico do urubu —
que depois dessa que vem a seguir,
não sei não se tu vais a prosseguir...
Leitor, alguma vez já te mandaram...?
LA 00/11
Sem Eles Vives, Mas...
Sem eles vives, mas é osso duro.
Sem o humor, sem o riso, a gargalhada,
a coisa está bem mais para nonada
que para galanteios com o futuro.
Sem eles vives, mas é cavalgada
sem cavalo, é lanterna sem escuro —
é casar pra acudir o grande apuro
da vizinha, coitada, desquitada...
Sem eles vives, mas é seriedade
demais pra um só terráqueo, um pobre diabo,
por caminhos da humana veleidade...
Se o melhor da mulher está no rabo,
que vais fazer no mundo sem o humor,
o riso, a gargalhada, meu amor?
LA 00/11
Algo De Mágico...
mister venha de dentro e se abra em flor —
traga a força e o delírio em tom irial
e primavere e exploda em esplendor.
Um dilúvio da graça em espiral,
a buscar o seu ritmo, tom e cor —
esgalhando-se em gesto lirial
em simbiose entre a alma e o cordial.
E a vida essencializa o nosso sonho
de nos criaturarmos com o universo
e de sermos com ele um dom inconho.
Um dia ( e a isso tudo nos compele )
havemos de saber (verso e reverso)
que jamais fomos mais nem menos que Ele.
LA 00/11
Não Pôr A Vida Em Nada...
permanecer na fluente liberdade
de não prender a nossa atualidade
a nada: a nenhum mal, a nenhum bem...
Não se amarrar naquilo que nos vem
com toda a sua bela falsidade...
Não se atrelar à última verdade —
qual se não tê-la... fosse viver-sem.
Não se deixar avassalar por nada,
mas cultivar madura gargalhada
que dê frutos de riso e dons de humor.
Não se deixar atar por Vera ou Lígia —
vaginações de sua carne-amor,
nem por tesão que arda calipígia.
LA 00/11
Sua Pele De Rosa...
aberta no entre aurora e o amanhecer,
coberta de libido penumbrosa —
há de florir e, após, enfrutecer.
Hei de enrolar-me nela, por sedosa
hora de imaginá-la a enrubescer...
e desfolhá-la em gesto de ardorosa
paciência de esperar para após ter.
Seu arfar de pruridos e de sedas
fingirão palmilhar outras veredas,
mas cá desaguarão em rio-ser.
A sua rosa, então, amor, esfolho,
até que se me torne o inturgescer
capaz de latejar em seus refolhos.
LA 00/11
Que Encontrareis Na Máquina...
senão o nosso não-saber profundo?
Falar nisso, onde estão os esperados,
aqueles: os varões tão sublimados?
Feudos e feudos de um falar facundo —
um gargantear solerte e vagabundo.
Ovos de águia gorados ou frustrados:
pintos por águias, sonhos desasados.
É hora de deixarmos de ser bobos:
sem autodidatismo e muito estudo —
só há o comerem-se de sujos lobos...
Claro que iremos à universidade,
mas sabendo que a arte é, na verdade,
um dedicar-se teúdo e manteúdo.
LA 00/11
Sem O Sonho...
Sem o sonho,
a vida é água que não corre,
um olho-tudo enfadonho.
A realidade se petrifica —
sem nada que a conforte,
e tudo fica
lá entre a vida e a morte.
O sonho
é um tipo de movimento
( interior ).
Sem ele, a beleza e a verdade
perdem a claridade —
se tornam dor:
parado movimento
sob a luz crua
( e como dói! )
de uma luz nua
( triste ferocidade )
que o homem se constrói
e chama de realidade.
LA 00/11
não raro, tem mais força que a bomba.
Após o estampido —
ela rearruma a casa
do coração —
que lhe vê mais sentido
que qualquer estalido,
entre o que foi e o que será.
A canção diz ao homem
o que ele não sabia
que ela possuía —
força para acordar,
beleza para semear,
verdade para ensinar.
A canção diz ao homem
que as raízes de alma-coração
e a seiva-sonho dos estelos
não esquecem o delírio
das estações,
nem o homem de vontade
que muda o destino
e refaz o caminho.
LA 00/11
Que Faz Um Pensamento...
frente à feroz largueza do oceano?
Que faríamos nós com nosso ciúme
ante a estreiteza a que ele se resume?
Bom seria dizer a tal fulano
que fósforo riscado não dá lume,
que a peça dura até cair o pano...
e que se é feliz só por engano.
Agora, se quiserem lhe dizer
contrariamente a tudo o que eu lhes disse —
passem vontade não: podem fazer.
Aliás: existe a mão e a contramão...
E é tolo esse querer saber ( pura doidice )
que é que entra ou sai, se a casa ou o botão.
LA 00/11
Dizia Que Era Dono...
do seu próprio nariz, e que fazia
o que queria, e mesmo o que seria
e nunca foi: faria, e até com bis.
Proprietário do plácido nariz,
com que abrira o seu ramo de franquia
entre o ego e a sua pinoquia —
tentou rimar nariz com ser feliz.
Mas não: notou que a rima atrapalhava —
era algo velho como ser desleal
ou fazer tratamento pra broxônio...
Viu que não era assim, não adiantava...
Percebeu que seu bárbaro nasal
não era assim um grande patrimônio.
LA 00/11
Lá Um Dia, Sabendo...
não lhe era tão assim particular —
rugiu, ameaçou, quebrou o taco:
esperneou, berrou até espumar.
Tramou, jurou: só restariam cacos...
e o coiso e a coisa, ele os poria a assar...
Mais outras mil bobagens de homem fraco
escorriam-lhe n’alma a fervilhar.
Vai tempo, e surge um anjo... ( no boteco )
que ao ver-lhe o transe, dá-lhe um peteleco:
“Privatizar, André!?!... ( Beba!, prove: é rabada... )
Privatizar buracos!?! É só olhar:
não há uma paranóia em os tapar?...
O lado bom da vida, André, é a estrada.
LA 00/11
Dois Coelhos...
Não beberás dessa cicuta,
nem lembrarás deves um galo.
Só te desejo um bom regalo
entre os dois gomos de uma fruta...
A vida é lisa como o quiabo
e passa falsa como o diabo.
Só beberás dessa cachaça
e comerás desse robalo.
Eu trocaria o meu cavalo,
se aquele rei me procurasse...
Sei não seria nada fácil,
mas de asa-delta a gente passa.
LA 00/11
2
F= MM
Faz amor, País-A,
faz amor, País-B.
E entre um fazer e outro,
aí, sim: para desentediar —
fazei, fazei a guerra.
Bem mais humano assim
que o vice-versa disso,
não é mesmo, senhores?
A fórmula vos dou
( não só a vós: a todas as nações )
para um viver melhor —
2
F= MM:
Fodei Mais,
Matai Menos.
LA 00/11
Quem Sabe Eu A Beijasse...
como se beijam lírios, a beijasse
com o mesmo delirar de outrora-agora,
beijasse a pétala de sua face.
O mesmo sentimento cor de amora,
o mesmo tremular de tenra alface —
o suor de nossas mãos, em seu enlace,
roxos arrulhos a bicar a aurora...
Quem sabe, àquela hora de açucenas,
o nosso coração, aberto em flor,
não se fizesse luz para as falenas ( ?... )
Quem sabe, nesse jeito astral de lírio,
você pisasse os dedos desse amor...
pra dele então cuidarmos com delírio ( ? )
LA 00/11
Nessa Escatologia...
com o pó dos sentimentos a assoviar
entre as ruínas reais de pensamentos
que a arrogância tem feito trambolhar...
Por esses nevoentos sofrimentos
que o homem impõe ao homem de passar,
infligindo-lhe fomes e tormentos:
centrando o ouro e a pobreza a espalhar...
Nessa hora órfã de humano, o que fazer
pelas ruas do mundo a depender
da urdidura impiedosa dos grandões?
Que fazer, senão termos convicções
de que já somos mais que vencedores
n’Aquele que nos deu vida e valores?
LA 00/11
Sempre Que Se Tratar...
Sempre que se tratar do ser,
do ser-profundo,
chegar é mais uma chegada
e o fim —
só uma idéia entre pontos.
O fim-final é tão não-sabemos
quanto o começo-início.
Ser é apenas ser em ser-se,
o mais é Ser em sendo:
o sido a suplantar-se
em novo sendo —
até nos descobrirmos
na própria essência
de Eu Sou.
LA 00/11
Sábado À Tarde, A Praia...
Sábado à tarde, a praia é tão facunda,
que vira um só discurso: areia e bunda.
“Picolé!...” “Olha o coco geladinho!...”
“Água!...” “Cachorro quente!...” “Olha o durinho
de padre ( picolé )!...” E assim se inunda
a orla, e espraia um mar de areia e bunda —
um calipígio e suave burburinho...
tremelicar da carne ao rubro vinho
da tarde que se inclina sobre o mar
incendiado dos tons da primavera —
com os últimos clarões a gaivotar...
A brisa quente veste-se de sombras...
A noite e as coisas: gestuais de cera...
Arrulhos, em lilás, de longes pombas...
LA 00/11
Assim marginalizados,
o que nos resta
senão a verborragia?
Senão nos recontarmos uns aos outros
dentro de uma sociedade
que — pérfida — nos expele?
Moeu-nos, engoliu-nos
e retirou de nós o que servia —
e agora nos excreta entre seus flatos.
Resta-nos o verbo
como única vingança —
mostrarmos o seu por dentro
em intenções e traições —
em seus campos minados
e suas profecias
elaboradas de perversidades.
A denúncia verbal é o que podemos
dentro desse tecido canceroso —
a nossa luta de Quixotes
para reconstruí-la
com a argamassa do avesso
do seu ridículo.
Limpemos nosso rabo com o Script
lucubrado pelo Governo Central —
chega de reprodutividades:
clonagens dos nossos améns.
Enquanto houver um só povo
dividido em fausto e subpobreza —
homem nenhum seja levado a sério:
em parte alguma do globo.
Enquanto isso, o Verbo sangra.
LA 00/11
( que anda em bando,
sempre enturmado )
lá dos feudos universitários,
das escadarias celestiais —
tesudozinhos:
coçando-se as batatadas, as pepinosas,
as abacaxices, as nabagens...
Aqueles que não entram
e nem deixam entrar —
fariseus falando com o muro
das feudo-adulações,
feudo-asneiras-conivências —
feudo- arrogâncias a vagir
( a vagir! ).
Quando esses imbecis publicam
( pelos desvãos de mídia conivente,
comprada e podre de idiotia )
aí os sem-vergonha mostram,
— vingança nossa —,
que falam pelo rabo
e pensam pelos intestinos.
Seus vagidos descartáveis
( vagidos! )
empestam, fétidos e merdosos,
aquela parte da mídia
venal e cínica e putona —
desde sempre autovendida com carinho,
e pela sordidez comprada:
para sempre teúda e manteúda —
atirando dislalias ao vento
das paranóias.
Ai de vós,
ó das idéias amarelinhas,
quando o tempo vos perguntar
onde está a vossa obra!
.....................................................................
Putões estéreis.
LA 00/11
Melhor Fora Deixar...
Melhor fora deixar falar o vento.
Quem sabe nos teria a ensinar
o avesso do que pensa o pensamento —
as suas des-razões a arrazoar
sobre o lógico estuar do sentimento
traduzido em seu fundo marulhar,
ou no longe horizonte nevoento
com procelárias a roçar no mar...
Melhor fora deixar nas mãos do vento
esse amor que enraizou no sonhamento
de haver em cada sonho um re-sonhar...
Ou então espalhar, em gesto lento,
o pó desta saudade ao banimento...
e repousar na fé fincada no ar.
LA 00/11
Nosso Sarcasmo E Nossa...
Nosso sarcasmo e nossa gravidade,
nossa derrota e nossa rebeldia
são contrapesos para o dia-a-dia,
são esperanças de felicidade.
O cavalo, a loriga, a feridade,
o atrevimento, o medo, a covardia —
a gente os dosa e salga com a ironia,
o riso, o humor: o humor da seriedade...
E partimos com nosso Sancho Pança
que sempre nos reacende a parte criança
e ajuda a equilibrar o nosso sonho...
Só quando o sonho perde o lado inconho...
e Dulcinéia já não é a bela...
então o velho mundo se esfacela.
LA 00/11
Se O Que Passou Nos Faz...
por julgarmos melhor o que se foi:
a calma, a carne, o mocotó do boi
passaram: só ficou o seu antraz,
seus chifres, seu mugido tão loquaz —
algo que já passou, mas ainda dói,
porque a lembrança disso é que remói —
tanto de coisas boas quanto más.
Porém, se boas ou se más, passaram.
Que coisas ou fantasmas nos ficaram,
que valham pela dor do que passou?
Sei não, meu coração... talvez aquelas
que por as termos visto menos belas
foram a sombra fiel do que restou.
LA 00/11
Até Que Estava Bom...
Até que estava bom aqui. Mas vem,
a qualquer hora, a visitante, e toca-
nos ir embora com essa pressa louca
e esse ar lambido de não ser ninguém...
Esse sem jeito de quem já não tem
palavras, mas só calços pela boca...
Um ar plumoso de galinha choca
entre um sorriso vago de estar sem...
Amigos, inimigos e parentes
vêm dar uma espiada, concorrentes
de vida e herança, a olharem-se e a dizer
com os olhos: “Está vendo o que é que somos?...”
E ali já vão pensando em quantos gomos
a cada um, por lei, hão de caber.
LA 00/11
Para Mim ( Aos Doze Anos )
Não dê uma de delicado não.
Mastigue bem, triture e engula. Beba
doce, amargo ou azedo: pouco. Enseba
ou limpa, mata ou cura a ( mesma ) mão.
Perdoe. Mas não porque seu coração
seja em si bom, senão porque recebe
a mesma graça que perdoar concede.
Sim: mão com mão se lavam no perdão.
Quando amar não consiga, então suporte.
A alegria do Pai torna a alma forte —
sintoniza-a com o bem, com a esperança.
Seja a sua postura reta e mansa
em relação a toda criatura.
E o amor do Filho seja a perene aventura.
LA 00/11
Se o nada for o tudo,
lançado por espelho
no rosto da existência —
então o nada é transparência
dessa fatalidade
e destino-correnteza —
em seu lutuoso mal.
Essa mortalidade
só pode ser transcendida
( vencida desde a morte )
em Cristo:
ressuscitada Nele —
que triunfou por nós,
abrindo-nos as portas
do outro lado de nós —
lá onde Ele nos é a mão
a nos livrar do Auto-Engano:
por aquela outra margem
( em nós ) —
nem direita nem esquerda —
a margem espiral,
elo entre nós e o Pai.
Acho Que Nem Morremos...
coisa séria. Se a noite é muito fria,
aqui dentro de casa, sempre damos
um jeito: lume, fogo ou energia.
Lá em sem corpo, em outras gamas, vamos
nos adestrando a andar em fluida via —
terreno astral que agora palmilhamos
com o plasma do mental em sintonia...
Acho que nem morremos, só fingimos
um desprezo mortal: nossa vingança
de tanto carregarmos a esperança...
Não. Não morremos não. Nós só fugimos
lá para o mais profundo de nós mesmos —
tão profundo, que nada mais já vemos.
LA 00/11
Enorme Fila...
Enorme fila... ( eu sonhei ): havia
enorme fila para aqui descer.
Ali, a criatura claro-via
estados-gamas de seu inter-ser...
Ali, a criatura revivia
o que mais lhe faltava ( em si ) tecer,
e essa imagem guardava em sintonia
com o que haveria de aqui fazer...
Escada que descia e que subia:
Cristo era seus degraus, seu Centro-Ser...
Seu amor se tornara a santa via,
santa verdade e vida a oferecer
ao Ser a Sua mão e companhia
no como organizar-se e transcender.
LA 00/11
Guarda teu riso.
A tua cumeeira
está amarrada com cipó.
LA 00/11
Carne boa sempre foi cara.
Comer bem é para o homem
ou mulher
que toma dos outros
e aplica
em seus jantares-eróticos.
LA 00/11
Amordaço Saudades...
com receio do que elas contariam...
enquanto o vento colhe belas pinhas
que a árvore de Natal enfeitariam...
Há quanto tempo tu já não me vinhas
trazer aquelas rosas que morriam
de medo de esquecer as entrelinhas
que normalmente sempre sugeriam...
As saudades disfarçam os pieguismos,
as rosas buscam não dizer truísmos...
É tão difícil ser original.
O próprio vento sopra natural:
calmo, não geme dores nem modismos...
brando, já não desfolha o roseiral.
LA 00/11
Tenho Pedro, João...
bem debaixo da máscara que porto.
Brútus também, e aquela doce Ofélia —
frágil de alma e de mãos, e sem conforto.
Trago em mim o meu pai e tia Amélia,
o poeta Ronsard e o filho morto
( e único ) da minha vizinha Zélia.
Em mim, todo partir e todo porto.
Tenho os fricotes, taras e chiliques
dos pobres diabos e dos diabos chiques.
Sou macho e fêmea, depravado e santo.
Trago em mim toda a plena humanidade —
sou a diversidade na unidade:
o pouco e o tanto, a canção e o canto.
LA 00/11
Talvez Alguém Me Diga...
Talvez alguém me diga o que fazer,
nessa hora teúda e manteúda
nas mãos da Economia sabichuda
que exalta o rico e ao pobre faz gemer.
Talvez alguém me diga o que dizer
nessa hora global que já transuda
o suor gelado dessa angústia muda
de o homem fingir que é, e nada ser.
Aliás, dizer o quê, fazer o quê,
quando o homem se desliga da vontade
da Providência para impor a sua?
Quem sabe o homem não alugue um videokê
e veja que a canção da solidariedade
se transformou em desemprego e rua?
LA 00/11
gosta do outro nem de si, a não ser
que o outro lhe caiba dentro da ambição
de ajudá-lo a amontoar ter sobre ter.
Coisa engraçada o homem: na canção
canta seus ais de amor, faz florescer
as pedras que tem lá no coração...
e enquanto canta, sabe compreender...
Sabe ser curto e duro como um “u”,
pomba que se traveste em urutu.
Mais que a si mesmo, ama o seu lacaio...
Ergue pedras, admira o buriti...
Sabe que a vida é frágil como um “i”...
Faz cair raio em pleno mês de maio...
LA 00/11
das flores da tua pele —
rosa, anis, azálea, lis
e aquele perfume branco
de pequenas açucenas.
Colibris à flor da pele
de delicados momentos
azulizados pelo vento
que o navegar impele
por maios e colibris
das flores da tua pele.
LA 00/11
No Busto, Dois Coelhinho...
olhando para cima. No sorriso,
a libido de Monroe. Já no andar
o jogo de pernas de Sharon Stone...
No olhar, aquele céu azul: Lis Taylor
( em seu oitavo casamento ). N’alma,
uma ambição trifauce. Na xiranha,
o liso de óleo “E”, recém-trocado...
No cérebro, neurônios tantos, tantos
que doou a metade pro marido —
cujas sinapses riram de eficência...
( Um Oscar? Nunca. Mas casou com o diretor...)
A intenção? Resgatar aquele tempo
em que fodia mal, ou não fodia.
Os Rochedos Dormiam...
Os rochedos dormiam sossegados,
não obstante o mar batendo neles.
Mais pareciam animais deitados
com as águas escorrendo-lhes da pele...
Mais ao longe, fantasmas neblinados, —
muitos, muitos golfinhos com aqueles
saltos-ondeantes, semiperfilados —
atrás de presas, dispensando as reles...
O barco recortava as curtas ondas —
com as bochechas infladas e redondas,
parecendo um guerreiro com notícias...
Na tarde voejada de gaivotas,
a baía incitava a longes rotas —
a quilha penetrando sem carícias...
LA 00/11
Se tudo está fugindo,
por que tentar segurar?
Segurar fora ajudar na fuga.
Ver fugir
é estar livre —
entre o fugidio
e o sendo
no ser que se desmancha eterno.
Só temos mãos para aparar
o que mal pára entre os dedos —
realidade líquida
buscando chão para infiltrar-se.
E a água que temos nas mãos
é água-nós-mesmos
fluindo em calhas-sempre —
a moldar outras formas
para poder aparar-se
na fuga que autoprojeta
de ser em sendo —
eco de eco,
sombra de sombra
entre chuvas de junho,
chuvas de muito azul —
em fuga.
E é nesse sem lugar
que temos de construir
a casa do coração:
nas mãos vivíssimas
de Deus.
LA 00/11
Homem de pedra,
burguês unifocado —
dono de sanidade
incurável.
Quanta arrogância.
Quanta doença.
Um dó profundo
dos que moram num raio
de três mil metros de você,
filisteu fedendo a merda.
Caráter monobloco,
fazendeiro das pedras.
Cidadão unidimensionado,
tarado de um ver sem verso —
enfermo
de uma saúde mortal.
Até até,
consciência rochosa.
Até oxalá nunca,
seu filisteu de
frontispícios.
Fique à vontade,
sinta-se em casa —
fecharam todos os hospícios.
LA 00/11
Eram Belas As Pernas...
Eram belas as pernas de Leonora,
tanto que seu marido as segurou:
sete mi cada uma, e mais não fora
porque Leonora, firme, protestou:
Porra, Babu! se valem tal pletora,
o busto vale quanto? E o descerrou...
E a xota: ruiva que jamais descora,
vale quanto, Babu? E a explicitou...
O novo-rico, frente ao argumento,
não conseguiu resposta ou pensamento
que o acudisse ante a musa insatisfeita.
A mãe ( dele ), que ouvira contrafeita,
lhes diz: Isso jamais estraga, nunca e nada:
é só mantê-la bem lubrificada.
LA 00/11
não por um mal ou bem, mas tão-somente
como um acontecer naturalmente —
tão natural que quase não se lê
pelas linhas da carne ( inutilmente ) —
mas que até se constata e se prevê
( não importa se vê ou se não vê )
que a gente vai mudando em outra gente...
Envelhecer: água que desce o morro
cumprindo o seu destino de fluir
por caminhos de vário devenir.
Envelhecer assim como um cachorro
que não sabe que um dia vai morrer...
e que é feliz, — feliz de não saber.
LA 00/11
Quando Quiseres, Vem...
de corpo, alma e pensamento: ponho
rosas no meu portal, e a flor placebo...
E te recebo à porta do meu sonho.
Quando quiseres, vem, que te componho
um soneto que há muito não concebo —
novo, bem novo como o olhar pidonho
da criança ante o sonho de um brinquedo...
Quando quiseres, vem, que já te espero
( para ser franco, para ser sincero )
bem antes de Cabral ter cá estado...
Como? Pelo futuro do pretérito...
Te espero, independente de ânsia ou mérito, —
senão à porta do meu sonho, ao lado.
LA 00/11
Benza-O Deus, Esse Amor...
Benza-o Deus, esse amor é bem pobrinho.
Só se dispõe nas horas de festança:
euforia, passeio, vária dança,
realidade virtual com bombonzinho.
Sobre ter-dê, ter-quê passou um xizinho —
ele, hem? Só cuida bem da própria pança,
depois de descansado, mais descansa...
depois de um pedação, mais um tiquinho.
Amor diminutivo, pequeninho.
Chiques, chiliques com muito carinho...
Refrescos, dormidelas, vida mansa.
Amor bem recozido, bem podrinho —
sempre com a ameixa preta na esperança
de rachar-se na ponta de uma lança.
LA 00/11
contra estupros, equívocos... maus-tratos —
punha os esposos mais tranqüilizados
neste mundo de príncipes e ratos.
Podiam viajar mais relaxados
entre povos hostis e os mais pacatos.
Viver entre os vestidos e os pelados...
dormir tanto em hotéis como nos matos.
Com o mais importante segurado,
era gozar a vida a preço de mercado
e comprar os seus bens cosmopolitas.
Transitar entre ...eses ...anos, ...itas,
...enses, pregos, sovelas, parafusos —
com garantia de seus frutos e usos.
LA 00/11