NA HASTE DO HOJE
Textos 1
Laerte Antonio
Da Safra Dele
Meu coraçãoo tempo todo bebe vinho, mas nem por isso trança as pernas, nem se afoga — senão me parte a vida, e nem fico sabendo que ele me fora bom, bom demais para mim. Deixem-me logo agradecer por ter um coração que o tempo todo bate ( mas na porta dos fundos porque sabe que o céu só tem porta da frente ) e que não deve amolar aquele Senhor que o tempo todo tem que estar dentro e fora de todos os corações — sobretudo naqueles que não têm pressa porque de bem com a vida que é fora e dentro da criatura.
Saboreia, coração, agradecido, o vinho que homem não faz. Que homem não faz... e quando rouba, rouba terrivelmente da Vida. Degusta deste vinho, deste vinho que não tem dono — deste vinho que vem das mãos de Deus. Sim, o homem vai ter que aprender que esse vinho, que esse sonho, que esse bem, que se diz vida — é tesouro de que a criatura é apenas depositária: roubá-lo é roubar de si mesmo. LA 09/002 Ao Menos Aprendizes
Foi bom enquanto durou?Não só enquanto mas também depois-após.
Ter cursado uma boa escola deixa um rastro de prazer ao longo de toda a vida.
Ter vivido com uma bela outra-parte ( e dela ter saído vivo/a ), é levar pela mão no tempo uma satisfação vitalícia e quentinha, ou ( em outra moeda ) — uma saudade charmosa, porque de barriga cheia. ................................................................. Viver é estarmos em ganhos-perdas, em perdas-ganhos. O que o homem precisa é ver com mesmos olhos seus ganhos e suas perdas — uma vez que tais impostores não nos pertencem: são apenas degraus que subimos e descemos. Dependem menos de nós que dos tiques e chiliques do meio e dos tempos — que suportam o Edifício.
Sejamos irrazoáveis! Claro, e razoáveis um outro tanto. Sim, sejamos sensatos: permitamo-nos algum tanto de insensatez. Quem sabe assim não recobramos o sentido para os lados de nossa humanidade e a gente até pode ver pra onde é que está indo? Ah, vamos lá! Muita coragem e muita covardia! Sem querer ninguém acerta, mas sem fazer... pode até ser. ( Por falta de fazer não é que o Saci não tem inveja do nosso passo... ) Sim: desfaçamo-nos de nossos empanzinados fazimentos... Aos poucos, desfaçamos. Somos reféns das nossas mãos e também da sombra delas: do seu fazer ou não fazer...
Desfaçamo-nos de fingir que não vemos. Assim teremos sido, se não felizes, ao menos aprendizes. LA 09/002
Por Algo Maior
“Correu de medo, sujou no dedo.” ............................................................. Pedi a Deus me fizesse bem covarde — pra ninguém levar vantagem sobre minha ( se tivera ) valentia.
Por mais vida, — sim, senhor. Por esterco, — não, doutor.
Vi gajos sangrando até a morte por xiranhas puladeiras. Por centímetros de terra, por “ofensas” de guetos e até por goles de cachaça. “Desonrados” lavando com suas vidas podres minhocas culturais. E era isso o que eles eram. Sim, sem o saberem eram isto: podres minhocas culturais. Maldades ao molho pardo de recíproco desamor.
“Correu de medo, sujou no dedo.” ........................................................................
Fétidas honras, fiéis sujeiras, pútridas vaidades de podres ideologias. Carniças do coração. Desenganos da alma. Sono enfermo do espírito.
“Correu de medo, sujou no dedo.” ........................................................ Podridas glórias.
Sim: a carne e o sangue não herdarão a cidade cuja lâmpada é o Cordeiro. A vida é muito mais que tudo-isso-esterco que nos rodeia e, se deixarmos, nos entra corpo e alma.
Há coisas que me servem, outras que me deserviriam. Vão por aí? Vou por aqui — nem herói, nem bandido, mas alguém que anda aprendendo a se prezar. LA 09/002
Com Ou Sem Aval
Um sonho telegenéticoa fluir em prístinas veias: Mr. 45 sonhou que o leite negro do mundo fluía para as mamadeiras da sedenta maquinaria de sua casa — a que mais cospe na cara do planeta.
E Mr. Colt sonhava e, sonhando, bradava: “Cadê?! Cadê?!... É nosso!! É tudo nosso!!...” a soquejar no ar e a trovejar em texanês: I want him, alive or dead! Yes: I want hiiiiiiiiimmmmmmmmmm!... Satan-Saddam-Satan!... SSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS!... .................................................................................. Sua ministra o sacode ( em seu divã saudita ), e lhe sussurra a boanova: Sossegue, Excelência, sosseguinhe!... Ao primeiro “S” do seu sonho, já mandamos despejar mais trinta Mil toneladas daqueles nossos “punzinhos” sobre a cabeça do Demo e seus asseclas... Sossegue: o leite negro é nosso desde o futuro do passado — com aval ou sem aval bucal/anal mundial. LA 10/002 Argila Constelada
Gosto das coisas bem quebráveis... Assim jamais se cansam de mim. Nem eu de seus encantos. Das coisas desfolháveis nas mãos dos ventos que ( não demora ) se amansam — já não semeiam espantos nem tormentos.
Das coisas que se fingem moldar e não chegam a ser — porque não-ser é que é seu remoldar na argila constelada de um sempre vir a ser. LA 10/002 No Além-Opostos
As coisas hão de ser buscadasnos seus além-opostos — ou não há compreendê-las, nem achá-las orvalhadas de sua essência. O Bem e o Mal existem, claro. Mas é preciso vê-los acima deles: o quanto o bem tem de mal, o quanto o mal tem de bem. E assim, no além-opostos, o ver com o ver já não se opõem: o uno se torna pluri... e o verso, — multiversal: realidades sobrepostas filtrando o sonho-nós. LA 10/002 Como Dálias
Se os girassóis não florescerem, teremos os gerânios, escudeiros das rosas... Das rosas espiadas por cima de velhos muros: espiadas pelas dálias — tão lindas essas dálias em sua frágil humildade, que lembram minha avó Anita, a me dizer: “Deus é bom, mas tão bom que jamais devíamos ter medo. Sim, caro, você verá — nem precisávamos ter medo... Se o vento nos bate igual a dálias de encontro ao muro, como dálias, meu caro, estamos plantados Nele.” LA 10/002 Com Pena E Tudo
Faz tempo ( muito tempo )o asno cacarejae a galinhona orneja.
E nesse entretempo o galo tenta cobrir a pata, mas vem o ganso e lhe corta ( pela metade ) o barato — a estalejar-lhe grasnos.
Te cuida, malandro velho, mas não abaixes tanto — que ficas demais no ponto...
O amor morreu de falta. Sabias? Sim: falta de si mesmo. Quando viram, tinha virado poposo charque: que se há de saborear acebolado com cachaça envelhecida em odres de cordeiros...
Bom é comer galinha com pena e tudo, quando não é galinha nem pena o que se come.
Bom é engarrafar zurros e ornejos, e servi-los, após dez anos, a paladares delicados a cavalgar machinhos no cio. É aqui que o asno cacareja e a galinhona orneja, sem pena.
O amor ( cá bem pra nós ) anda uma merda. Mas se você não o consome, suas tripas vão ter o quê? Coisa por coisa, a maioria ó!, antes que o tempo coma a comida e o prato.
Por isso mesmo, a Hipotenusa ( lá no Quadrado dos sonhos ) tem reiterado aos Catetos que o amor continua sendo a melhor das bobagens. ....................................................................... Faça doce não, meu caro (ou cara ), que vem a formiga e... ............................................................................. Melhor que a goiabada é não ser diabético. O amor? Pai-d’égua: danado, melhor de bom. E além do mais é diurético. LA 10/002
Sua Vergonha Nua...
Sua vergonha nua só debruameu sentimento em vê-la assim pidonha de afeto e compreensão: gesto de lua em sua seda e penas de cegonha...
Pígios roçados pela brisa nua, impondo ao rosto um rubro de vergonha: ter de vender a carne, a carne sua por dinheiro a tinir sua peçonha...
O coração lhe dói desiludido — bebe estanho, titânio em repetido ato de se vender, fazer-se vil.
A alma lhe dói inteira, e um ódio frio lhe escorre com um riso de imbecil e cai na boca a milbeijá-la em cio. LA 10/002 Feridas Impensadas
Falamos a mesma língua, mas um mar, um mar enorme nos separa. Um mar de lindas diferenças — dessas que — de tão diferentes — são hoje indiferentes, e tanto, que isso elimina todas, quaisquer inferências — tornadas em transversas diferenças sem nenhuma referência. E a tal ponto, amor, que quanto mais a gente se fala, tanto menos se entende. E louvado, louvado seja o desentendimento, que já não traz nenhuma desinteligência, nenhumíssima inteligência — antes contrabalanceia com pensas enquanto a gente pensa sem nenhum pensamento. Assim a gente despensa ( sem dispensa ) enquanto pensa as feridas impensadas. LA 10/002 Caminho-Caminhante
Caminho um caminho entre o ser e a solidão, o sorriso de Deus e abismos atapetados das flores do desejo. Um caminho a caminhar-se ( com suas formas em formose no aqui-além de percorrê-lo ) — vário-diverso a cada passo ( em inter-outros ) e, no por dentro da criatura, abre-se em flor: Caminho-Caminhante no por dentro e por fora de totalmente tudo: no Uni-e-Multiverso... Um caminho cujo caminhar é construí-lo em reconstruir-se: ser e realidade a remoldarem-se Um... num experimentar-se em tudo-outros. Sim: um caminho a caminhar-se ( a vertebrar o ser em conhecê-lo e conhecer-se: consciência una — caminho metabolizado em caminhante, ser e tempo feitos Um ): a própria vida a carrear o dom, a graça sempre a bordo do Ser e a caminho de Casa, reconstruída pelo Caminhante LA 10/002
Logo Ali...
O anel quebrou? Sim: era vidro. O amor ...se acabou? Sim: era pouco. ........................................... E o que restou? A lembrança descalça por sobre o chão macio de cirandar: ... meia-volta, volta-e-meia... Ficaram lá... logo ali — na infância, que ainda ( lembra? ) canta as delícias de não-saber. ................................................... Se o amor era pouco, chore não — não sabia fazer-se mais.. Se o anel era de vidro, chore não— essa era a sua natureza. Havemos de não precisar de anéis de vidro, nem de amores pequenos. LA 10/002
Mas Não Tanto...
Meu coração é hoje um bom menino —já não exige o que nem ele tem. Gosta das sombras e do sol a pino... Ama o belo, ama o feio em seu vaivém.
Não tem medo de ver-se um bom cretino, com outros a dizer um só amém. Nem exige que o bem seja divino — mas tão-somente seja: seja um bem.
Já não põe as pulsões num só disquete à espera de clicar quem lhe complete sua falta de ser e veleidades...
Meu coração é hoje mais maduro... Mas não tanto que caia do seu muro... ou deixe de inventar felicidades. LA 10/002 Do Diário De André
Naqueles dias a gente já aprenderaa viver com muito pouca felicidade. Ela era ( para você, que não sabe adivinhar: estou falando de Teresa... ), ela era a mão que eu precisava e eu o braço a lhe encaixar a palma e os dedos. Inventávamos momentos, horas, dias de um convívio constelado na argila da nossa pobre carne — clara alegria e a força que ela tem com esperanças enraizadas entre os vãos dos sonhos...
Seu corpo roseava ternuras em gestos escondidos atrás de girassóis... Sim ( me lembro e repito ): a gente nem precisava de felicidade pra ser feliz. Tínhamos aprendido a inventá-la... Bastava uma postura de coração e pensamento... e bastava saber não atrapalhar o acontecer.
Era assim como ver e criar... Melhor: ver e recriar. A realidade se remolda e se entrega à vindima. Nossos olhos se moviam como seixos semeados nas encostas pisadas por brisas com sandálias de sol. Venturas-aventuras de quem sabe a vida dona de uma generosidade usurária sempre a nos lançar em rosto... Delícias infelizes, desventuras venturosas.
Ela era bela como o sorriso do mistério, e eu colhia de suas mãos e flancos flores — muitas — semelhantes a bem-me-queres... Uma alegria verdejada de tenro afeto que nós dois repartíamos pelos luares de vastas vinhas em vindimas e vindimas... E nosso nos amarmos tinha o cheiro e o gosto do pão assado em casa...
E tudo foi demais bonito, talvez, porque tudo durou a eternidade de uma rosa. ............................................................................. Lembro que lhe beijei o rosto ( emoldurado ) numa manhã fulminantemente azul e inundada do mais puro ouro. Tudo tão belo e calmo, sim: terrivelmente calmo em derredor, que me jurei, naquela hora, que a morte não seria nem mais nem menos que um brinquedo terrível — um brinquedo de Deus: o único inquebrável durante toda a nossa vida — duro demais para o nosso coração. Para a Vida, por certo, um brinquedo pouco, ou quase nada... Sim: nada demais, nem de menos. .......................................................................................... Minha Teresa era bela como não saber. LA 10/002
Se Queres Irrigar...
Se queres irrigar, irriga. Conheci muita pedra que virou rosa. Terras rachadas igual pedaços de torta — que se tornaram belas vinhas.
Se queres irrigar, irriga. Conheci corações ressequidos que floresceram calmas esperanças entre bromélias sonhadeiras e aquela fé de andar por sobre as águas...
Se queres irrigar, irriga. Conheci olhares vazios, arenosos de desamor, que viraram chafarizes aonde muitos se achegavam para matar a sede, e as crianças para alegrar os pés...
Se queres irrigar, irriga. Deixa fluir de ti para o outro a água da vida. LA 10/002 Do Sacro Ao Poético
Do sacro ao poético, a distância é de sonho — ou degraus virtuais: verdade-beleza e beleza-verdade — um só perfume em tons de espelho em sombraluz.
A verdade é metáfora de beleza — aquela inseparável do verdadeiro. A beleza é metáfora de verdade — aquela imanente do belo. Sim: algo que mais se sabe quanto mais esquecido — vivido de soslaio, percebido de lado do entender.
Não-saber é abertura para o mistério — pai de nossas provisões.
Do sacro ao poético, se houver distância será de justaposição.
Do verdadeiro ao belo, do belo ao verdadeiro, se não houver inerência — é que fecharam para o almoço, ou derrubaram o teatro...
Do sacro ao poético, o caminho vai e vem entre a margem-beleza e a margem-verdade. E muito mais Ele, o Filho, haveria de nos dizer se o podéssemos suportar agora. LA 10/002 Cabeça Fria, Cara!
Quando em escândalo, justifique-se na pedra que o fez tropeçar. E observa outras vontades — quebrando-se as pernas e a cara em mil tropeços.
Quando em ridículo, colecione risadas, múltiplos risos — transforme-os em pedras ( em flores não: em pedras ) e, em seguida, atire-as nos telhados de vidro ( que pensam ser casas-matas ) dos que riram e gargalharam de você.
Quando o cônjuge o abandonar, aproveite: troque-o por um parceiro mais interessante e mais moço.
Quando falarem mal de você, dê graças a Deus por existirem os que falam de você. Bem ou mal são gradações, ou modos de falar. Sim, falar de você que graças a Deus está vivo e nem precisa para viver daquela sabedoria de Salomão — mas tão-somente de suas vaidades. LA10/002 Palavras Que Invisibilizam
Por aqui o caminho é mais curto — a fé tem seus atalhos. Em havendo águas, um monge nos mostrará o recurso das pedras. Em surgindo bandidos, pronunciaremos as três palavras que nos fazem invisíveis: desempregado, hotel-calçada, fome. Em vindo a polícia, a gente os recebe com sorriso entre medroso e subserviente — tentando incutir-lhes que dispensamos azeitonas... e cacetadas na cara e na cabeça. E logo que venha a manhã, tomamos banho no córrego, botamos a roupa de procurar emprego — nesse nosso noningentésimo dia sem trabalho, com os dentes cansados de frutas podres e legumes passados: com o estômago a comer-se entre enzimas frustrados. LA 10/002
Fofocas
Zélia madurou tanto que só restou sementes. Juca se preservou: pensou bem pouco, e sempre com o humor à frente — daí não se ter entregue nunca ao banal. Os disciplinados morreram todos de enfarto, ou derrames cerebrais. Suas viúvas jamais aceitaram bandeiras a meio-pau: eram saudáveis e moças. Padre Herculano fugiu com Glorinha na véspera de Natal . A congregação se calou como se dissesse: Meu Deus, mas ninguém é de ferro!... O coroinha é que chorou órfão — juro que não sei por qual dos dois. Ficou mesmo inconsolável como casal de bigodinhos separados. Sentido, adoeceu. Doente, durou seis dias. Morreu no dia de São Nunca. Enterro cedo, festa à noite. Muita cachaça, comida, e raparigas em flor: doidodoidinhas!...
Quem chora primeiro não vê a festa... Quem ri primeiro garante o riso. LA 10/002 Cuidado!
Pense muito não —desparafusa o juízo. Não viu o padre Gregório? Fugiu com a mulher do juiz. — Do juiz?! — Sim: safenada e octogenária.
Não viu o autodidata André? Começou a teimar com o vizinho que sua mulher era dele... O vizinho ( calmamente ) desquitou e ( serenamente ) casou os dois. E ainda pagou a festa e lhes montou a casa.
Pois é. Pensar muito desparafusa a parte alta, como rir muito destramela embaixo. LA 10/002 Até Quando?
Essa coisa ridículae mais que prejudicial — até quando não terei forças para mandá-la longe, longe de mim?
Até quando hei de querer que a rosa seja ela mesma e seu avesso ( ? ) — mensagem do mistério, pêndulo da eternidade?
Até quando a literatura há de me dar ternura? Sim: até quando serei pródigo com a sua famosa usura? LA 10/002 Lustrosamente
Nossa bobeira portátil não deve ser negligenciada, mas polida, envernizada, sempre lustrosa e bem à mão.
Nossa bobeira portátil, se usada à sua vez e hora, é de uma utilidade sem limites: questão mesmo de vida ou morte.
Com ela conseguimos passar pelo tirano... e até com risos ( com rugidos suportáveis ) dos donos e notáveis.
Fazer(-se) de bobo é uma arte como outra qualquer. Garante sobrevivência ante o santo e o corrupto, e em mil outras situações.
Mas mesmo aqui é preciso muita humildade... Conheci muitos e muitos bobos que ó: ...!... , por tornarem demais versátil sua bobeira portátil. LA 10/002
Prefixo Trans
Se a idéia é unânime, salta do trem, que ele vai pra parte alguma. Só está andando como tudo na vida.
O consenso “de uma só alma”, universal compreensão, é tempo petrificado. Enquanto não for transgredido, as coisas não terão outros ângulos de serem vistas ( e recriadas ).
( O unânime é pusilânime no ver: consciência de cardume ou de manada. O unânime é imoral. )
O tempo é essa umidez da argila no ponto certo de o ser se remoldar. Aí, sim, o homem é barro constelado nas mãos da Vida e de si mesmo. LA 10/002 Farça
A gente sempre pensaque agora, sim, estamos bem: vai haver uma trégua e a dor nos dará descanso — poderemos, enfim, realizar ( com certa tranqüilidade ) aquele projeto entre o sonho e a argamassa de materializá-lo.
Mas não, a gente vê que não pode. E se pudesse, o esboço e o plano já não seriam aqueles... Muito granizo e sol e vento se abateram severos sobre as nossas esperanças e o nosso ser ( humilhado ) que as retinha. Agora nossa alegria é tímida e em conseqüência pouca a nossa força.
A tranqüilidade foi uma farça — jamais maior que a angústia e as aflições. A vida é perpétuamente aguerrrida e quer que nos organizemos e a sirvamos no fervilhar das tribulações — quem aí não conseguir realizar(se) terá se enganado até os cabelos. É debaixo de fogo que podemos nos remoldar a nós e as coisas — e só assim teremos feito-e-criado: moldado a matéria-sonho a escorrer incandescente lá das forjas do ser. LA 10/002 Carneodinâmica
Apresentaram-lhe Josefina — uma nave intergaláctica. Jeito de rosa, pígios de afrontar santos e dinâmicas hi-tech. Beijou-lhe as mãos, as faces... mas — engraçado — a mulher não o tesou. Não lhe mexeu com aquele gene que ( segundo ele ) incendiava os Brocolônio.
Ouvindo o piano do bordel, este, sim, o tesou ( pelo mental de posições saboreadas de memória... Foi pra casa, leu um pouco, conversou com a esposa. Escovou os dentes, masturbou-se — e foi dormir. LA 10/002 Tudo Certo
Deu tudo certo. Fizemos como nos mandaram. Como nos ensinaram. Deu tudo certo, não para nós, — para aqueles que mandaram.
Os que ( ao fazer ) não se esqueceram do humor, do riso, da ironia ( nem de emprenhar de humano o seu fazer ) — conseguiram sobreviver em sua dignidade enquanto gente e pessoa.
Fizemos como nos mandaram. Deu tudo certo. Só não fomos felizes. Mas quem é que desejava que o fôssemos?
Tudo certo, como os pios do elefante e os barridos do bem-te-vi. LA 10/002 As Duas Cidades
Entre a cidade de Deuse a cidade dos homens — há lonjuras-loucuras de divinuras-diabruras. Naquela, os homens que se esqueceram de si... Nesta, os que buscam diversão e consumo — pastos-repastos de egos.
A cidade de Deus e a cidade dos homens não estão longe de nada, nem de si mesmas — ficam aí ( bem aqui ): entre alma-coração. Sim: tão juntas e tão lá dentro de cada um — que ninguém sabe quem mora numa ou noutra, ou quem pode transitar por ambas. LA 10/002 Clipe-Lembrança
Palidez de janeiro( era sempre assim ) borrifando chuva fina — vidraça beijada de oblíquo... Folhas e vento nas varandas e o tilintar hialino de harpas eólias: a alma do fogo fazendo o vidro cantar... Pios de desconforto nos beirais... Ciciar de folhas pelos ladrilhos. Chuva mais chuva: céu escuro e névoas. Um cheiro de pão caseiro vindo lá da cozinha de mistura com o do café sendo coado... E atrás deles o grito prolongado e carinhoso de nossa mãe: “Vamos tomar o nosso cafezinho!” LA 10/002 “Nóias” E “Oses”
Sempre bem entre o sonho, a nostalgia, e a realidade a nos sopapear. Não no que é, mas naquilo que seria — em um não-foi, doente de esperar.
Um bem que traz em si sua aporia — leite entornado num ferver-piscar... Ou vidente que só revelaria depois que o ver tomasse o seu lugar...
Enquanto isso a fluida realidade vai moldando bonecos lá em nós — neve, vento e seu ar de tempestade...
E a vida dói num virtual clicar: o sonho desenrola o seu retrós dentro do hoje, que é um modo de adiar... LA 10/002 O Caso Daquele Copo
Aquele copo de venenoem cima do piano ( lembra? ) não era veneno não — mas licor do melhor. Vovô ( chefe da casa ) tomava dele ( escondido, ali pelas madrugadas... ) — tomava-lhe três golinhos que lhe mantinham a vida sonhando... E assim era todas as noites. E o licor não acabava ( igual o azeite da viúva lá do profeta Elias... ( lembra? )
O avô dizia ser veneno com medo de que o tomassem... Mantinha o copo coberto com um guardanapo branco encimado por uma luva ( de mão direita ) de alguém especial ( dizia ) que ele havia conhecido.
E explicava a si mesmo ( em pensamento ) que o copo havia de ficar sobre o piano — assim metabolizaria os sons, as notas-harmonia que o líquido reteria e transformava em sonhos que, se bebido em três goles, afastava o gene da morte de toda a casa... E dizem que, por séculos, várias gerações ouviram aquele piano...
Até que um dia uma empregada nova de casa o ingeriu, noite alta... Bebeu, não os três goles, mas todo o copo. E, claro, morreu — pois libertara o tal gene... trazendo a mortalidade pra dentro de toda a casa. LA 10/002
Bem Antes Deste Mundo...
Bem antes deste mundo já sonhávamosdentro de Deus em nós a nos contar histórias de viver nos interpáramos de nós mesmos, sem tempo nem lugar...
Em Sua argila-amor nos remoldávamos tão fácil como ver ou respirar, enquanto a luz da vida preparava-nos um modo de ( após Queda ) nos salvar...
Sim: nos salvar de nós em auto-engano, antes de o mundo ser a nossa queda... e de o homem querer-se sobre-humano.
Nossa glória brilhava em nada sermos... Nossa ventura era não sabermos da tarde... como a rosa em seu sonhar de seda... LA 10/002 Pensar, Sonhar, Intuir
Pensar deixa de ser banal, quando não se confunde com intuir — que é esse pegar as coisas pelo vôo, pelo se deslocarem por si mesmas, revelando, por isso mesmo, suas muitas dimensões e seu inter-relacionarem-se em pluri-realidades.
Ser pensado e sonhado é coisa tão comum quanto não-percebida. Já a lógica intuitiva é para aqueles que desenvolveram em sua aparelhagem ( biopsico-espiritual ), um corpo intuitivo: o que adentra a cabeça do Outro — e escuta os pensamentos lactantes...
Pensar/sonhar deixa de ser banal quando se pensa-repensando, quando se sonha-ressonhando. LA 10/002 Fazer Com Deus
Sonhar é bom como rezar-orar, como esperar em Deuspai, ter a fé que tem movido montanhas, ter o amor: a moeda universal que nos devemos.
Os sonhos são a matéria escura do Universo que — pelo querer-imaginar, pelo ousar-calar — vestem de matéria luminosa o que chamamos de realizações.
O ser, com sua multiaparelhagem, é o agente metabolizador, transubstanciador e organizador da realidade de superfície e fundo do Universo. As inter-realidades ( bem mais complexas ) são da alçada de outras hierarquias...
Projetar e mandar para o futuro ( sobre a plataforma do hoje ) nosso fazer-criar e confiar-lhe essa tarefa lúcida — eis o segredo de se fazer com Deus. LA 10/002 Agora
Agoraaprenderemos do avesso, depois viramos nosso aprendizado do lado de usá-lo — de modo que tenhamos a via alternativa que não obriga a isto nem àquilo, mas segue com o ser a ser-se: o buscador sendo o que busca — a busca sendo a essencialização da vida em sua ôntica jornada.
Agora aprenderemos com as pedras que o silêncio tem mais história entre os lábios que o bater dos tambores tagarelando com as sombras... Aprenderemos com elas que o mistério é sem bocas, mas guarda todas, todas as provisões do conhecer-viver. E que — para adentrá-lo — é preciso saber que a luz vem das sombras para o norte do ser — estação tempo-consciência: a um tempo a nave e a impulsão de Deus nela.
Agora aprenderemos a desaprender para nos despojarmos das coisas e de nós mesmos: sabendo que Deus nos é, e sabendo não-saber — estaremos vazios e com a intuição aberta para os lados do reaprender em que o uni não esconde o verso, mas se faz via transitável — multiversal: um ver além das sombras e da luz. LA 10/002
Ah-Ah-Ah-Ah-Ah-Ah...
Ruim com ela ( ou ele )? Porém, sem ele ( ou ela ), nem se teria com quem ser infeliz. Adeus verdades de mentiras. Fidelidades de enganos. Adeus possibilidades de darem certo as incertezas. Adeus sentido do sem sentido. Amizade requentada. Adeus Cacilda de Carvalho. Delícias do amargor! Defuntos masturbados pelo papear dos vivos. Desesperanças da esperança. Nada somado, igual a tudo. Angústias de lutar por não tê-las. Arlequim fingindo não saber andar pela maroma... Nexo de não se ver nenhum. Amor de desamores, comendo folhas de amora. A quintessência do saco cheio. Desesperos rechonchudinhos de esperança. Tudo somado, igual a nada. Inverno de primaveras e primaveras sem flor nem chuva. Adeus bonecos de neve comendo amendoim em tempestades de verão. Adeus dúvidas e cismas em teatrinhos de ser-não-ser. Bobagens, adeus bobagens tão sérias. Conversas de masturbar o tédio. Ciúmes tão gracinhas de não se ter nenhuma dúvida. Ressentimentos gordinhos a espreguiçarem fazendo ah-ah-ah-ah-ah-ah-h-h-h-h-h-h... Adeus flatos e roncos. Adeus ridículos — a beleza do amor. Adeus adeuses. LA 10/002 Efeitos
O mundo faz caretas: diz que os frutos ( de seu pomar ) são por demais amargos, azedos e venenosos.
Todo o globo os plantou, virou as costas, e se esqueceu. Quando ergueu a cabeça — ei-los numa bandeja: cismos-motos-tempestades-secas-tufões... ... formas-envenenamentos-tribulações...
O mundo faz caretas, e pergunta cínico: Quem fez isto? As crianças da escola lhe respondem: Foi você, seu malandro. Você vem fazendo isso impenitente e renitente — para pilhar e empilhar o seu Capetalismo. LA 10/002 Convocação Pra Não Fazer
O refinamento humanodepende de saber manejar bem a máscara.
Nossa arrogância de vidro deve ser recolada a cada tombo — magistralmente reparada.
Semelhante ao bem-te-vi, a gente vive pensando que vê.
Se ao menos nada fizéssemos, no mínimo seria o mundo uma tantada melhor.
Levar a sério o homem virou a coisa mais séria — e de tal modo, que faz rir.
Chegou a hora de fazer nada. Gostosamente nada. LA 10/002
Normal
O amor vai mal, vai muito mal? Sossegue: é assim mesmo — pois o contrário disso é que seria anormal.
Desanime não, Ofélia: quanto pior, mais normal. O amor nunca teve nada para dar certo. Do seu deserto não flui senão nonada: inocência cremosa, pasteurizada rosa.
É sempre assim, não-amada: é sempre por um triz que não se é feliz. Mas há os que conseguem sê-lo dentro da infelicidade. Explico: esses tais superaram a realidade — imaginam venturas e vivem alegrias num lugar lá em si mesmos cuja senha só Deus sabe. Sim: inventam e vivem suas felicidades de tal modo imaginadas, que jamais se perguntam se são mesmo felizes.
Sim: o amor, não-amada, anda uma merda. Uma merda que adoramos. LA 10/002
Escrevo-Escavo
Escrevo pra raspar a superfície —trazer à tona o que se achava embaixo, num vôo que se resguarde da imundície, ou, se a tocar, se lave no riacho...
Muitas correntes e funduras muitas, trançadas de reais irrealidades — pois que mudando estão, sempre fortuitas ao não-acaso de outras variedades...
Palimpsestos que escavo, palimpsestos trazendo à tona gestos manifestos de sonhos re-sonhados e reescritos
de seu avesso para um recomeço gravando no granito seus grafitos enquanto mais me lembro do que esqueço... LA 10/002 “Oses”
Nossas “oses”vivem comendo nossas nozes com manteiga e bananoses. Ficamos com as cascas mais nossas caspas ( se é que ainda as há ) — sobre mil flashes e closes de altos virtuoses a desenhar seus mapas com xampus de frutoses de belas uvas a que corremos: de capas e guarda-chuvas — isto é, quase invisíveis, mas aumentados... de tão sensíveis. LA 10/002 Parede Sem Porta
Aprenderemos a ser sós e não lecionaremos como fazê-lo — aliás, não saberíamos.
É tão louco ser só como crer que loucos são os outros. Tão enfermo ser só quanto pensar que não se é. Tão absurdo ser só como roubar de si mesmo.
Se bem que ser só, ser só não é difícil. Muito mais complicado é a gente não sê-lo — não sê-lo nem de verdade, nem de mentira. Tão divino ser só quanto o diabo gosta. Sim, bem ao lado de nossa arrogância de vidro ( diga-se: toda remendada... ), aprenderemos a ser sós — e a quebrarmos a cara nessa parede sem porta. LA 10/002 O Avesso De Viés
Se fazes e não te sentes bem, então deixa que outro o faça. Muito cuidado pra não seres o que os outros esperam de ti.
O Manual de Bons Modos, aquele que oito entre dez te dão pra decorar — aceita-o, só se for impresso num papel suave e bem macio. Mudar para agradar aos outros nos torna desagradáveis para nós. Há um grande interesse em que nosso ego se anule — os mandatários e os gurus vivem buscando isso. Isso, aquilo e muito mais.
Oito entre dez de teus amigos fazem de tudo pra que te sintas um merdinha. Já notou como adoram lecionar virtudes? Os que gostam “muito” de nós, gostam porque os temos bajulado muito. E quando notamos isso, o sorriso desses tais já não é tão comprido e fofo. Nem por isso vais dizer que amas os cães alucinadamente... Ama-os com calma, senão te mordem.
Vou pondo um ponto nisto. Fui expelir um daqueles... e borrei. ............................................................................. Licença. Tchau. LA 10/002 Nosso Poeta
Puseram o bronzedo nosso Poeta entre a praia e a calçada. Nosso Poeta sentado em posição pretexto de chamar poesia... Gorjeando silencioso pra acasalar-se com a vida.
Bela homenagem. Gesto-ternura, dom-agradecimento. Senti-me mais povoado e ( metonimicamente ) acompanhado. Esse bronze tem alma porque é de um morto que vive.
Na mesma noite, merdaram na estátua tintas horríveis. Não foram pombos — foram homens que merdaram no bronze. Homens ( que vivem neste mundo mortos ) merdaram no bronze. É que essa gente aprenderam a pensar e a sentir por um lado diferente. LA 11/002
O Engraçado...
O engraçado é que a gente entende a vida —lhe arranje explicações inexplicáveis. Depois de uma subida, uma descida... e causa e efeito... e tramas logicáveis...
O engraçado é que a coisa compreendida intua conclusões quase impensáveis... Uma chegada é filha de uma ida a anteportos em céus pós-navegáveis...
O engraçado é que a força de saber tenha por base o mar de ignorância a marulhar seu sábio não-saber.
O engraçado é que a gente até invente um ser feliz com muita exuberância numa felicidade quase ausente. LA 11/002 A Bordo
Estamos todos embarcados, mesmo os que vão para opostos. Essencialmente embarcados, mesmo em nossos encontros-desencontros — a caminho de mais ser.
A vida nos quer outros. Não nos aceita assim bandoleiros — trabalhando ao contrário do seu fluir...
Sim, temos de aprender ( em nós ) seu rumo e nexo — e caminharmos firme para o norte do ser.
E olha que já partimos bem antes de o mundo ser. Estamos a bordo da vida desde o primeiro sonho de Deuspai. Estamos indo todos para um porto que só existe em nós e, claro, em Deus que nos é. LA 11/002 Lá-Porvir
Vivemos no país do futuro. Nossa felicidade, projetos e tudo dependem desse chão de nuvens. O diabo é que não há estrada ( nem por sonho, por terra ou ar ) para chegarmos lá. De sorte que ficamos nesse futuro-lá ou lá-futuro — bruma virtual —, bem ali, sem onde e quando. Sim: sem lugar-tempo, ficamos em lá-porvir. Ali — um dia — seremos ( todos ) felizes — te juro, minha Rosa. LA 11/002 Chiliques Perversos( Ou Nem Tanto )
Ter opiniãojá foi perigoso. Sim: permitir-se pensar, sonhar — dava cadeia. Queriam-nos pensados-amém, sonhados-que-assim-seja. O não a isso era subversão. O Estado, a religião, a cúpula — formam os mandatários: o poder. Polícia. DOPS. Prisão. Exílio. ( Na religião só as “Flores de Moscou” nos ajudaram. ) Capitalização do nome. Fama. Autoritarismos. Detratação. Intimidação. Perseguição. Fichação. A vida por procuração. Os mauricinhos tinham o paraíso do exílio... Voltavam heróis pra vida inteira. Os zequinhas ficavam ( no brejo ) sujos de coaxos e pancadas. Palmas pra eles: pros maus, pros zés. Um tempo chique... LA 11/002
Tem Dono Não
Quem é que disse mesmo... que o sertanejo era um forte? Será que era deveras, ou é elogiado assim pra dar uma de durão?
Mundo, mundo, jovem mundo, de velho só tens a bunda que de sentar se achatou.
Fizesses tu, ó mundo, como faz o sertanejo — cairias de cócoras. E sentar nos calcanhares jamais deixa ninguém com os atrases quadrados.
Sertaneja, ó minha gata ( minha gata do mato ), se soubesses o quanto Tião te gosta — não farias mais doce para o sonho do mancebo.
Quanto a você, Teresilda, cuide bem da hipotenusa, que tô chegando com uma fome dos catetos.
Mundo, mundo, louco mundo, te gosto assim furibundo e bem bebinho... Sabe por que, mundo louco? Porque fiofó de doido e bêbado tem dono não. LA 11/002
Tráfego Mambembe
No país do futuro, há coisa mais sem-graça que o coração da gente viver por sobre as nuvens de suas esperações?
As grandes aflições vêm sempre dos amanhãs.
Os profetas insaciáveis fabricam visionários com esperanças ópios: funambulesco-nefelibáticas — e entre a maroma e a maromba se nasce-vive-morre, sem se atingir o outro lado... E breu, breu nos enormes sapatos: o tráfego mambembe desses sonhos ( dos reciclados sonhos sempre arranhando suas esperanças... ) vai desde a infância até o beleléu de cada um dos esperandos, ou melhor: esperançandos. LA 11/002
Cadê?
Cadê a fruta do condedaqui? O sanhaço comeu. Cadê o sanhaço? Foi sanhaçar com as sanhaças. Cadê o sanhaçamento? Virou sem-vergonhação. Cadê a sem- ...? Está nos ovos. Cadê os ovos? O frade bebeu. Cadê o frade? Foi mulherar. Cadê o mulheramento? Virou orgasmos. Cadê os tais? Estão em duas camisinhas. Cadê as ditas? O frade deu descarga. LA 11/002
Leve, Bem Leve, Darling...
Hoje o mundo prefereuma coisa assim mais light... Aquele “amor” pesadão já faz correr helenas e menelaus.
Eu, hem Rosa!? Eu, hem José!? Vamos fazer da glosa um spray antichulé.
Hoje os viajantes preferemos novos trens atômicos, ou algo dígito-mental... O carvão e o vapor rimam, sim, com paixão e amor, mas, no tirante a oxítonos, já não têm nada a ver com esse “ ão” ou “or” — tal como roselau com as calças, ou xoxeda com as rendas.
Os mesmos tempos que mudaram Helena também mudaram Menelau. ............................................................... Maneiro! Bem maneiro. Leve, bem leve, darling. Yes: a love very, very light, very soft-nice... Nada de coisa pesadona nem sentimento apegadão. Sim: fora o fundamentalismo! Apenas o fundamental. LA 11/002
Profundamente
Respirarei profundamenteaté que os meus pulmões me digam: Nem só de ar precisamos, mas de toda palavra que sai da boca de Deus. E não há como não transformar a casa de nosso Pai em algo ( em nós ) a carregá-la aonde quer que formos — sentir seu cheiro de pão e vinho lá nas varandas de Deuspai que brilham cá em nós: em vindimas e trigais de um novo pão e vinho.
Respirarei profundamente — até que o coração me diga: Sossegue que sou feliz: eu conheço o caminho da casa de nosso Pai, trazemo-lo no mais fundo do nosso ser: veste a tua alma de bodas — um dia iremos ter com o Senhor: as lanternas cheias de óleo — e o coração também ungido em óleo: iluminados, portanto, o por fora e o por dentro de um libertar-se do mundo e de nós mesmos — deixando a casca do auto-engano pelo caminho e agora seguindo — asas — para o centro do nosso Eu-Profundo. Respirarei profundamente até que escute em meu sentimento que o Pneuma-Sonho se hospedou lá numa célula em nós. LA 11/002 Intracaminho
Não buscareis sentido algum naquiloem que pensar-sentir não sejam um, e a intuição, — o respaldo, em tom-sigilo, que dá aos dois o lume do incomum.
Não buscareis tempo nenhum tranqüilo que vos dê paz ou discernir algum a oferecer reconfortante asilo... mas contareis com a graça de Ego Sum.
Os vossos pés poreis no intracaminho — passada por passada no cadinho de elaborar um interior sentido
que se abra em flor no rumo renascido de quem achou seu norte bem ao lado de haver partido em seu já ter chegado. LA 11/002
Um Solilóquio Eterno...
Um solilóquio eterno a desfiar-se como um rio a correr pelas criaturas — voz de nenúfares com o disfarce de marulho a escavar-se em mais funduras...
Um dizer em silêncio a enraizar-se lá dentre argila mole e pedras duras. Um grito a procurar a própria face e só achar funduras e lonjuras...
Lábios a bendizer em orações, bocas a praguejar em tom imundo, sonhos a vomitar expectações...
Fúrias de vento uivando no sem fundo de pensamentos-sentimentos, fúrias de multilóquio em rúbidas luxúrias. LA 11/002
Praça Da Liberdade
Cansaços, mágoas se deitaram juntos — copularam gemendo a noite inteira... e ficaram murchinhos de canseira, moles, largados como dois defuntos.
Cansaços, mágoas e outros mais assuntos ouviam cantos d’águas de goteira... e a noite toda aquela baboseira — a carne fina e crua de presuntos...
Cansaços, mágoas engarfados todos no gozo devagar de méis e lodos, em “oses”, “nóias” de um prazer enfermo.
Cansaços, mágoas num doer sem termo... Já descansados, gemem desmagoados, pagos em iene, orgasmos repuxados... LA 11/002
Equívoco
Faz de conta que a gente é até felizdentro da angústia e de aflições diárias. Se não somos, não fomos por um triz — e disfarçamos a coçar nossas mamárias...
Faz de conta que existe o chafariz dando pra aquelas ruas solitárias... e que as crianças, ainda as mais precárias, adoram dar os pés a seus xixis...
Faz de conta que os nossos muitos dons operam menos em maior sabença que em nosso não-saber em vários tons.
Faz de conta que o amor é um vagabundo — existe para aquele que não pensa... mas que é o mais belo equívoco do mundo. LA 11/002
Segue!
Segue o caminho sem caminho —aquele que leva ao nada do avesso Ali serás infeliz que — desvirado — dá feliz, ou quase Que mais hás de querer pelo chão do provisório? Sim: que mais além de tudo?
Se falo sério? Claro que sim Sério como o riso, a gargalhada ou a piada — no exato instante de se quebrar o sério inútil, sério nocivo
Segue o caminho sem caminho — aquele que conheces em alma-coração Ou segue aquele repisado e batido pelos pés que não trazem em si nenhuma lâmpada Pés dos que são pensados, sonhados pelos donos da invernada
Segue, segue caminho. Ou é verdade que a gente pode não andar? LA 11/002
Sinais
As noites ficarão intermináveis, os dias longos-longos como o mar... Os anos passarão insofismáveis: rápidos-rápidos, num cochilar...
Sonhos, necessidades recicláveis num eterno moldar-se e remoldar. Mudanças, feitos inimagináveis refazendo-se em nós, no meio e no ar...
A essencialização de toda a vida: o ser a carrear sua consciência e quintessenciá-la repetida,
e sempre outra: a vida autonarrada no ser a ser-se em seus canais-fluência — aberto em dons ao longo da jornada. LA 11/002
Cirandas
Tempos mortos, os braços sobre o peito. Rumo descarrilado, hostil sentido impondo-se canalha e pervertido: à solidariedade contrafeito.
Grupos, cartéis, conchavos — eis o feito do fazer social em si retido: toma-dá-cá a cirandas reduzido, num pilhar-empilhar insatisfeito.
Tempos “tolos”, a repartir a fome e a concentrar na cúpula a riqueza. Panos de chão é a justiça humana.
Tempos sórdidos, a semear pobreza que come o que a luxúria lhe descome... Tempos maus no Planeta das Bananas. LA 11/002
No Espelho Das Águas
Ler, ler tudo, reler, transler o mundo, a nós mesmos num ler em releituras — e, com o ler, escrever em reescrituras do chulo ao santo, do facial ao fundo.
Ler a letra e o antes dela no segundoanterior ao depois de transleituras, e escrevivê-las n’alma de escrituras incorporando dons de vagabundo...
Ler-escrever-se na haste do momento em que a rosa diz sim ao desfolhar-se e a ter como suporte o próprio vento...
Aprender do momento a ler-narrar-se sabendo de soslaio o gozo-intento de ver-se a sós consigo face a face. LA 11/002
Água E Vinhaço
Colhemos as uvas. Foi pródiga a vindima. Fizemos vinho, sucos, passas, geléias...
Estendemos nossas canecas — encheram-nas de água. Estendemos as mãos — encheram-nas de vinhaço.
Sempre colhemos as uvas, e são pródigas as vindimas. Sim, todo santo ano as vinhas se carregam ( orelhas, braços e pescoços ) de infinitos pingentes.
Dizem-nos sempre pra darmos graças a Deus por termos água e vinhaço. LA 11/002
Tudo Isso Ou Nada Disso
A poesia é a palavra onto-espelhada por fora da verdade e por dentro da beleza. É o pétreo florescido de cabeça para baixo. É a amada que não veio porque já estava aqui. É a amada que se foi porque fomos com ela. Poesia é um sem-querer que acaba querendo tudo aquilo que nem queríamos... É a boca cheia d’água, não pela mexerica, mas pelos deliciosos bolinhos da vizinha — feitos com puro amor. Poesia é o que a rosa nos diz pela manhã, mas pela tarde já não sustenta... É o que a rosa revela, não de si, mas de nós. É aquela sensação que pensa para sentir e cai do poste porque tem medo de um dia subir lá. É o beijo da mulher que sentimos que foi dado na boca de outro homem — mas nem por isso deixou de ajudar em muito os trabalhos do andar de baixo. Poesia é escorregar na penumbra bem encerada e cair no divã onde dormia a psicóloga que fungando articulava o nosso nome... Poesia é tudo isso, ou nada disso — pois para ser nem precisa de nada: está sempre num trans-si-mesma. LA 11/002
Grandes Momentos
Mambembes de incertezas, eis os homens caminhando pela maroma do momento.
Firmarem-se por fora, não dá — só têm nas mãos a maromba... Por dentro, impossível: só realidades virtuais, a grande nebulosa ôntica — sem chão nem teto ou beiras...
Aliás, grandes momentos são mesmo assim: um intervalo de vida ou morte.
É preciso sonhar humanidades, inventar possibilidades de aventuras-venturas, — sair-se em busca de um sentido, de um nexo-finalidade: o significado de dentro para fora. A utopia faz o sonho ter mãos e essas mãos agarrarem-se na prancha. Faz a pessoa sair de si, ou expandir-se em si mesma e dizer-se convicta: Não, não é outro lugar, outro ser ou pessoa: são os mesmos ( recriados ) e paridos maiores — muito, muito maiores.
A fé constrói atalhos. A esperança faz o barco ( que estamos a construir ) já ter chegado. O amor transforma as coisas em verdade. E o homem precisa recordar que tem em si o tesouro de ser homem, — é só escavar-se. LA 11/002
Fazer ( nada )
Temos todo o tempo do mundo. Porém, pra quê? Para fazermos nada. Melhor: absolutamente nada. Mas quem quiser fazer, faça, — contanto que saiba que está fazendo nada.
Fazendo nada, você faz sua parte — nada. E fazendo nada, você não se omitiu, você fez — fez nada.
Fazendo nada ou não fazendo — você faz ou não faz nada. Mas sabe ( você sabe ): seu fazer ou não fazer é sempre nada: um nada feito ou um nada não feito.
Sim, a vida não depende de nós, mas sim o ser depende dela — para ser em ser-se, precisa ir se filtrando nela e no tempo — nela, porque é nave; no tempo, porque é consciência a mover-se para poder individuar-se e ver-se no processo dos três espelhos. O mais ( sem essa compreensão ) é nada — um triste fazer ou não fazer nada. LA 11/002
Maravilhoso Desafio
Se no ápice da admiração por alguém, no auge do respeito, pudéssemos congelar a amizade — por certo teríamos uns dos outros a mais bela ( embora a mais falsa ) imagem. E este mundo seria o mais irreal dos mundos. É no travar do combate do dia-a-dia que a identidade se plasma, a consciência se forma e o caráter se molda e remolda. Em meio a mudos atritos, a silenciosos embates é que adentramos esta sala de outros que nos espelha mil e mil perfis em gestos-silhuetas interiores a nos mostrar uma só massa de tristes precariedades, de onde cada um — como indivíduo — busca escapar... ....................................................................... Nada bonito o que somos, melhor: o que estamos-sendo... Quando nos é dado esse olho de ver(nos), então vemos a nossa incapacidade para o maravilhoso Desafio do Evangelho... Nesse degrau da escada já dá pra ver que sem Perdão ( sem o Plano já realizado entre Pai-Filho-Espírito ) — não nos restaria nada...
E o que fazer? Nada. Está tudo feito, se crermos no regate: em seu processo crístico. Da estrada de Damasco nos veio um homem terrível, que nos transformou em papinhas o Velho e o Novo. Trocou ser grande por ser pequeno... e foi o maior dentre os seus. LA 11/002 Vagidos
A criaturadança entre o caos, a ordem e a ânsia de organizar-se.
Uma tensão constante fá-la criativa ( ou a empurra a isso ) — quer-la a expandir-se de seu núcleo para fora — microcosmo no Cosmos.
Entre pasmo e terrificado, o homem olha para o infinito — seu mistério o desafia: é beijo e engolimento, adoração e horror, devoção e insegurança — divinuras diabólicas, diabruras divinas: beleza horripilante. Loucura por querer saber: curiosidade enferma. Terrível harmonia. Verdade penetrável só pelo des-saber.
O Universo é a nossa casa onde Deus nos é em transessência de Pai-Filho-Espírito. LA 11/002
Rosa-Rosinha
Muito sol não, Rosinha, que evaporas... Não permitas que o mundo desidrate esse rosto, essa boca de tomate, esse orvalho dos lábios das auroras...
Muito sol não, menina, que descoras esse papel de seda rosa-mate das tuas faces... esse chocolate entre teu rir-olhar, jeito de amoras...
Não aprendas bobagens com o vento, que é desbocado igual um arlequim... nem vás entrar, menina, pro convento...
Não ligues não para o que as rosas dizem... nem deixes suas pétalas te pisem os pés por sobre a grama do jardim... LA 11/002
Longos-Longos
Nossos dias, minha Rosa, não tenham pressa: sejam preguiçosos e intermináveis. A sério, só o que diz o padre antes de beber o seu vinho e reparti-lo com Doraci, a mulher do padeiro — homem sisudo e terrivelmente forte. Doraci é empregada da casa paroquial, e dizem que é solidária, e topa, adora um mutirão — sim, mulher dada, e gostada por quantos a conhecem.
Sejam longos nossos dias: longos-longos, e bocejados de preguiça — fungados de coça-aqui, coça-acolá, aí... assim, aí... assim.... assim.... aí!... comer-beber-dormir e, claro: cheios daquilo-lá. LA 11/002 Obóvios
As coisas se repetemde modo nunca igual. ( Nem por isso menos chato.) O estalar de um orgasmo é infinitamente desigual a todas as jabuticabas que você já mordeu. ( Mas já mordeu.)
Um olhar sem-vergonha ( que nos afaga e sugere ) é sempre deliciosamente único. ( Mas sempre. )
Bordel, igreja, poste... Cada vez que se ouve uma palavra, ao redor do significado primitivo associam-se idéias carrapatos... ( E como coçam! )
As coisas se repetem, mas não se comprometem. ( E, no entanto, se metem. ) Por isso é que é tão bom ( e tem dado tão certo ) inventar felicidades. LA 11/002
Caminhadas
Sempre que a via ficava cheio até às tampas de longas, demoradas intenções... E eu não o criticava não, nem ao padre Paulo, com quem caminhávamos às tardes, e que — em ocasiões de sufoco — sempre citava o adágio do Lácio: Forma flos, forma flatus( A forma é uma flor, a beleza um sopro ). Bom padre Paulo. Morreu moço. Um molecão o fulminou ao levar-lhe o relógio. Já o Mário, o que se babava por ancas faraônicas, casou com um gracioso pígio... Fez um filho e — ao tentar erguê-lo do berço — morreu. Eu... continuo fazendo textos pra boi mugir e dormir. LA 11/002
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