Estações
Laerte Antonio
“Um livro por acinte feito com sonetos. Não são textos soltos, há um fio escarlate que os cose e lhes tatua nas entrelinhas o verso-tema: O tempo é a consciência em estações.” A. L.
Caso queira localizar um soneto mais rapidamente, vá em editar e localizar. Coloque o S/----(número).
Para Achar-Me No Tempo ...
Para achar-me no tempo uso o escrever de que me vou tirando junto a vários para desaprender-me e reaprender por multidões de dias solitários.
Firo palavras como a estradivários — me sustento nos sons de escreviver meus dias que me são extraordinários porque são meus em seu me acontecer.
Para achar-me no tempo é que me escava este escrever palavra por palavra a ajuntar notas de uma sinfonia.
Para achar-me no tempo é que escrever descreve uma parábola-alegria em que me sigo e corro atrás de ser. LA 05/007 S/1
A Outra Margem Era...
A outra margem era bem mais bela quando por lá morava minha Rosa, mas foi ela cruzar a passarela e a do lado de cá é a mais charmosa.
E engraçado... nem sei se ainda aquela margem existe, verde e marulhosa, aquela margem e a magia dela — enquanto lá morava minha Rosa.
Nem sei se ainda existe as tintas-sonho com que pintei meu coração de Rosa e com Rosa vivi um sonho inconho.
Pra falar a verdade, nem já sei se existiu mesmo um rio e fiz a glosa em que eu amei Rosinha como um rei. LA 05/007 S/2
Era Chique, Era Bom...
Era chique, era bom sentir o frio de outono-inverno em nossa carne moça. Era assim como um rio, um grande rio marulhando por nós em dom e força.
Nariz e pernas frias... doce cio a coruscar nas vísceras... a nossa pele arrepiada ao ressoprar macio da noite toda olhos... noite moça...
Era chique, era bom, era divino: eras minha menina, e eu teu menino — a vida um sonho bem da cor da lava...
De sorte, nega, que eu já te esperava: meu coração sentia quando vinhas — tuas saudades a transar com as minhas. LA 05/007 S/3
Cuidado, Nega, Estou...
Cuidado, nega, estou de pincenê... Se te molhas com água de outras chuvas, tiro o uniforme, já descalço as luvas e não trabalho mais no teu chalé.
Gosto da tua estrada e suas curvas, dos teus arfados e tremelelê... Mas daí a sofrer o teu chiquê, prefiro abandonar a vinha e as uvas.
Fingir de morto é um jeito de estar vivo... Cobras sabem deixar as suas peles... O ser humano adora o exclusivo.
O bom toureiro, nega, nunca escapa dos chifres ( até sei ), mas gostar deles, já é não ter amor por sua capa. LA 05/007 S/4
A Tarde A Cochilar...
A tarde a cochilar num jeito outono... Nenhum só pio de ave, um só voejo. O amarelo das folhas pelo entorno dá ao vento um sonâmbulo bocejo.
A brisa é fria com um tom de sono — um quê de afrodisíaco gracejo... Em tudo um dom gostoso de abandono, um desejo discreto, amor sem pejo...
Uma saudade ( em alma ) de ninguém... Uma lembrança boa sem imagem... Um ver a Deus em sensações de viagem...
Não sei que recordar de mim além... A vida é um porto-sonho que se parte entre chegar-partir... E o mais, lembrar-te. LA 05/007 S/5
Sem Olhar Para Trás...
Sem olhar para trás nem desviar, as estações nos levam pela mão e, como crianças, vamos a palrar entre jamais voltar e a solidão...
Sim: bandos de estações a nos levar pra longe, além de nós... com a sensação de estarmos sempre aqui ( paginação de outros sonhos lá em nós a desfilar...)
E viajamos tanto em seus comboios, que só nos restam vultos-sons de arroios... até que a vida os passe a encarnar
e vê-los recaindo ( novamente! ) na mão das estações que, de repente, nos façam ( esquecidos ) re-sonhar. LA 05/007 S/6
Quero Comer Capim...
Quero comer capim, ditosas vacas, junto convosco quero ruminar tudo o que o mundo pensa igual matracas que davam o compasso de marchar...
Alfafas quero, tortas e outras lacas convosco, doces vacas, saborear, bem como com cidreiras e alfavacas quero nosso repasto perfumar.
E assim tornar-me verde em alma e corpo, não de esperança, mas de clorofila, livre com o vento a navegar no topo...
Delícia verde, doces vacas, e tranqüila como ( não por acaso ) os olhos de Esmeralda — bela e gostosa como figo em calda. LA 05/007 S/7
Constelações Maduras...
Constelações maduras, leite e mel jorram de suas tetas explosivas... Farei doces de suas agressivas cópulas cósmicas no infindo céu...
Doces virtuais que mando a granel a outras formas, sim: alternativas formas que abrigam consciências vivas por esse cosmos em distância-véu...
Doces furados pelos bons meninos — os dedos invisíveis dos neutrinos que perpassam sistemas e galáxias...
Em troca, amigos, quero coisa alguma, sim, que não seja nebulosa e bruma... Mando-lhes flores de mentais acácias. LA 05/008 S/8
Azul Em Pó...
Ninguém me dá um céu mais lindo: é maio. Claro, lirial como lembrar você. Sim, tudo em volta é um doido de um chiquê: luzes, cores, azuis... ( seu rosto gaio...)
O vento ergue de leve o verde saio da acácia, e chispa como o Pererê... Há uma alegria hialina neste maio lembrando uma ternura... que é você.
Maitacas deixam o seu rastro verde... gárrulas, gárrulas, gagas e gaias... pintam de verde o azul que não se mede...
Chuva de azul em tudo o que se vê... Azul em pó... azuis alfaias: maio, que é belo, é lindo por lembrar você. LA 05/007 S/9
Teus Califúndios...
Teus califúndios, minha nega, são a paisagem mais monroe que já vi. Vendo-os ondeando tenho a sensação de nunca ter surfado por aí.
Claro, nega: cada surfada é ação única, como o passo do Saci. Sim, tem-se a sensação de... ( comichão? ) ter engolido vivo um lambari.
A impressão, nega, é da primeira vez, as outras são surpresas a ocorrer... todas suando saudades de viés.
Teus califúndios, nega, e frontispícios têm nos seus fins os seus próprios inícios... e fazem quaisquer dedos florescer. LA 05/007 S/10
Neca De Nunquetuvas
E chamego ( que é bom e a gente adora ) — neca de nunquetuvas, minha nega?! Fazes charminho, mas no agá da hora tiras do ponto o dom que eis... escorrega...
E a gente fica assim como quem ora de trás pra frente... ou feito cobra cega... com uma vontade de comer amora, mas a amoreira só a folha achega...
Mas fazes bem, assim tu te preservas... Claro, é preciso haver certas reservas — procurar pelo dom que nos conceda...
Já que amoras não posso degustar, como as folhas... e, qual bicho-da-seda, te teço coisas de fazer sonhar. LA 05/007 S/11
As Distâncias Paradas...
As distâncias paradas... Nenhum vento a lhes dar vida ao verde ciliar. Homens a ruminar o seu tormento seguem atrás do próprio caminhar...
Olhos dos montes tão azuis, que intento em suas pálpebras querem mostrar que o seu longe é um belo sonhamento e seu perto um engano a machucar?...
Língua preta do asfalto, tobogã de sonhos e cansaços a ir e vir engolindo o hoje a boca do amanhã...
Longes comendo longes numa gula de banquete romano que a ingerir e vomitar se atém e auto-regula. LA 05/007 S/12
A Velha Casa...
A velha casa, um pouco só mudada. A mesma cumeeira, paciente, que viu passar aquela toda gente — a vida assiduamente transformada...
Moças cheirando a banho docemente... A vária fala sempre compassada por saltos a pisar a longa escada... A lágrima, o pranto de repente...
Fantasmas a brincarem de saudade cruzam o tempo em alma-coração — conversam entre aqui e a eternidade.
E as doces palras, falas familiares ainda estão aí, estão nos ares recendendo a café e crocante pão. LA 05/007 S/13
Sim: Me Sigo, Persigo-Me...
Sim: me sigo, persigo-me na frente de mim... de modo tal, que ao me alcançar, estarei duas vezes certamente mais adiante do meu próprio sonhar.
E assim a suplantar-me assiduamente a alcançar-me por trás, posso chegar ao porto em que partir, seguramente, é um partir-chegar sem ter lugar...
Há quanto tempo estou nessa viagem dentro de viagens, entre a minha margem e outras, nem vem ao caso já saber...
Pois tudo quanto importa compreender é que o sonho de um porto, quando volta, encontra-o morto pela mesma porta. LA 05/007 S/14
Falarei De Maitacas...
Falarei com maitacas, papagaios de coisas verdes qual seu rastro no ar... E aprenderei com os palradores gaios que palrar muito é bom pra baralhar...
Com ladrões, com nepotes e seus aios aprenderei que o verbo envergonhar só serve para alguns de seus lacaios, o mais é conivência a milpilhar.
Veracidade e honestidade são para esses bípedes, donos do mundo, apenas um deboche-gozação.
Vão por aí? Pois bem, vou por aqui. Tem muito mais sentido, nexo e fundo ouvir o vento e a voz do bem-te-vi. LA 05/007 S/15
Esquente Não...
Esquente não, meu velho. Faça a sua parte na vida, e o resto já está feito. não é porque alguém chegou à Lua que chegar lá também lhe está sujeito.
Esquente não. Acene pro prefeito, pro gari e pra puta que pariu esse global sistema tão perfeito ( em seu mal ), que o pariu e ninguém viu.
Trate o santo e o safado de igual sorte — nenhum deles o faça seu refém: ambos são lâmina de duplo corte.
Esquente não. Apenas coce os mimos e tenha a vida e o mundo como primos que lá no fundo sempre se dão bem. LA 05/007 S/16
Um Dia Amada, A Vez...
Um dia, amada, a vez será do verme, já que o danado espia, entre o prazer e a dor, nossa existência sob a derme da luz e com a vida a conceder...
Um dia, minha amiga, em vez de ver-me, verás a folha, a brisa, o sol a arder... minha lembrança a te soprar o germe de um sonho e ver-te os lábios florescer...
Quando vier tal dia, minha amada, dobra o pique, prossegue na jornada assoviando uma canção qualquer...
E vê se levas logo pro teu quarto outros pés que com os teus se tornem quatro e te tratem qual anjo e qual mulher. LA 05/007 S/17
Que Fazer Com O Silêncio...
Que fazer com o silêncio nauseabundo, com a quietude de castos cemitérios? De que serve a riqueza deste mundo, se serve só ao rico e aos seus critérios?
Se bem que bem lá dentro, bem no fundo são nepóticos esses despautérios, as pulsões de ser rico têm profundo liame com poderes deletérios...
O papa partiu ontem, Deus o guarde. Agradou muito mais do que ao contrário — benzeu, aconselhou, fez santo. Nunca é tarde.
Todo pecado tem o seu salário. Que o medo jamais possa proscrever nossa justa alegria de viver. LA 05/007 S/18
Olá!
Olá bocas famintas sempre enormes. Bundas moldadas, seios grandiformes.
Olá gostosas, belas raparigas, se algo vos perigar, usai lorigas.
Laranjas maus de castas catanduvas, pau comeis vós, vossos patrões, as uvas.
Ó terra amanhecida de esperança, segurai! — não tem pratos a balança.
Olá balas perdidas, quantas vidas matais por duas peras já podridas?
Olá dança da pizza, que requebros novos inventarão vossos brinquedos?
Ó amigos do toma-lá-dá-cá... Cuecas, calcinhas, dólares, olá! LA 05/007 S/19
Aqui Nessas Varandas...
Aqui nessas varandas escrevi sobre as areias de um viver singelo, ao lado do Espraiado tão magrelo, fino como o cantar do bem-te-vi.
Aqui nessas varandas eu vivi horas calmas de um sonho sempre em elo com o bom, com o nexo, com o belo de um projeto de vida que escolhi.
As palavras nos vão assimilando, de sorte a nos tornar, sem onde ou quando, entidades simbólico-verbais.
Só nos resta assumir a reciclagem e incorporá-la na interior bagagem — salto de ser a ser-se em seu ser mais. LA 05/007 S/20
Saber Que Temos...
Saber que temos é essencial conforto, sim: ter quem nos invista o seu afeto — o nosso coração acha o seu horto, a nossa alma encontra, enfim, seu teto.
A mão que nos afaga é o melhor porto de onde partimos feito um arquiteto sempre em busca de estilo e reconforto que ele acha em seu criar, sempre incompleto...
Os braços índicos que nos esperam têm a alma e a força que nos retemperam, pois que essa sinergia gera o dom
que faz parir os sonhos que engendramos, e tudo isso é muito, muito bom — termos ao lado alguém a quem amamos. LA 05/007 S/21
Este Soneto É Para...
Este soneto é para uma finada, não minha amiga, menos minha amada, mas alguém que era mais que amiga e amante — alguém que foi a sombra mais brilhante
que já vi entre o escuro e a madrugada, pomba da noite em ruflo pra alvorada — um remígio, metáfora rasante, trisso no lago, trisso andorinhante...
Este soneto é para a renascida que acordou desta vida para a vida que é mais um sonho, sensação hialina...
Este soneto é para a tal menina lá da ponta do largo: foi pro céu numa manhã que nunca amanheceu. LA 05/007 S/22
Corvo Por Tobogãs...
Corvo por tobogãs de azul, que inveja ver-te deitar-rolar puxando o manto azul nas costas... trêmulo acalanto... negro filho de Poe no céu drapeja...
Pareces um guerreiro em vã peleja... ou mais um vagabundo fiando o encanto de pretender trançar, urdir o pranto de Lenora... a que a vida não enseja...
Tu que no chão és mísero e feioso lá no céu és um príncipe glorioso — um paradoxo de asco e encantamento.
Tu que na mente humana és nojo e agouro, no céu és rei por entre o azul e o ouro — sereno brigadeiro em sonhamento. LA 05/007 S/23
Esse Caos Mineral...
Esse caos mineral não se conhece, logo, também não pode conhecer-me. O mesmo com o animal, a planta e o verme — conhecer-se é degrau do ser, do é-se.
Só aquele que se conhece vê-se, caso contrário, como posso ver-me, se não disponho do mais fino creme que só degusta o ser que se conhece?
Do mineral até o hominal — em tudo um caminhar para a consciência, um trabalho nas mãos do temporal.
Do mar para a campina e para o monte — só depois o recriar da própria essência... Sim: todo ser é de si mesmo a ponte. LA 05/007 S/24
Dormirias Comigo...
Dormirias comigo, bela rola, acaso moça fosses, e bonita? Já que moça não és, então arrula tua dor cor de amora, e infinita.
E tu, Beatriz, por uma carambola, dois pequis, me darias o prazer? Se não abres por pouco a portinhola, procura quem te possa mais fazer.
E tu, proustiana e bela rapariga, oásis de beleza e graça em flor, por amor me darias teu amor?
— Deita, meu amo, sobre a tua amiga! O tal francês matei devagarinho... a ti mato também, mas de carinho. LA 05/007 S/25
É De Corvo E De Lontra...
É de corvo e de lontra a minha capa, se bem que a chuva já parou. Na areia imprimo o meu andar descalço... Feia é a noite dentro dos meus olhos. Mapa
e bússola só os trago em mim... Me escapa das mãos o meu bordão de cerejeira, que parodiava a luz... que eis já clareia com sua cabeleira sobre a lapa...
Restos rotos de sonhos nos meus olhos vão cantando a correr pelos abrolhos uma canção de marinheiros mortos...
Tenho visões de alma de princesas que trocariam suas realezas pelos olhos dos moços de outros portos. LA 05/007 S/26
Coisas Novas E Velhas...
Coisas novas e velhas vai tirando lá de si mesmo aquele que reconta o ontem, o hoje e o amanhã: lá bem na ponta de um retrós que se vai desnovelando...
Novas e velhas, todas superando a si mesmas e ao tempo que as pesponta nos dias, sim: na luz que se defronta com as sombras... e estas fogem ao seu mando...
Coisas novas e velhas, nossa essência em seus saltos mortais de ser a ser-se... lá entre não saber e a consciência...
Novas e velhas, reciclando o novo em renovo e galando o novo ovo a ganhar asa e vôo — e transcender-se. LA 05/007 S/27
Outono Já Boceja...
Outono já boceja em cada folha. Uma brisa mulata pela tarde mostra o verde a tremer para quem olha entre o roxear da luz que já não arde...
Do leste vem a lua a olhar caolha sobre arbustos e casas com um ar de quem se balança dentro de uma bolha — berceuse pelo céu que... eis já encarde...
Um vento frio sopra afrodisíaco em eu pensar em ti, minha safada, com esse jeito e olhar tão sem-vergonha...
O vento lembra os tons do mestre austríaco a musicar o arfar... ( lembras, amada? ) o arfar de amor e crer no bem que sonha. LA 05/007 S/28
Vem-me À Saudade...
Vem-me à saudade a maciez crural de nos trançarmos pelo outono frio — lá fora as pombas em roxeado pio, no quarto esse concerto digital...
A vida, assim, é um bem com menos mal, um espinho já feito mais macio, um brejo que com a chuva se faz rio... um cortejo de sombras matinal.
Não sei o que dói mais: se recordar ou querer o replay do recordado pelo lado do avesso do lembrar...
O mais são ofegantes sentimentos ( sim, nós sempre em crurais entendimentos... ) no tempo congelado dos amantes. LA 005/007 S/29
Ama A Loucura, Filha...
Ama a loucura, filha, pois sem ela vais te entediar com a sonsa realidade — sim, só aquela tem a passarela capaz de te livrar da hilaridade:
te ensinar a coçar-se sem seqüela e te livrar da cínica verdade que o mundo te apregoa como bela, mas de bela só tem a puberdade.
Ama a loucura, filha, a sanidade só faz fritar bolinhos de trivela e ver com um pé atrás a liberdade...
Sim, a loucura arma e pinta a tela, mas só mais tarde a compra a sociedade — que a exibe e se regala de detê-la. LA 05/007 S/30
O Amor, Amada, Sempre...
O amor, amada, sempre por um fio, precário fio no seu fio dental. Mas não desanimemos, que esse mal é tão bom que até dá um arrepio,
um arrepio a nos descer macio goela abaixo até o fim final... E o mais, amada, é um feeling digital formando afluentes de gostoso rio...
Tão bom que nem precisa ser real, por isso pode andar com esse frio que é muito mais moral que corporal.
Por esse frio sempre por um fio, um fio fino como um assovio... Um fio, amada, só um fio dental. LA 05/007 S/31
No Inverno Teu Nariz...
No inverno teu nariz ficava frio, frias as pernas, lisas como peixe... e nossas sensações, num mesmo feixe, em arrulhos de pássaros no cio.
Quais águas múrmuras de um mesmo rio nasalando canções tal quem se queixe... entre a relva ciliar em mexe-mexe — arfamos, minha nega, em bom navio...
Um cheiro bom de uva e carambolas por todo o quarto... e o som de castanholas lembrando um corpo erótico e andaluz...
E quando o galo canta lá no longe a gente apressa a última... qual monge que tem de retornar antes da luz. LA 05/007 S/32
Quando As Águas Cobrirem...
Quando as águas cobrirem a campina iremos pelas trilhas da montanha... e não veremos nisso sorte ou sina nem castigo de força alguma estranha.
A campina estará muito mofina, a montanha não menos, e tamanha, que dela passaremos pra colina sobre o rugir da água e sua sanha...
E ali esperaremos, minha amada, baixar as águas, mas sem pressa alguma... e de nós desceremos ( entre a bruma )...
E já teremos asas pra voar — iremos para o norte em nós: a estrada que liga o ser ao seu sonho-chegar. LA 05/007 S/33
Aqui, Neste Cantinho...
Aqui, neste cantinho, hoje memória, em meio a esse silêncio sempre em flor, dois corações gorjearam sua história, arrulharam seus cânticos de amor.
Creram no amor, em seu enlevo e glória — fizeram de agres frutas seu licor, ao preto e branco deram nexo e cor: mais bela a vida quanto mais inglória...
Entre o ouro, o azul e as tardes cor de amora, viveram amplamente como a aurora — deram sentido e rumo aos seus momentos.
Viveram uma vida exuberante, de sorte que hoje há um rir ( sem dor ) perante as varandas sozinhas... folhas... ventos... LA 05/007 S/34
Tosses, Rosadas, Tiros...
Tosses, risadas, tiros pelo escuro... e pela noite estrados em orgasmo. O amor constrói na cama e sobre o muro com o mesmo chilique: gago e pasmo.
Velhas primas defuntas, seu fantasma gosta de amar as almas de marujo... Uma delas, que sofre muito de asma, mia, muge debaixo do de cujo.
A mãe de Catarina só a viu quando ela tinha dezessete anos, mas em vez de assumi-la ela sumiu.
Depois de trinta anos, mil enganos, a mãe da moça traz-lhe o seu chulé... No mesmo dia a moça dá no pé. LA 05/007 S/35
Nunca O Soneto Só...
Nunca o soneto só pelo soneto, mas o soneto pelo aprazimento, pela delícia de se ousar o intento e vê-lo transformado em dom completo.
O dom que mostre um cimo, um topo, um teto — o vencer os limites do momento, o ir-voltar de bom discernimento — o abrir a mão pelo aparar repleto.
Sempre o soneto : um som passeando dentro de ouvi-lo lá por alma-coração a ter o lúdico por tema ou centro.
Sempre a alegria de um zumbir a fiar uma canção em alma, uma canção que traz em si um som que quer contar. LA 05/007 S/36
Disse ao meu coração...
Disse ao meu coração que fosse forte, deixasse de melindres e angustura. Descobrisse lá em si o ponto norte — o que une o Criador com a Criatura.
Disse-lhe para se prover, de sorte que pelo recordar, em reaventura, fosse construindo a via e seu aporte para deixar o hábito e a clausura...
Disse-lhe que aprendesse a vindimar as uvas da palavra em sua vinha e com elas pudesse fabricar
aquele vinho bom que nos convinha para sonhar-lembrar, sonhar-lembrar o caminho de Casa que ele tinha. LA 05/007 S/37
Cansado De Heroísmos...
Cansado de heroísmos e outras nóias, disse ao meu coração que sossegasse — que o burro come feno, o humano alface e que as belas helenas geram tróias.
Não se dão bem os áulicos e os goyas, mas se exploram e vivem face a face — a sociedade é logro com repasse e tudo em torno um palco e suas sóias.
Disse ao meu coração que se coçasse, mas tivesse cuidado com as pinóias, senão podia ser que se sangrasse.
Respondeu-me sem troças nem heroísmos que o bom da vida são os seus truísmos — original, só o bafo das jibóias. LA 05/007 S/38
Antegozados Pígios...
Antegozados pígios e colinas... Prévios orgasmos ciberdisparados em mentais furnas, locas nacarinas resvalando em afetos já molhados.
Por entre algas e corais bordados, os golfinhos em águas cristalinas com toques geniais e enamorados se amam entre a água e o azul... pelas neblinas.
Também a trapezista (que voava com as pernas nas mãos dos meninotes) fazia amor com os olhos da platéia...
E o povo, impaciente, antegozava sua queda sem rede e sem pinotes — só desejavam essa tutaméia. LA 05/007 S/39
Vou Construindo Uma Nave...
Vou construindo uma nave em dentro em mim enquanto me navego pro futuro levando na alma o dote nascituro que meu Pai me outorgou quando aqui vim.
Um fim-começo ou um começo-fim é tudo quanto sai do anseio escuro e vira luz: viaja-se no muro entre não-ser e ser, ser-não, ser-sim.
Tudo são três: a sombra, o vôo, a ave... Vou construindo a três a minha nave com um sentimento azul em forma de asa.
Há um porto em mim que é meu partir-chegar... A casa de meu Pai, é em mim a Casa... Sim: em mim é o aqui e o lá já estar. LA 05/007 S/40
Todas As Coisas Têm...
Todas as coisas têm a sua tisna, nosso prazer jamais será completo. Toda consciência tem seu ponto-teto, a mesma luz caminha prisma a prisma...
Nosso pensar que é é só uma cisma — a mostrar nosso ponto predileto... Pelo picar não se conhece o inseto, nem nosso bucho entende de carisma...
Ninguém dá por escrito o que nos disse. A mocidade gosta da velhice desde que não lhe peça pão nem mão.
A beleza nem sempre é mesmo bela, nem a primeira luz bate à janela... Tudo questão de não fazer questão. LA 05/007 S/41
Vinho-Sonho De Vides...
Vinho-sonho de vides consteladas! Ah! Pés descalços pela vinha, à lua... Beleza sumarenta das amadas, belas, nuas pisoteando as uvas...
Vinho-amora de auroras marchetadas... amadas com as mãos ( descalça as luvas! ), amadas com as mãos vinho-sonhadas de uma tesão lunada e sempre nua.
Taças cheias, cantantes nos “tintins!” a tilintar hialinas de alegria entre sorrisos, vozes, gestos-sins...
Seios-uvas-bocas-vulvas sumosas, bebei e desfolhai na vossa orgia a libido-pulsão de vossas rosas. LA 05/007 S/42
As Qualidades Nas...
As qualidades nas pessoas nos atraem. Seus podres fazem mais amá-las. Entre gente estão cercas, muros, valas... e o sonho de esganar o que os pôs.
Um cai, mas dois levantam. Quem depôs as armas pode ter nos membros talas... Não ter a língua é bom: já não há falas... Sim, os tiranos gostam de robôs.
Não ver, não discernir nos faz amados, quanto mais tolos mais domesticados, quanto mais dóceis mais e mais escravos.
O mundo é quase todo da gentalha — de um lado os temerosos, do outro os bravos... A ninguém falta nada pra canalha. LA 05/007 S/43
Tristes Aparições...
Tristes aparições, tristes fantasmas, pervagam tristes pela multidão. Quem era vivo, eis... é assombração — balas tingem o chão de rubros plasmas.
Luxúria a misturar-se com miasmas, a grande pompa agride a inanição. Os belos da mamãe e os da excreção da sociedade em seus torcidos quiasmas.
Riqueza a concentrar-se estreitamente. Pobreza a repartir-se caudalosa. Corrupção a sangrar copiosamente.
A metralha a picar a diária rosa. A esperança, qual pão amanhecido, tem a cor do bolor esverdecido. LA 05/007 S/44
De Um Mesmo Bem-Me-Quer
Laura, Beatriz, Ofélia, o que ganhastes além das iguarias da vaidade? E que hastes apararam rosas, que hastes as tiveram com mais suavidade?
O mundo amou o quanto saboreastes e o sublimou em laivos de saudade. E tais jóias tiveram seus engastes na poesia de toda a humanidade.
Ganhastes vós, ganharam as mulheres — que entre rosas, estrelas e talheres são pétalas do mesmo bem-me-quer.
Enquanto houver no mundo ( saudade? ), saudade, amor, amante, insanidade... sereis amadas em cada mulher. LA 05/007 S/45
Tarde No Parque
Os insetos se pegam em estupro na corola dos lírios tão humanos... Os casais trocam seus iriais enganos por todo o parque... O vento em brando sopro.
As maritacas num congresso insano, todas lá entre as folhas, bem no topo... Uma moça em perfil, jeito cigano, toca violino, lê a mão e o copo...
Dois realejos com suas caturritas despertam esperanças infinitas — mocinhas fazem fila pra sonhar...
Expressões calmas, outras quase aflitas... A tarde morde amoras com ternura... e veste a sua camisola escura. LA 05/007 S/46
Ontem-Hoje
Quando outono me vem em tardes frias — belas, suaves como te lembrar, revejo em alma as coisas que fazias, tua presença a nos iluminar...
Eram tão naturais aqueles dias, um espontâneo dom a nos guiar... Uma alegria fluindo em alegrias, um nume bom, um íntimo cantar...
A fé a recitar seus fortes versos, a esperança por nós a antegozar... O amor a unir num só os dons diversos.
Quando outono nos vem em tardes frias — belas, suaves como te abraçar, somo novas a velhas alegrias. LA 05/007 S/47
O Mais, Nem Sei Palavra
Nem sei palavra, amor, nem sei palavra que lhe possa dizer com mais justeza o quanto é bom gostar-lhe a femineza dos dotes de mulher em charme e lava.
Nem sei palavra, amada, que na brava luta de expor, lhe fale da beleza como misto de graça e gentileza, como brilho do veio que se escava...
Só sei que qualquer pano maltrançado suas pernas transformam em bordado — seu andar tem agulhas no que lavra...
Sim, sei que seu andar faz desfolhar os olhos que lhe possam resvalar... O mais, amor, o mais, nem sei palavra. LA 05/007 S/48
Nume De Amor
Alegrias, as tive, e foram muitas, lá no lado da infância e mocidade. Muitas e belas, e jamais fortuitas — alegrias pisando a realidade.
Tive um nume de amor por essa idade, uma força que sempre me seguia e que era traduzida em alegria — alegria que é força e suavidade.
Ela que suavizou toda a fereza daquela vida abaixo da pobreza e foi-me o combustível para a luta.
Uma vontade mais que resoluta foi outro dom ( coragem ) pra furar a rede... e conquistar o meu lugar. LA 05/007 S/49
Soneto Antigo
Quando ela passa podre de gostosa, gloriosa e linda como um verso antigo, com poucos panos e a mostrar o umbigo, — jogo-lhe com os olhos uma rosa,
ou rubro lírio... e faço-lhe uma glosa do bordado das pernas que persigo em gesto brando de devoto amigo, num pedido de dádiva copiosa...
Ela redobra então o rebolado em mexe-mexe bem estruturado — gestos de paina e jeito de menina...
E vou seguindo-a como um bom rapaz, até lá longe vê-la olhar pra trás — um pouco antes de dobrar a esquina. LA 05/007 S/50
Uma Vontade De...
Uma vontade de comer goiaba! Daquelas bem vermelhas, Joaninha. Logo me vou pra Paranapiacaba — só ficarás com a saudade minha
e eu com a sua ( essa jamais me acaba! ), sim: a de sua boca vermelhinha, a de seus olhos de jabuticaba e de outras, de outras muitas, Joaninha.
Não vais deixar que o mundo me desabe, sim: eu me morra, morra de vontade... Deus sabe quanta, Joaninha... ah, sabe!
Mesmo com bicho, nega, e má vontade, bem podias suprir-me de goiaba antes que eu vá pra Paranapiacaba. LA 05/007 S/51
Entre Nomes De Musas...
Entre nomes de musas e de rosas pus o seu, minha nega, a drapejar belo e valente em meio às mais gloriosas monroes do nosso humano imaginar.
Pígios e seios, nega! Ah, quando posas com o baixo-perfil, fazes trincar o mármore dos deuses, em copiosas tormentas de um mental a tempestuar...
Vivamos quietos!... Como quem apoita para pescar... sem nem tossir sequer... Sim, calados: um ser feliz na moita.
O muito é muito. O suficiente chega. Entre musas e rosas, minha nega, fico com as pétalas de um bem-me-quer. LA 05/007 S/52
Se Cair, Minha Nega...
Se cair, minha nega, cai de pé, senão te comem viva na caída — sim, bem antes de estares estendida, te cobrem de porcalhas sem chiquê.
O pobre, amiga, este nem gente é. O fraco, o delicado a própria vida os engole. Entre os homens é excluída a honra... sim, preferem-lhe o chulé.
Agora, se cair, vê se levantas ( assoviando o samba conhecido ) — sim, dá voltas por cima, e tantas, tantas
que fiques tonta, tonta de voltear, até que ponhas, nega, em bom olvido as delícias de já não se lembrar. LA 05/007 S/53
Somos Os Amanhãs...
Somos os amanhãs de um vão sonhar — de um sonhar em que sempre se é sonhado, um sonho previamente preparado para ser senhor nosso, e comandar.
Somos os amanhãs de um vão pensar — de um pensar em que sempre se é pensado, um chip virtual sempre implantado lá em nosso pensar que isso é pensar...
Somos os amanhãs de um esperar — de um esperar mas sempre mascarado do amanhecido engano de esperar.
Os amanhãs de um vão profetizar — profetizar do sonho malogrado que em não sendo se faz por adiar. LA 05/007 S/54
Disse O Bandido...
Disse o bandido, a gente já respeita: “Tudo em casa! — Julapa determina.” E a gente treme com a tal maleita do medo, contra a qual não há vacina.
Disse o bandido, a gente já se ajeita: vai-não-vai, abre ou fecha... e a retina cheia de fogo e morte, uma malfeita guerra urbana com vil carnificina.
Disse o bandido, a gente ouve e cala. Fecha tudo, porque lá vem é bala, fogo, reféns e penas de galinha...
Disse o bandido, a gente pára e escuta. Grampeado ou não, ao tal filho da puta só xingamos na frente da telinha. LA 05/007 S/55
Sim, Risoleta...
Não-obstante o mundo, a vida é bela. Não-obstante os amigos, a amizade existe. Não-obstante a veleidade, o amor é lindo, mesmo quando mela.
Não-obstante os obstantes, cara Estela, brilhas, sim, mas não muito... Claridade nunca foi tua peculiaridade, mas nem por isso, Estela, és menos bela.
Nem tu que, és Rosa, te desfolhas quando lá fora passa o vento mau, uivando... ou se arrumas a cama do Marcinho.
Sim, Risoleta, a morte até existe, mas nem por isso deixa de ser vinho que dá força aos mortais: o sonho em riste. LA 05/007 S/56
Bela Como O Saci...
Bela como o Saci fazendo mágicas com seu gorro vermelho, fantasias de suas cererê-bruxo-magias às tias fadas, cômicas e trágicas...
Bela qual coisas velhas e autofágicas gerando novas outras com fagias que as renovam com outras sinergias que se devoram calmas e nostálgicas...
Bela é a beleza que nem precisava ser bela em sua plácida verdade — nem precisava ser heróica ou brava...
Bela é a beleza que somente é bela por formar com a verdade uma unidade — sim, verdade e beleza: a mesma estrela. LA 05/007 S/57
Nasce O Verbo Com A Rosa...
Nasce o verbo com a rosa na garganta, e o homem dispõe de eterna moradia — o alto, o baixo, o longe, que lhe havia, cessam. Está em sua Casa Santa.
Toda distância, que lhe fora tanta, o pensamento a dissolveu... A via agora é asas. Tem geral franquia verbal: seu mundo é aqui, o aqui dos quanta.
Já não há nem partir, nem fim-chegar, mas algo a transmudar de ser em ser-se... Um sonho a transonhar-se em Deus nos sendo...
Claro pensar em lúcido sonhar... O Pai e o Filho em Um se dissolvendo em amor à criatura a transcender-se. LA 05/007 S/58
Exumei-Me De Mim...
Exumei-me de mim na luz que herdei do Verbo em ressonâncias-renascer, e dentro em mim, lá dentro do meu ser, segui por mim com a graça do meu Rei.
Todos os laços com a pátria ou grei deixei-os pela estrada de entender... Livre do mundo e afetos de prender, pelo amor já troquei poder e lei.
Sim, troquei os caminhos exteriores por veredas e trilhos lá em mim — ressono-me com os mundos interiores.
Comprei a pérola de grande preço, assimilei-a, e sigo para o fim, sim: até onde houver um fim-começo. LA 05/007 S/59
Já Sazonou O Tempo...
Já sazonou o tempo de voltar. Os nossos dedos ferem a canção que nos irá mostrando devagar as pegadas de cada sensação.
Sim, já soou o tempo de voltar. Guardamos lá em alma-coração o quanto aqui viemos a buscar — notas da nossa sinfonização...
As nossas mãos unidas se ampararam, a nossa lida e sonhos musicaram os espinhos e as pedras do caminho.
Nossa esperança foi o pão e o vinho, nosso amor o caminho musicado, nossa fé o já termos lá chegado. LA 05/007 S/60
Corri Atrás De Ninfas...
Corri atrás de ninfas assustadas — pularam n’água e logo se safaram. Lêmures e duendes me ajudaram a inventar histórias para as fadas.
Cantei duas mães-d’água arretadas que me jogaram pedras e xingaram. Três caiporas feiosos me contaram horrores dessas duas mães aguadas...
Tentei roubar o gorro do Saci pra enfeitiçar minha vizinha, a Clara, mas me impediu o tal do bem-te-vi...
Em seguida ( afinal! ), após tramar, atirei-me e agarrei-me com uma iara... Mas me acordaram para trabalhar! LA 05/007 S/61
Acordava Os Teus Seios...
Acordava os teus seios ensonados com dedos musicais a modular... Com os olhos a entreabrir, ainda fechados, já sorrias num gesto de abraçar...
Fora, o vento, entre ramos assustados, falava-nos da noite em seu passar. Mugidos e violinos misturados orquestravam nosso desejo a arfar.
Uma candeia ardia lá no canto como que a acompanhar nosso acalanto com seu fio de luz a tremular.
Não demorava a luz vinha gorjear... As sombras iam se tornando um canto com o teu rosto lindo a despertar. LA 05/007 S/62
Não Raro Ouço Cantigas...
Não raro ouço cantigas do futuro lá no meu coração a precordar. Falam-nos sobre o mundo nascituro das cinzas do que o homem vai queimar.
Tolo de quem se assenta sobre o muro, áugure das canções do fim-findar. Sempre depois do mais nefasto escuro a luz volta gloriosa a clarear.
Nossa auto-escalada no Universo pressupõe dentro em nós um multiverso com saídas eternas para o Ser.
O nosso coração, em forma de asa, tem pegadas da Luz em seu saber o caminho de volta para Casa. LA 05/007 S/63
Tempestades São modos...
Tempestades são modos de dizer que a enxurrada virá logo depois. Assim como são quatro dois mais dois, ou só um jeito chato de rever...
Tempestades são modos de prever que entre nós ( nós e a amada ) pascem bois... Assim como o plural de és é sois e a cidade diz mel e a roça mer...
Tempestades são modos de explicar que os barracos rolaram pro buraco porque foi clandestino o edificar...
Tempestades são modos de ativista ver que o miolo do mundo ficou fraco — o homem virou um cínico arrivista. LA 05/007 S/64
Estávamos: Hoje, Ontem...
Estávamos: hoje, ontem, amanhã, estávamos somente, minha amiga, num tempo nu que nunca usou loriga, mas sempre amou andar de tobogã.
Estávamos a sós pela manhã de sol, a tarde parda, a noite antiga, personagens da mesma velha intriga que é a vida em sua encenação malsã.
Estávamos somente e nos amamos dentro do amávamos no mar das eras onde eu já havia sido e tu já eras.
Estávamos apenas. E sonhamos. Apenas éramos e não sabíamos que não ser era tudo quanto tínhamos. LA 05/007 S/65
Éramos Duas Almas...
Éramos duas almas esquecidas e aí estava a nossa vã ventura, tão bela quanto inglória... as mãos unidas urdiam no hoje uma canção futura.
Bem vagabundas e nada assumidas ( amávamos apenas a aventura ), assim levávamos as nossas vidas, testos... e proges... num tesão sem cura.
Trabalho, muito amor e caminhadas, ler, ler, ler-escrever e andança-estradas, viver, fazer amor, viver, fazer...
Nosso ideal maior por este mundo foi o de ser um dueto vagabundo — viver, fazer amor, ler-escrever. LA 05/007 S/66
Coisas Novas E Velhas...
Coisas novas e velhas vou tirando de mim como através de um fino fio que vai fluindo, vai desnovelando de dentro para fora como um rio...
Coisas novas e velhas ao comando de mão virtual agindo entre o alvedrio e a solta intuição galvanizando palavras-coisas sempre com um lio...
Tais coisas sou eu mesmo a desvirar-me, consciente-inconsciente sem alarme — matéria escura e a luz de revelá-la...
Sim, quando acendo a luz de minha sala sombras-coisas se irmanam de repente e o universo se faz todo presente. LA 05/007 S/67
Evito Assombrações...
Evito assombrações ou espantalhos e peço a Deus me livre do inimigo por sete ou mais caminhos. Pego atalhos pra me safar do mínimo perigo.
Atrás da porta pendurei uns alhos para correr urubuações de amigo. Desejo aos inimigos muitos galhos por toda a testa e um a sair do umbigo...
Quanto ao mundo, sifu o vagabundo! Se minha fome lhe roubasse um pão, certo me jogaria no sem-fundo...
Ai, que preguiça!... Bem, já me vou indo. O tempo voa, esse o seu lado lindo... O mais? Que venha com educação. LA 05/007 S/68
Sem Roteiros E Símbolos...
Sem roteiros e símbolos no céu, lancei meu barco em amplo navegar. Nunca tive regalos nem liceu ou propósito algum de fim-chegar.
Não demorou meu barco se perdeu... e fiquei só... só entre mim e o mar. Ah, foi então que tudo aconteceu: eu era o barco, o mar e o navegar...
Um viajar em outro viajar, um estar por aqui e outro lugar por entre um céu e um mar que eram eu...
E meu barco pra sempre se perdeu, sim, se perdeu com tudo o que era meu, inclusive com o céu, com o céu e o mar. LA 05/007 S/69
Xiranha É Bom, Mas Tem...
Xiranha é bom, mas tem a dona dela. O problema do relacionamento é sempre o próprio relacionamento, acrescido dos uivos da procela.
Caber, cabemo-nos... mesmo em trivela. Mas nem tudo o que tem seu cabimento há de tê-lo nos sempres do momento — bem por isso é que o amor é uma seqüela...
Seqüela... Queira Deus sempre prossiga à moda nova quanto à moda antiga, — engenhoca orvalhada de beleza.
Seqüela... Queira Deus nunca se feche, pois que se o amor não vale o quanto pesa, há de valer então o quanto mexe. LA 05/007 S/70
Esquente Não, Amor...
Esquente não, amor, senão derrete, não só nos cimos, mas também nos baixos, e como degustar-lhe, amor, os cachos, se a videira me seca e vira estrepe?
Esquente não, amor: vira sorvete, e como saborear sobre capachos os favos que lambia em dedos graxos, se me escorrem no ralo da toalete?
Esquente não, amor, somos só água. Quem não esquece a dor, toureia a mágoa, que chance tem pra ao menos ser feliz?
Ah, cante uma canção pelo nariz! Depois, respire fundo... e coce os mimos. Mimos e mãos, amor, são velhos primos. LA 05/007 S/71
Vieram Calmarias...
Vieram calmarias bocejantes com golfinhos brincando em calmo mar. Passaram sóis, manhãs azulizantes e o vento ainda só um bafejar.
Doze ninfas subiram exultantes até a proa, lindas a cantar. Dançaram com elas os marujos, antes que o capitão chamasse pro jantar.
Dançaram todas, todos prazenteiros, ninfas e capitão e marinheiros, até a aurora boreal sangrar...
As ninfas convocaram a ninfada e os golfinhos pra dar uma empurrada — e eis que o navio ruma ao seu chegar. LA 05/007 S/72
A Blandícia Da Seda...
A blandícia da seda faz florir os dedos... que se lembram... a lamber açúcar sobre a pele dela a ter chiliques com os olhos a luzir...
Ah! Os seus poros na penumbra a abrir a boca a ( salivar ) beber, sorver digitações num pasmo a florescer aromas e sabores de elixir...
A blandícia da seda àquela hora, ali sobre o balcão, me trouxe à mente sua nudez macia e cor de amora...
E nessa ubíqua, irial cerebração, pude fazer amor gostosamente vendo Rosa nas sedas do balcão. LA 05/007 S/73
Vamos Viver, Rosinha...
Vamos viver, Rosinha, igual se a gente fosse feliz. Sem invejar ninguém ou se entregar maluca, aflitamente a querer sempre mais do que se tem.
O muito seja muito, o suficiente nos baste. O mal será o mal, o bem será o bem... com um ver sempre ciente de que entre os dois existe o mais além.
E saber, minha cara, que viemos buscar o que nos falta... e o esquecemos lá em nós mesmos ao cruzar o rio...
Dinheiro é bom, mas o conhecimento de nós, do mundo e mais além... é brio, é luz, é dom que estão livres do vento. LA 05/007 S/74
O Bom, O Belo Estão...
O bom, o belo estão no instante dado, no que nos faz feliz, gera alegria, nos arranca das névoas do passado e nos remete à luz do claro dia.
A realidade é algo recriado pelo vício-fazer do dia-a-dia. Melhor dar conta dela assim de lado... e aplicar em bem mais nossa porfia.
Quem vai morrer deve saber viver — uma espécie de troco bem coerente para a vilã que não sabe perder.
O claro dia é o vinho dos heróis, os que têm um sentido no presente e se renovam como os bravos sóis. LA 05/007 S/75
Tarde Quente. Colinas...
Tarde quente. Colinas, montes, planos... Girassóis loucamente van-goghianos. Ceifeiros a gemer sua empreitada... Perde-se ao longe a estrada empoeirada.
Espantalhos de palhas e de panos não espantam um bando de tucanos... Bandos de maritacas em revoada vão deixando uma estrada esverdeada...
Muitas pedras, caminho em ribanceira, casinholas com muita bananeira, muitos pés de mandioca e de pequi.
Os piões passam de boné e ponche... A tarde esmaga uvas... e lá longe — o pio de clarim do bem-te-vi. LA 05/007 S/76
Entre As Farpas Do Arame
Dias preciosos nossos dias. Vemos não só a coisa como seu fantasma. Estilhas de palavras sem o plasma de um só sentido: a fraude em seus extremos.
Dias preciosos nossos dias. Temos a desonra instalada nos supremos, a mentira total ( que já não pasma ) jurando ser perfume o seu miasma.
Dias preciosos nossos dias. Nunca a elite teve a gula mais adunca, nunca a pobreza mais se repartiu.
Nem o humano desceu-se a mais infame: as pessoas de bem, igual tiziu — a dançar e a pular entre as farpas do arame. LA 05/007 S/77
Nosso Moral, Repleto...
Nosso moral, repleto de pereba. Dias maus. Só gravatas de rapina. Transportes na calcinha e na cueca. Dança da pizza, linda de ferina.
Educação, saúde: tudo peba. Economia: América Latina. Banheiros de ouro. Falta de latrina. FMI: pau que mais e mais se enseba.
Esquente não, Rosinha. Um dia a gente até consegue. Por agora agüente — agüente conseguir não conseguir.
A gente treina e segue na aventura de ser feliz na própria desventura... e a botar tudo, tudo no porvir. LA 05/007 S/78
Tempo De Amar, Tempo...
Tempo de amar, tempo de ser feliz. Não percas a carona, minha Rosa, dos tempos bons: faz uma bela glosa ao amor, mesmo que na chuva e a giz...
A vida, minha cara, é um chafariz — quando está a jorrar, jorra gostosa e fartamente, e molha a pedra e a rosa... e tudo, nega, tudo por um triz.
Não percas a sazão dos áureos ventos... Degusta consciente esses momentos, lambe os dedos e o prato já comido.
E quando te vier outra estação, já então, Rosa, já terás vivido tua bela e legítima ilusão. LA 05/007 S/79
Talvez Um dia A Gente...
Talvez um dia a gente muda o lema — em vez da tal felicidade ser só momentos felizes, outro esquema:
a infelicidade não existe, mas momentos que teimam em se crer infelizes: mania de ser triste.
É só tirar o chip da cultura que nos parafusaram desde a infância e, tomados de calma petulância, reprogramarmos nossa criatura.
Cada sazão far-se-á bem mais madura lá em nós trabalharmos nossa ânsia — de modo que em primeira e última instância, pelo querer o sonho se depura. LA 05/007 S/80
Tempos Bons São Aqueles...
Tempos bons são aqueles que pensamos que são bons, e os vivemos como tais. Somos o mar e a nave em que singramos ( dentro em Deuspai ) entre o partir e o cais.
Tempos bons são os tais em que esperamos mesmo ante o desespero dos demais. Com vontade e consciência transformamos em realizações nossos ideais.
Tempos bons são aqueles em que ousamos incubar lá em nós o que sonhamos, sem medo do sucesso ou do fracasso.
Tempos bons são aqueles que vivemos com tino interno e externo a dar o passo... Nossa vida é o que dela nós fazemos. LA 06/007 S/81
Estás Ouvindo O Vento...
Estás ouvindo o vento, minha nega? Este vento não dorme um só momento — vai provocando uma zoada cega, rasgando folhas, pétalas ( violento ).
Não dorme há vários dias, minha nega, uivando como doido em sonhamento... Ergue a saia das árvores, pespega mil beijos na vidraça... Ah, esse vento!
Bêbado, bebe as noites e as estrelas surrando rosas com seus próprios ramos, por ruas, por veredas, passarelas...
Pra quem serão esses florais recamos: rosas, pétalas, flores e lavandas — todo esse éden, nega, nas varandas? LA 06/007 S/82
Agora, Finalmente...
Agora, finalmente, somos ilhas buscando ilhas: bom é ouvir a voz de outras tais, — apoitar as nossas quilhas entre ilhas sobrevoadas de albatroz...
Para vê-las viajamos muitas milhas na intenção de deixarmos de ser sós... Sim, ilhas, ilhas, ilhas após ilhas — ilhas-filhos de ilhas-pais e avós.
Todos temos nossa ínsula à procura de bela ilheta em bússola-ternura a querer se fundir com um ilhéu.
A ilhoa e o brabo tédio do insulano se estreitam tanto no seu lado humano, que passam a morar num mesmo céu. LA 06//007 S/83
Dormiu Nas Pedras Duras...
Dormiu nas pedras duras, tomou banho nos córregos em plena madrugada, comeu salitre, pólvora com estanho, bebeu limão, pôs sal na limonada.
Foi trabalhar na terra e seu amanho, bateu forte o enxadão, a pá, a enxada, arranjou outro emprego, dobrou o ganho, quatro vezes ao dia, — a caminhada.
Cantou hinos de guerra em tom tamanho, hinos de igreja tais, que ficou fanho — antes, porém, seus tetos derrubando...
Aí parou. E deu uma pensada: viu que o que estava mesmo precisando era de uma legítima trepada. LA 06/007 S/84
Tuas Pernas Fizeram...
Tuas pernas fizeram mais um fã, menina. Mal as tiro da retina já voltam em visão mais peregrina com um gosto orvalhado de romã.
Têm um quê da leveza da manhã, entre a luz crua e a rosa nacarina, uma altivez de solta bailarina no afã de deslizar, aéreo afã...
Têm um brilho de alba, a forma alada sobre o chão duro e a areia bem molhada — macio pisar firme a deslizar...
Teu alvo andar esguio de passante traz incrustado o gesto levitante de alguém que pisa, pisa sem tocar. LA 06/007 S/85
Venho Trazer-Te Flores...
Venho trazer-te flores, muito embora seja símbolo apenas meu trazê-las. A tarde é triste e rápido descora... Já posso ver no céu longes estrelas.
A tarde é triste, não porque aqui mora o casulo daquela que ia pelas partes da casa num há pouco-agora... a fazer coisas, sempre a refazê-las.
A tarde é triste mais pelo meu ego a lembrar-te o desvelo, o bom conchego... ( como se os não trouxesse no meu ser! )
Bela é a morte, se deu fruto a vida. Deus te torne estas flores em ungida paz, minha mãe, em luz a florescer. LA 06/007 S/86
A Galinhona Faz...
A galinhona faz: cocó-codé... A franga: qué-queré-qué-qué... Já o galo: cocóricóóóóóóó... E olha que é um regalo, de madrugada, tanto cafuné.
A perua, a perua faz glu-glu... Riririririiiiiiii: faz o cavalo. Esta é minha mulhééééérrrr: diz o seu Paulo. Piééééé... crás-cráááássss: o anu e o urubu.
Fazem a cabra e o bode amor e mééééé... Assombrações, fantasmas fazem:BUUUUUUU... Sapato velho e pé fazem chuléééééé...
Xota com pingolim fazem criança. Gravatas de rapina: pizza e dança. Já a pimenta faz arder, né Lu? LA 06/007 S/87
Era Um Fogo Queimando-Se...
Era um fogo queimando-se a si mesmo, um gelo se fazendo tiritar, uma terra a comer-se em gula e a esmo, um ar, um ar querendo-se tragar.
Um profeta sofrendo de tenesmo, uma mulher com nojo de gerar, uma princesa a se matar num sesmo, — era um tempo magoado de passar.
Massa podre vendida por pudim, era um degredo de esperança e sonho, um queimar de incunábulos sem fim.
Era um tempo de término e aflição, um amor pelo trágico e medonho, era um apocalipse-negação. LA 06/007 S/88
Lá Longe O Mar Martela...
Lá longe o mar martela o seu piano. Perto, o vento a gemer sua opereta pelo corpo do inverno que o espeta... E é tudo bruma, um só delírio insano.
Hospedarias, moça, o insulano em mim na tua conchegante ilheta? Já não serias só, nem eu careta a ponto de não ter um doce engano...
Abre-me a porta, nega, assim, assim... e já te ponho lenha na lareira... e muito vinho entre ti e mim...
E amanhã quando vier a luz primeira, irei, e então teremos na memória mais uma história linda quanto inglória. LA 06/007 S/89
A Vida Só Nos Dá...
A vida só nos dá em perda-ganho — embutindo em perder o seu ganhar, e nunca o ganho nos será tamanho que não traga já em si o seu pilhar...
A terra as ervas perde em seu amanho para depois poder frutificar. O outro, antes de amigo, foi estranho para que se pudesse comparar...
A nossa dor é segurar na história e desejar que ela volte a ser, ainda que mais pobre, mais inglória...
É dom da vida ter, depois perder. Assim vamos pintando na memória o sonho em seu diverso acontecer. LA 06/007 S/90
Muitas Vezes Recobre...
Muitas vezes recobre a humanidade uma sombra interior de exuberante silêncio... Sim, silêncio tão gigante que traz um halo de fatalidade...
Um sentimento escuro, uma saudade de nós mesmos, de Deus... saudade errante a vagar sem descanso, pervagante lá em nós-ser: em nossa identidade.
Uma consciência errática por nós, entranhada na nossa própria essência, ligando-nos a prístinos avós...
É a dor desse gigante da existência, dessa alma coletiva, em luta atroz, a dilatar os odres da Consciência. LA 06/007 S/91
Lá No Olimpo Da Elite...
Lá no Olimpo da elite, a Economia é sem dúvida a deusa mais querida, não só querida, mas também temida, a guardar semelhanças com harpia.
Esta senhora, antiga como o dia, ou como andar a pé, engole a vida e a descome na trama repetida de um círculo vicioso em maestria.
A finória concentra com perícia a riqueza; reparte com blandícia a pobreza, injetando-lhes venenos...
E a cortesã, esta putona chique, vai nos tratando com sutil chilique para sempre engolir os mais pequenos. LA 06/007 S/92
Sim... Vem A Tal E Corta-Nos...
Sim... vem a Tal e corta-nos o estame... e toca-nos atravessar o rio. A moeda ao barqueiro de olhar frio... e só o esquecimento como liame.
E adeus-me as tuas pernas e esse cio de rosas, bichos, chamas sobre o arame ( sem a maromba! ), adeus-me esse fio que nos liga e permite que te ame.
Adeus-me estrelas e os cicios de sedas... Jamais amar-te em frente às labaredas — teu corpo: vinho e pão, entre meus braços.
Ah, xite! nega, xite ao pensamento que se rendeu aos sonhos de cansaços... Vamos encher de agora este momento! LA 06/007 S/93
Se É Tempo De...
Se é tempo de cantar, que a alma cante com todo o seu legítimo exultar. Se é tempo de sorrir, que bem radiante ela saiba esse dom compartilhar.
Se é tempo de plantar, sua mão plante com a consciência e o tino de plantar. Se é tempo de colher, que não se espante com tudo o que lhe venha a sazonar.
Se é tempo de chorar, chore silente um pranto que lhe possa acrescentar.
Se é tempo de pensar, que o faça ciente de que assim é que vai se ultrapassar.
Se é tempo de morrer, morrer seja a semente que encontre em Deus a luz em que brotar. LA 06/007 S/94
Pássaros-Pretos
Tinha um canto épico o pássaro-preto: que-qui-que-qui-que-qui-que-qui-que-qui... bem prolongado, igual quem lê decreto frente a inimigos... e depois se ri.
Sim: infinitos is, cheios do afeto daquela infância em que os ouvi e vi. O bando deles sobrevoava reto o telhado da casa onde nasci.
Pelas tardes faziam breve pouso num eucalipto enorme e majestoso — pingando um “i” aqui, um “i” ali...
Todo preto, valente, esguio, arisco, passava o grito negro igual corisco: que-qui-que-qui-que-qui-que-qui-que-qui... LA 05/007 S/95
Entre Tanta Bobagem...
Entre tanta bobagem insistente, melhor é ouvir cantar a corruíra ou falar da verdade da mentira a ouvir do anu a voz fanha e indigente?
Entre tanta besteira intermitente, melhor falar de bruxas e caguira, dos guampos que provocam feia ira ou do cunhado vindo de repente?
Entre tantas bestagens infectantes que descomem os deuses belcomprantes a dirigir o povo, velho fã,
que fazer, Santo Eustáquio, que fazer?! — Não fazer, meu irmão, sim: aprender a não fazer bem logo de manhã. LA 06/007 S/96
Frase Inacabada
Quando os dois se encontravam, já se ouvia: “Oi! Oi! Nós precisamos acabar...” A frase provocava uma euforia, aqui risinhos, lá um cochichar...
E toda a enorme empresa já sabia desse ‘nós precisamos acabar...’ E homem/mulher cada um deles subia — iam pra suas salas despachar.
Anos e anos se foram. Certa vez, terroristas fecharam a seção — todos no chão, atados pelos pés.
Nesses dez dias de negociação, puderam acabar, gizando o chão, sua antiga partida de xadrez. LA 06/007 S/97
Lis
Mistura de uva, pêssego e caqui, o teu corpo bonito e sazonado precisa urgente ser saboreado, — se não passa, palavra de gari.
Aquele príncipe designado para tê-lo na boca em frenesi, — dele só o cavalo vem a ti, mas assim mesmo, Lis, desencilhado...
Medo de que o pior já te aconteça — seus dons não tenham lá quem o mereça e assim te vão passando, vão passando...
Fruta madura, Lis, não há quem guarde... é como a rosa, amor, que vai sonhando mas só enquanto não lhe vem a tarde. LA 06/007 S/98
Amigos Cento E Dez...
Amigos cento e dez jamais contei, mas derrapei gostoso na amizade, quebrei a cara e toda a parvidade em tantos cacos, tantos que nem sei.
Amigos dois ou três, isso pensei que tinha, mas só tinha, na verdade, amigos menos-cinco: a realidade nua e crua com que me deparei.
Amigos assim tantos não contei, mas derrapar no humano derrapei e quebrei todo o meu caminhãozinho.
Mas como o samba diz, passei por cima, peguei a mala e achei um outro clima... e cá vou eu vivendo bem quietinho. LA 06/007 S/99
Amarrados...
Amarrados aos leitos, aos amores e a nós mesmos, a nós principalmente — assim é que vivemos os errores lá em nós dentro, em tempo diferente.
Amarrados aos hábitos preensores de vícios presos lá no antigamente — assim nós nos tornamos transgressores de podermos viver gente com gente.
Sobre a areia do nosso sentimento gostamos de escrever coisas ao vento, coisas tais que nem nós sabemos ler.
Mas não desanimemos, temos jeito: logo a gente se assume e encara o pleito — o novo está no velho a renascer. LA 06/007 S/100
Do Homem À Mulher
Tu vestirás, amor, em amplo senso, somente a lua e o sol das estações. E te verei viver em meu imenso fruir teus dons em minhas sensações.
Como ninfa, duende, fada, incenso, fêmea, mulher... nem sei quais mais visões... sim, visões-sensações em tom intenso, chamas, ardências, tis, crepitações...
Assim te vejo com hialino xale, saia de brisa... assim, lírio-do-vale, assim eu te verei em mim, por mim...
E assim és mais que dom, és graça, nume — a femineza, a força, a luz, o lume que trouxeste daquele irial jardim. LA 06/007 S/101
A Beleza Das Formas...
A beleza das formas misturadas — rosas seios colinas vulvas vales... pernas colunas bustos rostos xales... vaginas bocas conchas nacaradas...
A delícia de idéias formuladas — cálice e umbigo nádegas e ondas... peitos mamões reentrâncias falos sondas... fêmeas machos mãos lis leitos amadas...
A nudez orvalhada de prazer, o ondear do andar a pele o sol o mar... o tato em olhos dedos a reler...
O charme o esguio o andar o rir-falar... ventre-pernas-balanço-andar-leveza, o todo, o todo a suar sua beleza LA 06/007 S/102
Este Cantinho Está...
Este cantinho está mesmerizado — rosas, musa, respingos de alegria... E por ter nele um nume da poesia vivo gostosamente apaixonado.
O meu fazer está mediunizado da alma das coisas que é amorosa e espia pelos poros de eu ter-lhe a companhia em estado de um-só galvanizado.
Este cantinho está xamanizado pelos gorjeios suaves do Espraiado e o estrídulo clarim do bem-te-vi.
E neste estar aqui sempre embruxado, que quero mais, amor, além de ti e da vida o viver com algum trocado? LA 06/007 S/103
Cara, Não Deixe A Coisa...
Cara, não deixe a coisa desabar, e quando for cair, seja de pé. Sim, corpo e mente sempre a trabalhar — sincronizados como pé e chulé.
Cara, o negócio é nunca se entregar para essa tal de depressão ralé, mas procurar ( com charme ) tourear os desenganos com um belo “olé!”
A vida é dura ( eu sei ) com seus insanos logros e seus leais, fiéis enganos... Mas que fazer com a sensação de perda,
senão tê-la por ganho... e se encantar, meu velho, com o áureo zumbir do escaravelho, sem lembrar que ele mora dentre a merda? LA 06/007 S/104
Andei, Andei Nesse...
Andei, andei nesse caminho torto que Deuspai sempre corta em linha reta... Cortei um pau de espinheiral revolto e dele fiz apoio, uma muleta.
E me fui por mim dentro, sem conforto, angustiado pela via estreita, pedras e areia... em volta tudo morto... um sentimento de que alguém espreita...
Assim passei por terras de mim mesmo ( era preciso cultivar meu sesmo ) lá por veredas e caminhos meus...
E por terras do cão e do meu Deus — eis outra estrada... e aroma em floração... É que tinha florido o meu bordão. LA 06/007 S/105
Em Seu Perfil...
Em seu perfil de pássaro molhado vejo os meus cafunés a respingar... Negros, não como as penas, mas o piado do anu, são seus cabelos a contar
a lenda do marujo que, magoado com a noiva, resolve lhe pintar os cabelos de verde, mas gamado, o capitão se lhe propõe casar.
( Já o marinheiro com a do capitão: se casaram num porto logo à entrada... ) Lua-de-mel lhes foi jogar gamão —
o capitão, que era noventão, fazia de maneira já esperada, sim: desbragada e fartamente nada. LA 06/007 S/106
I Entramos Por Um Túnel...
Entramos por um túnel enganoso, feito de tempo, guerra e sofrimento. Universos rolaram no momento — o cosmos se fez caos, e tormentoso.
O que era Um, agora é um duplo untuoso: bem no mal, mal no bem: um só sarmento ( e duplo ): realidade e sonhamento gerando vinho bom e venenoso.
O que era luz e plácido universo degenerou-se em tredo multiverso — um só mergulho em copioso engano.
Consciente, o nostos tem início: o humano ( com saudades de Deus, de si, de Casa ) — agora em seu retorno em forma de asa. LA 06/007 S/107
lI Os AvataresVieram...
Os avatares vieram e ensinaram o homem a recordar: saber-se luz, buscando em si um rumo que o induz à luz interior que lhe abafaram...
Dentre eles veio Um a quem pregaram ( o Verbo Santo, o Filho ) numa cruz: derramaram Seu sangue em atos crus... mas Seu rastro e caminho prosperaram
na Palavra: a verdade, a via, a vida em que Ele se tornou: a renascida esperança de redimir o Humano.
Nele lavamos essa roupa suja chamada morte, indumentária cuja tessitura foi nosso Grande Engano. LA 06/007 S/108
Esquece, Que...
Esquece, que esquecer é o que te resta. Esquece, que esquecer é o que te presta.
Esquece, que esquecer te faz ganhar. Esquece, que esquecer vai te livrar.
Esquece, que esquecer faz esquecer. Esquece, que esquecer faz renascer.
Esquece, que esquecer é o desafio. Esquece, que esquecer é um longo rio.
Esquece, que esquecer é desmorrer. Esquece, que esquecer te faz viver.
Esquece, que esquecer é sol que desce. Esquece, que esquecer é a fé da prece.
Esquece, que esquecer te muda o tema. Esquece, que esquecer faz novo poema. LA 06/007 S/109
Já Que Morrer...
Já que morrer é tão sem graça, vamos saborear as coisas que inventamos. Já que morrer é traição, ah, temos que fingir não ser bom o que não temos.
Já que morrer é obrigação, criemos coragem de fazer o que gostamos. Já que morrer é um desaforo, vamos toureá-lo no tanto que podemos.
Já que morrer é prêmio garantido, queimemos o bilhete a nós vendido antes de ter nascido e aqui chegado.
Já que morrer dá o que não se pediu, vá o gajo pra ponte que partiu! ................................................................. E adiante, meu! Que atrás vem o tarado. LA 06/007 S/110
Deixemos Ao Filósofo...
Deixemos ao filósofo niilista as dores e o sem-nexo da existência, os bastidores do universo, a essência e seu não-ser, sua nenhuma pista.
Deixemos ao solene moralista a arte de ensinar com insolência o “fazer o que falo” ( na aparência ) — com seu pudor e cara de onanista.
Longe deles, vivamos, minha Rosa, ouvindo o riacho em murmurante glosa entre as amoras e o fiar das horas...
Gozaremos o bem deste cantinho, bebendo o vinho róseo das auroras e construindo a dois nosso caminho. LA 06/007 S/111
Coitadinha Da Inês...
Coitadinha da Inês, tão fragilzinha, mais parecia a Barbie que pessoa — salas, quartos, varandas e cozinha ela os limpava aos mandos da patroa.
Inês, tadinha! sempre com a farinha, ovos, leite, manteiga a fazer broa ou bolinhos de carne, ou empadinha — sim, dava duro como uma leoa.
— Por que Inês “tadinha”, Inês “coitada”?! — Inês era a mulher-esposa, a dona, que virou empregada da empregada...
E pasmem: adorou a dupla troca: trabalha quase nua e gostosona a achar qualquer tarefa sempre pouca. LA 06/007 S/112
Marilyn’ Scar
Não, Marilyn, a tua cicatriz não a deixa, jamais deixou imperfeita. As rosas, sim, a gente até aceita, é que ficam perfeitas imbecis.
As rosas contra os seios, que infeliz troca! Esta, sim, foi infeliz, estreita idéia do fotógrafo que quis tapar a luz com treva rarefeita.
As rosas contra os seios ficam vis: assim as rosas perdem a ternura por pobreza à beleza contrafeita.
Não, minha cara, rara flor-de-lis, a tua cicatriz não é imperfeita, mas o contrário: angélica loucura. LA 06/007 113
Que Delícia, Rosinha...
Que delícia, Rosinha, fazer nada a não ser coisa alguma, bem nadinha: comer, beber e aquela coçadinha, virar pro canto, e a velha ressonada!
Deixar alguma coisa sempre adiada e, ao fazer, só fazer de tardezinha... Ouvir o telefone em tilintada e dormir com o som da campainha.
Fazer nada de nada, ou seja: neca. Preguiça até em tirar uma soneca ou comer queijo fresco e goiabada.
Uma alimentação balanceada: hortigranjeiros, sucos de algas-ulva... porém, a sobremesa há de ser uva. LA 06/007 S/114
Peladona E De Boné
Peladona és mais bela que vestida, se bem que desvesti-la é afrodisia: um molegandê vindo da Bahia com sua areia um pouco mais ardida.
Sim, peladona és mais extrovertida, se bem que prejudica a fantasia: tudo quanto no imaginar se fia é bem mais belo do que os dons da vida.
Gosto de andar contigo no pomar, brincando de vagão e maquininha — eu atrás e você a me puxar...
de trenzinho: uiiii-uiiii... telé-telé-telé... ... telé-telé-telé... você à frente minha — gostosa, peladona e de boné. LA 06/007 S/115
Tudo O Que Foi...
Tudo o que foi parece que não foi senão sombras em séquitos hiemais... difusas sensações pelo jamais tê-las de volta... Deus nos abençoe!
Nos abençoe e guarde! O rato rói não só aquelas tais roupas reais, como as nossas... Já o tempo rouba mais que o rato e os homens... pois nos rouba e mói.
Velhos sonhos perderam seu lugar, agora estão ao lado, estão de pé... Só a esperança teima em esperar.
E de tudo o que foi ( e já não é senão lembranças rêmiges pelo ar ) — ao menos nos restou o seu chulé. LA 06/007 S/116
Vida E Sentido
Doido, cortou os pulsos da esperança e se esvaiu de sonhos. Só ficou com seu cansaço, tédio e desconfiança — como o diabo gosta: se anulou.
Sim, entregou a vida como fiança aos cínicos do mundo, e despencou de si mesmo: trocou a confiança em Deus, em si pelo que nunca achou.
Um dia, numa igreja à beira-estrada ( disse-me ) entrou com a alma ajoelhada e pediu ao Senhor vida e sentido...
Disse-me que , na hora, uma ungida força-alegria o deixou possuído do dom de ter em si sentido-e-Vida. LA 06/007 S/117
Reverto-Me Na Luz...
Reverto-me na luz original em que me viajo em alma-sensações. Comprei a grande preço as ilusões que hoje dou, ou que varro pro quintal...
Por que cobrir o morto com a cal e enterrá-lo com pás de escuridões? Lá na fruteira existem dois limões, vou fazer um sorvete bem legal.
Reverto-me no barro do começo, assim quem sabe, meu Senhor, esqueço tudo o que amei e a vida me levou.
As águas que subiram nos ilharam... Sonhamos ou os sonhos nos sonharam? Sei lá! Mas não saber não ajudou. LA 06/007 S/118
Querer Mudar...
Querer mudar o mundo é infantil, é a gente que tem de se mudar — sim, para isso tem que madurar, senão, como se ver um imbecil?
É sempre individual todo mudar — ninguém que muda o faz pra ser gentil, fá-lo a si, gradualmente e bem sutil... Não foi fácil jamais se suplantar.
Geralmente, depois que se mudou, a gente vê o mundo diferente — procura não vender o que comprou...
Aos que chamava amigos já não chama, o que amava, em geral, também não ama... O cara viu... e viu-se de repente. LA 06/007 S/119
Se O Amor Não É Tudo...
Se o amor não é tudo, é o suficiente para irmos construindo a nossa vida. O que teve uma infância guarnecida tem sempre forças pra seguir em frente.
Por mais seja a família dividida, há sempre alguém que é gente com a gente, e esse afeto reforça o adolescente, o moço, o homem, toda a sua vida.
Esse começo familiar de amar e se sentir amado é imprescindível para a vida do adulto deslanchar...
Ele é que vai tornar tudo possível ao que crê no que está a trabalhar — transforma o impossível em factível. LA 06/007 S/120
Só, Bem Sozinho Em Mim...
Só, bem sozinho em mim, vou desfiando segredos que interessam só-apenas a ninguém mais que eu, sem onde e quando, como ou porquê, cumprindo ( suaves ) penas
perto daquelas tais ( em nada amenas ) de bilhões de pessoas sob o mando de ferro e fomes reiterando cenas entre lacrimejando e dessangrando.
Sim, todos nós cumprimos penas, seja porque os nossos pais sujaram a água do lobo social que bebe acima...
seja porque o regato, em outro clima, nem existia... Desamor e inveja a gerar seus iguais: fráguas de mágoa. LA 06/007 S/121
Plange Queixoso O Vento...
Plange queixoso o vento na rabeca do esquelético outono, a resmungar. Rodopia o amarelo em dança seca: folhas em seu adeus a dispersar...
Agora, já não chora ou ruge: impreca em virtude de o corpo lhe espetar... e faz dançar, dançar essa moleca que há em cada rama a rir, a suspirar...
Outono é um bom velhinho rabugento a olhar o céu pedrento, branquicento, a bocejar de tédio e a se coçar...
Outono é a estação do entardecer... O inverno o vestirá de seu branco talar... e ambos incubarão o renascer. LA 06/007 S/122
Esperar Só É Bom...
Esperar só é bom enquanto a espera é viva fé em algo/alguém que vem. Por isso é bem mais bela a primavera que no inverno se sonha logo além...
O sonho e a espera são tal como a hera e a parede... sim: como a prece e o amém. Quem não sonha também jamais espera, quem não espera faz de si refém...
O homem vê o que quer, aí o perigo de trocar o nariz por seu umbigo e pretender ouvir ecoado amém.
Sim, esperar é bom quando sonhar traz em si como dom ou maior bem o prazer de construir e de esperar. LA 06/007 S/123
Se Em Si Guardou...
Se em si guardou ( quem morre ) uma semente do que sonhou e fez frutificar, então morrer-lhe é apenas germinar sua jornada em nova luz nascente.
Há um caminho que é luz na luz da gente — o sonho nosso em Deus a nos sonhar... Em nos perder podemos nos ganhar quando esse ganho anula o antecedente...
Um movimento em outro movimento, um sonho sempre dentro de outro sonho, um chegar que é partir no seu chegar...
E esse semear já traz em si o intento de renascer com o desejo inconho de suplantar-se em cada germinar. LA 06/007 S/124
O Poeta É Intérprete...
O poeta é intérprete da realidade. Realidade exterior e interior. Cuida igual da mentira e da verdade, igual da vida e morte, igual do amor
e ódio, da opulência e sobriedade, e igual, igual da guerra e seu furor, igual da paz e sua amenidade e da canção igual a seu cantor.
Igual do bem, do mal, do mais além... O poeta, claro, o real interpenetra, e assim, interligado, ele o interpreta.
Sim, interpreta e não se faz refém, pois que não é aquilo que interpreta — assim não fosse ele não fora poeta. LA 06/007 S/125
Quero Que Fiques, Rosa...
Quero que fiques, Rosa, após o vento loucamente amoroso te espalhar... Após o sol beber-te em sonhamento e o licor desse corpo te aspirar.
E abraçada com as flores ao relento cravejado de estrelas a espiar... E nos ares em grácil movimento ajudes a beleza a se recriar...
E tilintes teu riso de alegria e já troques de nome com Maria... e a cubras com o teu despetalar.
E assim fiques na música e no canto dos versos de que és a alma e o acalanto — o prazer que floresce em te lembrar. LA 06/007 S/126
Um Charme
Um amigo dizia que o homem nasce com um potencial danado pra canalha. Nem precisa ajeitar a sua face — é só mostrar-lhe a máscara... e lhe calha.
E a canalhice em nada o atrapalha: o mundo a ama e não lhe causa impasse. Bem ao contrário, acolhe-o e lhe dá passe — se não for um canalha de migalha.
Se for um canalhinha, um pé-rapado, desce-lhe o pau, acaba com o safado, que vai apodrecer e até evapora...
Um charme ser canalha de verdade: um glamour, um tesão. Mundão adora — aplaude, reelege e tem saudade. LA 06/007 S/127
Aquele Copo ( Lembra? )...
Aquele copo ( lembra? ) de veneno que se encontrava em cima do piano... aquele copo ouviu a ouvido pleno tantas canções que foi ficando humano...
Aprendeu a chorar com o desengano, aprendeu a sorrir em tempo ameno — a transbordar o pires, não pequeno, e a tilintar feliz em meio ao engano...
Mais o piano tocava em notas claras, mais o copo dançava em voltas raras sobre o pires hialino em cantilena...
E o bailarino em cima do piano um dia foi tossir ( já tão humano! ) e, tossindo, se engasga, engole... e se envenena. LA 06/007 S/128
... Aí Eu Despulava...
...aí eu despulava-te a janela e caía nas mãos da madrugada, a brisa escura... às vezes bem gelada, a arder-me a vista ainda a ver-te nuela
dentre a penumbra trêmula da vela: o teu corpo de rosa e de alvorada, a pele de suores orvalhada cheirando a murta, a anis, ou a canela...
A passos largos ia saboreando cenas coladas, bem selecionadas num desfile gostoso pela mente...
Chegava e me deitava regiamente, as mãos ainda quentes e cheirando a camélias, camélias desfolhadas. LA 06/007 S/129
Quando A Abracei...
Quando a abracei pela primeira vez, foi na praça e era bela a madrugada... O roseiral em volta a dizer nada, nada além que gritar: Pega-a de vez!
Abracei-a uma vez, dez, vinte e três... Foi aí que senti a minha amada um jasmineiro em flor, uma braçada de ébrias flores de um páramo holandês.
Quando a primeira vez eu a beijei sorvi-lhe estrelas e canções da boca — quase afoguei, pois fundo garimpei.
Já quando fiz amor, achei-lhe a toca divinamente feita para mim — por isso amá-la nunca teve fim. LA 06/007 S/130
As Trevas Medievais...
As trevas medievais ainda salpicam a humanidade. A luz da consciência queimando-as vai, mormente as que se imbricam a sobrepor-se à religião e à ciência.
As trevas medievais amiúde implicam o sistema de mando e truculência — os que tolhem, amarram, prejudicam para dar seguimento à subserviência.
Liberdade, se a há, é interior. Conhecimento e entendimento são o antiaguilhão grupal libertador.
Precisamos lembrar que somos luz e, com ela ( seu nume nos seduz ) podemos incendiar a escuridão. LA 06/007 S/131
Você De Vez Em Quando...
Você de vez em quando se supera e vê-se: um você-mesmo bem maior — outono e ao mesmo tempo primavera, escuro e ao mesmo tempo resplendor...
Você então sai de sua humanidade — experimenta o mais além de si, algo que salta para a eternidade... E logo volta a ouvir o bem-te-vi.
Mas viu-se, qual filtrado por cristais, algo em si mesmo que ( infinito ) se ergue a fim de ultrapassar-se, de vencer-se...
Claro sentiu-se, viu, sentiu-se mais — viu que as coisas são mais, como o iceberg... Sim, viu que o ser está via de ser-se. LA 06/007 S/132
Sofrer, Nega...
Sofrer, nega, de vez em quando é bom, agora, todo dia já é vício do gênero cavar no precipício em busca de um centavo ou de um bombom.
Sim, peça a Deus a livre desse dom de transformar a vida num cilício, a prometer-se, como num comício, palavras mortas logo após o som.
Sofrer é bom, pero no mucho, nega. Corra a tristeza e deixe que a alegria lhe faça cafuné no coração.
Sofrer é bom, mas sofrer muito cega aquela doce, vasta sensação de conversar com Deus no dia-a-dia. LA 06/007 S/133
Tua Beleza, Rosa...
Tua beleza, Rosa, entremadura, dá uma vontade louca de colhê-la. Faz florescer os dedos de ternura, insalivando o sonho irial de tê-la.
Tua beleza, Rosa, é a divinura que rolou do jardim de conhecê-la... Ainda traz o gosto e a formosura do instante-queda com sabor de estrela...
Tua beleza, Rosa, é o doce engano de o homem se fazer mortal e humano para provar o que era só de Deus...
Tua beleza, Rosa, abriu os céus na consciência da humana criatura — uma escada entre a argila e a excelsa altura. LA 06/007 S/134
Nos Teus Braços Morenos...
Nos teus braços morenos pus o sonho de ser menos patético-sozinho, construir com consciência um cantinho lá em corpo e alma de um viver inconho.
Um viver nem por isso tão risonho, mas ciente dos tropeços do caminho, dos dias de tomar seu agro vinho, porém de realizar o humano sonho.
Sim, o sonho de ser gente com gente, em nada tão igual nem diferente — trabalho, tino com sabor de “ousemos!”
E quisemos, ousamos e fizemos. Foi bem menor a nossa luta e dor do que esse nume em nós chamado amor. LA 06/007 S/135
A Saudade Me Traz...
A saudade me traz a tua face e o teu sorriso a me dizer: Que frio!... Flores, jardim e o mimo do arrepio de um vento fino e fresco feito a alface.
A gente então subia ( ouvindo o rio ) pela longa avenida, qual se amasse andar no frio sem nenhum impasse — olha o vento no fio em assovio!...
A noite outono-inverno, muito azul, e a lua fria, toda decotada, acenando com a mão esquerda ao sul...
No seu alpendre, a noite se aquecia naquela sua manta esverdeada... E a gente era feliz, e já sabia. LA 06/007 S/136
Matador
Matava cobras e mostrava o pau, dizia ele, sempre a se gabar. Um sujeito grandão, não era mau, manso, educado, doido pra falar.
Não era brabo como Menelau que não gostava de compartilhar... Não, não: tomava sopa e até mingau — não era assim tão fácil de magoar.
Era enrolado e fanho e atropelava as palavras de tanto que falava — comera um embornal de mamangava...
E ao fim de cada causo que assoprava, dizia em tom machudo de homem mau: Eu sempre mato a cobra e mostro o pau! LA 06/007 S/137
Não Fora Querer Muito...
Não fora querer muito, minha Rosa, te pediria a honra desta dança dentro desta penumbra perfumosa à luz da vela tremulando mansa...
Não fora querer muito, minha Rosa, pediria guardasses na lembrança minha boca entre os seios ( murmurosa ), minhas mãos nas colinas que balanças...
Não fora muito, Rosa, muito egoísmo pediria afagasses na memória esse ritual, nosso sublime truísmo.
Não sendo muito, Rosa, pede ao vento espalhe devagar este momento — esta beleza eterna porque inglória. LA 06/007 S/138
O Mar E Amar
Se o mar tem suas ondas, teu andar as tem mais belas. Se ele tem procelas, tu tens as ruas, tens as passarelas, e não sei qual dos dois faz mais ondear.
Se o mar marulha e faz arrebentar suas flores de espumas e aquarelas, tu fazes sussurrar coisas mais belas, se bem que não com menos tempestuar.
Se o mar tem viajares e aventuras, tens sonhares e dunas divinuras.
Se o mar tem vastidões de se perder, tens uma enseada só de se morrer.
Se há milhões de perigos pelo mar, em ti é bem mais fácil naufragar. LA 06/007 S/139
Quero Dançar Contigo...
Quero dançar contigo à lua, ao vento, ao lado tendo lírios invejosos, rosas rivais de riso peçonhento e olhares circunstanciais, gulosos.
Quero dançar contigo em sonhamento de violinos-punhais gemendo gozos sobre o irial de vitrais bordando cruento, no chão do templo, seus gestuais gloriosos.
Quero dançar contigo aglutinado como dois termos num: unificado e tendo um outro e só significar.
Sim, contigo dançar na última corda de um solo instrumental que nos acorda a um viver que se deixa musicar. LA 06/007 S/140
Madrugada Fria
Lorca cavava a sua sepultura enquanto a soldadesca esperava. Lorca suava em sua angustura enquanto a soldadesca o espiava.
Lorca cavava a sua sepultura enquanto a soldadesca aguardava. Lorca escutava a gargalhada crua enquanto a soldadesca o vigiava.
Lorca cavava a sua sepultura enquanto a soldadesca debochava dele cavando a sua vala obscura.
Lorca cavou a sua sepultura... A soldadesca, pronta, disparou. Lorca tombou na sua cova escura. LA 06/007 S/141
Tinha A Cintura Quente...
Tinha a cintura quente a espanhola e um gestual de rosas torturadas. Não sabia estalar as castanholas, mas tinha contorções espiraladas.
Tinha a boca fervente a espanhola, bordas carnudas, bem congestionadas. Os seus peitos redondos como bola pareciam corolas emborcadas.
Tinha pernas veementes a espanhola, um jeito de pisar que dilacera, um bordado no andar feito menina.
Tinha ilhargas ardentes a espanhola, uma ilheta de um riso qual de cera — dois gomos de rosada tangerina. LA 06/007 S/142
Quando As Murtas Recendem...
Quando as murtas recendem em abril e a brisa matinal sopra ligeira, então me vem tua figura inteira, tão leve e esguia quanto juvenil.
O teu busto, a cintura e o quadril formam, os três-em-um, uma fruteira... uma taça elegante e prazenteira, encimada de um rosto bem gentil.
Tuas pernas desenham arabescos pela 13 de Maio, em gestos frescos, respingados de charme e femineza.
Assim chegas da escola, algo cansada, mas sempre alegre, e te abro, com presteza, o portão a cantar com a tua chegada. LA 06/007 S/143
Vento Furioso, Fero...
Vento furioso, fero vento. Em bando fogem as folhas, fogem com o vento, amareladamente voando, voando, levadas pelo vento nevoento...
Marina deve estar nesse momento sonhando colorido, sim: sonhando enquanto dorme sem saber do vento, da vida e o mundo nem de onde e quando...
Agora chove, e a chuva é muito fria, no entanto, em ver-ouvi-la há uma alegria, não maior do que o sono de Marina
que dorme a sono solto e tão divina, divinamente em dormição macia, mas nem por isso menos fescinina. LA 06/007 S/144
Os Homens Usam A...
Os homens usam a verdade como mentira e esta qual fosse verdade — assim a economia tem um gomo que vende como lucratividade.
E outro que vende como insaciedade e escreve a cada dia mais um tomo de sua fabricada realidade a cada dia a lhe esperar o assomo.
A verdade é a mentira realizada, a mentira é a verdade conquistada e entre uma e outra sempre anda a guerra.
E na guerra é mentira como terra. De tal modo a mentira é constituída, que a verdade dos homens não tem vida. LA 06/007 S/145
Por Onde É Que Andará...
Por onde é que andará ( se ainda anda ) Lolita? Já juntamos nossas águas, fizemos crepitar as nossas fráguas num tempo e charme a recender lavanda.
Já velejamos com a alma panda, tivemos raros risos, belas mágoas... Juntos erguemos férvidas anáguas — cilindramos o amor pela calandra...
Lolita amava o “multi”, a variedade ( namorava um punhado de rapazes ) — era a unidade na diversidade.
Brigava, e à tarde já fazia as pazes. Queriam-na como exclusivo bem... mas Lolita não era de ninguém. LA 06/007 S/146
Melhor Do Que...
Melhor que dizer tudo é dizer nada, melhor do que fazer é comprar feito. Melhor do que aceitar é ser aceito, melhor do que pegar é a pegada.
Melhor do que um boi é a boiada, melhor do que ser vice é ser o eleito. Melhor que ser eleito é ser reeleito, melhor do que o marmelo é a marmelada.
Melhor do que ser preso é ser suspeito, melhor do que o limão é a limonada, melhor que o torto é o torto que é direito.
Melhor do que a sala é a salada, melhor que a fome é mamar no peito, melhor do que amarrar-se é achar a estrada. LA 06/007 S/147
Os Tempos Já Se Encontram...
Os tempos já se encontram sazonados, suas sementes cairão no chão de outros tempos apenas refolhados — fininício de civilização.
Os tempos se farão reprocessados — nova consciência com destinação: lá no fundo de todos os passados o presente terá futuração.
Ser-tempo-consciência: a direção, o para a frente dos predestinados — o cosmo em multifária evolução.
Lá nos caminhos internalizados da santa Criação em recriação os fatos se reciclam coordenados. LA 06/007 S/148
O Saber Não Rentável...
O saber não rentável hoje em dia ( e o dedicar-se à arte ) é quixotesco. O homem quer poder, quer hierarquia e o que o dinheiro dá: dom nababesco.
Empresa de malucos, ousadia — o conhecer avulso: isolamento, marginalização, aleivosia... Sim, custa caro o para-entendimento.
O espírito de clã, os carreiristas o amanhã profetizam, arrivistas, vendendo a vida a preço de mercado.
Não tema o louco o seu entendimento de si, do mundo: o seu conhecimento ser-lhe-á tão belo quanto é isolado. LA 06/007 S/149
Se é Hora De Entregar...
Se é hora de entregar os seus anéis, faça-o e dê graças pelo que lhe resta. Quando não pode ser rei da floresta, que o leão ruja em outros decibéis.
Quando não têm recheios os pastéis, que a mágoa nunca se aparente esta, mas que nos sejam seus vazios festa, e os azedos da vida lembrem méis...
Loucura? Não, tão-só transformação do que não era no que possa haver — e mãos à obra pela reversão!
O que não foi tá doido para ser... e para ser precisa de razão que a desrazão nos faz acontecer. LA 06/007 S/150
Belas, Lindas As Tardes...
Belas, lindas as tardes de domingo. Encontrava-a vestida de saudade, saudade decotada, flor se abrindo, no busto respingando suavidade...
Tê-la nos braços era um conto lindo que a gente folheava até que a tarde virasse noite e a noite já engolindo os últimos festões de claridade.
Com o lençol já todo desfolhado, olhávamos as horas e ( sensatos... ) marcávamos o próximo programa,
prestos, a nos vestir... Nossos sapatos, era tocante vê-los lado a lado olhando pasmos bem aos pés da cama. LA 06/007 151
As Estátuas Fabricam...
As estátuas fabricam a memória segundo os que dominam o momento. E vão se acomodando com a história que as recicla em seu pluricabimento.
Sua fabricação joga com a glória e o fracasso no seu mais vário intento: forjar o grupo-consciência-escória a fingir-lhe constante livramento...
Sim, as estátuas contam o que querem, até que outras histórias as superem — os heróis e os bandidos se sucedem.
E assim todos os povos sempre pedem um novo e urgente herói para o lugar daquele que acabaram de execrar. LA 06/007 S/152
Os Bárbaros Virão...
Os bárbaros virão a qualquer hora, se de perto ou de longe, não o sei. Se pela noite, à tarde ou pela aurora, isso também não adivinharei.
Só sei que os bárbaros a qualquer hora racharão o horizonte com seu rei... Só sei que sua vinda não demora, logo estarão aí com sua grei.
Donde virão, para onde vão, também não sei. Se vêm com pais e seus avós também não sei. Só sei que sempre vêm.
Sim, de qualquer lugar talvez se esgueirem... Quem são? Ah! não são flores que se cheirem... Os bárbaros, meu filho, somos nós. LA 06/007 S/153
Sim, Ela Dança...
Sim, ela dança tango sem bandônio — só precisa de apoio sob as costas... Aí bota neurônio com neurônio em sinapses surreais pelas encostas...
Sem Gardel nem bandônio ela dançava — só precisava de um trivial lençol... Sem roupa alguma ela se trajava — lhe era bastante a luz da lua ou sol.
Era a beleza solta em pessoa, sempre lindona e para lá de boa, Ofélia nunca teve uma frescura —
escancarava as pernas sem mesura e ordenava risonha a remexer: Vem, nego, vem, e fode pra valer! LA 06/007 S/154
Brincar, Brincar É Bom...
Brincar, brincar é bom, senão morremos de seriedade, e nos rirão das dores. Flores é bom, porém, aquelas flores que tens por todo o corpo, e as sabemos.
Brincar, brincar é bom, e é o que temos de graça e à mão. Á mão, minha Dolores. Suavizar os nossos dissabores, por certo, foi com a infância que aprendemos.
Por isso mesmo, nega, não deixemos ninguém venha quebrar nossos brinquedos, nem sujar nossas águas de seus medos.
A vida é uma pinguela que balança. Nada de extremos, nega. Sim, fiquemos com a fé, o amor, o riso e a esperança. LA 06/007 S/155
No Ninho Dos Teus Seios...
No ninho dos teus seios aprendi a gostar de coelhos, a pegá-los pelo focinho e dorso, e revirá-los, lento, de cá pra lá, daqui, dali...
E voltar a afagá-los a intervalos pautados pelo ardor e frenesi... Sorvê-los feito uvas ou caqui, e, com amor infindo, trucidá-los...
Com o rosto a roçar nessa ninhada, ou prendendo-os debaixo do meu peito a lhes sentir bicada após bicada...
Assim a ave do tempo, em vôo perfeito, borda-me seus rasantes de gorjeios enquanto afago o ninho dos teus seios. LA 06/007 S/156
Bom É Lembrar Você...
Bom é lembrar você nesta manhã de uma chuva de azul quase irreal, você a deslizar num tobogã — rosto de lis e olhos de cristal.
Bom é lembrar você esta manhã, uma lembrança doce e atemporal, desenhada por brisas na romã ou desfolhada pelo roseiral...
Bom é lembrar você sem saudade — tê-la fora negar a suavidade, o bom, o belo de lembrar você.
Bom é lembrar você como um tesouro que o tempo já roubou, mas cujo ouro deixou um brilho que se sente e vê. LA 06/007 S/157
Tarde Sem Data No...
Tarde sem data no Planeta Terra. Tarde. Tarde puxando o anoitecer. Vamos bem. Obrigado. Sempre em guerra. Uma ciranda infinda a se comer.
Aqui só uma coisa não emperra — a iniqüidade solta e pra valer. Aqui o boi gorjeia e a pomba berra, com determinações a prescrever.
Estamos ainda à porta da Caverna, com presunções de a coisa ser eterna — querem a vida ( pois! ) mumificar.
Mas há um conforto em meio à paranoiescência: uma coisa não podem segurar — a expansão do universo e da consciência. LA 06/007 S/158
Tu Pinheiro Mais Alto...
Tu, pinheiro mais alto, acaso viste o meu amor passar numa embaixada de quatro bolas... toda ondeada, ondeada com muito, muito charme e nenhum chiste?
Tu, pinheiro pequeno ( e meio triste ), acaso viste a minha bela amada com seu andar de palma... delicada quanto maldosa... acaso a viste, a viste?
Pinheiral, pinheiral de seios-pinha iguais aos dela, tão iguais aos dela, acaso viste, amigo, a amada minha?
Acaso viste, amigo, a minha bela, que é tão bela, tão bela, pinheiral, tão bela que talvez me faça mal? LA 06/007 S/159
Um Tilintar De Prata...
Um tilintar de prata, um quê de rosa, aquela voz caía fundo em alma, brisa morna através de fina palma, marulhar a fazer poesia em prosa.
Um tilintar claríssimo, uma glosa de fino repentista em tarde calma... o escorrer pelo rosto de uma lágrima, uma lembrança entre azul e rosa.
Finos talheres que jamais usei, taças cantando um sonho cor de vinho, voz hialina dizendo o que nem sei.
A rosa, a prata, a voz: esse o caminho — lembrança sazonada de um outono caindo como folha ao abandono. LA 06/007 S/160
Pedras De Orvalho Escorrem...
Pedras de orvalho escorrem da folhagem, viram colares a quebrar no chão. E em tudo isso a tua verde mão, que as plantou, se escondeu entre a ramagem.
Também as vozes deste casarão se esconderam no musgo, nas avencas, nas bananeiras de mirradas pencas de um tempo que migrou para o já-não.
Tempo que dorme o sono das papoulas no arrulho roxo de sozinhas rolas na tarde quase noite da existência.
Tempo tornado em úmida saudade que só encontra a sua consistência na beleza ser gêmea da verdade. LA 06/007 S/161
Teus Seios: O Jardim...
Teus seios: o jardim onde me espera o sonho que viveram nossos pais. Reinventando sempre a primavera, pegaremos as trilhas dos florais.
O amor tirou as máscaras de cera, olhamo-nos com faces mais iguais. Hoje a vida é bem mais do que nos era. Ouve: é o vento em seu On... nos pinheirais...
Gorjeios e festões por entre os ramos sob os quais muitas vezes nos amamos tal como quem o faz primeira vez.
O céu é lindo como ver-te andando... Beijar-te é como ter asas nos pés... Amar-te é um sonho apenas começando. LA 06/007 S/162
De Madrugada
Brando, passo-lhe a mão na passarinha, e ela gorjeia “sins” de assanhamento. Todo o quarto se torna um firmamento, até o sabiá cantar de manhãzinha.
Ela parece potra raspadinha — brilho macio com aprazimento no alisado das ancas, polimento na maciez do pêlo que acarinha.
E bela, muitas vezes bem mais bela que essas tais que martelam passarela com pernas de bambu e ossos expostos.
A minha nega ( sei: há muitos gostos ) tem pelo corpo rosas e tulipas... Vê-la pelada me arrepia as tripas. LA 06/007 S/163
Quando Havia Marujos...
Quando havia marujos e sereias, aqueles tais não raro as possuíam amarradas ao mastro às luas-cheias e estas ( dizem ) cantavam e gemiam...
Mas um canto e um gemido que se ouviam por toda a terra e mar, dentro das veias de quem ouvia e assim os induziam a amores desbragados a mãos-cheias.
E, assim, povoou-se a terra rapidinho, — maresia e luar com muito vinho e um vento sempre morno e alcoviteiro.
Por isso é que se ouve volta e meia: todo homem tem um quê de aventureiro, toda mulher um pouco de sereia. LA 06/007 S/164
A Lagartixa, Nega...
A lagartixa, nega, deixa o rabo pra não perder a vida. Nem por isso deverias vender-te para o nabo do mundo, já que és mais que aquele bicho.
Longe de moralismo, nega. Ao cabo de pouco tempo vês que é desserviço ao amor-próprio ( à vida! ) pôr o rabo ao repasto do mundo pegadiço.
Aliás, é mais que isso: é desaforo entregar-se à mundana correnteza de amém após amém cantado em coro.
Quanto ao sentido, à verdade, à beleza... A gente vai pensar ou ser pensado? A gente vai sonhar ou ser sonhado? LA 06/007 S/165
Vingança
Por teu corpo de rosas e de lises quero colher gostosamente o amor. Quero colhê-lo sem as cicatrizes das tristezas e mágoas, sem pudor.
À luz dos irisados chafarizes, quero beijar-te os seios com fervor. E à sombra da beleza, bem felizes, sorveremos serenos seu frescor.
Depois vamos nadar no grande rio, onde uma ninfa com timbó ( e no cio ) te envenena. Te dou um vomitório —
te salvo. E nós, ante ela, em tom finório, nos vingamos: por mais de um mês fodemos. Sim, tanto, Inês, que de foder morremos. LA 06/007 S/166
Sonexo
A pouca luz é o charme do bordel. O ferrão sempre vem depois do mel.
Mulher bonita é o maior perigo, é sempre amiga do melhor amigo.
Quando a inquietude com o tesão acaba, tudo o mais, minha amiga, nos desaba.
Falar mal, falar bem, depois de eu morto, francamente, isso fora um triste aborto.
À medida que o fim nos fica claro viver se vai tornando belo e raro.
Devo ao garoto, ao jovem que eu fui o saber que sou muitos num que flui.
Há, sim, um cemitério de elefantes — é pra lá que me levam os instantes. LA 06/007 S/167
A Ciência Caminha...
A ciência caminha por errância, por veredas em seu jamais findar. Precisa, pois, de alento e exuberância no pesquisar do seu repesquisar.
A teoria lhe é tudo: a força-ânsia pelos degraus do seu teorizar. E entre teorias mora a velha instância entre seu inspirar e expirar...
Logo adiante do além há outro além, e é a mesma coisa em toda a Criação: há sempre o além do mal e o além do bem.
Não saber é o brincar que mais atrai. Sim, não saber é a nossa diversão — o maior bem da casa de Deuspai. LA 06/007 S/168
Para Chorar Os Mortos...
Para chorar os mortos, minha amiga, já faz tempo que a humanidade investe no plantio de árvores-cipreste — terceirizando o choro à moda antiga.
Que o vento e os ramos chorem, e prossiga a vida em sua festa e sua peste. Ninguém finja de morto e faça o teste (!) pra ver se algum chorar se lhe persiga...
Enquanto a vela tem pavio e cera, degustemos o inverno e a primavera com todo o amplo direito de os viver.
Quando nos vier o último chamado, entreguemos a casa de bom grado, sabendo que há outras formas de se ser. LA 06/007 S/169
E Esse Vento Chorando...
E esse vento chorando no lá fora? É um conforto somá-lo ao meu tormento: ver que está nele aquele que em mim chora — companheiros de um mesmo e só lamento.
Este vento me ensina a ser o vento enquanto no lá fora passa e esflora ramos que sou eu mesmo no momento de ouvi-lo e sê-lo no por dentro e fora.
Somos diversidade na unidade, o alfa, o ômega, o uni e o verso... sim, unidade na diversidade.
Somos o longiperto de um momento em que cabe num pingo o universo e tudo é um: um som, um om... e o vento. LA 06/007 S/170
A Lareira Crepita...
A lareira crepita, a alma medita com saudades de Deus nas labaredas. Línguas de fogo dóceis como sedas sugam flavas a lenha que crepita.
Reverberar de flamas leves, ledas se enrolam rubras no ar que as delimita. Cabeleiras em chama... o vento agita as contorções de belas labaredas.
Lá fora ruge e mia o inverno: o vento... Cá dentro vozes, timbres, burburinho... Declamam um poema nevoento.
Entre canções e risos, chistes, graças, alegres vozes com tintins e vinho somam risadas a hialinas taças. LA 06/007 S/171
Eram Dias De Estudos...
Eram dias de estudos concentrados, à luz do candeeiro a meditar... A fugir dos irmãos arreliados, ia para o quintal para estudar.
O pé de carambola, com esgalhados ramos, sempre bondoso a me abrigar... Meus candeeiros ali dependurados davam-me lume para pesquisar.
Ali ficava até os irmãos dormir. Depois subia para a velha mesa, ali a mãe cortava e costurava.
Preparava-me sério pro porvir. Sim, costuras e estudos com presteza... Minha mãe costurava, eu estudava. LA 06/007 S/172
Quando Estrondavam Temporais...
Quando estrondavam temporais e o mundo dava mesmo a impressão de desabar, a minha avó, num pânico profundo, puxava-me pro quarto pra rezar.
Com as pernas bambas, um olhar sem fundo, ela pegava as palhas a queimar num círio, ajoelhada, o olhar rotundo e mais redondo a cada estalejar...
Palhas bentas queimando ao círio bento... Doía ver que minha avó chorava por tudo aquilo que me deslumbrava —
a beleza raivosa e exuberante dos temporais em fúria estrondeante, a chuva grossa e sobretudo o vento. LA 06/007 S/173
Sua Voz Molda Flores...
Sua voz molda flores de cristal, suas pernas desenham ao passar, seus peitos apreciam perfurar, sua boca até fala bem do mal...
Seu andar lembra o vento no trigal, seu sentar lembra o cisne a meditar, seu sorriso é o divino do sonhar, seus olhos têm um quê filosofal...
Suas ancas fabricam doces favos, seu ventre tem o ritmo de um rito, seu jeito sabe até fazer escravos.
Suas doçuras têm divinos travos. Seu “sim” é o que já vi de mais bonito, seu “não” faz desabar meu infinito. LA 06/007 S/174
Há um Gorgolejo Claro...
Há um gorgolejo claro, azulizante no Espraiado que escorre a meditar, levando o céu de junho exuberante por sua canaleta a gorjear.
O bem-te-vi lá longe, petulante, sempre incluindo alguém no seu cantar. Mais perto, pelo asfalto, ouve-se o chiante sussurrar de pneus a encachoeirar...
Uma chuva de azul toda incrustada de ouro e cristais pela manhã flameada, manhã mimada e cheia de chiquê...
Se há um sorriso no ar e por mim dentro, se há sentido e alegria no momento, é porque tudo faz lembrar você. LA 06/007 S/175
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