FLORES DE PELE

(Parte 2)

                                                           Laerte Antonio

 

Esta é a  segunda parte e que você possa ainda desfrutar do aroma de todas flores de pele. Abaixo, você navegará por momentos onde poderá saborear todos os aromas de flores de pele.

 

 

                        Amélia

 

Espera um pouco, Amélia, vou coçar-me,

depois me vais fazer o cafezinho.

É muito cedo, amada, pra deixar-me

coçando à mão o que demanda o teu jeitinho.

 

Te faço, ao pé da orelha, um belo carme —

desses que só dão rosas sem espinho ...

enquanto me executas, sem alarme,

mais uma a remexer o seu cadinho.

 

Findo o serviço, amada, então já podes

cuidar da casa entoando hinos, odes —

dando graças por teres o teu homem...

 

Depois, Amélia, vai chamar Dedé

( a que se arde de horror por lobisomem ) —

que me venha tirar bichos de pé.

LA 04/02

 

 

 

         O Frei E Suas Refeições

 

Atrás da horta não. Agora é inverno,

e um pouco de conforto, caro Frei,

não é que vai levar-te para o inferno.

Come em casa (quentinho), e bem o. k.

 

Assim evitas ti-ti-ti perverso,

nem te tornas mais um fora da lei, —

continuas rezando em prosa e verso

tuas missas, e junto à tua grei.

 

Aliás, Frei, que varão fora mais apropriado

pra benzer e comer, pra comer e perdoar

e deixar tudo com um ar celestizado?

 

Come, Frei, come sim. Na horta não, —

na cama: logo após se levantar

o bruto do marido, o bruto do pagão.

LA 05/02

 

 

 

 

                Missão: Fodelança

 

Naquela noite ruminamos nosso amor,

após tê-lo comido o dia inteiro —

minha amiga a intimar: “Vai, André, mais vapor!

Cadê meu homem forte e bordeleiro?!”

 

“Taqui, Eleonor: taqui o seu furor!”

“Tô vendo não, bichinho, a não ser lero!...”

E sovamos aquele domingueiro

amanhecer até virar suor.

 

Nosso almoço foi frango com paçoca.

Nosso café foi creme de acalanto.

Janta? Chave de perna e morsa de cabocla.

 

Na segunda, mandamos os sapatos

na frente, pra assinar o ponto... enquanto

tirávamos os derradeiros carrapatos.

LA 05/02

 

 

 

      Coisas Do Arco...

 

Lembra-se, Estela,

de como eram belas

as tardes de domingo

que não víamos?

 

A gente se amava

no atacado,

e no varejo ruminava

gesto por gesto

daquele amor — devagarinho —

reamado.

 

Lembra-se, Estela,

de como era bela

a saudade

que então não tínhamos?

 

Nosso amor se deliciava

em pastos verdejantes,

enquanto o sol relinchava

em nossa carne

coisas do arco-da-velha.

LA 05/02

 

 

       

              Priscos Piscos

 

Entro dentro de teus olhos,

e ficamos conversando

nessa nesga de céu.

Uma velha maneira

de se fazer amor.

( Yes: it’is an old high-tech...

Priscos piscos, tão priscos

como a mulher de César

e seu copeiro-eunuco... )

 

Brilho com brilho em chispas

de preciosos quilates —

a camisinha é o desejo.

 

Chiques chiliques de azul,

tremeliques de pedras raras,

fricotes estelares...

Faz sempre tempo bom

no teu olhar.

 

Priscos piscos, tão priscos

quanto os maridos saberem

( lá de lado em seu cismar... )

que sua exclusividade,

não raro, é igualzinha ao sonho

do Saci que se sonhava

correndo com um par de pernas.

 

Chiques chiliques de azul,

tremeliques de rosas

que se desfolham à brisa

a arrepiar-lhes a alma

nesse azul de bom tempo

lá dentro de teus olhos.

LA 05/02

 

 

 

        Faróis E Outras Peças

 

Ela tinha os faróis tão bem acesos,

que onde entrasse deixava iluminado.

O mecânico, um cara esguio, sempre engraxado,

é que lhes regulava os focos tesos...

 

Atrás, dois bem cuidados contrapesos,

dando-lhe prumo, alinhamento, grado

visual, e um jeito assim tão acabado —

que falha alguma havia ou pontos indefesos...

 

O andar socado como de modelo,

salto cantante como de martelo,

sorriso de mil lanças espetando...

 

Suas jóias piscavam feito estrelas...

E o busto, quando estava desfilando,

ostentava dois bicos ou sovelas.

LA 05/02

 

 

 

                    Erogrâmico

 

Ali, quem sabe seja verde a grama,

bem mais macia, e o sol um só relincho...

Nem haja perereca, amor, que, com seu pincho

n’água, te assuste, e tremas como rama,

 

rama molhada, amor, se bem que o IBAMA

te estenderia a sua mão ou guincho —

e, presto, te ergueria em meio ao inço,

ao espinho, à sujeira, ao lodo, à lama...

 

Medo de que, Eudócia? A natureza,

esse templo de paz e de beleza,

é mãe que acolhe e ampara, e que consola.

 

Senta-te aqui, moleca, mais pra cá...

A ramagem ao vento... ( assoa nessa estola... ) —

o vento ora pra cá, ora pra lá...
LA 05/02

 

 

 

           Um Pedaço Para Todos

 

Calma.

Há um pedaço de chocolate

para todos.

Um bom pedaço —

de dar disenteria

e deixar todo mundo branco.

Aqui a gente se transforma num torrão.

Você vai e vem,

mas todos aqui sabemos

que você volta: é um dos nossos,

somos uma gleba.

Viva ( em paz não, que é impossível )

viva bem: seja feliz sem infelicitar...

O mais, cada um saiba

o que é o mais...

Viva e não tema

ser hortelão-hortaliças...

Console-se com isso:

estar aqui não é nenhuma delícia...

mas também nehumíssima dor.

Mais um consolo:

você não veio,

trouxeram-no para cá —

e você ( nem ninguém ) reclamou.

LA 11/02

 

 

 

          Bem Antes

 

Do mundo

só temos os estilhaços.

Sérios? Só os palhaços

que ensinam a risada —

a risada banguela

aos que atravessam a pinguela

desencantada —

indo dar sempre em nada.

 

Faz tempo

que trabalhamos no circo

e enviamos o dinheiro do espetáculo

a seus donos.

 

( Cujos nomes nem sabemos, )

pois vivem lá no exterior.

 

Do mundo

só temos a sua coisa enorme

    sem piedade nem unção —

a nos avermelhar o olho

bem antes de nascermos.

Sim: antes de nascermos

já estávamos comprados

e vendidos.

Foderam-nos bem antes

de termos ânus.

LA 11/02

 

 

 

         Por Telefone

 

Pode trair,

Teresa.

Por que me iria preocupar,

se me traindo goza

e faz gozar?

 

Pode trair também

aqueles

com quem me trai —

até, Teresa, a traição

virar em nada:

perder o gozo de trair.

 

Quando cansar, minha putona,

pode voltar —

a gente vira o velocímetro.

LA 01/03

 

 

 

 

          Noite Chuvosa

 

Por uma noite assim chuvosa,

demais me falta uma china —

sem ares de divina,

nenhum dengue de rosa.

 

Uma china que me afine

num diálogo com as mucosas...

Uma china que me ensine

a depenar versos e prosas...

 

Uma china que verdeje

a esperança de espetá-la

na parede: bem no canto...

 

Uma china que peleje

sobre a cama: a estalejá-la

com a xiranha toda em pranto...

LA 01/03

 

 

 

                 Inter-real

 

Ia fazer, mas não: me deu preguiça —

pegou a bocejar o pensamento...

Que fazer? Apelei pro adiamento —

dir-se-ia: dei um nó na hortaliça...

 

E dormi, e sonhei que fora à missa...

E ali te vi nuinha como o vento

a farfalhar-me em todo o sentimento —

crocante, leve, langue: quebradiça...

 

Depois te confessavas com o padre —

( imagina! ): sentada ao colo dele...

A penitência: soda com vinagre...

 

Foi aí que acordei, a arder-me a pele...

E me exigiste: Amor, pendura o tênis

na fechadura: assim escondes o teu pênis.

LA 01/03

 

 

 

           Escudeiros

 

Sobem, descem,

se movem para a esquerda,

para a direita,

apanham no mesmo rosto,

se ralam no mesmo pano...

Sim: são irmãos inseparáveis

no trapézio do cremaster

( servindo à mesma causa ) —

dois escudeiros fiéis.

 

Sim, minha rica senhora,

nós homens temos muito zelo

por esses dois

( inconhos )

sempre batendo à vossa porta,

mas já — por metonímia —

quase adentrados

e com a vossa permissão

docemente enforcados.

LA 02/03

 

 

            Hobbies

 

Ela pinta

e toca.

O maridão

não faz nenhum dos dois,

só dá respaldo.

E ela vai recebendo

seus Oscars

ante o ar arregalado

da cidadela

com um riso ensalivado

entre os olhos.

................................................................

Não é pra menos,

tocar-pintar assim...

Como diria um filósofo frugal:

nem é preciso mais —

só como ela.

LA 08/03

 

 

 

         Cartesianamente

 

Com uma chuva dessas,

um friozinho afrodisíaco,

este vento alcoviteiro

dizendo coisas na veneziana —

sejamos bem razoáveis,

sejamos cartesianos,

minha Amiga:

Somos humanos —

logo, adoramos trepar.

LA 08/03

 

 

             As Tranças Não...

 

Quem sabe se eu viesse com o vento,

não pegasses carona em eu querer-te...

e iríamos num vôo que se converte

em luz pela beleza do momento...

 

Quem sabe no momento de saber-te

a outra parte em mim de um bom intento,

então visses com o próprio sentimento

que é tola dor esse virtual de ter-te...

 

Desse momento em diante, me abririas

a janela do quarto... e jogarias,

as tranças não, a senha a teu porteiro:

 

“Deixe mais um entrar, não tenha medo,

mande-o esperar ( sentado ), caro Alfredo, —

pois este é meu marido, e bom banqueiro.”

LA 09/03

 

 

 

                Fast Food Love

 

Um amor pós-moderno e bom de amar:

um relacionamento fast food...

Nada de telefone ou outro grude

que lhe deslustre o brilho de fungar.

 

Amor alternativo a transonhar

o sonhado que quase desilude...

Amor a prenunciar a desvirtude

de uma virtude que eis... recobra o ar...

 

Vertical riso a aureolar bilau...

Bem pés no chão: “bichô, bichô; pau, pau”.

Engolido com o fogo do flambado.

 

Amor sem nenhum tempo de ser lido...

e bebido antes de desarrolhado...

Tão-já comido quanto descomido...

LA 09/03

 

 

                Ô Xente!

 

Ó tu, bichinho,

que tem um jeito de pitanga...

se me aplicares com capricho

uma sova de xandanga,

te pago, meu bichinho,

o que cobras mais changa.

 

Ó xente, ninguém se manga

de mim não!

que sou velho, mas bom de canga...

Velho, sim, mas nenhum trapo.

E hoje quero chupar manga

com bastante fiapo...

 

Pois vem, bichinha,

vem arretada e me bate, —

bate sem nenhuma zanga:

vamos lutar o bom combate!

Vem, moleca, bem pai-d’égua,

vem, bichinha da molesta,

vem na peneira, na peneira

e dispara

uma sova de xandanga

nos dois lados sem-vergonha

da minha cara.

LA 11/03

 

 

             Adaptação

 

Agora, amada,

que as estações enlouqueceram

( cheias de tiques e aflições ),

o tempo

operiza suas Isoldas

em câmeras apressadas:

cospe e chega com o vento

em ritmos dementes

lá por dias-estações...

E o amor, até o amor

tem orgasmos taimerizados

pra não perder o avião.

 

 

Sim, amada, o amor

já não pode gaguejar

aqueles chiques chiliques

na corola dos lençóis.

 

Saudades?

Que esperança! Nenhumíssima.

Se o amor perdeu em amor,

ganhou logo em amoras:

nunca a gente viu tantas —

roxo-roxinhas de doer.

LA 12/03

 

 

         Do Diário De André

 

Quando eu a acariciava,

de pé,

um fluido arrepiante

me chuviscava pelos dedos...

 

Quando eu a acariciava,

deitados,

a penumbra ( transida )

dava espirros de felicidade

e a gente ficava

que era só coriza...

 

Lá nos fios desencapados,

a gente dava choques

e quando fechava as pontas —

dava curtos delirantes

que aterravam dentro d’água...

Sim: coisa de matar.

LA 12/03