Isto, Isso E Aquiles

                        Laerte Antonio

Se Bem Que O Estrado...

 

Cavuca fundo, meu amor, cavuca,

vamos comer amoras no Japão.

A beleza do amor anda caduca,

mas nada que alguns sais não refarão...

 

Cutuca forte, meu amor, cutuca

pra derrubar o tédio e a solidão.

Cutuca a árvore, a árvore maluca

que dá frutos quaisquer e até limão...

 

Chilica forte, meu amor, chilica

todo tique e chilique, e grita à Zica

que nos faça um café bem forte e quente.

 

Assim que pare a chuva, me vou indo,

que amor sem chuva é orquestra sem regente...

Se bem que o estrado também rege, rindo...

LA 12/003

 

 

 

 

Uma Questão De Uso

 

Dizem que a vida é curta,

mas não: não é só curta —

é curta e mais tudo o que ela é.

Os segundos, os minutos, as horas,

ensaboados em nossas mãos,

são preciosos para o indivíduo.

E a soma deles —

em anos, décadas, séculos —

é preciosíssima para a humanidade.

Curta é a alegria de mini-saia

que se esqueceu de que lá nos seus entres

está em pêlos...

mas em compensação há de ter longos,

longos aplausos...

 

Quem faz no hoje

faz para sempre —

tem o ontem de barriga cheia

e o futuro sem passar vontades.

 

Dorothy sempre me telefonava:

“Tá certo que a vida é curta,

mas pode fazer-se elástica...

tal como se prolonga um orgasmo.

Tudo depende

de não se depender de coisa alguma.

Aliás, a dependência

está lá no bar da esquina

tomando uma com limão.”

 

Feliz a Dorothy,

que se casou seis vezes

e nem se lembrava do nome

do primeiro marido.

LA 12/003

 

 

 

 

Há Quanto Tempo...

 

Há quanto tempo que não dorme o vento

nesse fluir que agora é ventania,

daqui a pouco é calmo afloramento

de brisas-folhas, sopros-harmonia...

 

Há quanto tempo nesse sonhamento

na esteira desse alento de poesia

que é luz e passa dentro do momento

trazendo o sonho da alma: essa estesia

 

que é o motivo de o humano reconstruir-se

dentro da estrada que é seu próprio fluir-se

pelos poros de um sonho que se-sonha

 

já transcendido de outro transcender-se

até que sua força recomponha

seu lado ser lá em momentos ser-se.

LA 12/003

 

 

 

 

Alegação Insustentável

 

Era enjoado:

só fazia amor com chuva.

( Achava a transa uma peça

muso-lírico-épica:

o vento, a chuva, a folhagem,

trovões, estalos, clarões —

eram a batuta regente... )

 

A esposa pediu divórcio,

alegando ao juiz “secura” —

estiagem demais da conta.

 

O juiz negou o pedido

“por pouco sustentável”...

Alegou ( escandalizado

e quase irado )

que, se água falta em casa,

tem-se quem a forneça

de sobejo e com prontidão.

..................................................................

 

O advogado da postulante

segredava pelos corredores

que o tal juiz

era um dos agadeiros

da consorte

daquele gajo fenomenológico.

LA 12/003

 

 

 

 

Ainda Bem

 

A gente, Eulália,

podia até casar —

temos de tudo

pra não dar certo.

Por isso mesmo,

podemos ter esperança —

que nunca frustra

porque a gente vai empurrando-a,

empurrando-a pro futuro

e aí, sim, temos o depósito

dos nossos quases que quase

deram certo.

...................................................................

Trabalhamos, estudamos,

planejamos e sonhamos —

fizemos tudo direitinho,

só não fomos felizes.

Ainda bem, Eulália,

que ninguém se importou.

 

Se um dia você quiser,

minha amiga,

a gente casa.

Temos de tudo

pra não dar certo.

LA 12/003

 

 

 

 

Ponte, Não Muro

 

Passante,

não paisagem.

Ponte,

não muro.

Transeunte,

não escravo do mundo.

 

A vida é curta

pra quem não sabe passar

pelo seu interior,

nem transitar pela luz

que traz no próprio ser.

 

Os homens somos tardos

no aprender o que importa —

em geral abrem uma porta

para o nada

de sua não-estrada:

não há luz em seus pés.

Não sabem

que devem construir com Deus

a si e sua ventura

por dentro de Sua Palavra

até parir-se renascidos

e borbulhados de piedade.

 

A vida é curta

pra quem não sabe

prossegui-la por dentro

de seu fingir finar.

LA 12/003

 

 

 

 

Um Bicho Amigo

 

Se agora a vida

te passa a bola

por entre as pernas —

aprende a rir:

ela é a dona.

 

Já fizeste bonito —

foste à luta,

à rede:

golaços e golaços!

Agora,

é aprender a envelhecer.

Isto é: de modo

que envelhecer

não seja bicho feio,

mas bicho amigo.

E olha:

não é tão ruim assim

trocar sapatos apertados

por tênis,

sandálias ou chinelos.

Calças por bermudões.

O relógio a quartzo

pelo sol e as estrelas.

O compromisso inadiável

pelo prazer da vadiagem

ou de regar o jardim,

ou engraxar os sapatos.

O interpretar por escrito

pelo ler para si —

ler-escrever o que se quer.

Enfim, meu caro,

nascer, crescer, viver,

envelhecer, morrer —

isso é filme que sempre vimos...

Só que agora o papel é nosso.

E façamos de tudo

para desempenhá-lo

coçando os mimos

e respirando

calma e riso.

Sim, riso:

o saldo positivo

de qualquer empreitada.

LA 12/003

 

 

 

 

Pilhagem

 

Se você tem um cônjuge bonito,

hão de querer prestar-lhe favores...

Um relógio valioso,

hão de esperar a hora de roubá-lo.

Se você tem valor,

hão de querer empaná-lo.

Se tem asas,

hão de querer chumbá-las

para terem companhia...

Se você...

.................................................................

A beleza, o brilho, o valor, o dom

são, em geral, coisas que nos faltam...

 

Claro! Você já sabia disso.

O que talvez não saiba

é que sempre é preferível

passar por esses riscos ( e até perdas )

a ser um daqueles muitos

que estão a deserviço

do ser humano.

LA 12/003

 

 

 

 

Cerca Viva

 

Sim, bebe, amor: o que não mata cura —

quando não é doença coisa ruim...

Bebe, que esta poção é uma loucura —

grasnos de corvo em pios verdes de tuim...

 

Não diria que é uma gostosura

tal como uma mordida no quindim...

Não, não chega a tamanha divinura,

mas: um beijo de língua com cauim...

 

Sim, bebe pelo avesso: é mais suave...

Assim: que nem o vôo em vez da ave...

Assim: que nem o gesto em vez da coisa...

 

Bebe, desbebe e, novamente, bebe

e o que sobrar joga no pé da sebe —

já que pulá-la é dom que não repousa...

LA 01/004

 

 

 

 

Diferenças

 

Sim, o homem sensível chora

quando a mulher vai embora.

O delicado se apavora

caso a esposa se demora.

Mas há cônjuge que adora

se a mulher vai embora:

troca o colchão,

troca de carro,

perde alguns quilos

( na academia ),

muda o visual —

e logo tem sobre o lençol

uma nova corola —

sempre da cor do arrebol.

LA 01/004

 

 

 

 

Fosses Uma Formiga...

 

Fosses uma formiga cortadeira,

de que adiantava endereçar-te rosas?

Nem urgiria abrir minha carteira

ou inventar tristezas venturosas...

 

Lá na ponta da verde passadeira,

há doze moedas de ouro valiosas...

A mão que a erguer, gulosa e interesseira,

vai colhê-las pesadas e lustrosas...

 

Mas de que vale ser uma formiga

sem rosas pra cortar nem tenros ramos

neste inverno branquinho, ó minha amiga?

 

E de que valem doze moedas de ouro,

se nem elas nem mais outro tesouro

pode comprar o bem que precisamos?

LA 01/004

 

 

 

 

Carniça

 

Mais que hora de abrir mão

dessas nadeiras —

sentimentos-cipós,

pensamentos-ímãs —

coiseiras e canseiras

que nos amarram

ao pé de um nada.

Ao pé de um nada

que é tudo o que escraviza:

elegância-charme-luxo

com outros piripaques.

 

Mais que hora de abrir mão

da carniça —

deixá-la para quem  ( de vocação )

a cobiça.

 

Sim, hora de dizer:

Fiquem com tudo.

 

Aos anões e duendes

que me invejaram,

me cobiçaram os berloques

e ( no escuro ) se apropriaram

do que estava ao meu lado,

digo:

Sujaram-se à toa,

mancharam-se de bobos —

eu nunca tive nada,

mas o que eu não tinha

era meu.

LA 01/004

 

 

 

 

Nesses Dias...

 

Nesses dias, amiúde, desabavam

tempestades depois de tempestades...

Tempos maus, gente má se revezavam

a ver quem amontoava mais maldades.

 

Nesses dias motores crocitavam

sobre a cabeça de homens e cidades...

Cheias de medo, as flores exalavam

angústias, aflições, perplexidades...

 

Sim: nesses dias as adversidades,

como folhas de outono, revoavam

pelas ruas e chãos das sociedades...

 

Nesses dias os cães eram felizes.

As pessoas (aflitas) se entreolhavam...

e tinham como bens os seus narizes.

LA 01/004

 

 

 

 

Coisas Do Amor

 

Não leias: não vais gostar...

mas se gostar,

eu rasgo —

rasgo e queimo

com o fogo que incinera

o ex-brilho da primavera...

 

Não venhas,

que irias me alegrar...

mas se vieres,

prometo não demonstrar

nem te dizer

que me faz bem tua presença.

 

Não, não te vás,

que o tempo está de chuva —

vem vindo um temporal daqueles...

e a chuva que tomares:

com o vento pelas costas,

poderá me resfriar,

me resfriar

e me fazer até espirrar,

se um outro dia

me coçares o nariz.

LA 01/004

 

 

 

 

Entre A Ribalta E O Poscênio

 

Coisa engraçada, minha mãe:

nem percebi que estava velho...

Me trespassei de sonhos,

me caminhei lá por mim...

Fui por aí, por ali... por lá longe...

por fora e dentro da realidade...

Viagens físicas

e psíquicas.

Fui, voltei, espiralei:

sim, pela margem espiral...

 

Refui: re-sendo sempre

o que gostara que refosse...

e, então, quando me distraí,

sem saber que era eu,

foi que vi —

sim, minha mãe, foi que vi:

estava velho —

como uma árvore,

cuja metade já não sonha...

 

Como um navio

trespassado de ir-chegar...

Como uma andorinha que, sabendo

( lá no seu instinto-Deus-nela )

que ia perder as penas,

deu dois ou três rasantes

fazendo o lago arrepiar

com as pérolas do seu chilreio...

E a partir daí

nunca mais ninguém a viu.

Dizem que foi metabolizada

pelo destino

nas entranhas de um peixe

feito de sol e azul

e da lágrima do oceano

de onde um dia

todos nós, minha mãe,

todos nós viemos,

para depois sermos sorvidos

pelo sol:

sem a máscara

com a qual personamos

entre a ribalta e o poscênio.

LA 01/004

 

 

 

 

De Perfil

 

Quando queria estar

sem ser visto —

fazia-o de perfil,

não porque fosse magro,

é que, de frente,

era gente normal

e de lado, imaterial.

Diziam os vizinhos

que aprendera essa técnica

com um padre de “sorriso lindo”

da região

e que dava cursos às noivas

e às casadas,

e as que os freqüentavam

nem saíam de casa:

assobiavam e cantavam

o tempo todo: um sossego

para os cônjuges, famílias

e toda a sociedade

nesses dias  drapejados

pela bandeira de Eros.

 

E quantas vezes

ele não se ria invisível

por encontrar o seu amigo Otaner

( o doutorzinho sem pernas:

tão pequeno, que não as tinha )

fazendo cateterização

em sua bela esposa.

Com seus dedos-eletrodos

e um cateter gosso-curto-torto —

o homenzinho gania

como cão que nunca vira comida:

sim, gemia,

se contorcia e babava epiléptico...

nessa única briga em que a sapa

engole a cobra.

Depois saía esquiando (não

tinha pernas), ondeando a bundinha...

o rosto encantado, os olhos cheios de visões,

cantando o “Glória” betoveeniano

pelo nariz.

Era patético vê-lo.

LA 01/004 

 

 

 

Claro Que-Sim!

 

Deram-nos o que fazer.

O que estudar.

A que aspirar.

Em que esperar.

Em que confiar.

Com que sonhar.

 

Disseram-nos que era assim-assim.

Fomos fazendo assim-assim.

 

E estudamos o que mandaram.

Aspiramos ao que ditaram.

Esperamos em suas esperanças.

Confiamos em suas confianças.

Sonhamos os seus sonhos

e fizemos o que faziam.

Sim: fizemos tudo direitinho.

.......................................................................

Só não fomos ( é claro! ) felizes.

Mas nos disseram que era assim mesmo:

uns eram, outros não,

uns vencem, outros não,

uns conseguem, outros...

Enfim, os seres mais que as coisas

são complexos...

e além disso, Deus, a vida, o destino,

a vontade...

Era assim mesmo,

por causa disso,

daquilo

e, sobretudo,

do calcanhar de Aquiles.

.......................................................................

Então dissemos a eles:

Claro que-sim, claro que-sim!...

E fomos desaprender tudo

pra ver se a gente conseguia

entender alguma coisa —

inclusive o cinismo

que tão bem nos omitiram,

risonhamente disfarçaram...

.........................................................................

Mas é assim, é assim mesmo.

O Sistema está a salvo.

LA 01/004

 

 

 

Suplantação

 

Deus me deu certa doença

para que eu a transformasse

em realização

e auto-realização.

 

Esse algo que me dói,

que me dói muito

há de livrar-me, libertar-me

de mim, do mundo,

do amor, do ódio,

do bom, do mau,

da luz, das trevas...

enfim, da tirania

dos opostos.

 

Sim, Deus me deixou nascer

com esse espinho

a tiracolo na alma...

para quem sabe entender

lá em meu ser

o caminho entre a rosa

e a cruz...

e optasse pela vida

que é dentro, bem lá no fundo

do meu viver.

 

E não me rebelei

contra o que a vida

me deu.

Nem achei bom...

Apenas aceitei crescer

por fora

e por dentro em meu ser —

já que percebo que a graça

é por mim.

A dor, aceita,

vira alegria e bênção:

suplantação.

LA 01/004

 

 

 

 

Lá Fora O Vento...

 

Lá fora o vento é um velho violino

garatujando notas entre os ramos

do outono que, com o corpo bem franzino,

lírico, tange os sonhos que encordoamos...

 

Agora o vento é um crocitar corvino:

profere ameaças, gritos e reclamos —

não sabe aglutinar o som hialino

aos eólios que ao longe acompanhamos...

 

Franzino violino, hialino desatino

cantam pelo nariz como um menino

que tem aulas de violão com o vento...

 

Lá fora arbustos mugem solidários

vibrando finos sons estradivários...

e a noite ampla escuta em sonhamento...

LA 01/004

 

 

 

 

Enquanto Você Ouve Ou Canta

 

Enquanto você ouve ou canta uma canção,

você quer que as pessoas

sejam alegres e boas.

 

Enquanto você ouve ou canta uma canção,

seu coração pode entender

o que a razão se esforça por saber.

 

Enquanto você ouve ou canta uma canção,

a vida ganha sentido

e o sonho mostra o rumo aos pés.

 

Enquanto você ouve ou canta uma canção,

você levita e olha:

aprende a ver com o sentimento.

 

Enquanto você ouve ou canta uma canção,

você liberta as asas interiores

e pode ver acima do seu muro...

 

Enquanto você ouve ou canta uma canção,

seu ego se decentraliza

e dá lugar para os outros...

 

Enquanto você ouve ou canta uma canção,

o tempo se abre em outros tempos

e você colhe a vida sem espinhos.

 

Enquanto você ouve ou canta uma canção,

você se vê entre você

e alguém que é você mesmo em outras gamas...

 

Enquanto você ouve ou canta uma canção,

você está entre o que gostaria

e o que não gosta de viver.

 

Enquanto você ouve ou canta uma canção,

você tem a certeza

de que há muitos a caminho.

 

Enquanto você ouve ou canta uma canção,

você percebe que o sonho

é a senha para todo acontecer.

 

Enquanto você ouve ou canta uma canção,

você nota que os espinhos da rosa

têm as outras estrofes do poema...

 

Enquanto você ouve ou canta uma canção,

você sente que tem a vida

em forma de asa.

 

 

Enquanto você ouve ou canta uma canção,

sabe que atrás de todo sonho

está achar a mão para a mão que vai só.

 

 

Enquanto você ouve ou canta uma canção,

um pássaro de sombras

aprende lúcidas vertigens.

 

Enquanto você ouve ou canta uma canção,

o longe, o ontem e o amanhã

viram aqui-agora.

 

Enquanto você ouve ou canta uma canção,

seu sonho é inseminado

pelas virtudes do possível.

LA 01/004

           

 

 

 

Em Tempo E Hora

 

Tua lembrança em mim é um fim de tarde

em que não cabe o riso nem o pranto —

mimo que, recebido sem alarde,

assume o gesto imóvel do amaranto...

 

Algo indeciso, uma intenção covarde

a olhar o telefone ali no canto...

Fim de tarde nublada: já não arde

nem canta um só encanto ou acalanto.

 

Flor jogada, secou e ninguém viu...

Eco de gorgolejo em cachoeira

a que se alguém estava não ouviu...

 

Luz que acordou ( em tempo certo e hora )

em mão que a recebeu bem prazenteira —

e foi amada num gorjear de aurora.

LA 01/004

 

 

 

 

    Certo/Errado

 

— Estamos certos, meu pai?

     É por aqui mesmo?

     — Sim, incluindo a possibilidade

          de estarmos errados,

          estamos certos, meu filho, —

          o caminho é este mesmo.

          Só pode estar certo

          o que ao mesmo tempo

          está certo e errado.

          ................................................................................

    — É por aqui, meu pai?

    — Não, meu filho, — é por ali,

         por ali é que está

             o errado a se acertar.

   LA 01/004

 

 

 

 

Nem Isso Nem Aquilo

 

É assim que vês a vida?

Pois é assim mesmo que ela é —

exatamente como a vês,

da maneira como a sentes.

Não é tragédia,

não é comédia.

Não é pétalas

nem espinhos.

Não é rósea,

não é cinza.

A vida é sempre a vida:

pacientemente à espera

de — pelo Ser —

abrir-se em alegria

e bondade —

quando a vivemos

em singeleza:

quando a vivemos

vendo-a assim,

crendo-a assim.

Sim, a vida é do lado

dos que a vivem com alegria,

dos que a vivem com bondade.

 

E já que é dom —

para vivê-la e sair-se bem

é preciso humildade.

Sim: necessário humildade

para lhe ter a graça —

graça que vem através dela

para aqueles que a vivem

com alegria e bondade.

LA 01/004

 

 

 

Desatitude

 

Escuto direitinho

tudo quanto me falam,

tudo quanto me silenciam —

e não digo uma palavra.

 

Ouço com atenção

as justificativas

com que as pessoas mimam

as suas omissões —

e não digo uma palavra.

 

Dou ouvido ( paciente )

às críticas e iras

com que os inteligentes

interpretam o mundo —

e não digo uma palavra.

 

Igualmente sou atento

ao que os poucos preparados

me dizem precisar o mundo

pra ser mais justo e melhor —

e não digo uma palavra.

 

Observo os pregadores

remetendo uns pro Diabo

e outros para Deus —

e não digo uma palavra.

 

Sou todo orelha às mulheres

queixando-se dos seus maridos,

bem como aos seus consortes,

insatisfeitos com elas —

e não digo uma palavra.

 

Assisto aos que me pilham os proventos

e me explicam honestamente

por que é que me estão pilhando —

e não digo uma palavra.

 

Vejo santos roubando bobos

e ladrões roubando a todos —

e não digo uma palavra.

 

Deparo com a mentira

dizendo suas verdades,

e com a verdade

contando belas mentiras —

e não digo uma palavra.

 

E nesse ir e não vir,

natural um ou outro se esbalde:

“E aí, André, tudo bem?...”

Saúdo com a mão

e um riso de chuchu fatiado...

E não digo uma palavra.

LA 01/004

 

 

 

Chiques Chiliques

 

Tão belas suas mentiras,

              tão belas e jeitosas,

que, se verdades,

perderiam todo o charme.

 

Tão convincente o seu mentir,

tão gracioso

e cheirando a finos cremes,

que não poucos

sentiam coçar as tripas

ao lhe ouvir

as histórias coloridas...

 

Fabulava-as tão crente delas,

que as passava para os outros

tal e qual muitos fazem

com seus fantasmas e chiliques:

em seu delírio os transfiguram

em anjos a seu serviço...

 

Tão belas suas mentiras,

tão belas e irresistíveis,

que ouvi-las tinha tiques

dos sonhos epiléticos —

aqueles que em seu avesso

são orgasmos de gaivotas

lá na ponta do mastaréu...

navegando saudades

como Ulisses voltando

para casa —

louco-louquinho

pra degustar uvas e amoras

e fazer doce de goiaba.

LA 01/004

 

 

 

 

Livros-Pontes

 

Meu é o tempo em que vivo

e (me) faço sonhar:

construo-me com minha mão

na mão de Deus.

Escrevo livros ao lado do Espraiado

e estabeleço pontes

entre mim e os de lá do centro —

entro casas e empresas,

templos e instituições

e a mansão dos donos e notáveis,

onde converso com eles:

gente com gente —

faço-os vestir

a carapuça do que lhes falo

( porque lhes serve

como uma luva de tamanho certo... ) —

e ficam de bem comigo

porque me entendem só pela metade

e também porque lhes falo

com jeito e arte —

convidando-os a delírios,

a aventuras e espantos

que tanto invento quanto desinvento,

mas nem por isso menos

ou mais reais.

.........................................................................

E não é fácil

fazer poesia

( em geral morrem afogados

aqueles que nadam bem... ).

Sim, não é fácil

fazer poesia —

ter a simplicidade das crianças

e dizê-la de um modo

que enrubesça os adultos.

LA 01/004

 

 

 

 

Por Uma Fresta

 

Tão difícil

como não ter saudade

do que foi bom —

é te esquecer,

já que sonhar contigo

é hoje esta poesia

que dá o salto

e cai,

não no vazio,

mas numa outra margem —

a que não sobe,

a que não desce —

mas a que prossegue-sendo:

sonho que se levanta

e faz do mal realização

( e auto-realização ) —

sonho que se levanta

e segue-sendo rumo-ser,

melhor: desígnio-ser-se.

Sim: a vida segue suficiente

e nos leva com ela —

nós a somos para sempre.

Deixemos que ela nos seja

o atalho

para o caminho

que nos leva para Casa.

LA 01/004

 

 

 

 

Povo Madrugador

 

Os paulistanos são um povo que madruga.

Deus os ajuda, não

pelo fato de madrugar, —

isto são histórias de seus patrões...

Mas que os trabalhadores paulistanos

madrugam, madrugam.

E ( embora seus patrões não saibam ) —

Deus ajuda até os madrugadores.

LA 25/01/004

 

 

 

“Marterrissagem”

 

Ali, amada, o céu é rosa

e o pôr-do-sol, azul.

Os orgasmos, cor de abóbora

e muito mais fricoteiros.

 

Vamos pra lá, amorzão?

Que importa ali o frio

fabrique iglus do avesso

e o vento espete gemidos

nos altíssimos picos

que ( para serem vistos )

tornam nosso nariz

antípoda de si mesmo?

E que há vulcões, lindos vulcões,

sendo um deles do tamanho

de um país não tão pequeno?...

 

Vamos pra lá, amorzão!

A gente pousa

na cratera de Gusev

( onde já houve um lago ) —

chão macio e propício...

A gente embarca e se manda

( de condução própria, amor:

chato ter condições, né?... ).

Sim, mais rápido que a luz,

a gente vai,

              zunindo feito piorra,

vai dar uma olhadinha:

uma bem rapidinha

no planeta vermelho —

entre o chão rosa

e o pôr-do-sol azul,

num colchão recheado

de furacão: aí

a gente aproveita, amor,

pra não dormir:

a gente cava o poço,

puxa uma água —

pra cientista ver

que ali tem vida das boas...

...........................................................

Afinal, o que são,

o que são pro pensamento

80 milhões de quilômetros?                 

LA 01/004

 

 

 

 

Hoje

 

A cada dia —

sua agonia.

Seu desafio

e calafrio.

 

Seja o hoje o suporte

de toda possibilidade —

e seu aporte.

 

O sonho ecoe

lá no vale das pedras —

e o que era preso voe.

 

Sobre o teu crer

faze o que podes:

sabes fazer.

 

Jamais seja covarde

a tua mão

entre a manhã e a tarde.

 

Se os dons não são,

nem o sol arde —

saiba arder o coração.

 

A cada dia —

sua alegria:

a nossa força.

LA 01/004

 

 

 

 

Ninguém Nem Nada

 

Se você leva a sério

algo que é só de brincadeira —

acaba sempre

por se construir uma armadilha.

 

O diabo

é que — para livrar-se dela —

você nem sempre

se encontra aparelhado.

Entrar ou sair

é fácil —

difícil é sair

ou levantar-se e prosseguir.

 

Descer ao próprio fosso —

se faz pela fraqueza,

pela abulia ou doença...

 

Subir de lá por si mesmo —

demanda força de vontade,

querer disciplinado

ou focado...

 

As coisas mais ridículas

são as que se fingem de mais honestas.

Já os gestos e atos honestos

admitem o humor, o riso

e a gostosa gargalhada...

...............................................................................

Sem a intermitência

do humor e do riso —

melhor não se levar a sério

ninguém nem nada.

LA 02/004

 

 

 

 

Falta De Graça

 

Difícil ( mas não impossível,

diria um filósofo zen )

é enfiar o dedo na boca

e assobiar a valsa vienense,

ou ( claro! ) um samba de breque,

pra você que se ufana.

 

Agora, se o mesmo dedo

se desviar para um dos outros

oito orifícios,

aí acaba

toda dificuldade —

inclusive a graça, não é?

 

Nem seria preciso dizer

que muitas das dificuldades

que incentivam

a nossa luta por vencê-las —

na verdade não valem

nem um só assobio —

pois que vencê-las

( algo demais antigo e tolo )

já não tem graça...

Chato, né?

Claro: chato, mas não desanimador,

pra você que continua heróico.

LA 02/004

 

 

 

 

Rabo-Tice

 

Chato não é um lugar qualquer,

mas um estado lá em nós.

Quem vive da beleza

e da verdade

deixou a chatice para os outros...

Se por vezes sente que algo lhe é chato,

sabe que não é só chato,

mas belamente chato

e, se belo,

tem a sua verdade.

Se veramente

ou belamente chato

já não é chato,

mas belo

e verdadeiro:

e tudo em volta canta

afugentando a cha...

que deixou seu rabo-tice —

igual uma lagartixa...

LA 02/004

 

 

 

 

Casca E Seiva

 

Há um tempo morto que caminha

( fantasma por nós dentro )

durante a nossa vida,

e um tempo que nos vertebra o ser,

porque é barro constelado

com o qual nos moldamos

e nos impulsionamos.

Um tempo casca

e um tempo seiva,

criando gamas de realidades

de modo que passemos

por entre a humanidade

e nós mesmos —

a caminho de nosso transcender-nos:

veredas em tempo-ser.

LA 02/004

 

 

 

         

Ainda Bem!

 

Claro que acharam

o graal da poesia.

Só não ficamos sabendo

porque estava envenenado.

E o tal veneno

também vazou

por nossas águas...

Mas nem por isso

a nossa vida

ficou tão mais sem-graça

nem pouco mais antipoética.

................................................................

O graal da poesia

( ainda bem! )

estava envenenado.

LA 02/004

 

 

 

 

         Fallando Cério

 

Se um cientista ordenha

alvos mugidos

da Via-Láctea —

nem por isso há de querer

fabricar produtos de laticínio

com a Máquina do Mundo.

 

Sempre inferior ao mistério

( dizia Zezé-Fofuras )

é a pretensão

de querer adivinhá-lo...

 

Haja visto o Jacó do bar da esquina,

que serve pingados transcendentes

com mugidos branquinhos

e um cafezinho bem forte —

mas só cobra o cafezinho...

( É que o danado

só usa leite de mimosas

meio a meio pretas e brancas...)

 

Seu bar ( é claro )

ferve de místicos,

esotéricos de todos os “ismos”

e “ias”,

mentalistas,  metafísicos,

intuitivos,

clarividentes, sensitivos

e mil e mil paramédiuns —

todos eles ajeitando

seus pregos e parafusos...

 

E o resultado disso

é um gostoso transreal

( num burburinho celestial...)

com sua cachaça macia,

suas canções de cornitude,

seus soluços ritmados,

seus vômitos cosmogônicos —

e tudo de parceria 

com flatos ululantes.

LA 02/004

 

 

 

 

 

Consciente

 

Sem a consciência de si mesmo,

como subir degraus em ser

e dizer aos horizontes

que vê-los

é ter chegado um pouco antes?

 

Como empreender o rumo

sem a consciência de si mesmo?

Sem saber que o hoje é a graça

que tem as provisões

de todas as necessidades?

 

Lá na consciência de si mesmo,

mister empreender o vôo

pelo lado do avesso —

e desvirá-lo ave

olhando-a de perto e de frente:

aí nós vemos

que o universo nos é,

e nós o somos.

Com essa identidade

descobrimos que a vida

é um rio que flui inter-outros

e cujas águas

são a alegria e a força

que — passando por nós dentro —

é o canto verde nos renovos.

LA 02/004

 

 

 

 

Entre A Mão E O Sonho

 

O que faz uma coisa

dar certo

é não pensarmos

que ela vai dar errado.

 

O que realiza um projeto

é nem de leve duvidarmos

que ele já está sendo feito:

uma questão de ousá-lo

num tempo nosso.

 

O sonho é a primeira nota.

O fazer, as notas seguintes.

E você não precisa ser maestro,

basta apenas não atrapalhar a orquestra.

LA 02/004

 

 

 

 

 Dêiticos Pilosos

 

    Você só pensa naquilo,

André?

         —  Sim, mas com certo critério:  

Naquilo quando longe.

Nisso quando perto.

Nisto quando dentro.

.................................................................

Ou seja: aquilo —

quando bilhete sonhado.

isso —

quando bilhete que se compra.

Isto —

quando bilhete que dá.

LA 02/004

 

 

 

 

Manda Brasa, Amor!

 

As delícias da carne estão chegando,

da carne de primeira e sem igual —

ei-la mulata-branca-negra: tremulando,

arrepiando a avenida : é Carnaval.

 

As escolas de samba vão narrando

com as tintas da libido e do sensual

seus enredos, — e tudo transpirando

os delírios de um coito nacional...

 

Seios e nádegas sacolejando

a um tempo em que quadris vão desenhando

o mexe-mexe em cópulas lentíssimas...

 

Baterias ritmando essas coisíssimas!...

Ah! Manda brasa, amor: não recrimines...

O pouco e o mais fiquem pra fora dos biquínis.

LA 02/004

 

 

 

 

Passos Fofos Sobre Seixos...

 

Quando um pensamento

lhe aperta o coração —

você deve sentir-se alegre:

não lho puderam extirpar

para jogá-lo na lama...

 

Quando um sentimento

lhe aperta a razão —

veja-se um privilegiado:

você ainda dialoga

com esses dois.

 

Quando a razão

lhe fala alto

com o coração —

dê graças a Deus, meu caro,

sim, dê graças —

ela está com ciúme dele.

 

Reconstruamo-nos, meu velho.

E a propósito,

se vir um homem de lata,

um espantalho

e um leão

andarilhando juntos por aí —

diga-lhes que Dorothy manda lembranças...

e que ela faz questão de lhes lembrar

que o caminho já não é

o das pedras amarelas...

Tudo muda, meu caro —

muda o caminho e o caminhante:

passos fofos sobre seixos

lá por veredas de nós mesmos...

 

Mas... tenha medo não, meu velho.

Muito menos das Bruxas.

Apenas saiba

que elas existem.

Sim: graças a Deus, elas existem.

LA 02/004

 

 

 

 

Para Depois Da Morte

 

Há os que se sentem agredidos

por terem nascido gente —

não deram nunca certo

como seres humanos:

nada quiseram nem querem

com essas “coisas sem-graça”

que a vida lhes mostra

tentando seduzi-los...

 

São homens, mulheres e crianças —

são pessoas em trânsito —

que se perderam lá em si,

ante os arames de farpas

ou eletrificados do mundo

por mantê-las

lá no brejo das margens:

perdidas lá em si mesmas

feito almas vagantes

que não sabem que morreram...

 

Seu único lenitivo é estarem sempre

apaixonadas pela morte —

pelo que ela lhes oferece de pré-alívio:

de apocalíptico, de fins dos tempos —

doce escatologia,

viagens por dentro do não saberem...

 

Jamais se sentiram  em casa,

nem amados ou entrosados

nas engrenagens do mundo —

para eles, mais um moinho

a moê-los o tempo todo para nada...

( um nada capcioso: adubo

de alheias felicidades... )

Sentem no rosto o escarro

do desamor

e o cinismo da piedade.

Num destino profetizado,

nada querem a não ser

nada, isto é:

o que o mundo sempre lhes incutiu —

a beleza e a glória

de nada terem,

de nada serem:

e a recompensa

de viverem assim —

para depois da morte. 

LA 02/004

 

 

 

 

 Ah, O Pires!...

 

Era amigo de meus irmãos.

Quando eles se dispersaram,

passou de longe em longe

a visitar-me.

Morava logo aí... à beira da Anhangüera.

Baixo ( ou quase ), mais para sombrio...

Pessoa até agradável.

Teria seus 40.

 

Pires,

chamavam-no assim.

Dizia-se espiritualista:

ledor de esoterismos.

De minha parte lhe dizia

que não era um sufixo

que nos iria atrapalhar —

se pudéssemos discordar,

discordar bastante um do outro,

tudo estaria bem.

Como bom neurótico,

tinha uma tecla

que percutia sempre:

Queria “achar uma mulher”,

uma mulher que o compreendesse...

Mas por que, homem, — eu lhe indagava

em tom de quem parece estar brincando —

por que uma que o compreenda?

Não serve uma que converse,

trabalhe, ame, faça o que outras fazem

e esteja disposta

a atravessar com você a floresta?

Você ainda exige, homem,

uma tal que o compreenda?!

Que luxo, cara! Que chiquê!...

........................................................................................

Aí ele ia ficando menos exigente...

naquela voz frágil,

úmida ( como que  engordurada

de bolo de aniversário... ).

Parecia então que ia “entendendo”

( era assim em todas as visitas )

que a nossa insuficiência,

a nossa falta de ser,

todo esse azul abismo —

nenhuma pobre criatura

poderá terraplenar:

é construção-plenagem nossa,

trabalho para toda a vida.

 

Olhava-me manso e num meio sorriso

como dizendo lá em alma:

“Mas é muito blá, muita filosofice...

e além do mais, eu creio no amor,

em almas-gêmeas... em...”

Aí eu lhe dizia:

“Mas precisa ser gêmea?”

Então ele ficava mais humano

e ria um riso embaralhado e manso...

 

Terminava o café

( que eu sempre lhe oferecia )

e se ia por mais uns bons tempos.

..............................................................................

 

Soube, depois de muito tempo,

que ganhara na Loto uma boa soma.

Não o vi nunca mais.

LA 02/004

 

 

 

 

Oi!...

                             Oi!...

 

Dias quentes.

Tardes escuras

e chuva grossa —

o Espraiado mugindo.

Um vento fino e frio

sopra franzido

e faz os ramos respingar.

........................................................

Mas logo estia:

o tempo se abre —

com o céu já todo olhos...

............................................................

Um sapo solitário

diz “oi!” para si mesmo —

um “oi!” que ecoa

num valezinho em frente:

 

Oi!...

                                     Oi!...

Oi!...

                                     Oi!...

Oi!...

                                     Oi!...

E o teimoso bichinho

ecoa seus sonhos-ois

( para si mesmo ) e, com certeza,

com a sensação alegre

de não estar sozinho.

LA 03/004

 

 

 

 

 

Dedéis

 

Quando os dedos se forem,

outras mãos

usarão seus anéis,

enquanto outras e outras

os cobiçarão.

Não fossem tão frágeis

os dedos,

as mãos abarcariam

bem mais que o mundo.

Os anéis sempre sobrevivem

a seus fantasmas —

que vão fazer amor

gostosamente

dentro da memória

de outros fantasmas

em orgasmos de sol e lua.

LA 03/004

 

 

 

 

Entre Os Dois Zés

 

Zé do Burro já não existe.

É a vez do Zé Pequeno —

para desassossego e insônia

do dia “nosso”

de cada amanhecer.

( Primeiro Mundo adorou —

falaram até em Oscar...

Sim, pespegaram

terríveis elogios.

Mas os anéis

eram pra outros dedos...

Sempre que daqui se mostra

algo bem deprimente —

ficam felizes: tão felizes,

que falam em dar Oscar...

Depois deixam a gente

com a cara de oscá...

lambendo o dedo

sujo

de sonhos sonsos.

...xa pra lá! )

 

E o mais é um qua-qua-quá

com o bla-bla-blá estético,

pior: cosmético-dialético

da fome, da exclusão,

da miséria,

etc.-coisa-e-tal,

isto é: coisas letais —

repartição da pobreza,

concentração da riqueza.

....................................................................

Nosso momento?

Transição do Zé do Burro

para o Zé Pequeno —

da paciência-ingenuidade

para a criminalidade.

 

Pois é.

E querem insinuar

( vender barato )

que entre os dois Zés

é difícil “ser alguém”...

Difícil,

ou um charme gozoso?     

LA 03/004

 

 

 

 

Nada Mais

 

Sou o filho de minha mãe.

Sim, faz tempo,

sou o filho de minha mãe.

Para você, isso não quer dizer nada.

Para mim, é uma pérola,

um chip

que minha mãe me incrustou

em alma-coração —

“Sou contigo e te gosto

tal como és —

e tens o meu amor

sem que precises ter

nada além que seres meu filho”.

LA 03/004

 

 

 

 

Tristesão

 

Era uma tristeza gostosa,

naqueles tempos,

uma tristeza

muito mais bela

que a de hoje —

uma tristeza

com cheiro de lavanda

e com sabor de menta,

uma tristeza

já quase inexistente:

envergonhada de ser o que é.

Tristeza banida,

como a morte

posta atrás da porta

ou empurrada

para debaixo de não lembrá-la...

 

Dizer-se triste

era algo charmoso,

chique,

místico-metafísico

em que a alma saboreava

a solidariedade

de uma atmosfera em que alguém

podia chuviscar-se

e ter quem o escutasse

com enternecida empatia —

isto é: sabendo

o que ela queria dizer...

Por isso, uma tristeza

pessoal —

dual ou trina,

entre pessoas.

Uma tristeza tola,

mas bela —

porque era belo

solidarizar-se

com a dor de alguém —

sim: existia essa beleza,

hoje varrida

para debaixo de esquecê-la.

 

E como cheirava a lavanda,

e como sabia a menta

essa tristeza que era um tesão

porque cutucava

o seu outro lado:

cutucava a barriga da alegria

e ria-se por dentro

com olhos interiores pensativos...

que faziam da tristeza uma estratégia

a morrer de alegria na outra face,

onde um chique charmoso

fingia-se de triste

para não enfurecer os sermões

das velhas missas de domingo:

com braços, pernas e seios

cobertos de pano grosso.

LA 03/004

 

 

 

 

Pastora Da Existência

 

E disse Deus à Água:

Tu me pastorearás a vida

por entre as estações

e o silêncio do mistério.

Carrearás a existência

e a seiva e os sais do sonho:

serás a gôndola que leva

a força-essência,

o sentido-alegria

no suprimento do instante

para a completude e graça do momento.

Manterás a beleza e a força da existência —

terás em ti a possibilidade...

e viverás no céu,

e viverás na terra:

subirás-descerás-subirás —

suor frio de Abraão...

lágrima ardente de Maria.

Jorrarás viva

do flanco do Filho

e da Rocha percutida...

A luz será teu movimento,

o teu veículo

e — pelas duas —

( num só corpo ) vem ao mundo

o quanto existe.

..............................................................

Pipi de Isaque,

gorgolejos do Jaboque...

Água limpa, água pura

( água suja de humano ),

água santa,

bendita,

sacramental:

forma de renascer

dentro da luz —

água sagrada!

Sem ti, todo sonho

se fará quebradiço:

poeira de nada.

Água eterna.

Sim: nada de ti se perderá —

gota, orvalho ou oceano,

nuvem ou enxurrada,

neblina ou gelo,

— transfigurada sempre —,

tua essência lustral

jamais se perderá:

eternamente renascida

pelo ósculo da luz

bem entre a terra e o céu.

Pastorearás a vida

pelas veredas do amor

a perseguir um desígnio,

um rumo,

um nexo-finalidade.

Água da vida

levando em si o Sonho.

              LA 03/004

 

 

 

 

Sim: Mais, Sempre Mais

 

Por vezes você se surpreende

chapinhando n’água rasa,

as mãos cheias de areia e lodo:

catando mariscos —

esquecido do marulhar profundo

de suas próprias águas —

o oceano que fervilha

no âmago do seu ser —

ou de seu ontonavegar

impulsionado pelo brilho

de grandiosas estrelas

e pela paixão maravilhada

de infinito que arrepia de luz

todo o seu ser.

Sim, você não nasceu

para o mesquinho e o pouco —

você e Deus são sempre mais:

a cada enfoque do seu ver

há um ver-realidade sempre mais.

Sim, você e o Universo hão de ser

sempre mais,

subindo dentre fibrilas

de luz

pela Árvore da Vida.

LA 03/004

 

 

 

Em Forma De Ferradura

 

Morar numa baía

em forma de ferradura,

mas não para dar sorte —

para metabolizar em alma

a calma,

a paciência,

o ver só para a frente

de uns dez ou quinze asnos.

 

Sim, morar numa baía, amor,

sem papagaio nem cão,

e ter-te só na lembrança

( assim mesmo somente e apenas

naquelas tardes de chuva... ).

Sim, amor, em vez de ter-te —

comer amoras.

 

Morar numa baía

em forma de ferradura,

ouvindo as águas, os ventos, as árvores

e nossas necessidades

zurrarem —

zurrarem da ventura

de nem serem felizes.

LA 03/004

 

 

 

 

Na Colherinha Niquelada

 

Espelho gosta de caras,

sim, gosta de mostrá-las

mil e mil, menos a dele,

que tem cara de nada,

por isso mesmo o espelho ama

obsessivamente a luz —

sem ela, sabe que não é

a não ser uma coisa cheia de escuro.

 

Quando você não vem,

duplo vazio:

no espelho

e em mim —

vazio que corro a preencher

com o pudim

da vizinha

que dá a calda,

com biquinhos e beijos,

na colherinha niquelada.

LA 03/004

 

 

 

 

Para...

 

Para a planta —

chão, água e adubo.

 

Para ser gente com gente —

solidariedade.

 

Para o que não teve jeito —

amém.

 

Para as coisas impossíveis —

tempo.

LA 03/004

 

 

 

 

Sim, Nem Precisariam

 

Os mortos ficam caducando

na eternidade.

Conversam com os anjos,

passeiam com os profetas,

bebericam com Deus

a luz do que sonharam.

 

Caducam tanto,

que Deus, com dó

( num outro estágio ), —

lhes ensina a esquecer de tudo,

sim: inclusive Dele.

.......................................................................

Aí os mortos

caducam felizes —

felizes de não saber

que nem precisariam

ter dado essa tremenda volta —

fugidos pelos fundos

da casa de Deuspai.

Sim, nem precisariam

fingir que Deus não os era.

LA 03/004

 

 

 

 

Como Invejá-los?

 

Os mortos saboreiam

( em nosso imaginá-los )

a luz da eternidade.

 

Como invejá-los,

se tenho a dos teus olhos

e a do luar —

única lingerie no teu corpo?

 

Como invejá-los,

se já gozo a eternidade

nas delícias do efêmero

que sabes desfolhar tão bem

sobre a loucura do instante?

LA 03/004

 

 

 

 

Se Tocas...

 

Se tocas a beleza,

ela morre.

Se não a vês —

ela não serve para nada.

De longe, dizem que é irmã da verdade.

De perto, uma doce mentira.

 

Se tocas a beleza,

acordas o grotesco.

E descobri-lo

não exige altos dons:

é fácil vê-lo

sentado à beira do carvão,

perguntando

quem quer comprar diamantes...

 

Sim, a beleza sempre está lá...

pronta a transformar-se em ridículo.

.....................................................................

Ah! Lembra-te: não toques,

não toques a beleza —

apenas sorva

o seu sumo de luz

e sente-lhe o quente do corpo

despetalando sonhos

que a mão — inutilmente —

tenta pegar.

LA 03/004

 

 

 

 

Um Li...

 

Um livro de verdade

é boa companhia:

diz o que precisávamos

ouvir.

Vinho bebido

com nosso riso

recostado no sonho.

Pão comido

antes do amanhecer

de novas asas

orvalhadas do azul

de um céu de maio

( ou dezembro? ):

olhos dizendo sim

com um sorriso despenhado

no coração da gente.

 

Um livro de verdade

é o que escrevemos

e já não nos lembrávamos

do nosso pseudônimo

quando o compramos de mãos de outro

que nos dizia tê-lo escrito

numa realidade paralela...

e nossa alma, prontamente,

lhe diz que sim: que ele o escrevera

numa realidade paralela...

 

Um livro de verdade

é aquele

que, além de companheiro,

não se preocupa com a verdade,

mas com a verdade da verdade —

enquanto escada que construímos

lá por nós dentro.

LA 05/004

 

 

 

 

Olhar Para Trás

 

Lá vez por outra é bom,

recomendável até,

dar uma olhada para trás.

Vendo outros infelizes,

a gente se sente bem —

nossa felicidade

( tão precária )

se acalma...

e dizemos ao cônjuge:

Tá vendo, meu amorzão,

como a gente é feliz

e nem sabe?...

Sim: ver que os outros

estão mal

nos faz sentir muito bem.

Pra ser feliz

é só olhar o mundo

pela telinha.

Isso já nos ensinaram

faz um tempão,

né, amorzão?

LA 05/004

 

 

 

 

Cheiro De Fêmea

 

Minhas mãos ainda tinham o seu cheiro

e eu já tinha percorrido a interminável avenida...

O mesmo vento frio que me empurrou para você

agora me pegava nos cabelos e os derrubava sobre a fronte...

e minhas mãos ainda estavam cheias

do bom, do belo do seu corpo.

Quanto mais me afastava de seus dedos

compridos e com unhas de um crispar seco

quais gumes com timbre de navalha afiando-se em minha pele —

mais o seu cheiro entranhado em minhas mãos...

Sim: minhas mãos por tobogãs de pele,

por côcavos e recôncavos, cheias

daquele cheiro cálido e que de vez em quando

eu levava em forma de concha ao nariz.

..............................................................................................................

Já em casa, não quis lavar as mãos.

Deitei-me  com elas espalmadas sobre o rosto...

E sonhei que cheirava seu corpo

que tinha o aroma de ervas coniventes

e o calor dos verões suando prazeres

que mancham os lençóis.

LA 05/004

 

 

 

 

Poema-Fragmento

 

Só quem experimenta

a vergonha de ser homem,

a precisão de denunciar,

a ânsia de entender

seu drama em humano,

a urgência de ordenar-se

e transcender-se —

só o que vê que a vida

não é isso que vivemos

é que tem a necessidade

de fazer arte.

Tudo mais é estar

entre ser e ser-se.

LA 05/004

 

 

 

 

Prisão Dual

 

Você e suas mãos

saibam o que é o bem

e o que é o mal.

E como dar o salto

e cair

na margem espiral —

livre do bem,

livre do mal,

livre de si:

do auto-engano

tramado em alma,

lá nos genes psíquicos.

Sim, dar o salto e cair

transcendido de si.

Dar o salto e cair

na ousadia do salto —

sem margens direita

e esquerda.

Sem os opostos

a ditar a prisão dual

onde brincamos

de liberdade...

e, cínicos, pregamos

que a vida é assim-assim-assim...

Sim, tolos, esquecemos

que a vida é o mestre

e o viver, o discípulo.

O mais,

uma questão de viajar-se

por si mesmo.

LA 05/004

 
 
 
 
Pobres Meninos

 

Só os perversos vivem no transético:

vivem negando as margens e o caminho.

Pretendem lá em si o salto atlético

pra além de ser: o avesso de um espinho

 

aberto em rosa num sonhar caquético,

sem pernas de suster-se: um burburinho

de anjos tramando contra o Sonho... em epilético

mumúrio contra a luz cheirando a pinho...

 

Pinho-pinheiro recontando ao vento

a sua enfermidade-sentimento,

seu pensar de viés com a vontade

 

de podermos mudar nossos destinos —

sem deslocar o eixo da verdade

e voltarmos a ser nossos meninos.

LA 07/004

 

 

 

 

Desenham-Me De Brisas...

 

Desenham-me de brisas rotas tais

que confluem por mim num só caminho

orlado por Eu Sou, o meu Painho,

que vejo em sensações multiversais...

 

Sim, vejo: e em vendo-O, sou-Lhe a nave e o cais

de um viajar na ponta de um espinho

que se abre em rubros sonhos entre o linho

de dourados gorjeios matinais...

 

Um ir-me e vir-me Nele, um respirar-me

pelos poros da vida a revelar-me

o avesso de pegadas cor de vinho

 

e o miolo desse pão que a passarada

( espiando entre os leçóis da madrugada )

vai bicando entre cantos cor de arminho...

LA 07/004

 

 

 

 

Mais Que Rosa

 

Rosinha era especial.

Muito mais que especial —

todo mamífero

apreciaria

ter-lhe a ternura,

o traquejo

e a tecnologia.

 

Sim: mais que rosa,

Rosinha era  uma roseira,

um roseiral inteiro.

Claro que com espinhos e tudo,

que ninguém, meu amigo,

é de ferro,

nem se deve exigir mundos e fundos

de um ser assim tão humano,

não é mesmo?

 

Rosinha não se desfolhava

à toa, à toa

com qualquer ventinho ou brisa...

Era terna, sim, era sensível —

mas sobretudo versada

em tecnologia

de ponta.

 

Verdadeiro prodígio

nos cafunés,

com PhD

naqueles tais chiliques múltiplos

( que ninguém sabe o que é ).

Fosse ministra da saúde

logo-logo acabaria

com as filas enormes

e tensas...

Por onde andasse

arregalava tudo em volta:

os cônjuges machinhos

ficavam esbugalhados

com quatrocentos olhos:

como pés de manacá,

ou caudas de pavão...

Seus braços e cinturas ( deles,

dos cônjuges )

ficavam roxos de beliscões

das patroas.

 

Rosinha era pra lá de demais —

todo mamífero

adoraria

ser triturado,

moído

pela sua ternura

e azeitada maquinaria.

Até o vigário, coitado,

( não contem pra ninguém! ) —

ao vê-la flutuandando pela nave,

                        enfiava a mão no bolso

e se dava tanto beliscão,

que sua amiga,

à noite lá no ninho,

entre encabulada e irônica,

lhe perguntava entre os dentes:

Que diabo é isto aqui, Inácio?!

Ele, é claro,

respondia-lhe honesto:

Penitência, Dolores,

penitência de pecados peludos!

Aí Dolores, compreensiva,

fazia-lhe curativos

nessas e outras dores.

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Rosinha? Nem o Diabo

era diabo suficiente

pra andar-lhe quatro segundos no rastro

sem sentir pena

de ser civilizado...

 

A cidadela viveu aos uivos

( discretos, claro: bem sufocados )

até que apareceu “o fazendeiro”

que a levou para trabalhar pra ele.

LA 08/004

 

 

 

 

 

Pelas Rêmiges

 

Pega teus pensamentos

e tira, quebra-lhes o gesso.

Pega os teus pensamentos

e tira, tira-

lhes a barra de preço...

Os ventos, pega

pelas rêmiges os ventos —

e traduz ( senão me esqueço ),

traduz os seus gemidos,

suas vertigens cor de anil

e vê,

vê por que doem tanto os ventos,

por que doem tanto os ventos.

E pega esses momentos

( cheios de vida e morte )

e arranca-lhes as penas das asas...

Sim, pega esses momentos

e dá-lhes um nó na pressa,

ainda que sem sucesso.

E entre nascimentos

e morrimentos —

saibamos

que morrer é nascer do avesso.

LA 07/004

 

 

 

 

Lembrança

 

Lembro-me: os tempos eram maus.

Engarrafei meus sonhos

e os pus num canto —

improvisei-lhes uma adega.

 

Cortei a lenha

para a lareira...

Aí apareceu Maria:

ficamos bebendo sonhos

em finas,

frágeis taças

de prazer —

até acabar o vinho.

Quando acabou

( a lareira estava acesa ) —

vimos então que o destino

estava escrito nas estrias

dos próprios sonhos.

LA 07/004

 

 

 

 

Não Menos Que Tudo

 

Em troca de nada? Nada.

A liberdade

de não pagar o preço

tem o seu alto custo.

O prazer, a satisfação

são trocas —

pagas de cá

e de lá.

 

Depois da peleja

não há tempo

pra descansar.

É contar os feridos,

os mortos

e desfrutar os despojos

em casa.

 

Em troca de nada?

Tudo.

Sim: não menos que tudo.

LA 07/004

 

 

 

 

Luz-Sombra-Luz

 

É preciso humildade.

É preciso estudo.

É preciso paciência.

É preciso pesquisa.

As coisas não são assim,

nem assim-assim —

as coisas estão sendo:

estão no seu caminho de ser.

A vida é uma estrada em mudanças.

Pronta,

acabada —

nem a nossa insensatez.

É preciso olhar para as pessoas

e para as coisas

de um outro modo —

de uma maneira sempre mais total.

Sim: repensadamente sempre mais total —

onde saber se some a não saber

e não saber seja a humildade-luz

de mais pesquisa,

mais estudo,

mais paciência

e sempre-sempre um outro modo

de ver a coisa-ser.

 

Mister ter sempre em mente

que o amanhã tem uma luz

que faz a luz de ontem

fugir como sombras...

e a luz de hoje

cantar uma canção de integração.

 

Nada é,

nem muito menos

será assim nem de outro jeito

ou de forma padrão-clichê qualquer.

Tudo está sendo diferentemente

lá em chãos do provisório

( em sua estrada-tempo-ser )

o seu glorioso não saber O Quê.

LA 08/004

 

 

 

            

Não Vás Sozinho...

 

Não vás sozinho pela noite imensa —

mas com a bênção que colhes do momento...

Ata um fio entre o cós do pensamento

e o brilho dessa luz em ti suspensa...

 

Não vás sozinho pela noite densa —

mas de mão dada ao forte sentimento

de já teres chegado a teu intento

bem antes de saber a noite intensa...

 

Não vás sozinho pela noite fria —

leva contigo o dom dessa alegria

de acreditar que podes: que é possível

 

não ires só por essa noite horrível —

que engole os sonhos dos mortais... e dança

nua no não haver mais esperança.

LA 08/004

 

 

 

       

 Lá Em Alma Lhe Plantaram...

 

Lá em alma lhe plantaram joio e trigo —

todos os monstros culturais plantaram

e toda a história ( sérios! ) lhe ensinaram —

lhe disseram que o amor é vitiligo

 

do avesso: que o bem/mal é um pintassilgo

que aprecia sementes que secaram

lá entre maio/agosto: onde empalharam

os sonhos de Gisele que um amigo

 

ajudou — mano a mano — a realizar

e a dizer que não eram condizentes

com a idade da menina ainda nuela —

 

e não porque a quisesse resguardar

da fúria de canalhas delinqüentes —

mas por querê-la sua toda ela.

LA 08/004

 

 

 

 

Pato?...

 

— Até que ponto, doutor,

escreviver pode ser

um caso patológico?

— Sei não, seu escritor.

Só sei que além de pato...

pode também ser gansológico.

E esses dois-em-um

podem virar coisose...

Sim, um caso coisótico.

Mas nada que não sare

com algum antibiótico.

LA 08/004

 

 

 

 

Com Ou Sem Calcanhar

 

É isto aí, minha nega,

isso aí,

mais Aquiles,

o velho Aquiles —

com ou sem calcanhar.

E o mais é vida

e quem lá anda.

O mais é vida

e sua angústia a empurrá-la

a mais ser.

LA 08/004